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Existe uma terapia específica para problemas sexuais?

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Academic year: 2021

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Existe uma terapia específica

para problemas sexuais?

Maria de Melo Azevedo

Eu acho que a terapia sexual para casos bem específicos até que pode funcionar. Ou, pelo menos, quebra o galho, como se diz. Por exemplo, um homem impotente. Ele já está num estado de tensão e frustração terríveis por causa da impotência. Se, através de técnicas bem específicas e relativamente rápidas, você consegue que ele tenha ereção, uma relação sexual, o alívio vai ser muito grande. Ele vai ter também um espaço emocional mais adequado para se ver e se rever, e daí partir para uma vivência sexual mais rica. Eu diria que, num primeiro momento, não importa nem a qualidade da relação sexual que ele venha a ter. Mas o terapeuta não pode se conformar só com isso, e deve ir mais a fundo. Porque se a sexualidade reflete que a personalidade de uma determinada pessoa ainda é infantil, como sua sexualidade vai ser madura?

Também não adianta dizer: vou trabalhar primeiro a dinâmica psíquica e emocional e depois, como conseqüência, a sexual. Nem uma psicanálise clássica faz isso. Nela também você trabalha o sexual. E é claro que numa terapia de base reichiana existe um pouco mais de ligação com o corpo, com a energia. O trabalho naturalmente se dirige mais para o lado sexual. E os resultados me parecem mais rapidamente alcançáveis e mais concretamente palpáveis. Pelo menos com os meus pacientes eu percebo isso. Você vê diretamente no próprio corpo o que está acontecendo com a sexualidade. Você vê, por exemplo, onde a energia está parada, em que áreas ela não está fluindo direito. Mas é claro que estes pontos rígidos do corpo estão ligados com problemas de personalidade. No trabalho corporal eu tenho um enfoque mais direto: o corpo mesmo “dá uma bandeira” mais nítida dos problemas.

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personalidade. A genitalidade plena, como definia Reich, vem como conseqüência da maturidade. E aí está o grande risco de quem trabalha com terapia sexual: não se pode confundir sexualidade com ereção, ejaculação. Quando uma pessoa chega à maturidade, à independência, a sexualidade genital é realmente a maior forma de satisfação para ela. Sua energia não está parada em determinados pontos do corpo. De forma que, numa relação, ela flui facilmente para os genitais, propiciando uma descarga muito maior, que é de extrema importância para a saúde mental.

Se a pessoa, no entanto, está com o seu desenvolvimento parado numa outra fase, toda a sua relação com a vida vai refletir isso, e ela não vai ter sua energia totalmente disponível para uma vivência prazerosa da sexualidade. Então você vai trabalhar o paciente nesta fase pouco desenvolvida e, ao mesmo tempo, vai seguir este problema ao nível do corpo. Como no caso do indivíduo que ficou fixado na fase oral da existência. Sua atitude perante a vida vai ser a de sugar, de sempre pedir que lhe dêem as coisas, de se mostrar sempre dependente. Ele não consegue verdadeiramente amar, se entregar, ter uma relação onde a energia flua plenamente. Seu corpo vai ser um corpo sem energia. Desejo sexual diminuído, impulsos fracos. Ele está preso numa fase anterior. Os impulsos genitais ainda não são dominantes. E, diante disso, não é esta ou aquela técnica que vai resolver um problema originado quem sabe já nos primeiros meses de vida.

No bebê, como se sabe, a zona de prazer dominante é oral, é através da boca que ele resolve os problemas básicos de satisfação e sobrevivência. Para que possa continuar bem seu desenvolvimento, é essencial que as necessidades desta fase sejam satisfeitas. Caso contrário, fica ali uma falha, um gancho. Até mesmo na vida uterina essas carências podem se instalar. Num útero pouco receptivo, frio, de uma mãe com sérios problemas em relação à maternidade – aí já pode se originar uma personalidade esquizóide, com severas dificuldades de contato. É como se este bebê tivesse que concentrar toda a sua energia no centro do corpo para sobreviver com o pouco que recebe. Tivesse que aproveitar todo aquele pouco calorzinho e dele tirar a sua vida. Mesmo que com isso se arrisque a ficar com sua região periférica meio pobre de energia.

E a tendência é que a criança do exemplo anterior carregue pela vida afora a marca de suas necessidades orais insatisfeitas. Ela vai ter medo de necessitar do outro e se frustrar. Um dia ela tinha que receber e não recebeu. Agora, adulta, fica sempre cobrando da vida – pelo menos agora a vida tem

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que me dar, ela está me devendo, me devendo muito. Me devendo emprego, por exemplo. Estou desempregado, mas não saio em busca de nada: a vida me deve, o trabalho é que tem que vir me buscar. Estão me devendo! É a eterna espera de que alguém venha e dê. Fica uma mágoa, uma impotência de ter que se cuidar sozinho, atitude que num bebê é perfeitamente adequada.

E como fica a sexualidade de uma pessoa assim fixada na fase oral? Em geral, também em sua sexualidade os impulsos orais vão ser mais fortes, os genitais se enfraquecem. Seu relacionamento sexual tenderá a ficar mais na base do contato, da busca de afeto, de calor. Foi nesse tipo de insatisfação que ele parou. De modo que o resto fica complicado. O tipo oral tende a ficar muito sem energia, com a musculatura flácida. De nada vai adiantar trabalhar a sexualidade se a sua energia como um todo está diminuída. O terapeuta vai é trabalhar seus centros de energia, para que ele recupere uma energia própria. Você vai, enfim, trabalhar seus problemas de personalidade (fixação na fase oral) e ao mesmo tempo vai ajudá-lo a perceber a relação pobre que, a partir disso, ele mantém com o corpo e com o mundo. Dando-se conta disso, este paciente pode começar seu processo de energetização. Porque ele chega à terapia sem vontade para nada, sem tesão para nada nem por ninguém.

De corpo e alma,

xingar pai e mãe

Voltando um pouco, eu penso, então, que a simples orientação sexual já é em si de grande valia. Há homens que não sabem nem como tocar numa mulher. De modo que certas pessoas podem ser ajudadas com informações e mesmo com técnicas especiais: elas vão abrir novos caminhos, eliminar o que atrapalha já na superfície. Mas tudo isso de pouco vai adiantar no caso, por exemplo, de um indivíduo esquizóide, com sérios problemas de contatos afetivos e, portanto, corporais. Aquele indivíduo que estende a mão, mas a mão é fria, a energia não chega até ela. Com um pouco de prática, a gente logo percebe o contato de uma pessoa dona de sua energia e o de outra que tem a sua energia bloqueada. Você pega aquela mão e sente que o coração não está ali. Mesmo que a pessoa faça força, mesmo que ela goste da gente. A cabeça está ali, tecnicamente está tudo perfeito. Mas nem assim ela consegue passar os sentimentos para a mão, menos ainda para os genitais. A pessoa quer

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dar afeto, faz tudo certo, mas o toque é sem vida. É claro que essa pessoa vai ter pouca percepção do outro. Dar uma coisa boa para o outro nem sempre é só uma questão de querer.

Uma pessoa impotente, através de uma terapia sexual, pode chegar então a uma ereção. Pode fazer todos os movimentos certos e, no entanto, continuar com sua energia presa. Não chega a uma fluência genital, o impulso genital não é o que predomina, e o prazer fica prejudicado.

O terapeuta corporal trabalha, portanto, os centros de energia corporais, sem perder de vista o significado emocional, psíquico, correspondente ao fenômeno corporal que está sendo tratado. E assim não é difícil perceber o quanto o corporal e o emocional estão ligados. Uma vez eu estava trabalhando (verbalmente) as difíceis relações de um determinado paciente com sua mãe. De repente, ele me disse: engraçado, agora eu acabo de sentir como se uma placa tivesse saído da minha barriga. Ele enfrentava problemas sexuais bastante sérios, nunca tinha tido propriamente uma ereção e, naquele momento, tanto ele como eu sentimos que agora ele seria capaz. E suas vivências posteriores só confirmaram isso.

Mas o interessante é que, neste tipo de trabalho, pelas reações físicas também se chega a perceber mais clara e vivamente o emocional. Lembro-me especialmente agora de um trabalho corporal que fiz com uma moça. Através de exercícios de respiração profunda, eu tentava ajudá-la a entrar em contato com seus próprios impulsos, a deixar fluir sua energia. Só que ela não deixava que isso acontecesse. Tensionava violentamente o rosto, o pescoço, a cabeça, numa expressão de contenção e medo. Dava para ver claramente onde a energia não passava. A gente estava justamente trabalhando o reflexo orgástico, que se dá da seguinte maneira: a cabeça se solta, a pélvis se levanta, a parte anterior também – e a energia flui solta. Num bichinho como a minhoca este movimento é bem claro: suas duas pontas tendem a se encontrar. Se, no entanto, existe uma tensão num ponto do corpo (imagine um cordão amarrando a minhoca), o fluxo orgástico não se forma, a energia fica presa no ponto amarrado.

Essa moça tinha a energia presa principalmente nos ombros e no pescoço. Ela gastava tanta energia para manter esta parte tensionada e imobilizada que, com isso, paralisava o resto do corpo. Enquanto, com as mãos, eu trabalhava para que ela se soltasse, ia aflorando também o conteúdo emocional do que ela estava segurando – o medo, a raiva, pavores sexuais relacionados a vivências e medos infantis. Num choro intenso, ela ia botando

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tudo isso para fora. Eu ajudava a exacerbar o fenômeno para que ela se desse definitivamente conta dele. A tensão foi ficando tão evidente e insuportável que ela pôde chegar ao fundo de sua raiva, seu medo, suas repressões. Ela xingava pai, xingava mãe, soltando ao mesmo tempo as emoções reprimidas junto com essas palavras, que antes ela não conseguia pronunciar. Porque não adianta dizer as coisas só com a cabeça. Se não se deixar vir junto a emoção reprimida, o choro não é libertador. É preciso reviver plenamente a situação que um dia gerou aquele medo, aquela tensão. E ela chorou, chorou, chorou. Com um grande medo de que eu não agüentasse esperar, de que ela não pudesse contar com um continente para o seu choro.

A partir desta experiência, ela começa a se dar conta das coisas que tinha medo de ver e das quais nem mesmo se queixava claramente. E havia muito vazio, muitas queixas na história dela. Coisas que ela sofria e só vagamente percebia, agora explodiam intensamente. E ela podia perceber, elaborar, integrar.

Há uma terapia

que livre da dor?

Todo tipo de terapia tem os seus riscos. O risco da psicanálise é ficar num certo intelectualismo. O do psicodrama é o de ficar só na representação de papéis. Mas todos estes riscos são evitáveis por um bom terapeuta: ele é sempre mais decisivo do que a teoria ou a técnica usadas.

Na bioenergética o risco do terapeuta é limitar-se a ficar só apertando botõezinhos no corpo do paciente. Tirando tensões do paciente só naquela hora. Como se isso para a vida resolvesse alguma coisa. Respostas intensas tipo choro, grito, podem se revelar completamente inadequadas para a vida lá fora. Não é só se livrando de tensões físicas que você vai olhar melhor seus problemas e ficar mais em pé na vida. É preciso muita elaboração para que você integre isso no seu ego. Para que isso passe a fazer parte de você. Inclusive, por exemplo, quando é outra pessoa que está fazendo massagem em você. Que está dando para você aquela vivência. Então é sempre algo que faz efeito, mas que vem de fora, como, por exemplo, o LSD. Você se libera, mas depois passou, passou. E só é seu o que você conquista. Caso contrário, a bioenergética passa a ser uma forma de alienação como outra qualquer.

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Isso é um risco, mas não uma fatalidade. As vivências terapêuticas podem ser bem utilizadas dentro de um processo de crescimento. Se você entra realmente em contato com o seu corpo, não vai eliminar a sua cabeça, sua capacidade de elaboração intelectual, de maior compreensão intelectual, de maior compreensão da vida. Quando sua energia está realmente fluindo, ela envolve sua cabeça, sua capacidade de raciocínio. Ela flui redondo, através do seu corpo todo e integrando você com o mundo. O seu olhar não vai ser um olhar vago, fixado nas nuvens ou no chão. Você vai conseguir olhar de frente, entrar realmente em contato. Se você se contata, o outro de fato existe e vai ser mais rico o seu contato com o mundo.

Mas o trabalho com o corpo é também limitado. É apenas uma forma mais viva de ver o que está acontecendo com você, com sua vida, de tentar integrar sua capacidade de sentir – de integrar cabeça, corpo. Você fica mais íntegro, mais capaz de olhar as coisas sem culpar os outros, mais capaz de enfrentar a vida. Porque a atitude mais comum é sempre cair fora do que dói. Negar, fugir. Você não consegue conter, elaborar a dor. Não se deixa cair na depressão para ver o que ela contém. E o pior é que, por negar a dor, ninguém deixa de sofrer. Ninguém evita o sofrimento. Evita de se deprimir, isto é, de entrar em contato e elaborar o próprio sofrimento, e crescer através dele.

Eu acho também que toda a forma de terapia pode ser boa, desde que o terapeuta conheça os limites do seu tipo de trabalho. A orientação sexual também tem os seus limites e seu valor. Só através dela você não vai acabar com preconceitos muito arraigados, mas já dá uma boa sacudida neles. O que vai facilitar um dia um trabalho de desenvolvimento mais profundo. A orientação sexual abre boas perspectivas, diminui a ansiedade. Seu perigo é seguir regras muito fixas. É tirar alguns preconceitos e colocar outros no lugar.

O perigo: eu sei,

você só pergunta

A tentação do orientador sexual é a mesma do terapeuta: achar que tem a verdade definitiva. Tipo “eu sei o que é sexo maravilhoso e posso te ensinar”. Começa que isso tira do outro a própria capacidade de ver e decidir o

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que é melhor para ele. A postura fica: eu sei o que é bom, a única coisa que você tem que fazer é perguntar. Isso não passa de mais uma forma de exercer poder sobre os outros. O sexólogo corre o risco de milimetrar demais o que o outro quer sentir e fazer para ser feliz. Ora, isso é desvitalizar mais o paciente.

A postura correta creio que é a mesma da terapia: eu conheço algumas coisas, alguns exercícios que se têm revelado úteis e posso acompanhar você no seu processo. As soluções fáceis só vão retardar o processo, pois exigem que o paciente fique bonzinho e só obedeça. A coragem de deixar as pessoas com a angústia da dúvida pode dar frutos mais demorados, mas de uma solidez e lucidez certamente muito maiores. O que um terapeuta realmente faz é uma coisa mais modesta do que ele pensa que vai fazer quando está começando. No início, ele pode até pensar que vai curar o outro. Depois vê que ninguém cura ninguém. O que há é um princípio de saúde dentro de cada paciente e cabe ao terapeuta ajudá-los a crescer, pois tem mais conhecimentos e pode iluminar coisas difíceis de se perceber sozinho. Mas o terapeuta apenas oferece dados. E o paciente é quem vai crescer através deles – ou não. O psicólogo, nem ninguém, é o dono da vida e da morte. É apenas capaz de possivelmente iluminar o caminho que o outro está buscando.

Texto publicado na revista

Psicologia Atual.

" Maria de Melo é psicóloga formada pela USP e psicoterapeuta pós-reichiana, com cerca de trinta anos de experiência em clínica individual e grupo."

Referências

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