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VENCENDO O DESAFIO DA SEGURANÇA NO BRASIL: UM OLHAR CONSTITUCIONAL E INTEGRADOR

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Academic year: 2021

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VENCENDO O DESAFIO DA SEGURANÇA NO BRASIL: UM OLHAR CONSTITUCIONAL E INTEGRADOR

Vinícius Damasceno do Nascimento* Daniel Mendes Aguiar Santos**

RESUMO

Trata-se de uma breve análise que objetiva examinar o papel constitucional das Forças Armadas em prol da segurança pública e a possibilidade de mobilização das Polícias Militares no contexto da defesa nacional para, a seguir, evidenciar oportunidades de integração que otimizem o enfrentamento da atual crise na segurança pública. Desta forma, espera-se contribuir para o ambiente acadêmico e político nacional com a compreensão da realidade nacional em matéria de Segurança Integrada, um termo tão comentado, mas pouco regulamentado.

Palavras-chave: Forças Armadas. Mobilização Nacional. Polícia Militar. Segurança.

WINNING THE CHALLENGE OF SECURITY IN BRAZIL: A CONSTITUTIONAL AND INTEGRATING LOOK

ABSTRACT

It is a brief analysis that aims to examine the constitutional role of the Armed Forces in favor of public security and the possibility of mobilization Military Police in the context of national defense for, then, highlight opportunities integration that optimize the confrontation of the current crisis in public security. Thus, it is expected to contribute to the national academic and political environment with the understanding of the national reality in Integrated Security, a term so commented, but little regulated.

Keywords: Armed Forces. National Mobilization. Military Police. Security. ____________________

* Doutor em Ciências Militares (ECEME). Mestre em Operações Militares (EsAO). MBA em Gerência de Sistemas Logísticos (UFPR). Especialista em Direito Administrativo Aplicado (Faculdade Dom Bosco). Especialista em Direito Militar (UGF). Possui, ainda, o Curso de Direito Internacional dos Conflitos Armados (ESG). É instrutor da Escuela de Comando y Estado Mayor de la Fuerza Armada de El Salvador e Pesquisador do Instituto Meira Mattos/ECEME, onde desenvolve pesquisas nas áreas de Gestão de Defesa. Contato: damasceno_int2000@hotmail.com. ORCID: orcid.org/0000-0002-8958-2988.

** Doutor em Ciências Militares. Especialista em Operações Militares (ESAO). Especialista em Método de Treinamento Físico (UNIS). Pesquisador do Laboratório de Estudos de Defesa (LED/ ECEME). Contato: daniel.saude@ig.com.br. ORCID: orcid.org/0000-0003-2856-7378.

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SUPERANDO EL DESAFÍO DE SEGURIDAD EN BRASIL: UNA VISIÓN CONSTITUCIONAL E INTEGRANTE

RESUMEN

Este es un breve análisis que tiene como objetivo examinar el papel constitucional de las Fuerzas Armadas en Brasil a favor de la seguridad pública y la posibilidad de movilización de la Policía Militar en el contexto de la defensa nacional, para luego resaltar las oportunidades de integración que optimizan la confrontación de la crisis actual en seguridad pública. Por lo tanto, se espera que contribuya al entorno académico y político nacional con la comprensión de la realidad nacional en Seguridad Integrada, un término tan comentado, pero poco regulado.

Palabras clave: Seguridad. Fuerzas Armadas. Movilización nacional. Policía militar.

1 INTRODUÇÃO

O Brasil é “um país de dimensões continentais” (MOREIRA, 2011; BRASIL, 2012a; 2012b). Sua área terrestre, de 8,5 milhões de km², representa aproximadamente 47% da América do Sul e, por possuir a maior costa Atlântica do mundo, cerca de 7,4 mil km de litoral, sua área marítima totaliza cerca de 4,5 milhões de km². Ademais, o país reúne grandes variações latitudinais, totalizando 5 (cinco) zonas climáticas e, assim, evidencia extremos como o clima superúmido quente, o semiárido e o mesotérmico úmido com temperaturas médias inferiores à 10º C, apresentando diferenças longitudinais que abarcam 4 (quatro) fusos horários (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012).

Tal perfil fisiográfico está associado a um escopo geopolítico ímpar, uma vez que a fronteira terrestre de 15.719 km faz com que o Estado Brasileiro tenha que estabelecer relações com 10 países, dos quais 9 (nove) são sul-americanos e 1(um) europeu, bem como administrar uma faixa de fronteira (BRASIL, 1988, §2º do Art. 20, da CF/88) que abarca 11 estados e 570 municípios (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2017; PINTO, 2013). Adicionalmente, o seu extenso litoral expande suas relações a outros continentes, alcançando países banhados pelo oceano Atlântico e usuários das rotas comerciais que os conectam ao Brasil pela via marítima. Ainda, a existência de inúmeras riquezas nessa vastidão territorial, incluindo minérios estratégicos, patrimônios biogenéticos e fontes energéticas, faz com que o Brasil evidencie áreas de cobiça internacional, como a Amazônia e o Pré-Sal (MOREIRA, 2011; BRASIL, 2012; 2012b).

Socioeconomicamente, esse “país continental” apresenta realidades internas distintas entre os entes da federação (ANTUNES, 1993). Com destaque, o território apresenta-se ocupado de forma desigual, com grande concentração nas regiões metropolitanas do Sul e Sudeste, bem como a maior densidade demográfica ocorre na faixa litorânea. Da mesma forma, existem problemas de diversas ordens, como a

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75 maior concentração de analfabetismo e das condições inadequadas de saneamento no Norte e Nordeste, em oposição às maiores rendas per capta que se concentrarem no Sul e Sudeste (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012). Inevitavelmente, estas desigualdades geram diferentes desafios a serem geridos pelos governos, nas diferentes esferas, tanto para garantir a ordem interna, quanto para manter a unidade política do país.

Neste contexto, o Estado brasileiro, no esforço de construção de respostas aos desafios acima descritos, solidificou instituições com o propósito de contribuir com a segurança e a defesa da nação. Assim, destinados à garantia da ordem interna, foram criados os órgãos de segurança pública1 (OSP), sendo esta atividade denominada segurança pública (BRASIL, 1988, art. 144, da CF/88). Por seu turno, a fim de proporcionar a defesa contra ameaças externas, ou seja, viabilizar a defesa nacional, foram constituídas as Forças Armadas (BRASIL, 1988, art. 142 e 143, da CF/88).

Contudo, ambas as missões são comuns aos dois grupos de instituições, conforme disposto na Carta Magna. Assim, no escopo dos OSP, em que pese as Polícias Militares (PM) e Corpos de Bombeiros Militares (CBM) serem destinados à segurança pública, constituem, também, as forças auxiliares do Exército Brasileiro (EB), sendo mobilizáveis em caso de guerra (BRASIL, 1988, §6º, do art. 144, da CF/88). Por outro lado, em que pese as Forças Armadas sejam vocacionadas à defesa nacional, estas devem, em circunstâncias específicas, garantir a lei e a ordem (BRASIL, 1988, caput do art. 142, da CF/88).

Sob este prisma, este artigo tem o objetivo de analisar o papel constitucional das Forças Armadas, em particular do Exército, em prol da segurança pública, e a possibilidade de mobilização das Polícias Militares no contexto da defesa nacional para, a seguir, evidenciar oportunidades de integração que otimizem o enfrentamento da atual crise de segurança pública no Brasil.

Neste esforço, a abordagem dialética foi eleita como epistemologia desta pesquisa, considerando que os fatos estão em um fluxo constante de transformação e, assim, pressupõe-se a interpretação da realidade de forma dinâmica (DEMO, 1985). Metodologicamente, aplicando o método indutivo, sob uma perspectiva qualitativa, combinou-se a pesquisa documental e bibliográfica, assentada em documentos históricos, livros e artigos científicos. A seguir, realizou-se o exame crítico do material coletado, utilizando a leitura exploratória, seletiva, analítica e interpretativa, apoiada pela técnica de análise de conteúdo (GIL, 2002; SILVEIRA; CÓRDOVA, 2009).

Estruturalmente, o artigo está organizado em cinco seções. Assim, após esta introdução, analisa-se o papel constitucional das Forças Armadas e, a seguir, 1 Segundo o Art. 144/CF 88, a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade

de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares.

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examina-se a mobilização nacional, com o enfoque nestas e nas forças auxiliares. Na sequência, realiza-se uma discussão, à luz do objetivo proposto e, por fim, tem-se a conclusão.

2 O DESÍGNIO CONSTITUCIONAL DAS FORÇAS ARMADAS

No Brasil, a manutenção hodierna da lei e da ordem pública é missão típica da segurança pública. Contudo, caso os OSP se qualifiquem como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes (BRASIL, 1999, §3º do art. 15, da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999) as Forças Armadas deverão ser empregadas na garantia da lei e da ordem (GLO). Com destaque, não é só no Brasil que esse emprego ocorre, sendo considerado uma tendência mundial (PARIS, 2014). Em particular, as Forças Armadas têm executado tarefas de ajuda a autoridades civis em assuntos internos, contribuindo para a estabilidade diante de ameaças híbridas e assimétricas (MACKO, 2014).

Historicamente, o emprego das Forças Armadas brasileiras em prol da segurança não é uma novidade. A Constituição de 1824 já previa o emprego da “Força Armada de Mar e Terra” em proveito da “segurança e defesa do Império”, incluindo o enfretamento de rebeliões (Inc. XXXV, do art. 148). Assentado neste amparo, o Exército foi empregado para conter as rebeliões do Período Regencial: Cabanagem, no Pará (1835-1840); Balaiada, no Maranhão (1838-1841); Sabinada, na Bahia (1837-1838); e Farroupilha, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul (1835-1845) (FARIA, 2015).

Da mesma forma, a 1ª Constituição da República (1891) avançou o tema, explicitando: a possibilidade de intervenção da União nos estados em face da necessidade de “estabelecer a ordem e a tranquilidade” (3º, do art. 6º); a missão das “forças de Terra e Mar” na “manutenção das leis no interior” (art. 14); e a possibilidade de declaração do “estado de sítio [...] em caso de agressão estrangeira, ou comoção intestina” (art. 80). Neste contexto, tal qual no Império, na República ocorreram revoltas internas que foram resolvidas por meio do emprego das Forças Armadas: Guerra de Canudos, no Sertão da Bahia (1893-1897); e a Guerra do Contestado, no Paraná e Santa Catarina (1912-1916) (FARIA, 2015).

Atualmente, o emprego das Forças Armadas deve ser analisado à luz da CF/88, sob a égide de três propósitos: “defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem” (BRASIL, 1988, caput, do art. 142, da CF/88).

No que tange à segurança pública, a Lei Complementar nº 97, de 9 de julho de 1999, prevê que o emprego das Forças Armadas na GLO ocorre quando “esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, desde que “formalmente reconhecidos pelo respectivo chefe do poder executivo federal ou estadual” (§§ 2º e 3º, do Art. 15, da LC nº 97).

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77 Em particular, o Decreto nº 3.897, de 24 de agosto de 2001, ratifica que se os OSP forem incapazes de cumprir suas missões constitucionais e legais, as Forças Armadas poderão ser empregadas em GLO, desde que também ocorra o reconhecimento formal desta incapacidade pelo chefe do poder executivo (Art. 3º, do Decreto nº 3897).

Sob este prisma, sem se deter na missão de defesa da Pátria, torna-se necessário diferenciar garantia dos poderes constitucionais (GPC) de garantia da lei e da ordem (GLO), uma vez que há visões contrárias ao emprego das Forças Armadas nesse sentido (MATHIAS; GUZZI 2010) e até quem confunda GLO com GPC, crendo ser a mesma coisa (CORTÊS, 2008). Logo, existe um aparente hiato de conhecimento sobre tal diferenciação, uma vez que não existe legislação específica sobre GPC e a Lei Complementar nº 97, de 9 de julho de 1999, que dispõe da organização, preparo e emprego das Forças Armadas, apesar de definir o que é GLO, não o faz em relação a GPC.

Entre os autores constitucionalistas como Barroso (2010), Bernardes e Ferreira (2012), Ferreira Filho (2012), Kelsen (2000), Lenza (2016), Mendes (2012), Moraes (2014), Saleme (2011), Silva (2014), Tavares (2012) e Vargas (2010), a lacuna também parece existir, pois, ou não discutem sobre a missão das Forças Armadas, ou se limitam a tratar da defesa do Estado e das instituições democráticas, como garantia da própria constituição, de forma apenas teórica (DALLARI, 1998), sem associar os institutos da intervenção federal, do estado de defesa e do estado de sítio, ao emprego das Forças Armadas e muito menos diferenciá-los de GLO.

Com destaque, a Carta Magna prevê a possibilidade de emprego das Forças Armadas em situação de anormalidade constitucional – a intervenção federal. Assim, a União pode intervir nos demais entes em algumas hipóteses, das quais se evidencia, a título exemplificativo, a manutenção da integridade territorial e o grave comprometimento da ordem pública (BRASIL, 1988, Inc. I e III, do Art. 34, da CF/88). Ademais, a CF/88 prevê dois estados de exceção: o estado de defesa e o estado de sítio. Em particular, o estado de defesa é decretado “para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza” (BRASIL, 1988, caput do art. 136, da CF/88). Já o estado de sítio é decretado quando há “comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa” e como consequência da “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira” (BRASIL, 1988, Inc. I e II do art. 137, da CF/88).

Percebe-se que nestes mecanismos, no contexto da GPC, a segurança pública também fica comprometida, tal qual na GLO, o que faz com que muitos confundam GPC com GLO, como se fossem a mesma coisa, como já comentamos. Portanto, existe uma questão de similaridade intrínseca que dificulta a distinção, uma vez

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que, tanto na GPC, como na GLO ocorre instabilidade social e, consequentemente, as Forças Armadas são empregadas em segurança pública. Por exemplo, no contexto da GPC, sob a égide do Estado de Sítio, a missão de zelar pela segurança pública é atribuída a um órgão específico, função essa típica da polícia, mas que por razões diversas se torna incapaz de executá-la (BOBBIO et al., 1998).

Apesar dos percalços verificados, pode-se afirmar que o conhecimento existe e é solidamente construído. Neste sentido, da leitura de Bahia (2017), Harada (2012), e Amaral Jr (2008), pode-se depreender que a GPC ocorre nos casos de não normalidade: intervenção federal e estados de exceção (defesa ou sítio), no contexto da “defesa do Estado e das Instituições Democráticas” (Título V, da CF/88). Por seu turno, Silva (2014) sustenta que a GLO é de natureza eventual e subsidiária, ocorrendo dentro de um quadro de relativa normalidade em que os OSP, primeiros responsáveis pela segurança pública, não teriam capacidade de fazê-lo. Tal perspectiva se apoia no Art. 15, da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que define como condições para emprego das Forças Armadas em segurança pública: o formal reconhecimento pelo chefe do poder executivo pertinente; e a incapacidade dos OSP, por indisponibilidade, inexistência ou insuficiência.

Avançando a uma exegese do texto constitucional, verifica-se que, segundo as palavras exatas do poder constituinte originário, a garantia dos poderes constitucionais (GPC) refere-se às normas constitucionais e não infraconstitucionais, enquanto a garantia da lei e da ordem (GLO) trata de leis, ou seja, normas infraconstitucionais. Logo, com base na Pirâmide de Kelsen (2000), pode-se afirmar que a GPC visa à defesa de preceitos superiores na hierarquia das leis, se comparado com a GLO. Ademais, a GPC visa defender os poderes constitucionais que, em tese, devem estar ameaçados para se tornar necessária alguma ação defensiva, enquanto a GLO se origina de iniciativa de qualquer desses poderes constitucionais, sendo plausível presumir que estariam em plenas condições de funcionamento, implicando a necessidade de se pensar de forma institucionalizada, ou seja, se existe ou não estabilidade das instituições que os representam.

Do exposto, a GPC e a GLO são propósitos constitucionais das Forças Armadas, embora distintos. Assim, a GPC visa à defesa das instituições que personificam os poderes constitucionais (executivo, legislativo e judiciário), enquanto a GLO, sem risco de comprometimento destes poderes, mas diante da não obediência às leis, da desordem social e da incapacidade dos OSP, visa à “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988, art. 144, da CF/88).

Em resumo, verifica-se que as Forças Armadas podem ser empregadas de três formas distintas. A primeira forma é na defesa nacional (externa), quando o Estado usa a força militar em um conflito armado – a guerra. E as outras duas formas são em segurança pública (interna): quando ocorre a instabilidade institucional pelo desequilíbrio entre os poderes constituintes, sendo necessária a decisão política de se decretar intervenção ou alguma das medidas de exceção; e quando ocorre a

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79 desordem pública e o risco de segurança das pessoas e do patrimônio, com o formal reconhecimento de incapacidade de seus OSP, pelo chefe do poder executivo.

3 MOBILIZAÇÃO NACIONAL: EVOLUÇÃO, LACUNAS E OPORTUNIDADES

A mobilização nacional é um assunto estratégico de “natureza preventiva e antecipatória” para resguardar a soberania do Estado (GASPAR, 2013, p. 107). Historicamente, sua importância é comprovada pela posição que os Estados Unidos da América alcançaram ao fim da Guerra Fria, estribados em dois pilares: invulnerabilidade relativa e sua grande capacidade de mobilização (NATION, 2004). No Brasil, a Escola Superior de Guerra (2014b) conceitua mobilização nacional nos mesmos termos da lei que regula o assunto, conforme Inc. I, do Art. 2º, da Lei nº 11.631, de 27 de dezembro de 2007: “conjunto de atividades planejadas, orientadas e empreendidas pelo Estado, complementando a logística nacional, destinadas a capacitar o país a realizar ações estratégicas, no campo da defesa nacional, diante de agressão estrangeira” (BRASIL, 2007b).

A historiografia mundial trata de mobilização desde épocas remotas, tanto no oriente, como no ocidente. Neste sentido, Ramos (2008) aponta a mobilização realizada pelo povo hebreu para a conquista de Canaã como a mais antiga, por volta do século XIII a.C., após o êxodo (HERZOG; GICHON, 2009). Já no Ocidente, na Roma do século IV, Vegecio afirmava que: “quem anseia pela paz, prepare-se para a guerra; quem anseia a vitória, adestre cuidadosamente seus soldados; quem anseia por resultados, lute se valendo da arte, e não do acaso” (2006, p. 241). Neste contexto, a mentalidade acerca de uma mobilização já instigava o devido preparo, adestramento e planejamento – implícita a dicotomia entre arte e acaso.

Embora Gaspar (2013) identifique ações isoladas de mobilização nos séculos XVII, na Suécia, e XVIII, na Prússia, a própria autora determina o século XIX como marco temporal que representa a maior atenção dada ao tema pelas potências ocidentais, com destaque ao sistema prussiano Kanton2, no qual as unidades militares passaram a ser distritais, sendo mobilizáveis e desmobilizáveis (LINCH, 2012).

No Brasil colonial, a mobilização evidencia-se quando, em 1542, na Capitania de São Vicente, foi criada uma milícia formada por brancos, mestiços e índios. Já no Nordeste, André Vidal de Negreiros, um dos heróis das duas Batalhas de Guararapes contra os Holandeses, em 1648 e 1649, é reconhecido “por coordenar a mobilização de tropas e de meios nos sertões nordestinos” (FARIA, 2015, p. 66).

2 O sistema Kanton (alemão: Kantonssystem) foi um modelo de recrutamento usado pelo exército prussiano entre 1733 e 1813. O país foi dividido em distritos de recrutamento chamados cantões (Kantone), sob a responsabilidade de um regimento. O novo sistema substituiu o recrutamento coercivo, que por sua vez substituiu a contratação de forças mercenárias dispendiosas, permitindo que o exército dobrasse de 38.000 para 76.000, tornando-se o quarto maior da Europa.

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A seguir, outro evento importante foi a mobilização feita por Gomes Freire após a Guerra Guaranítica, no contexto da definição dos limites no sul do Brasil, e do recrudescimento, na Europa, da Guerra dos Sete Anos (1756-1763), implicando o “pacto de família” entre os Bourbons (da Espanha, da França e de Nápoles), que acabou levando à invasão de Portugal, aliado da Inglaterra. Ele mobilizou os moradores de Viamão e Laguna para compor uma “companhia de aventureiros” e os moradores de São Paulo para comporem outras quatro dessas companhias. Com isso, as defesas do Sul foram reforçadas diante da ameaça espanhola. Em que pese se tenha perdido a Colônia de Sacramento neste episódio, o Coronel Tomás Luís Osório, comandante do Forte do Rio Pardo, apoiado pelas tropas mobilizadas, pôde ocupar a região espanhola de Castilhos e construir a Fortaleza de Santa Teresa.

Com a independência (1822), a obrigação de cada cidadão ser um soldado constou no art. 145 da CF de 1824: “Todos os brasileiros são obrigados a pegar em armas, para sustentar a independência e integridade do Império, e defendê-lo dos seus inimigos externos ou internos”. Contudo, a seguir, no art. 146 ficou claro que a força militar, que embora devesse ser “permanente, de Mar, e Terra”, ainda não existia e, consequentemente, no art. 150 ficou previsto que seria regulada a organização do Exército por “ordenança especial”. Tal organização gerou a formação de três níveis: uma tropa de primeira linha (regular) que enfrentou dificuldades de recrutamento, uma vez que o serviço militar era visto como um revés em virtude dos castigos corporais permitidos na caserna e da baixa remuneração; e as tropas de 2ª e 3ª linha, nas quais se destacava a Guarda Nacional, sob comando do Ministério da Justiça, sendo a origem do que hoje se conhece por Polícia Militar (FARIA, 2015).Neste contexto, tal qual a Europa medieval utilizou serviços de mercenários, o Brasil pós-independência, também o fez, podendo ser citados: Lord Cochrane, John Grenfell, Pierre Labatut, James Norton e Jhon Taylor. Já em 1865, diante da resistência da elite que formava a Guarda Nacional em ir à Guerra do Paraguai (1864-1870), houve uma pequena melhora no sistema de mobilização, sendo criado os Corpos de Voluntários da Pátria (com a participação de negros), instigados por uma remuneração de 500 réis diários e por uma gratificação após a baixa (incluindo terras), conforme Decreto nº 3.371, de 7 de janeiro de 1865 (FARIA, 2015).

Já na República, a Constituição de 1891 tratava as “forças de Terra e Mar” como “instituições nacionais permanentes” (art. 14), abolindo o “recrutamento militar forçado” (§3º, do Art. 87), embora todo brasileiro fosse “obrigado ao serviço militar, em defesa da Pátria e da Constituição” (art. 86), primeiro pelo voluntariado e, depois, pelo sorteio (§4º, do art. 87). Ainda, empregava o termo mobilização, expressamente, prevendo a mobilização da Guarda Nacional e milícias cívicas (nº 20, do art. 34).

Embora existissem instrumentos de mobilização, a institucionalização do processo ocorreu, de fato, com a criação do Estado-Maior do Exército (EME), à luz da Lei nº 403, de 24 de outubro de 1896, que incumbiu a este a responsabilidade

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81 pela mobilização. Adicionalmente, por meio do Decreto nº 5.698, de 2 de outubro de 1905, foi criada a Escola de Estado-Maior do Exército, no intuito de atender as necessidades do EME, formando oficiais para o comporem (caput, do art. 49) o escopo de pessoal das áreas da mobilização (PERES; CÂMARA, 2005).

Na sequência, a Constituição de 1934, mantendo o serviço militar obrigatório, inovou, prevendo a mobilização de todo cidadão junto às Forças Armadas e às “organizações do interior” (art. 163). Em particular, contribuiu para a institucionalização, no âmbito da União, com a criação do “Conselho Superior de Segurança Nacional” e dos “órgãos especiais”, visando “atender as necessidades de mobilização” (caput, do Art. 159). Ainda, diferentemente da Constituição de 1891, na qual a Guarda Nacional e as milícias eram mobilizáveis, na Carta de 1934 elas foram extintas e a mobilização se voltou, pela primeira vez, às Polícias Militares, como reservas do Exército (art. 167), mantendo-se assim até a Constituição de 1937.

Com a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a mobilização nacional ganhou novo impulso, pois ficou constatado que as nossas Forças Armadas estavam desestruturadas, eram insuficientes e desqualificadas (FARIA, 2015). Com isso, a Constituição de 1946 ampliou o sistema de formação da reserva ao prever “tiros de guerra e outros órgãos de formação de reservistas” (§4º, do art. 181). Além disso, as Polícias Militares dos Estados passaram a ser, além de reserva do Exército, sua força auxiliar (art. 183) e, consequentemente, criou-se uma vinculação desde a situação de normalidade e não apenas quando decretada a mobilização, nos casos de possível guerra externa ou civil.

Avançando, em 1969, a convocação e a mobilização das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, do Território e do Distrito Federal foram reorganizadas por meio do Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, quando foi criada a Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM), vinculada ao Exército. Embora o referido Decreto-Lei deva ser considerado recepcionado como Lei Ordinária pela atual Constituição, cada dispositivo requer análise particularizada. Neste sentido, por força do Inciso XXI, do art. 22, da CF/88, a União possui competência privativa para legislar sobre “normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares”. Consequentemente, as previsões afetas à instrução, ao ensino, à justiça e à disciplina, constantes do decreto-lei supracitado, que constavam no art. 8º, Inc. XVII, “v”, da Constituição de 1969, não foram recepcionadas por força da manutenção do pacto federativo.

Neste contexto, atualmente, as Forças Armadas (FFAA) e as forças auxiliares possuem relação bem definida na mobilização nacional, quando relacionadas à defesa nacional (BRASIL, 1988, Inc. XXI e XXVIII, do art. 22 e no Inc. XIX, do art. 84, da CF/88). Sob este arcabouço, sua normatividade é exclusiva da União e sua decretação é prerrogativa do Presidente da República, habilitando o emprego das Polícias Militares como forças auxiliares do Exército.

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Por outro lado, a Lei nº 11.631, de 27 de dezembro de 2007, que trata da mobilização nacional, nada fala sobre as forças auxiliares e sobre os órgãos de segurança pública (BRASIL, 2007b), demonstrando que só o Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, regula a questão, sendo válido apenas quando a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar forem mobilizados. É fato que a literatura já identificou conflitos legais no que tange a relação Polícias Militares e mobilização nacional (SOUZA, 2010).

Assim, ao analisar o Decreto nº 6.592, de 2 de outubro de 2008, que regulamenta a Lei de Mobilização Nacional, percebe-se que, por colocar o Ministério da Defesa como órgão central do chamando Sistema Nacional de Mobilização (SINAMOB), limita-o, por não ter, este ministério, capacidade de impor obrigações aos demais ministérios, dos quais se destaca, para fins deste trabalho, a Casa Civil (responsável pelo subsistema setorial de mobilização política) e o Ministério da Justiça (responsável pelo subsistema setorial de segurança, coordenando os OSP).

Já em 2012, sob uma perspectiva mais ampla, a Política Nacional de Defesa (PND), evidenciou, no seu item 7.12 (orientações gerais), a mobilização nacional como um instrumento importante para a efetividade da estratégia de dissuasão adotada pelo Brasil, embora, vinculando-a apenas à defesa externa. Como consequência, a Estratégia Nacional de Defesa (END) inclui o tema no escopo de suas ações estratégicas, vinculando-o à necessidade de se obter a devida elasticidade3 para o emprego de uma força de reserva que responda ao porte das ameaças enfrentadas, considerando o serviço militar obrigatório, como uma das ferramentas para a obtenção da referida elasticidade (BRASIL, 2012b). Esta mesma perspectiva é mantida nas atuais PND e END, sem, contudo, ainda se falar da segurança integrada (BRASIL, 2018).

Em particular, no Exército, o responsável pela mobilização de pessoal é o Departamento Geral de Pessoal e anualmente são realizados exercícios de apresentação da reserva, sendo os únicos exercícios de mobilização realizados no âmbito do EB, mas que, quando ocorrem, não envolvem as Polícias Militares (RIBEIRO, 2010).

De forma geral, fruto do exposto e apoiado nas ideias de Ramos (2008) e Ribeiro (2010), a evolução das constituições brasileiras demonstra que o conceito da mobilização nacional se desenvolveu de forma autóctone, juntamente com a formação do próprio embrião do Exército, acompanhando a tendência mundial.

Em uma síntese apertada, percebe-se um avanço latente no pensamento de mobilização nacional, na área de pessoal, mas também se percebe uma ruptura, a partir da Constituição de 1988, no que se refere ao vínculo criado entre Forças Armadas e forças auxiliares, estabelecido pela Constituição de 1934. Neste sentido, apesar de a Lei de Mobilização Nacional (2007) ter contribuído para a formação 3 Trata-se da capacidade de aumentar rapidamente o dimensionamento das Forças militares

quando as circunstâncias o exigirem, mobilizando em grande escala os recursos humanos e materiais do País. Disponível em: https://www.defesa.gov.br/glossario/#gloss-E. Acesso em: 23 jun. 2018.

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83 de um sistema, encadeando vários documentos, a legislação ainda carece de dispositivos para regular as reais necessidades nacionais. Em particular, a referida lei não dialoga com a Lei de Serviço Militar (BRASIL, 1964), gerando um hiato de regulamentação na mobilização das Polícias Militares como reserva do Exército, em situação de normalidade.

4 DISCUSSÃO: SUPERANDO OS ÒBICES À INTEGRAÇÃO

Por meio da análise do papel constitucional das Forças Armadas, em prol da segurança pública, e da possibilidade de mobilização das Polícias Militares no contexto da defesa nacional, observa-se que a GLO e mobilização nacional são institutos constitucionais distintos, mas que quando tem a sua relação induzida, permitem ampliar e aprofundar a discussão sobre segurança pública e defesa nacional. Além de deter o potencial para harmonizar uma integração entre as Forças Armadas e os OSP, pois como se verificou, em que pese a existência de pontos divergentes, os propósitos gerais são similares.

Neste sentido, considerar as instituições Forças Armadas e OSP como meios de coerção do Estado habilita uma lógica apropriada à percepção da relação entre de GLO e mobilização nacional, principalmente no que tange a sua complementariedade e suplementariedade. Assim, apoiado pela visão de Clausewitz (1832), contempla-se o fato de que “a guerra é meramente a continuação da política por outros meios” (1984, p. 91). Logo, fruto do exposto, a GLO pode ser percebida como a continuação da segurança pública por outros meios – os da defesa Nacional, ou seja, as Forças Armadas. Da mesma forma, a mobilização nacional pode ser identificada como a continuação da defesa nacional por outros caminhos – os da nação como um todo, incluindo os OSP.

Apesar da existência de pontos de contato entre segurança pública e defesa nacional, entre os institutos da GLO e da mobilização nacional e entre as instituições Forças Armadas e OSP, alguns óbices se apresentam e devem ser considerados, principalmente, quando se enseja uma abordagem integradora das Forças Armadas com as Polícias Militares. Em particular, a própria dimensão do Brasil é um desafio a ser superado, tendo reflexos, por exemplo, em distintas Polícias Militares a serem integradas, entre si e com as Forças Armadas, o que sugere a ideia de uma coordenação nacional, transbordando a ação singular dos Estados.

Ainda, as legislações de GLO e de mobilização nacional foram desenvolvidas de forma dissociada, carecendo de atualização e integração. Por exemplo, quanto à GLO, a Lei de Organização, Preparo e Emprego das Forças Armadas trata, como atribuição subsidiária as operações em faixa de fronteira (caput do Art. 16-A, da LC n° 97/1999), que seriam facilmente enquadraras como GLO, uma vez que é um local onde a presença do Estado é rarefeita, caracterizando a insuficiência de OSP na região.

Por seu turno, quanto à mobilização de pessoal, a Lei de Mobilização Nacional, apesar de falar do assunto, não trata do Serviço Militar Obrigatório e nem do emprego

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dos OSP. Ademais, ao estabelecer o Ministério da Defesa como o órgão central do SINAMOB, entende-se que limita o conceito a apenas uma instância do poder estatal, a esfera militar, pois, se a legislação não tem responsabilidades impositivas e entre os ministérios não há hierarquia, sua eficácia fica comprometida. Ainda, à luz do arcabouço atual, só ocorre mobilização nacional quando o país estiver nos casos de defesa externa ou em GPC, inviabilizando a mobilização das Polícias Militares4, como reserva do Exército, por ocasião do emprego das FFAA na GLO.

Ainda, cabe salientar que após a Constituição de 1988 foi identificado um maior distanciamento entre as forças auxiliares e o Exército. Isso se deveu ao fato de que a legislação de mobilização não foi recepcionada e nem atualizada, bem como a própria Inspetoria-Geral das Polícias Militares (IGPM) perdeu sua capacidade de coordenação, deixando órfãs as Polícias Militares dos estados, em relação à União. Por outro lado, historicamente, pela análise das próprias constituições, como verificado, em grande parte da história democrática brasileira, as Polícias Militares ficaram vinculadas ao Exército e não ao Ministério da Justiça.

Consequentemente, cabe a reflexão acerca de tal desvinculação, observando os efeitos advindos da extirpação da perspectiva da segurança nacional da Constituição de 1988, enquanto no mundo, a referida perspectiva evoluía para englobar a segurança pública e a defesa nacional (MILANI et al, 2014). Neste contexto, Oliveira (2009), Lazzarini (1998), Mathias e Guzzi (2010) e Silva (2014) atribuem esse expurgo a questões ideológicas de repulsa do Poder Constituinte (1988) ao regime anterior e a sua Doutrina de Segurança Nacional5, mas o fato é que seu resultado foi o distanciamento entre Polícias Militares e Exército Brasileiro. De forma geral, diante deste quadro, constata-se que para a superação dos óbices à integração, são necessários planejamento e previsão, desde o tempo de normalidade. No que se refere à GLO, tal superação já se encontra demasiadamente atrasada, uma vez que a legislação não ampara a referida integração. Ademais, no caso da mobilização nacional, a frequência acentuada das operações de GLO não permite uma análise acurada da metodologia a ser aplicada e impacta negativamente na natureza e no potencial preventivo da mobilização.

Essa perspectiva é tão notória e essa relação é tão natural a ponto de existir um fenômeno recente que podemos denominar de surgimento da “segurança integrada”. Embora não apareça nos documentos de defesa e em nenhuma 4 Sob uma perspectiva ad hoc, destaca-se que a chamada Força Nacional de Segurança Pública

(FNSP) é um instrumento temporário, uma vez que não tem assentamento legal na CF/88. Mesmo assim, tem sido empregada pelo Governo Federal, em acordo com o chefe do poder executivo estadual, em várias situações preventivas e repressivas no escopo da GLO, evidenciando a lacuna de integração entre GLO e mobilização nacional.

5 Trata-se de doutrina desenvolvida pela Escola Superior de Guerra (ESG) que estabelecia critérios de atuação para que o Brasil alcançasse e mantivesse os objetivos nacionais que deveriam ser a razão precípua do Estado Nacional. Tal doutrina indicava como principais objetivos nacionais permanentes (ONP), a segurança e desenvolvimento.

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85 legislação federal6, o termo já é citado por Pinheiro (2009), Hallwass (2007), Colpani (2011) e pelo Ministério da Defesa, tanto no âmbito do Manual de GLO (BRASIL, 2013), quanto de forma detalhada, no Glossário das Forças Armadas, que define segurança integrada como “Expressão usada nos planejamentos de garantia da lei e da ordem da força terrestre, com o objetivo de estimular e caracterizar uma maior participação e integração de todos os setores envolvidos” (BRASIL, 2007a, p. 236).

Portanto, o conceito da segurança integrada embora real, mas ainda não solidificado, é uma tentativa de substituir o conceito extirpado de segurança nacional, contudo sem o condão de impor responsabilidades, razão pela qual se tem mostrado pouco eficiente. Pari passu a este debate, diante da crise de segurança pública atual, verifica-se outro fenômeno, o ressurgimento da discussão acerca da perspectiva da segurança nacional, instigada a partir de 2012, com a PND e com a END, e intensificado nos atuais Documentos de Defesa, recém-aprovado ao final de 2018.

5 CONCLUSÃO

Este estudo analisou o papel constitucional das FFAA, em particular do Exército, em prol da segurança pública, e a possibilidade de mobilização das Polícias Militares no contexto da defesa nacional. Neste sentido, com base no exposto na discussão, cabe, no âmbito desta conclusão, evidenciar as oportunidades de integração que tenham o potencial de otimizar o enfrentamento da atual crise de segurança pública no Brasil.

No âmbito das oportunidades, de antemão, deve-se considerar que o atual debate acerca da segurança integrada é uma tentativa natural de se preencher uma lacuna de integração deixada pelo poder político, por razões históricas e ideológicas, contudo, nunca terá o mesmo efeito que o conceito de segurança nacional. Desta feita, diante do debate ascendente acerca da segurança nacional em face da segurança pública e da mobilização nacional, dois segmentos de sugestões se tornam pertinentes.

Primeiramente, embora o tema segurança pública esteja mais evidente que mobilização nacional, já que a última participação do Brasil em guerras foi em 1945 e fora do seu território, apesar da ocorrência de várias participações das FFAA em operações de GLO, é a mobilização nacional que permite uma maior discussão acerca da integração. Neste sentido, o estudo da mobilização nacional não apenas ilumina as questões de pessoal, cujo reflexo seria percebido, inclusive, nas relações entre as Forças Armadas e os OSP, com ênfase nas Polícias Militares dos Estados, mas alcança outras áreas, como a economia, os transportes, as comunicações, a indústria de defesa etc.

6 Consulta realizada em 20 abr. 2017, no link disponível em: https://legislacao.planalto.gov.br/ legisla /legislacao.nsf/fraWeb?OpenFrameSet&Frame=frmWeb2&Src=/legisla/legislacao.nsf%2FF rmConsultaWeb1%3FOpenForm%26AutoFramed

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Além disso, torna-se necessário reconhecer que a defesa nacional e a segurança pública são conceitos que, no Brasil, são tratados de forma estanque e setorizada. Por outro lado, a academia, principalmente no exterior considera ambas debaixo de um grande “guarda-chuva”, chamado segurança nacional. A própria Constituição Federal de 1988 reconhece o termo ao empregá-lo no art. 173, quando fala de “exploração direta de atividade econômica pelo Estado”, entretanto não o emprega nas áreas que mais lhe são afetas, segurança pública e defesa nacional.

Ainda que seja possível inferir que essa deficiência de preocupação com assuntos de segurança e defesa, no caso do Brasil, possua alguma causa histórica, não se pode, pelo exposto, afirmar que exista distância entre segurança pública e defesa nacional, embora cada uma trilhe rumos próprios, quer seja, pela natureza principal de cada instituição envolvida, quer seja, porque as próprias Polícias Militares possuem realidades diferentes em cada unidade da federação.

Assim, conforme a figura 1, propõe-se a prospecção de um conceito pouco explorado na Constituição atual, o conceito de segurança nacional, abarcando a segurança pública e a defesa nacional e, consequentemente, integrando OSP e FFAA, em prol da condução, tanto da garantia da lei e da ordem, quanto da mobilização nacional, sob uma abordagem integral e holística.

Figura 1 – Modelo de integração entre segurança pública e defesa nacional

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87 Assim, ambas as áreas seguiriam orientações superiores do poder político da União, ao qual cabe, com exclusividade, legislar acerca da segurança pública e da mobilização nacional, fomentando maior integração entre as instituições, OSP e Forças Armadas, ao explorar com mais efetividade as áreas de convergência (figura 1), entre tantas outras áreas que podem ser securitizadas, à luz de uma abordagem integral.

Desta forma, sugere-se maior atenção do poder legislativo sobre os temas da GLO e da mobilização nacional, recomendando-se que mais pesquisas sejam realizadas, visando explorar a eficiência das possibilidades de integração entre as instituições, quer seja nas ações de GLO ou nos exercícios de mobilização nacional. Em particular, uma atualização das legislações poderia garantir o melhor emprego de ambas as instituições, Forças Armadas e Polícias Militares, nas duas missões, avançando as perspectivas da coordenação, da cooperação e da integração, em todos os níveis de governo e alcançando todos os entes da federação.

À guisa de conclusão, recomenda-se que o tema segurança nacional seja melhor explorado, tanto por civis, quanto por militares, a fim de que a sociedade se conscientize de que a segurança nacional é dever de todos e, conforme identificado por Clausewitz (1832), tenha a política como sua coirmã, representando o povo na definição dos objetivos da segurança pública e da defesa nacional para, em última instância, garantir à nação, respectivamente a ordem pública e a soberania.

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Recebido em: out. 2019 Aceito em: jun. 2020

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