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SIGNO LINGUÍSTICO: LINGUAGEM E SEMIÓTICA EM PEIRCE

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SIGNO LINGUÍSTICO: LINGUAGEM E SEMIÓTICA EM PEIRCE

Paulo Henrique Silva Costa Universidade Federal de Minas Gerais

RESUMO: Na Gramática Pura ou Especulativa, Peirce apresenta sua Semiótica como um estudo da

representação, precisamente, da representação por meio de signos. Entretanto, a noção de representação, extraída a partir da terceira categoria da Fenomenologia do autor, parece direcionar a Semiótica não para o campo formal do estudo da linguagem tão somente, mas sim para uma análise mais ampla do processo cognitivo que está por detrás da representação por meio de signos. Portanto, assumindo essa premissa inicial, o objetivo deste texto é tentar responder a três questões, a saber: a) o que pode ser definido como linguagem na Semiótica de Peirce?; b) qual é o problema de se pensar o signo como unidade linguística?; c) são todas as tricotomias peirceanas, tricotomias linguísticas?

Palavras-chave: Semiótica; Linguagem; Signo.

Introdução

A estrutura da Semiótica – Gramática Pura ou Especulativa – é pensada por Peirce,1 conforme Santaella,2 como uma relação triádica que tem por finalidade criar um inventário ou mapeamento de todas as formas possíveis de representação ou significação. O que Peirce visa criar, portanto, é um diagrama do modo como a mente3 interpreta a realidade. Dessa forma, o diagrama conceitual4 de Peirce possui a seguinte estrutura:

1

Cf. CP, 2. 93: “Gramática Especulativa é a doutrina da condição universal do simbolismo e de outros signos, que têm o caráter de significação. É o departamento da lógica universal que estamos a todo o momento nos ocupando”. Ou, “Podemos denominá-la gramática pura. Tem por objetivo determinar o que deve ser verdadeiro a propósito do representamem utilizado por toda inteligência científica para que possam incorporar um significado”. Cf. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1975. p. 94.

2

Cf. SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007. 3

Mente refere-se à estrutura do signo, a saber, um signo é um objeto interpretado. 4

É importante salientar que o diagrama utilizado aqui não é o único apresentado por Peirce, mas sim o desenvolvido pelo autor entre os anos 1906 e 1910, o que corresponde ao terceiro momento de desenvolvimento da Semiótica. Cf. Peirce’s Theory of Signs. In: Stanford Encyclopedia of Philosophy. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/peirce-semiotics/>. Acesso em: 6 mar. 2012. Conferir também: The Cambridge Companion to Peirce (2004), cap 9, The Development of Peirce’s Theory of Signs.

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Figura 1

Fonte: SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 12.

Como a Semiótica (estrutura do signo) é extraída a partir da Fenomenologia,5 Peirce busca com essa Fenomenologia “os modos concretos da experiência”,6 ou, em outras palavras, busca as propriedades lógicas mais gerais que estão presentes na experiência. Em On a new

list of categories (1867),7 Peirce apresenta essas propriedades gerais com o nome de

qualidade, relação e representação.8

Assim, a qualidade é a propriedade primeira da experiência, caracterizada, sobretudo, pelo caráter imediato da apreensão. A relação é a propriedade segunda da experiência, de modo que toda relação se dá a partir de uma qualidade – sendo também posterior a esta. Já a representação, como propriedade terceira da experiência, é uma resultante direta da qualidade e da relação. Em termos concretos, por exemplo: a cor vermelha de uma maça é a sua qualidade (impredicável), isso porque a predicação “maça vermelha”' já é a qualidade “vermelho” sendo aplicada à relação “maça”. Por conseguinte, a representação extemporânea “maça vermelha” é a representação de uma qualidade identificada na relação. Com isso, a Semiótica de Peirce pensada como um diagrama do modo como a mente interpreta a realidade seria, desse modo, um estudo voltado à análise da terceira propriedade da experiência,9 isto é, análise da representação. Tal análise incluiria assim a tríade semiótica: signo, objeto e interpretante.

Logo, sendo a Semiótica a ciência que estuda as formas de representação, ou o estudo de como uma qualidade pode estar apresentada em uma relação (fora de uma restrição

5

No diagrama da filosofia, chamado por Peirce de ciência da descoberta, a Fenomenologia aparece como a primeira área de investigação. Isso porque, conforme o diagrama, toda análise conceitual deve partir inicialmente da experiência e, portanto, da Fenomenologia.

6

Cf. IVO, Ibri. Kósmos Noétós: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Perspectiva, 1992. 7

Disponível em: <http://www.iupui.edu/~peirce/writings/v2/w2/w2_04/v2_4.htm>. Acesso em: 5 jun. 2014. 8

Também conhecido como: primeiridade, secundidade ou segundidade e terceiridade. Int. Imediato Int. Final Obj. Dinâmico Fundamento (2) Objeto Imediato (1) Signo (3) Interpretante

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temporal finita), os elementos signo, interpretante e objeto seguem, de modo formal, as propriedades descritas na Fenomenologia, em especial as categorias. Entretanto, a Fenomenologia se restringe à experiência, ao passo que a Semiótica se restringe à representação ou ao pensamento. Por conseguinte, a questão base presente na Semiótica é saber: como é possível o processo de representação, de modo que tal processo estabeleça formalmente uma mediação (inteligível) entre qualidade e relação? Ou seja:

a) quais são as condições necessárias para a relação: signo/realidade, linguagem/signo, signo/pensamento?;10

b) o que torna tal processo significativo, isto é, quais as condições necessárias para que um signo obtenha significado?

A primeira condição para que isso ocorra e a única que iremos nos ater neste texto é a seguinte: todo signo representa alguma propriedade do objeto para um interpretante.11

Signo como representação

Todo signo é significativo, isto é, representa (e apresenta) alguma propriedade do objeto para um interpretante. Isso porque todo signo expressa sempre uma relação triádica com o objeto e, logo, com o interpretante (mesmo que tal relação possa ser não genuína ou incompleta, também chamada por Peirce de degenerada). Portanto, representar, em Peirce, refere-se à propriedade lógica de extrair alguma propriedade do objeto, precisamente de apresentar o objeto a partir daquela propriedade.12 No caso da Semiótica, o signo representa (ou reapresenta) o objeto para um interpretante.

O objeto, nesses termos, é algo em parte diverso do signo, isto é, é aquilo que determina a representação do signo, ou o que o signo tem por objetivo representar. Entretanto, para representá-lo, tanto objeto quanto signo devem estar inseridos em alguma condição real de significação, ou em algum meio significativo para que tal relação seja de fato realizada.

9

Muito embora as outras propriedades também estejam presentes nos outros níveis de representação que a Semiótica contempla, por exemplo, quali-signo e rema.

10

Este texto irá se restringir apenas à análise semântica da Semiótica. 11

Ao longo do The Collected Papers, Peirce fornece inúmeras definições de signo, entre elas algumas sucintas, outras complexas. Neste texto iremos assumir apenas uma definição geral, qual seja: o signo representa uma certa propriedade do objeto para um interpretante. Para conferir as demais definições de signo, Cf. A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. Cap. 1, Do Signo, e Cap., 4 Signo revisado.

12

O termo propriedade é empregado aqui, assim como em Peirce, de modo genérico, referindo-se a qualquer qualidade, característica, singularidade, ideia, etc., que possa ser extraído do objeto.

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Assim, o interpretante surge, como condição necessária, para que o signo represente o objeto de fato, em algum aspecto ou qualidade.

Contudo, o objeto não é tão somente um fato físico, oposto à mente, mas pode se referir a um conjunto de propriedades, uma ideia, uma abstração, um universal. Nesse sentido, Peirce divide o objeto em dois tipos, conforme apresentado anteriormente na FIG. 1: (i) objeto dinâmico, (ii) objeto imediato.

O objeto imediato é o objeto, tal como está expresso pelo signo. Já o objeto dinâmico é o objeto real, precisamente, aquilo que o signo não consegue representar de forma absoluta. Na estrutura objeto, signo e interpretante, o objeto imediato é o modo como o objeto dinâmico se apresenta para o interpretante. Assim, o objeto dinâmico é sempre mediado, de modo que ele mesmo não é representado. Esse é inclusive um problema clássico dentro da tradição filosófica, isto é, há representações que se referem apenas à parte de um conjunto de propriedades de um objeto e há representações (possíveis ou ideais) que se referem a todo o conjunto de propriedades de um objeto. Dessa forma, o objeto imediato é esse conjunto de propriedades que é representado pelo signo para um interpretante. O que é, em princípio, totalmente diferente da representação – se possível – de todas as propriedades de um objeto, o que Peirce chama de objeto dinâmico.13 Ademais, caso fosse possível representar todas as propriedades do objeto dinâmico, não haveria erro no conhecimento (e na representação) da perspectiva daquilo que é representado. E, se fosse possível tal capacidade representativa, então o erro real da representação14 não deveria estar na matriz do objeto, mas sim do interpretante.

Do outro lado da tríade, todavia, há a noção lógica de interpretante, que não é definido pelo termo interpretação, leitura, etc., mas refere-se ao “lugar” ou condição lógica na qual o signo “toma forma”. Logo, interpretante é sinônimo de condição lógica que permite ao signo representar de alguma forma o objeto. Sem a noção de interpretante, não haveria a noção de signo nem de objeto para o signo, dado que tal relação é triádica. Assim, a noção de interpretante é ampla e Peirce a divide em três modos, conforme exposto na FIG. 1: interpretante imediato, interpretante dinâmico e interpretante final.

a) Interpretante Imediato refere-se àquilo que o signo está apto a produzir. Significa uma propriedade ainda não atualizada. Ex.: antes de Jean-François Champollion

13

Peirce parece pensar a representação de modo não extensionalista, mas de certo modo intensionalista. 14

Peirce reconhece que toda representação deve ser falível, justamente pelo fato de que o objeto dinâmico não pode ser representado em sua totalidade. Peirce chama essa propriedade inerente à representação de falibilidade ou falibilismo. Cf. PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica e filosofia. Trad. Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix, 1975. p. 23.

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conseguir decodificar os hieróglifos Egípcios, todas as informações ali contidas nada significavam de fato, apenas se mostravam como um potencial ainda não explorado da cultura egípcia.

b) Interpretante Dinâmico refere-se ao que o signo efetivamente produz em uma mente (interpretante), o que pode ser descrito em três níveis. Interpretante Emocional (o efeito se realiza como qualidade de sentimento); Interpretante Energético (o efeito se realiza como uma ordem física, psicológica, ou ação mental); e Interpretante Lógico (em que o efeito se realiza como uma regra ou lei de interpretação). Nessa tríade, primeiro os hieróglifos provocariam admiração, sem nada representar; segundo, a admiração seria vista nas formas ali contidas, denotando algum sentido, mas nenhum significado; e terceiro, os hieróglifos seriam decodificados exaustivamente, denotando algum significado.

c) Interpretante Final refere-se ao efeito real e geral, no qual todo signo levado a cabo no processo semiótico pode produzir. Entretanto, tal processo para ocorrer evocaria exaustivamente todos os interpretantes dinâmicos. Nesse interpretante todas as condições dos interpretantes anteriores teriam ocorrido exaustivamente, alçando assim um grau altíssimo de significação.

Na tríade Semiótica, no entanto, a primeira estrutura não é o objeto nem o interpretante, mas, o signo. É o signo que exerce a função mediativa, em que um objeto é posto em relação a um interpretante. Nessa relação, entende-se que o objeto gera um signo para um interpretante. Entretanto, a ação lógica na qual a Semiótica se insere define o signo como o primeiro correlato da tríade, em que um objeto só é interpretado por um interpretante em razão do signo. Assim, o signo é todo e qualquer mecanismo significativo em que um objeto, para ser interpretado por um interpretante, apresenta-se como signo. Logo o signo denota um objeto, sendo o objeto referido, o objeto do signo. Essa estrutura se articula em diferentes níveis, desde a simples qualidade na qual um signo denota um objeto chamado

Ícone, passando por uma relação existente, como um Índice, até chegar a uma estrutura

triádica genuína que gera em tal ação uma lei ou hábito, classificado por Peirce de Símbolo. Ícone, Índice e Símbolo são as relações que o signo estabelece com seu objeto. Mas, há também duas outras relações: A primeira é a relação do signo consigo mesmo e a segunda é a relação do signo com seu interpretante.

(6)

O quadro abaixo mostra a tricotomia15 que é mais explorada na semiótica peirceana, tricotomia essa que enfatiza a relação que o signo exerce com a tríade semiótica.16

QUADRO 1

Signo consigo mesmo Signo com seu Objeto Signo com seu Interpretante

Quali-signo Ícone Rema

Sin-signo Índice Dicente

Legi-signo Símbolo Argumento

Fonte: SANTAELLA, Lúcia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2007, p. 13.

O que pode ser definido como linguagem em Peirce?

Peirce não delimita de forma clara o escopo da linguagem e o escopo da Semiótica, isto é, qual é a linha real – se houver – que separa o signo da linguagem. Entretanto, a estrutura da Semiótica, partindo da Fenomenologia até chegar à definição de Semiótica como o estudo da representação, demonstra que a linguagem entendida em sentido amplo está contida nesse campo das ciências. Como expõe Peirce: “todo o pensamento é conduzido em signos que são principalmente da mesma estrutura geral, como as palavras”.17 Palavra ou linguagem aqui se refere não à dualidade significante-significado (sujeito-objeto), apresentada na semiologia de Saussure, tampouco se restringe ao escopo da linguagem simbólica da escrita, mas refere-se a toda e qualquer forma de significação que expressa algum sentido, significado e referência. Assim um pensamento é linguagem à medida que predica a outra mente algum significado. Do mesmo modo, uma foto é linguagem, um gesto, um som, um sentimento. Conforme expõe Santaella:

Nenhum tipo de signo é auto-suficiente. Tais como as categorias fenomenológicas, os signos são mútuo-complementares. Todo signo atual (mesmo um pensamento, quando se trata de um pensamento atualizado numa mente específica) aparece numa

15

Embora a tricotomia acima seja a mais explorada, Peirce estabelece 10 tricotomias, ou seja, 10 divisões triádicas do signo, o que gera por análise combinatória 64 classes de signos, formando cerca de 59.049 tipos de signos logicamente possíveis. Cf. SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000.

16

A partir da estrutura da tricotomia, Peirce define como fundamento aquilo que o signo está apto a realizar. Sem o fundamento, o signo seria apenas algo vazio e estático, no qual não haveria a possibilidade de referência, dado que não haveria a possibilidade de algo que se mantém apto a exerce uma relação triádica e, tampouco, a possibilidade de representação.

17

(7)

mistura de caracteres. Não há nenhuma linguagem que possa se expressar em nível puramente simbólico ou indicial ou icônico. Aliás, as linguagens mais perfeitas são aquelas que mantêm os três níveis sígnicos em estado de equilíbrio e complementaridade.18

Nessas condições, o conceito linguagem segue, a princípio, a extensão do conceito signo. Isso porque ambos são gerados, em parte, pela mesma estrutura. O que implica que a linguagem não pode ser definida em termos de análise da experiência, pura e simplesmente, mas deve gerar uma mediação (inteligível) entre qualidade e relação do fenômeno.

Com isso, a relação inicial que a Semiótica parece efetivamente realizar com a linguagem refere-se ao modelo triádico signo, objeto e interpretante. Assim, pode-se dizer que a linguagem na Semiótica é tratada como uma espécie de teoria cognitiva da significação,19 dado que aquilo que a linguagem expressa se insere em um contexto em que o objeto possui sentido e significado, assim como referência. Por conseguinte, se admitirmos três propriedades fundamentais constituintes da linguagem, tais como: a) referência ou concordância (a linguagem assume o lugar simbólico de algo, ou seja, ela deve se referir ou concordar-se a este algo); b) a linguagem pode expressar algum sentido e significado;20 c) a linguagem pode ser analisada, isto é, possui a propriedade de análise, então podemos constatar que todas essas propriedades estão contidas na Semiótica, em menor ou maior grau.21

Qual é o problema de se pensar o signo como unidade linguística?

18

SANTAELLA, Lúcia. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000. p. 27.

19

Isso reitera a posição adotada inicialmente no texto de que a representação em Peirce parece seguir um critério de representação não extensional.

20

Sentido, referência e significado são termos técnicos não consensuais da filosofia analítica da linguagem. Contudo, aqui esses termos são usados de forma mais restrita. Isso porque pretendemos neste texto defender que a estrutura do signo, a saber, signo, objeto e interpretante é similar à estrutura da linguagem, qual seja, significado, referência e sentido. Portanto, sentido aqui é usado para representar o caráter particular ou subjetivo que a linguagem evoca, precisamente como o interpretante interpreta o objeto. Por outro lado, o significado é a propriedade da linguagem que expressa algum conteúdo objetivo (e público) para alguém, ou no caso da Semiótica para o interpretante. O que se refere na Semiótica de Peirce ao signo. Por conseguinte, o objeto é a referência do signo, assim como a referência é referência para o significado. Essas definições pontuais desses três termos foram necessárias para situar Peirce, um pouco distante da tradição filosófica. Tradição essa que define significado e referência como termos idênticos. Em Peirce, conforme comparação que fizemos neste texto, embora o signo represente o objeto, essa representação é apenas uma representação de parte do objeto. Dessa forma, apesar de o significado ter referência, esses conceitos não são a mesma coisa. São na verdade estruturas semânticas distintas, mas que se relacionam.

21

Cf. Peirce’s theory of signs. Disponível em: <http://plato.stanford.edu/entries/peirce-semiotics/>. Acesso em: 9 jun. 2014.

(8)

O maior problema em se definir uma estrutura cognitiva (epistemológica) como uma estrutura meramente linguística é que, por consequência, deve-se afirmar que toda (ou grande parte) das propriedades do pensamento são puramente linguagem. Contudo, tal questão é um problema aberto na ciência22 e Peirce não realiza essa afirmação. Em Some Consequences of

Four Incapacities (1868), no §3, denominado Thought-Sign (Signo-Pensamento), e no §4 Men, a Sign (Homem, um Signo), Peirce define que todo pensamento está disposto em um

ambiente simbólico, no qual todo signo denota um objeto para um interpretante, ad infinitium. De modo similar, todo pensamento gera um signo para outro pensamento. E a forma na qual tal pensamento gera esse signo chama-se semiose, processo esse que o signo se modifica in

continumm. Segundo Peirce:

O pensamento tem três elementos: a função representativa que o torna representação; a aplicação denotativa, ou ligação real, que põe um pensamento em relação com outro; a qualidade material, que dá ao pensamento sua qualidade.23

Complementar a essa questão, em Questions Concerning Certain Faculties Claimed

for Man (1868), questão 5, Wheter we can think without signs (Se podemos pensar sem Signo), Peirce afirma que:

À luz dos fatos externos, os únicos casos de pensamento em que se podem encontrar são os pensamento-em-signos. Nenhum outro pensamento pode ser mostrado através de fatos externos. Vimos que o pensamento só pode ser conhecido através de fatos externos. O único pensamento que pode conhecer-se é pensamento-dentro-de-signos. Mas pensamento que não possa conhecer-se não existe. Todo pensamento, portanto, deve necessariamente existir em signos.24

De modo pragmático, as propriedades do signo são realizadas em lapsos de segundos, entretanto a Semiótica não é uma ciência prática, mas formal, à medida que visa investigar como um pensamento pode ser significativo por meio de uma estrutura semiótica. Assim, para Peirce, todo pensamento só pode ser acessível por intermédio de signos. Logo, todo pensamento é signo. Da mesma forma, o signo-linguístico é pensamento. Isso implica que toda forma de linguagem é signo, mas nem todo signo pode se apresentar como linguagem. Santaella reitera essa conclusão dizendo que, “em síntese, a tarefa das definições como tarefa

22

Algumas áreas, tais como a neurociência, ciência cognitiva, lógica e filosofia da linguagem, se ocupam desse problema. Um expoente dessa relação é o linguísta norte-americano Noam Chomsky.

23

Cf. CP, 5. 290. 24

(9)

lógica, abstrata e teórica é uma coisa, a tarefa da descrição das linguagens específicas e atualizadas, a partir da compreensão dessas definições, é outra”25.

Desse modo, para Peirce, o signo se ocupa com estruturas não linguísticas, como acaso, primeiridade da consciência, além de categorias fenomenológicas do pensamento e da natureza. Assim, para analisar a extensão formal entre linguagem e signo, é necessário analisar apenas o signo como unidade linguística. E essa estrutura do signo-linguístico parece estar contida26 na estrutura triádica da Semiótica. Com isso, ao traçar um paralelo entre a estrutura da semiótica e da linguagem, podemos obter:

FIGURA 2

O objeto é uma estrutura de referência que, expressa tanto algo físico quanto uma operação, um universal, ou uma abstração. Para essa referência expressar algum significado (signo), é necessária uma matriz que satisfaça a condição de que algum significado α se ligará a alguma referência β. Logo, a categoria do interpretante na Semiótica e a categoria do sentido na linguagem são essa matriz, da mesma forma que o objeto e signo são correlatos à referência e à significação na linguagem, respectivamente. O que Peirce possibilita com sua Semiótica é traçar no domínio da linguagem uma análise lógica da estrutura da realidade, na forma como a mente a interpreta. Tal análise estende formalmente a dualidade sujeito-objeto da tradição, ao introduzir um terceiro elemento, a saber, a ideia de interpretante. Assim, o signo-linguístico assume no domínio da linguagem as propriedades que comumente reconhecemos da linguagem, a saber, a referência, sentido e o significado.

25

Cf. SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos: como as linguagens significam as coisas. São Paulo: Pioneira, 2000, p. 27.

26

“Peirce não está dizendo que todo o pensamento é conduzido em palavras, apenas, que é realizado em signos que são da “estrutura geral” mesma das palavras [...] Os pensamentos não são simplesmente palavras, e Peirce nunca supôs que eles fossem. Na verdade, Peirce – como qualquer matemático – pensou a linguagem natural como inadequada para o fim especial do raciocínio exato, o que requer um simbolismo especial, seja uma

(1) Signo (Significado)

(3) Interpretante (Sentido) (2) Objeto (Referência)

(10)

Dessa forma, o domínio da Semiótica – Gramática Pura e Especulativa – que define as condições lógicas necessárias para a análise e o surgimento da ciência da representação é, de modo similar, empregado na linguagem. A linguagem também trata de formas de representação. Nesses termos, o signo é de fato uma unidade, dado que só se relaciona formalmente na relação triádica. Algo que ocorre também na linguagem, precisamente na tríade, significado, sentido e referência. A questão é: todas as outras tricotomias peirceanas podem ser descritas como tricotomias linguísticas?

No quadro das tricotomias, temos que a relação do signo, consigo mesmo, fornece graus de signo ou graus de representação diferente. Assim, um ícone – triângulo – é um

quase-signo; uma forma matemática pode funcionar como um índice ou símbolo, sendo

também um sin-signo e as letras e os números podem ser um legi-signo ou símbolo. De modo similar, a operação de quem vê tais signos em relação a si mesmo e ao objeto pode defini-los como rema ou hipótese ou, ainda, como dicente ou tese, ou também como argumento ou teoria. Nessa tricotomia, as possibilidades contidas na relação signo consigo mesmo, signo e objeto, e signo e interpretante podem ser transpostas para a linguagem, sendo encontrado na linguagem níveis ou graus similares de significação, sentido e referência. Isso porque todas essas estruturas são passíveis de análise, sendo, portanto, pensamentos e signos-linguísticos. Logo, no que diz respeito às tricotomias mais conhecidas de Peirce, pode-se encontrar uma similaridade com as propriedades da linguagem. A diferença, contudo, entre os graus de representação e significação se baseia, essencialmente, na possibilidade de o signo ser genuíno ou não, que Peirce chama de degenerado. Desse modo, estruturas não simbólicas como índice e ícone, e não linguísticas como rema e discente são estruturas significativas:

Estes pensamentos não-simbólicos são de duas classes: primeiro, figuras ou diagramas ou outras imagens (eu os chamo de Ícones), do qual é usada para explicar as significações de palavras; e em segundo lugar, signos mais ou menos análogos aos sintomas (eu os chamo de Índice) dos quais as observações colaterais, pelo que sabemos o que um homem está falando, são exemplos. Os ícones ilustram as significações de pensamentos-predicado, e o Índice as denotações de sujeito-pensamento.27

Nesse sentido, a natureza não simbólica da linguagem e do pensamento diz apenas de uma estrutura Semiótica que não se encontra na tricotomia do símbolo. Entretanto, mesmo essas estruturas (não simbólica e cognitiva, respectivamente) implicam formas de

algébrica ou um diagrama”. Cf. The Cambrigde Companion to Peirce. In: Peirce’s Semeiotic Model of the Mind.

27

(11)

pensamento e, logo, formas de signo-linguagem, à medida que admitem uma análise daquilo que exerce a função de se referir em algum aspecto (qualidade ou propriedade) alguma coisa para alguém. Assim, o “signo enquanto unidade linguística” é formalmente passível de ser analisado na estrutura Semiótica de Peirce e passível de ser estendido à linguagem.

Conclusão

Às vezes atribui-se à Semiótica a definição de uma ciência que se ocupa exclusivamente da linguagem. Entretanto, tal definição parece incorrer em um erro conceitual, qual seja, a Semiótica parece se aproximar não tanto de uma ciência da linguagem apenas, mas sim de uma análise do processo cognitivo da significação por meio de signos. Nesse processo cognitivo, incluem-se dois problemas: primeiro, a Semiótica é extraída da Fenomenologia, portanto, embora seja uma ciência formal, ocupa-se de propriedades não só linguísticas; segundo, por outro lado, sendo uma ciência formal, a Semiótica se compromete a explicar quais as condições lógicas que permitem ligar a realidade ao signo. Desse modo, o problema que é o pano de fundo dessas duas questões é saber: como uma qualidade pode se ligar (inteligivelmente) a uma relação?

Para responder esse problema, Peirce iniciou sua análise a partir da experiência, admitindo que algo era possível de ser extraído dela. Da análise da experiência, Peirce extraiu três categorias gerais que diziam de modo concreto o que definia algo posto à mente (interpretação). Surgiu assim, então, no campo da Fenomenologia, as categorias do Pensamento e da Natureza, que definiam de forma triádica a experiência. Contudo, a categoria primeira chamada qualidade e a segunda chamada relação eram restritas temporalmente e, portanto, insuficientes para tratar do conhecimento abstrato.

Assim, da insuficiência dessas duas categorias Peirce extraiu a categoria da representação na Fenomenologia, que definia a condição lógica que ligava uma qualidade a uma relação fora de um fluxo de tempo finito. Como consequência dessa categoria, surgiu no itinerário das Ciências da Descoberta à Semiótica, ou ciência da representação, cujo objetivo era analisar e traçar todas as formas possíveis de representação a partir de graus de representação ou significação. Entretanto, ainda havia um problema na Semiótica de Peirce: se a Semiótica não era meramente uma ciência da linguagem, mas sim um processo cognitivo da representação em signo, então, poderia o signo ser definido em termos linguísticos? A

(12)

resposta dada a essa questão neste texto foi uma resposta afirmativa. Basicamente, tal resposta se baseia na posição segundo a qual a mesma estrutura que sustenta a Semiótica – signo, objeto e interpretante –, passando da Fenomenologia até a representação, parece ter propriedades similares à linguagem. Assim, a linguagem só pode ser gerada em uma estrutura de representação, que no caso da Semiótica é apresentada pela estrutura triádica do signo-linguístico. Desse modo, questões como referência, sentido e significado podem ser descritas e analisadas na estrutura Semiótica, dado que o signo pode ser uma unidade linguística.

Contudo, o signo não pode ser definido apenas como linguagem, isso porque ele se ocupa com formas de representação não-linguísticas – primeiridade da consciência, qualidade, acaso, etc., mas, o signo-linguístico pode ser analisado linguisticamente. Por conseguinte, pode-se reduzir formalmente a estrutura sentido, significado e referência da linguagem à Semiótica para tratar do processo cognitivo de significação. O que permite essa redução é que Peirce parece tratar a representação de modo não extensional, mas intensional, ou seja, quer representar alguma propriedade do objeto e representá-lo a partir das propriedades. Em outras palavras, como o próprio Peirce afirma, é representar a ideia do objeto. Assim Peirce parece assumir apenas o caráter cognitivo da representação, isto é, a sua capacidade de evocar sentido. Entretanto, o que não podemos afirmar, e nem o próprio Peirce afirma, é que a Semiótica, ou signo, possa se reduzir à linguagem, o que restringe a análise do signo-linguístico à unidade triádica do signo.

Referências

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