CORRELAÇÃO DOS CRITÉRIOS
ELETROCARDIOGRÁFICOS DE HIPERTROFIA
VENTRICULAR ESQUERDA COM O
ECOCARDIOGRAMA EM PACIENTES OBESOS
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo – Escola
Paulista de Medicina, para obtenção do Título de Doutor em Ciências pelo programa de Pós-Graduação em Cardiologia.
São Paulo
2009
CORRELAÇÃO DOS CRITÉRIOS
ELETROCARDIOGRÁFICOS DE HIPERTROFIA
VENTRICULAR ESQUERDA COM O
ECOCARDIOGRAMA EM PACIENTES OBESOS
Tese apresentada à Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina, para obtenção do Título de Doutor em Ciências pelo programa de Pós-graduação em Cardiologia.
Orientador: Prof. Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa – Professor Adjunto da D i s c i p l i n a d e C a r d i o l o g i a d a Universidade Federal de São Paulo - E s c o l a P a u l i s t a d e M e d i c i n a Co-orientador: Prof. Dr. Bráulio Luna Filho – Livre-Docente da Disciplina de Cardiologia da Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina
São Paulo
2009
Costa, William da
Correlação dos critérios eletrocardiográficos da hipertrofia
ventricular esquerda com o ecocardiograma em pacientes obesos. / William da Costa. – São Paulo, 2009.
XV, 73f.
Tese (Doutorado) - Universidade Federal de São Paulo. Escola Paulista de Medicina. Programa de Pós-graduação em Cardiologia.
Título em inglês: Correlation of electrocardiographic left ventricular hypertrophy criteria with left ventricular mass by echocardiogram in obese hypertensives.
1. Hipertrofia ventricular esquerda. 2. Eletrocardiograma. 3. Hipertensão arterial. Obesidade.
iii
DEPARTAMENTO DE MEDICINA
Chefe do Departamento: Prof. Dr. Ângelo Amato Vincenzo de Paola
Coordenador do Curso de Pós-graduação: Prof. Dr. Valdir Ambrósio
Moisés
iv
CORRELAÇÃO DOS CRITÉRIOS
ELETROCARDIOGRÁFICOS COM O
ECOCARDIOGRAMA EM PACIENTES OBESOS COM
HIPERTROFIA VENTRICULAR ESQUERDA
Presidente da banca:
Prof. Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa Profa. Dra. Maria Teresa Nogueira Bombig Prof. Dr. Hermes Toros Xavier
Prof. Dr. José Luiz Aziz Prof. Dr. Abram Drewiacki Suplentes
Prof. Dr. José Marcos Thalenberg Prof. Dr. Ney Valente
v
Dedicatória
Aos meus queridos pais:
Huston Aluízio da Costa, “in memorian”, e
Maria José da Costa, com eterna gratidão por tudo que fizeram por mim até o presente momento.
À minha querida esposa:
Élida, amiga, companheira de todos os momentos e grande incentivadora dos meus ideais, sempre com extrema compreensão.
À minha amada filha Victória,
Aos meus queridos sobrinhos, Vinícius e Veridiana:
Que esta conquista sirva de exemplo para os três, pois com humildade,
seriedade e força de vontade, tenham a certeza de que seus objetivos serão
vi
Ao orientador e amigo, Prof. Dr. Rui Manuel dos Santos Póvoa, pela admirável
capacidade de orientar, acreditar, incentivar e por todo o meu aprendizado nestes anos
de convivência de pós-graduação.
Ao co-orientador, Prof. Dr. Bráulio Luna Filho, pela oportunidade, credibilidade e
orientação, principalmente quanto às respostas aos vários questionamentos dos
vii
Ao Prof. Dr. Antonio Carlos de Camargo Carvalho, Professor Titular e Chefe da disciplina de cardiologia do departamento de medicina da universidade federal
de São Paulo – Escola Paulista de Medicina –, pelo exemplo de dedicação
Ao Prof. Dr. Ângelo Amato V. de Paola, Professor Titular da Disciplina de
Cardiologia do Departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo –
Escola Paulista de Medicina –, pelo apoio constante e dedicação ao trabalho
desenvolvido nestes últimos anos.
Ao Prof. Dr. Valdir Ambrósio Moisés, Coordenador do Curso de Pós-graduação da UNIFESP.
Ao Prof. Dr. Álvaro Nagib Atalah, Coordenador do Programa de Pós-graduação em
Medicina Interna e Terapêutica da UNIFESP.
À Profa. Dra. Maria Teresa Nogueira Bombig, pela competência científica e sempre
muito prestativa ao longo destes anos.
Ao Prof. Dr. Japy Angelini de Oliveira Filho, Prof. Dr. Orlando Campos Filho,
Prof. Dr. Nabil Mitre, Prof. Dr. Nelson Kasinski, Prof. Dr. Valter Correia de Lima,
Prof. Dr. Edson Stefanini, Prof. Dr. Dirceu Rodrigues de Almeida, Prof. Dr. Cláudio
Cirenza, Profa. Dra. Yoná Afonso Francisco, Prof. Dr. Manuel Adam Gil, Profa. Dra.
Célia Camelo Silva, Prof. Dr. Francisco Helfeinstein Fonseca, Profa. Dra. Cristina de Oliveira Izar, e Prof. Dr. José Marcos Thalenberg, pelos ensinamentos científicos
e exemplos de brilhantismo profissional durante o curso de pós-graduação.
Aos colegas da Pós-graduação em Cardiologia, Luigi Brollo, Cleber do Lago
Mazzaro, Maria Hannelore, Silmara Raquel Cruz, Maria Auxiliadora Santos, Fabiane Rosa Rezende, Sérgio Bueno Brandão e Carlos Manoel de Castro
viii paciência.
Às secretárias do Ambulatório de Hipertensão e Lípides da Disciplina de Cardiologia,
Mônica Cristina Rizzo, Darce Alves de Santana Costa e Thereza Monteiro; às
técnicas de enfermagem, Altamira Machado de Souza, Ana Maria Máximo Cardoso,
Maria de Fátima Silva, Cristina Helena Biava e a Edson Augusto Bibiano, pela disposição, boa vontade e amizade.
Ao Dr. Andrés Ricardo Perez Riera, pela contribuição na redação do paper.
Ao Dr. Francisco de Assis Costa, de Maceió, pela contribuição na redação do paper.
À Profa. Dra. Hanna A. Rothschild, pelo auxílio na tradução e revisão do texto em inglês
À Profa. Dra. Katya Patella, pela revisão do texto em português.
Ao Dr. Carlos Alberto Cyrillo Sellera, Universidade Metropolitana de Santos –
UNIMES, pela oportunidade de início à carreira acadêmica.
Ao Prof. Dr. Flávio Saad, Centro Universitário Lusíada – UNILUS, pela grande
contribuição na minha formação desde a graduação.
Faculdade de Ciências Médicas de Santos, Centro Universitário Lusíada – UNILUS,
nas pessoas do: Dr. Nelson Teixeira – Reitor do Centro Universitário Lusíada, e Prof.
Dr. Mauro César Dinato – Coordenador do Curso de Medicina.
Ao Dr. Alberto Bedulatti Cardoso, Diretor Técnico do Hospital Guilherme Álvaro,
Hospital da Secretaria de Saúde do Estado, pela tolerância e apoio constantes durante
ix
pela amizade que direta ou indiretamente contribuíram para o meu ingresso acadêmico
e assistencial na Faculdade de Ciências Médicas de Santos e Hospital Guilherme
Álvaro.
Ao Prof. Dr. Hermes Toros Xavier, pelo exemplo de determinação e por me fazer
acreditar que:
O futuro tem muitos nomes: Para os fracos é o inatingível Para os temerosos, o desconhecido Para os valentes, é a oportunidade
x
Sumário
Dedicatória...v
Agradecimentos...vi
Lista de tabelas...xii
Lista de abreviaturas e símbolos)...xiii
Resumo...xv
1 INTRODUÇÃO...1
1.1 HVE como fator de risco...2
1.2 Prevalência da HVE...5
1.3 Determinantes da HVE...6
1.3.1 Figura 1 - Determinantes da HVE...7
1.4 Conseqüências da HVE...9
1.4.1 Arritmias...9
1.4.2 Insuficiência coronária...10
1.4.3 Insuficiência cardíaca...11
1.4.4 Insuficiência cardíaca diastólica...11
1.4.5 Insuficiência cardíaca sistólica...11
1.5 Constituição celular do miocárdio normal e hipertrófico...12
1.6 Mecanismos da hipertrofia...13
xi
1.8 Obesidade e HVE...23
2 OBJETIVO...27
3 MÉTODO...28
3.1 Pacientes...28
3.2 Plano de estudo...28
3.3 Metodologias das mensurações eletrocardiográficas...29
3.4 Metodologia da análise ecocardiográfica...30
4 ESTATÍSTICA...32
4.1 Forma de análise de resultados...32
4.2 Análise estatística...32
5 RESULTADOS...34
6 DISCUSSÃO...39
7 CONCLUSÕES...51
8 REFERÊNCIAS...52
Abstract
Bibliografia consultada
xii
Tabela 1. Sensibilidade e especificidade de vários critérios para o diagnóstico de
HVE...15
Tabela 2. Sistema de Pontos e Escore de Romhilt –Estes para HVE...17
Tabela 3. Sensibilidade e especificidade dos diversos critérios eletrocardiográficos mais utilizados para HVE, conforme trabalhos originais...20
Tabela 4. Estudos com determinação da massa do VE pelo ecocardiograma...24
Tabela 5. Características da amostra de acordo com IMC, idade e sexo...34
Tabela 6. Correlação bi-variável de Pearson entre IMVE e as variáveis
eletrocardiográficas estudadas em grupos de não obesos e obesos...36
Tabela 7. Sensibilidade, especificidade e valores de “p” relacionando as variáveis
eletrocardiográficas para HVE do estudo nos grupos de pacientes obesos e não
obesos...37
Tabela 8. Sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e negativo, intervalo de
confiança para pacientes de ambos os sexos de acordo com os critérios: Cornell
xiii
ARIC
Atherosclerotic Risk in Communities
AVC
Acidente vascular cerebral
CASTEL
Cardiovascular Study in the Elderly
DAC
Doença arterial coronária
DDVE
Diâmetro diastólico do ventrículo esquerdo
ECG
Eletrocardiograma
ECO
Ecocardiograma
H
Altura
HA
Hipertensão arterial
HVE
Hipertrofia ventricular esquerda
HVE-ECG
Hipertrofia detectada pelo eletrocardiograma
IAM
Infarto agudo do miocárdio
IC
Insuficiência cardíaca
IMC
Índice de massa corporal
IMVE
Índice de massa do ventrículo esquerdo
LIFE
Losartan Intervention for Endpoint
MAPA
Monitorização ambulatorial da pressão arterial
MVE
Massa ventricular esquerda
P
Peso
PA
Pressão arterial
PCR
Proteína C reativa
PCR-us
Proteína C reativa ultra-sensível
PIUMA
Progetto Ipertensione Úmbria Monitoraggio Ambulatoriale
PPVE
Parede posterior do ventrículo esquerdo
xiv
SRAA
Sistema renina-angiotensina-aldosterona
UNIFESP-EPM Universidade Federal de São Paulo – Escola Paulista de
Medicina
xv
Introdução: A hipertrofia ventricular esquerda (HVE) e a obesidade são importantes fatores de risco cardiovascular. O objetivo deste estudo foi avaliar as alterações na
sensibilidade e especificidade dos critérios eletrocardiográficos mais comuns
descritores de hipertrofia ventricular esquerda, na obesidade.
Métodos: Foram estudados 1204 pacientes hipertensos, todos submetidos a eletrocardiograma de 12 derivações e a ecocardiograma. Foram avaliados alguns dos
critérios eletrocardiográficos mais utilizados para o diagnóstico de HVE e comparados
com o índice de massa do ventrículo esquerdo (IMVE), obtido pelo ecocardiograma em
dois grupos de pacientes: obesos e não obesos.
Resultados: A média de idade da população foi de 57,4 ± 4,7 anos, dos quais 351 eram homens (29,1%) e 853 eram mulheres (70,8%). Os critérios de Cornell voltagem,
Cornell duração, Sokolow-Lyon voltagem, Romhilt-Estes e R de aVL ≥ 11 mm não
houve alterações da especificidade em ambos os grupos, porém a sensibilidade nos
obesos apresentou diminuição estatisticamente significante quando analisados os critérios de Sokolow-Lyon voltagem, Romhilt-Estes e padrão strain (p < 0,05).
Conclusão: Os critérios de Cornell voltagem, Cornell duração, Perugia e R de aVL não
apresentaram alterações significantes na sensibilidade diagnóstica no grupo de
pacientes obesos.
Antes da determinação rotineira da pressão arterial (PA), no início do
século passado, a hipertrofia ventricular esquerda (HVE) era reconhecida como um
aumento do peso do coração dentro de uma escala determinada pelos patologistas
(Hermann et al., 1922). Era então considerada, um fenômeno compensatório em resposta ao aumento da sobrecarga hemodinâmica cardíaca. Dentre as condições
geradoras dessa manifestação, a hipertensão arterial (HA) despontava como a mais
prevalente (Collins et al.,1990; Stamler et al.,1993; VI JNC, 1997).
A HVE constitui-se um dos principais mecanismos de compensação
frente à HA que, com a continuidade, leva a alterações degenerativas do coração
(Spech et al., 1980).
Particularmente nos pacientes hipertensos, estabeleceu-se uma relação
de causalidade entre os níveis elevados de PA e a HVE que, nesse contexto, tem sido
interpretada como evidência de uma lesão de órgão-alvo (MacMahon et al.,1989;
Ferreira Filho et al.,1996; Luna Filho et al,1998). As referidas alterações, porém, nem sempre guardam relação linear com os níveis pressóricos, sugerindo a participação de
outros mecanismos no seu desenvolvimento, especialmente fatores neuro-hormonais
(Glasser,1998).
Desde meados do século passado, a HVE tem sido relacionada com
efeitos cardiovasculares adversos e foi a partir dos estudos dos investigadores do
Framingham Heart Study que se quantificou, pela primeira vez, sua relevância clínica (Lewis,1940; Kannel et al.,1969; Kreger et al.,1987; Levy et al., 1994).
Vários estudos epidemiológicos destacaram a HVE como um dos mais
importantes fatores de risco para morte súbita, acidente vascular cerebral (AVC),
insuficiência cardíaca (IC) e infarto agudo do miocárdio (IAM) (Casale et al., 1986; Kahn et al.,1996).
Os estudos de Framingham identificaram a HVE como o mais importante
fator de risco conhecido para a IC, AVC, doença coronária (DAC) e claudicação
intermitente, sendo um forte preditor de todas as causas de morte cardíaca em adultos
Há uma relação contínua entre a massa ventricular e o desenvolvimento de doença cardiovascular, não sendo possível ainda estabelecer com precisão o limite
entre a HVE compensatória e a patológica (Levy et al., 1990).
Atualmente, encontra-se bem estabelecida a relação entre a HVE e o
aumento da íntima e da média das carótidas, disfunção endotelial, resistência à
insulina, níveis de HDL-colesterol, glicemia, viscosidade sanguínea e microalbuminúria.
A HVE é considerada um marcador de aterosclerose, principalmente pela forte
associação com o AVC, independente dos valores da PA no consultório ou da
monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA) (Nogueira, 2005).
A HVE como Fator de Risco
A HVE, diagnosticada por diferentes métodos, é um importante marcador
independente de risco de eventos cardiovasculares e relaciona-se mais fortemente com
o prognóstico do que outros fatores clássicos de risco, como a hipertensão e a
dislipidemia (Lorell et al., 2000).
Dados de Framingham em população de hipertensos, acompanhada de 1950 a 1990, mostraram que a incidência de eventos cardiovasculares nos primeiros dez anos de seguimento de três coortes (décadas de 50, 60 e 70) foi de 29% entre
homens e 26% entre as mulheres (Sytkowski et al.,1996).
O achado de HVE ao eletrocardiograma (ECG) aumenta em 5 a 9 vezes
o risco de DAC, AVC e ICC e está fortemente associado à maior mortalidade em 5
anos (35% em homens e 20% em mulheres) (Atala et al., 2003).
Quando comparados com pessoas normais, pacientes hipertensos com HVE ao ECG apresentam maior número de extra-sístoles ventriculares e episódios de
taquicardia ventricular sustentada (Ghali et al., 1991). Existe também maior freqüência
de fibrilação atrial nos pacientes com HVE (Kannel et al., 1982).
As arritmias complexas são proporcionais ao grau de hipertrofia. Para cada 1mm de aumento de espessura do septo interventricular ou parede posterior, há
um aumento de 2 a 3 vezes a ocorrência de ectopias ventriculares complexas
(Messerli, 1990a).
Os hipertensos com HVE têm prevalência muito maior de doença
coronária silenciosa ou clínica do que os pacientes somente hipertensos. A incidência
de infarto do miocárdio no primeiro grupo de pacientes aumenta de 6 a 8 vezes
Associação entre a aterosclerose de carótidas e aumento da massa do VE foi observada por Roman et al em 1995. Os autores evidenciaram uma correlação
crescente da prevalência de placas ateromatosas extra-cranianas e aumento da massa
do VE. (Roman et al, 1995).
A detecção de HVE pelo ecocardiograma (ECO) impõe um pior
prognóstico, ainda que com menor intensidade do que o ECG. Em subgrupo da
população do estudo de Framingham, ocorreu uma estreita relação entre aumento da massa ventricular esquerda e aumento de eventos cardiovasculares. Nos homens,
essa incidência aumentou de 4,7% naqueles com massa de VE menor que 90 g/m2
para 12,2% naqueles com massa maior ou igual a 140 g/m2; nas mulheres, os valores
foram 4,1% e 16,1%, respectivamente. O ajuste da mortalidade por qualquer causa
com a idade nos pacientes com HVE ao ECO mostrou aumento de 2 vezes para os
homens e quase 3 vezes para mulheres (Levy et al., 1990a).
Opadijo et al, estudando 300 adultos nigerianos, estabeleceram a
correlação entre a presença de HVE no ECG e a agregação de fatores de risco
cardiovascular, tais como PA, índice de massa corporal (IMC), lípides e glicemia
alterados. Observaram que os pacientes portadores de HVE e alterações do segmento
ST-T no ECG mostravam maior agregação de fatores de risco quando comparados a
pacientes que apresentavam apenas HVE e a pacientes que não apresentavam HVE
no ECG (Opadijo et al., 2003).
O índice de massa ventricular esquerda pelo ECO foi um preditor independente de risco para AVC isquêmico em 1792 participantes de Jackson do
grande estudo populacional ARIC (Atherosclerotic Risk in Communities), mesmo após
ajustes para os fatores clínicos de risco tradicionais (Fox et al., 2007).
A microalbuminúria é preditora de mortalidade cardiovascular em
pacientes com HA. Pacientes hipertensos com microalbuminúria mostram alta
prevalência de padrões geométricos desfavoráveis do ventrículo esquerdo, disfunção
ventricular esquerda ao ECO e sinais precoces de danos vasculares extra-cardíacos
(Pontremoli et al., 1999; Ratto et al., 2008). O desenvolvimento de ambos, microalbuminúria e HVE, corre em paralelo devido ao impacto tanto de fatores
hemodinâmicos quanto de fatores não hemodinâmicos.
Assim como a microalbuminúria, níveis elevados de proteína C reativa
ultra-sensível (PCR-us) também têm sido associados com risco cardiovascular
em crianças com hipertensão arterial primária recém-diagnosticada e sem tratamento anti-hipertensivo. A redução da PA com inibidor da enzima conversora de angiotensina
e hidroclorotiazida reduziu não só a HVE como também os níveis de PCR (Assadi, 2007).
Em grande população de hipertensos do estudo LIFE, e aqueles com HVE ao ECG e livres de falência renal manifesta observou-se que se a HVE persistia
em dois ECG consecutivos havia uma prevalência aumentada de micro e
macroalbuminúria. A excreção elevada de albumina relacionou-se à HVE
independentemente da idade, pressão arterial, diabetes, raça, creatinina sérica ou
fumo, sugerindo paralelamente dano cardíaco e lesão renal (Wachtell et al., 2002).
Evidências sugerem que a regressão da HVE se associa à redução da
morbidade e mortalidade cardiovasculares. No estudo de Framingham, a regressão dos
sinais eletrocardiográficos de HVE associou-se á redução do risco de morte súbita, de
IAM e de ICC. Dos 5209 pacientes seguidos durante 10 anos, a incidência de eventos
cardiovasculares (morte de causa cardiovascular, IAM, AVC, aparecimento de angina
ou necessidade de revascularização miocárdica) foi menor naqueles onde se observou
regressão da HVE em comparação com aqueles em que a HVE persistiu (3% versus
25% respectivamente). Além disso, nos pacientes com massa ventricular esquerda
normal no início do estudo, aqueles que não desenvolveram HVE durante os 10 anos
de acompanhamento tiveram menos eventos cardiovasculares do que aqueles que
vieram a apresentar aumento da massa ventricular (5,1% vs 31,6% respectivamente) (Koren et al.,1991; Lorell et al., 2000).
A regressão da HVE com o tratamento anti-hipertensivo associou-se à redução da incidência de eventos CV no estudo de Verdecchia et al. Em 430
hipertensos acompanhados por aproximadamente 2,8 anos, a prevalência de HVE ao ECO foi de 26% e a taxa de eventos CV, de 3,9% ao ano. A taxa de eventos CV
naqueles que apresentaram melhora da HVE ao ECO com o tratamento foi de 1,58/100
pessoas/ano, enquanto que naqueles sem mudança ou com piora da HVE ao ECO foi
de 6,27/100 pessoas/ano (Verdecchia et al., 2003).
Okin et al, durante tratamento anti-hipertensivo, observaram redução significativa da morbi-mortalidade cardiovascular com a redução da HVE detectada
pelos critérios eletrocardiográficos de Cornell e Sokolow-Lyon (Okin et al., 2004). Em estudo avaliando a intensidade da redução da massa ventricular, Devereux verificou
desvio padrão), estava relacionada com redução significativa da mortalidade e
morbidade cardiovascular (Devereux et al., 2004).
Prevalência da HVE
A prevalência da HVE varia de acordo com o método utilizado para a sua
detecção. Quando determinada pelo ECG, por raios X de tórax ou pelo eco, a HVE
aumenta progressivamente com a idade. Os primeiros estudos da prevalência da HVE
foram baseados no ECG, sendo que dados iniciais dos estudos de Framingham
indicam aproximadamente 3% da população em geral e 5% da população de
hipertensos afetados (Kannel, 1969).
O eco, exame mais sensível e específico que o ECG, na mesma
população de Framingham, mostrou uma prevalência de HVE de 16% para os homens
e 19% para as mulheres (Levy et al., 1988).
A prevalência da HVE diagnosticada pelo ECG ou eco aumentou progressivamente com a idade. Kannel, em 1996, relatou aumento progressivo da prevalência da HVE com o envelhecimento, que variou de 8% nos homens com idade
inferior a 30 anos a 33% quando apresentavam mais de 70 anos. As taxas
correspondentes nas mulheres foram de 5% e 49%, respectivamente aos 30 e 70 anos (Savage, et al., 1979; Kannel, 1996).
A prevalência da HVE mostrou-se diretamente proporcional aos níveis
pressóricos, variando de 20% na forma leve até 50% na grave (Savage et al., 1979; Hammond et al., 1986).
Em estudo norueguês, a prevalência de HVE pelo eco foi de 14,9% e
9,1% para homens e mulheres, respectivamente. Nesse estudo, os valores utilizados
como limites superiores da normalidade foram 145 g/m2 para homens e 125 g/ m2 para
mulheres correspondendo ao percentil 97,5 de uma população de 954 normotensos
saudáveis (Schirmer et al., 1999).
Verdecchia et al publicaram resultados do estudo italiano MAVI, onde
encontraram prevalência da HVE de 19,7% pelo ECG e de 28,5% pelo eco em
hipertensos não complicados (Verdecchia et al., 2001).
No estudo LIFE, foi avaliada a prevalência de HVE e o remodelamento concêntrico pelo eco em pacientes hipertensos com HVE diagnosticada pelo ECG.
Nesse estudo, os critérios eletrocardiográficos utilizados identificaram uma prevalência
O estudo russo de St. Petersburg determinou a prevalência da HVE ao eco em hipertensos com diferentes valores de corte, avaliou a distribuição dos padrões
geométricos do ventrículo esquerdo (VE) por meio de dois diferentes métodos de
cálculo do espessamento relativo da parede do VE e avaliou também o impacto dos
diferentes determinantes demográficos na prevalência da HVE e nos padrões de
remodelamento.
Sexo, grau e tipo de obesidade, níveis pressóricos e duração da
hipertensão contribuíram para o grau de HVE e para o padrão de remodelamento. No
referido estudo, o uso de diferentes valores de corte pôde influenciar significativamente
a avaliação da prevalência de HVE na hipertensão. Critérios menos rígidos podem
superestimar a prevalência do remodelamento estrutural do VE, enquanto que a
implementação de critérios específicos para o sexo para a definição da HVE aumenta a
sensibilidade do método. No estudo, a HVE excêntrica foi tão comum para a
hipertensão quanto a HVE concêntrica, proporcional à idade e mais frequentemente
observada em homens (Conrady et al., 2004).
Determinantes da HVE
Embora o estresse hemodinâmico desempenhe papel principal no
desenvolvimento de HVE, outros fatores participam com intensidades variáveis. Idade,
altura, pressão arterial sistólica e índice de massa corporal são considerados
determinantes independentes da massa ventricular (Savage et al., 1990). A pressão pela MAPA, mais do que a de consultório, tem sido identificada como um determinante
para a HVE (Verdecchia et al., 1998). Fatores ambientais, como ingestão abusiva de álcool ou sal, obesidade, diabetes e falta de atividade física, além de fatores humorais
(catecolaminas, insulina, renina, angiotensina II e fator de crescimento) e genéticos
igualmente associam-se à HVE (Figura 1) (Schmieder et al., 1988; Savage et al., 1990;
Manolio et al., 1991; De Simone et al., 1996; Lorell et al., 2000).
A variável psicossocial foi avaliada em um estudo prospectivo de 20 anos
em uma população de não fumantes com atividade física e não foi observada
associação com a HVE (Sundström et al., 2001).
O risco do desenvolvimento de HVE diagnosticada pelo ECG
relacionou-se fortemente com os níveis pressóricos em ambos os relacionou-sexos. A HVE apareceu, num
prazo de 12 anos, na metade dos participantes do estudo de Framingham com HA
Determinantes da hipertrofia ventricular esquerda
Hemodinâmica
Idade, Sexo, RaçaÁlcool, Insulina, Sal Obesidade, GH, PTH, SNS, Exercícios SRAA Protooncogenes
HVE
HVE
GH – Hormonio Crescimento PTH – ParatormônioSNS – Sistema Nervoso Simpático
Modificado de Messerli, FH Circulation 81:1128 1990
sistólica acima de 180 mm Hg, mas mesmo hipertensos leves com HA sistólica de 140
a 160mm Hg tinham mais que o dobro do risco de desenvolvimento de HVE (Kannel, 1996).
Estudos sugerem que a magnitude da HVE possa ser determinada em
parte por herança genética. Em gêmeos, evidenciou-se que os monozigóticos exibiam
menores variações da massa ventricular esquerda que os dizigóticos (Harshfield et al.,
1990). Outro estudo observou que a massa ventricular esquerda se correlacionou melhor em irmãos negros do que em brancos, sugerindo que o controle genético da
massa ventricular esquerda pode ser diferente, dependendo do grupo étnico. A
participação desses genes pode ser direta, envolvida na fisiopatologia da HA ou atuar
diretamente no aumento dos miócitos por mecanismos independentes da HA (Arnett et
al., 2002).
Genes podem participar do desenvolvimento da HVE sem envolvimento
com os níveis pressóricos, sendo que, nesse contexto, o sistema renina angiotensina
aldosterona (SRAA) é a importante via de estimulação do crescimento celular e da
fibrose (Turner et al., 2000). Em jovens descendentes de pais hipertensos, aumento da
massa ventricular esquerda já pode ser detectado pelo eco, mesmo quando a PA ainda
não se tornou definitivamente aumentada (Brandão et al., 1995).
Alguns estudos relacionam a idade com o desenvolvimento da HVE, relatando o problema como um processo intrínseco do envelhecimento. Entretanto,
uma análise mais apurada dos estudos de Framingham não mostrou tal associação
(Gosse et al., 1989, Lindroos et al., 1994). Existem fatores que podem colaborar com o aumento da massa durante o envelhecimento. Tais fatores estão relacionados com
aumentos dos níveis pressóricos, mesmo dentro da faixa de normalidade, aumento
progressivo da resistência arterial periférica, substituição gradual dos miócitos por
tecido conectivo e processos degenerativos, tais como a amiloidose (Liebson et al., 1993).
Em relação ao sexo, para qualquer nível pressórico, a mulher tem massa
cardíaca menor que o homem, fato talvez relacionado ao aspecto hormonal. O
andrógeno endógeno tem ação trófica no músculo cardíaco, enquanto o estrógeno,
além da ação protetora em relação ao desenvolvimento da HVE, produz efeitos de
vasodilatação periférica, diminuindo a pós-carga e aumentando a contratilidade
(Lakatta, 1990).
Os indivíduos de raça negra, além de apresentarem maior prevalência de
HA, apresentam para o mesmo nível pressórico maior intensidade das lesões em
órgãos-alvo (Messerli et al., 1987). De maneira similar, a HVE é mais prevalente nesse
grupo étnico, ocorrendo 2 vezes mais para o mesmo nível pressórico (Messerli et al., 1990).
A presença de diabetes aumenta significativamente o aparecimento da HVE associada à hipertensão arterial. O risco de desenvolvimento de HVE entre
diabéticos é cerca de 1,7 a 2 vezes maior que os não diabéticos para o mesmo nível
pressórico (Lindholm et al., 2002).
A prevalência da HVE aumenta progressivamente com o índice de massa
corporal (IMC), sendo nos obesos de 1,5 a 2,0 vezes maior (Hammond et al, 1988). O
estudo russo de St. Petersburg constatou que a obesidade, particularmente a
abdominal, aumentou significativamente a prevalência de HVE em pacientes
hipertensos (Conrady et al., 2004).
O aspecto anatômico da HVE mais frequentemente encontrado na
obesidade é o tipo excêntrico. Esse aumento da massa adiposa, além da associação
com a HA, provoca aumento da volemia e, dessa forma, aumento da pré-carga. Tal
adaptação cardíaca se associa ao aumento da mortalidade cardiovascular (Hammond
Em estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro, Brandão et al observaram que o IMC e a PA sistólica foram os melhores preditores de
desenvolvimento de HVE em adolescentes (Brandão et al., 1995).
A revisão dos dados do estudo de Bogalusa demonstrou que a obesidade
infantil tem impacto sobre a ocorrência de HVE. O índice de massa ventricular na
infância, obesidade e PA na fase adulta, e a combinação de obesidade e PA, tanto na
infância quanto na fase adulta, foram preditores de HVE nos adultos jovens avaliados
(Li et al., 2004).
Consequências da HVE Arritmias
Na HVE, a condução do estímulo elétrico e a repolarização do coração
estão prejudicadas. As arritmias são mais freqüentes no ECG, em pacientes com
alterações do segmento ST-T relacionadas à HVE. Pacientes com HVE apresentam
mais extrassistolia ventricular e arritmias ventriculares complexas, sendo essas
arritmias responsáveis por morte súbita (Messerli, 1990a).
As arritmias complexas são proporcionais ao grau de hipertrofia. Para
cada 1mm de aumento de espessura do septo interventricular ou parede posterior há
um aumento de 2 a 3 vezes a ocorrência de ectopias ventriculares complexas
(Messerli, 1990a; Ghali et al., 1991). Mesmo na HA sem HVE, há aparecimento significante de arritmias, fato demonstrado no estudo de McLenahan et al., em que indivíduos do grupo controle apresentavam 2% de arritmias ventriculares, contrastando
com hipertensos sem hipertrofia, que apresentavam 8%, e com o grupo com hipertrofia,
que revelava 28% (Ghali et al., 1991; MacLenahan et al., 1987).
Diversos mecanismos podem estar implicados na gênese das arritmias.
Os mecanismos de reentrada estão relacionados a fatores anatômicos, como o
alargamento dos miócitos, discos intercalares múltiplos e pequenas áreas de fibrose.
Fatores mecânicos, como o estiramento das células miocitárias, levam a um aumento
da automaticidade, e fatores funcionais, como o próprio aumento da massa ventricular,
a reserva coronária diminuída e a isquemia subendocárdica contribuem para o
aparecimento dessas arritmias (Park et al., 1982; MacLenahan et al., 1987).
Além das arritmias ventriculares, a fibrilação atrial também é mais
frequente nos pacientes com HVE. Isso explica em parte a relação independente da
risco, a razão de chance para AVC e ataque isquêmico transitório foi de 1,2 a 1,8, para cada quartil de aumento da massa do VE (Bikkina et al., 1994). Verdecchia et al, em seguimento, durante 16 anos, de 2482 pacientes com ritmo sinusal, no início do estudo
encontraram que para um desvio padrão de aumento de massa havia aumento de 1,2
vezes o risco de fibrilação atrial (Verdecchia et al., 2006).
Lonati et al estudaram a relação entre HVE e dispersão do intervalo QT
em 17 hipertensos e 17 atletas que foram comparados com 17 normotensos sem HVE
(controles). Não encontraram diferenças entre os atletas e os controles, mas os
hipertensos com HVE apresentaram aumento significativo da dispersão do QT (Lonati et al., 2004).
Insuficiência Coronária
Na HVE, há um crescimento desproporcional da massa cardíaca em
relação aos capilares, o que provoca um desequilíbrio entre a proliferação vascular e o
crescimento vascular e predispõe à isquemia relativa (Mueller et al., 1978).
Os hipertensos com HVE têm prevalência muito maior de doença coronária silenciosa ou clínica do que os pacientes somente hipertensos (Aronow, 1992).
A incidência de infarto do miocárdio nos pacientes com HA e HVE tem
uma incidência maior, variando de 6 a 8 vezes (Toyoshima et al., 1982).
Hipertensos com ou sem hipertrofia apresentam em comum a isquemia
miocárdica. O aumento da massa miocárdica e a tensão elevada são os maiores
determinantes do consumo de oxigênio. A aterosclerose coronária é mais comum
nesse grupo de pacientes, visto que a HA está implicada diretamente na gênese do
ateroma. De forma aditiva, esses pacientes têm uma redução da reserva coronária
tanto mais acentuada quanto maior for a massa cardíaca (Strauer, 1979).
O problema se torna crítico em momentos de hipotensão acompanhados
de taquicardia, onde a reserva coronária é mínima e o consumo relativamente
aumentado.
A doença microvascular é também comum nos pacientes hipertensos,
mesmo na ausência de hipertrofia, e junto com a diminuição da reserva vascular
justificam os sintomas clássicos de angina pectoris na ausência de obstruções
significativas das artérias coronárias (Messerli, 1983).
Insuficiência Cardíaca
A HA é a causa mais frequente de desenvolvimento de IC. O paciente
hipertenso apresenta risco duas a três vezes maior de evoluir para IC do que o
normotenso (Kannel, 1974).
Os hipertensos, independente da presença de HVE, apresentam,
frequentemente, prejuízo da função diastólica, com alteração do relaxamento
ventricular, o que pode ser considerado uma das anormalidades mais precoces da
disfunção cardíaca causada pela HA. Habitualmente, essa disfunção pode preceder
alterações da contração ventricular (disfunção sistólica).
As disfunções diastólica e sistólica do miocárdio associam-se à HVE. Em
vista de o desempenho sistólico e de o enchimento diastólico estarem prejudicados na
HA e na HVE, a hipertensão não tratada e de longa duração, pode levar, na grande maioria das vezes, à IC (Kannel et al., 1972).
Na IC grave, a queda do débito cardíaco pode ocasionar diminuição da PA previamente elevada e condicionar o diagnóstico indevido de cardiomiopatia
dilatada e, portanto, tornar menos aparente a HA na história natural.
Insuficiência Cardíaca Diastólica
A complacência diastólica é o resultado da interação complexa de
diversos fatores como a própria rigidez passiva do miocárdio, a geometria da câmara, a
interação entre os ventrículos e a força de contenção do pericárdio. A hipertrofia dos miócitos e o remodelamento ventricular esquerdo estão associados à disfunção
diastólica (Matsubara, 1994).
A IC diastólica está intimamente ligada à HVE. Nas fases iniciais, o
enchimento está diminuído devido ao comprometimento do relaxamento e, com a
progressão do processo hipertrófico, haverá diminuição progressiva da complacência.
O ventrículo torna-se cada vez mais rígido, necessitando de pressões de enchimento
cada vez maiores, havendo correlação nítida entre a massa e a redução do enchimento
do ventrículo (Messerli et al., 1995).
Insuficiência Cardíaca Sistólica
A IC sistólica também está direta e linearmente relacionada à ocorrência
de HVE. A partir de um determinado momento, o coração hipertrofiado torna-se
quase linear entre o grau de hipertrofia e a diminuição da contratilidade (Grossman et al., 1992).
Fatores como estado da circulação arterial coronária e perfusão
miocárdica, isoformas de ATP-ase da miosina, capacidade de manipulação do cálcio
intra-celular e de fosfatos de alta energia, estado dos receptores β-adrenégicos
miocárdicos e conteúdo do colágeno no espaço intersticial participam da redução do
componente sistólico ventricular (Frimm, 1994).
As transformações que ocorrem no interstício e no espaço perivascular
têm importância fundamental no desempenho do coração. A rede miofibrilar de
colágeno, responsável pela sustentação e alinhamento dos miócitos e da rede vascular
e pela transmissão da força de contração ao ventrículo, quando aumentada
excessivamente, pode acarretar desarranjos estruturais e comprometer a contratilidade
(Campbell et al., 1993).
À medida que o processo cardíaco evolui, o coração com HVE não
consegue mais suportar a pós-carga, e as câmaras se dilatam, havendo queda do
débito cardíaco. Todo o cenário neuro-hormonal se ativa, na tentativa de
compensação, aumentando a atividade do sistema nervoso simpático e do SRAA.
Esses mecanismos de compensação são parciais e provisórios, já que, ao persistirem,
provocam mais vaso constrição e isquemia miocárdica, prejudicando ainda mais o
coração na sua função de bomba.
Constituição Celular do Miocárdio Normal e Hipertrófico
Em condições normais, apenas um terço da celularidade miocárdica é
composto por miócitos, sendo os dois terços restantes compostos por tecido de suporte
contendo células musculares lisas, células endoteliais, fibroblastos e células nervosas.
A hipertrofia miocárdica envolve não apenas os cardiomiócitos, mas
também os fibroblastos, os músculos lisos dos vasos e, principalmente, as fibras de
colágenos do coração. Embora os cardiomiócitos ocupem cerca de 70% do volume do
coração, correspondem a apenas um terço dos componentes estruturais (Weber & Brilla, 1991; Zarco, 1993).
Nas situações de sobrecarga, quando há necessidade de se aumentar o
tamanho do coração, os dois compartimentos se hipertrofiam, mas não
desequilíbrio entre as populações celulares é a ocorrência de cross signaling entre as
diferentes linhagens. Desse modo, um estímulo primariamente direcionado para os
miócitos pode acionar também os mecanismos celulares dos fibroblastos e vice-versa
(Long et al., 1993).
O aumento do tamanho de qualquer órgão pode decorrer de hipertrofia ou
hiperplasia celular e, no miocárdio, a contribuição de cada um desses mecanismos
depende da idade do animal. Em animais adultos, o miócito cardíaco é incapaz de se
dividir, porque é célula especializada e de diferenciação terminal. Estima-se que no ser
humano recém-nascido até 2% dos miócitos sejam capazes de se dividir, mas, ao final
do primeiro mês de vida, menos de 1% das células mantém essa capacidade
(fenômeno da perda do potencial proliferativo). Dessa forma, é consenso que a
hipertrofia miocárdica no adulto se faça exclusivamente à custa de hipertrofia celular.
Após o nascimento, a capacidade mitótica dos miócitos cessa
progressivamente, desaparecendo por completo em torno do 3º ao 6º mês de vida.
Após esse período, o coração aumenta cerca de 20 vezes até a vida adulta como
consequência do aumento do volume celular (Messerli, 1982).
Mecanismos de Hipertrofia
Diversos estímulos podem induzir a síntese protéica e causar a hipertrofia
celular. Entretanto, os elos intermediários entre o estímulo celular e os eventos
bioquímicos que induzem a transcrição do RNA e a biossíntese protéica ainda não
estão suficientemente conhecidos. Os sinais iniciadores da hipertrofia celular são
representados por fatores mecânicos, como o estiramento ou aumento da tensão
celular, ou pela ativação de receptores na membrana celular, como os receptores α 1-
adrenérgicos, angiotensina II, β1-adrenérgico e os receptores hormonais tireoideanos
T3 e T4 e insulínicos (Perloff, 1982).
A ativação desses receptores provoca aumento do Na +, Ca++ e H+
intracelulares, ativação das proteínas G e AMPc, desencadeando, através de diversos
mensageiros, uma cascata de eventos bioquímicos cujo final comum é a transdução
desses sinais por fosforilação e, em seguida, a regulação transcricional. A transcrição
é o principal determinante da expressão de genes. As proteínas ligadas ao DNA e as
codificadas pelos protooncogenes, como c-myc, c-fos e c-jun, são as principais
Essas proteínas têm acesso ao núcleo havendo transcrição do DNA em RNA mensageiro que no citoplasma e transladado pelo RNA ribossomal que inicia o
processo de síntese protéica (Weber & Brilla, 1991).
A atividade gênica pode ser evidenciada pela técnica do AgNOR (regiões
de organização nucleolar coradas pela prata). Na transcrição do DNA para RNA
ribossomal há a participação de diversas proteínas com radicais sulfidrílicos e
carboxílicos que se coram pela prata, podendo-se inferir a atividade de síntese protéica
pela avaliação da intensidade das áreas negras nos nucléolos (áreas de AgNORs)
(Francis et al., 1992; Ferreira et al., 1996).
Diagnóstico da Hipertrofia Ventricular Esquerda Eletrocardiograma (ECG)
O ECG é um método não invasivo e muito útil para avaliação do
hipertenso. Apesar de sua baixa sensibilidade para detecção de HVE, é bastante
específico quando esta é evidenciada, constituindo-se num forte preditor de mau
prognóstico. É de baixo custo e fácil aplicabilidade, podendo também detectar arritmias
e zonas eletricamente inativas.
Os padrões eletrocardiográficos de HVE são baseados no aumento da
espessura das paredes e tamanho do VE, expressos na magnitude dos potenciais
elétricos gerados pela massa do VE.
Na análise eletrocardiográfica, o tamanho do átrio esquerdo é também
considerado porque, precocemente, suporta os efeitos da sobrecarga que, paralela ou
simultaneamente, alteram a anatomia do VE (Miller et al., 1983).
O aumento da massa do VE geralmente causa um incremento da
amplitude do QRS com um desvio de orientação, para esquerda e posterior, das forças
elétricas, originando ondas S profundas nas derivações precordiais direitas. Além
disso, o aumento da espessura das paredes do VE prolonga o tempo de ativação,
resultando no aumento de duração do QRS e da deflexão intrinsecóide (tempo entre o
início da inscrição e o ponto máximo do complexo QRS nas derivações precordiais
esquerdas (Roman et al., 1987).
Existe uma variedade de critérios e sensibilidades diferentes para se
Tabela 1
Sensibilidade e especificidade de vários critérios para o diagnóstico de HVE
Critério Sensibilidade (%) Especificidade (%)
SV1 ou SV2 + RV5 ≥ 35mm 56 87 SV1 + RV5 ou V6 > 30mm 56 89 SV1 ou V2 + RV5 ou V6 >35mm 56 88 SV2 + RV4 ou RV5 >35mm 56 85 R + S > 40mm 55 86 SV1 + RV5 > 30mm 51 89 SV2 + RV5 > 35mm 50 89 RS > 35mm 41 91 SV1 + RV5 > 33mm (mulheres) 39 93 SV1 + RV5 > 36mm (homens) 39 93 RV5 ≥ 20mm 38 91 SV1 ou SV2 + RV6 > 40mm 38 97 SV2 + RV5 ou RV6 > 45mm 34 97
Eixo para esquerda ≥ -30mm 24 87
RaVL > 7,5mm 23 96 RV6 > RV5 23 89 RV6 > 20mm 22 98 SV1 ≥ 24mm 19 100 Índice de Lewis ≥ 17mm 18 98 RaVL > 11mm 13 99 RI >13mm 11 100 RaVL > 12mm 9 100 RI > 15mm 8 100 RaVL >13mm 8 100 RaVF >19mm 1 99 (Romhilt &Estes,1968)
As alterações do segmento ST e da onda T relacionadas com anormalidades da repolarização ventricular do tipo strain caracterizam-se por
apresentarem infradesnivelamento do segmento ST com convexidade para cima, em
conjunto com onda T de aspecto negativo nas derivações precordiais e periféricas
esquerdas. Esse padrão de anormalidade da repolarização ventricular tem se
associado à importante estresse sistólico na parede do VE, além de aumento da massa
e disfunção do VE (Levy et al., 1994; Vries et al., 1996).
O diagnóstico de HVE pelo ECG é baseado principalmente no incremento
da voltagem do QRS gerado pelo aumento da massa do VE. Mais de 33 critérios
eletrocardiográficos foram utilizados no diagnóstico da HVE (Romhilt et al., 1969).
Todavia, a precisa correlação entre os achados anatomopatológicos e as
manifestações do ECG permanece obscura. A avaliação dos critérios do ECG para
HVE, determinada pela massa do músculo cardíaco in vivo através da ventriculografia
e ecocardiograma, tem produzido resultados diversos (Chikos et al., 1977; Reichek & Devereux, 1981).
Um dos critérios mais antigos e mais utilizados, proposto por Sokolow &
Lyon, define HVE quando o SV1 + RV5-6 ≥≥≥ 35 mm. Apesar de sua baixa sensibilidade ≥
(em torno de 20-30%), apresenta excelente especificidade (Sokolow & Lyon, 1949; Casale et al., 1985).
Romhilt & Estes estabeleceram um sistema de pontos em uma série de
casos autopsiados, especialmente hipertensos e coronariopatas, comparando com os
demais critérios existentes, e obtiveram especificidade de 97% e sensibilidade de 60%,
(Tabela 2)(Romhilt & Estes, 1968).
Utilizando o eco como instrumento de validação para a presença de HVE,
Casale et al propuseram um critério eletrocardiográfico de voltagem gênero-específico
para o diagnóstico da HVE (critério de voltagem de Cornell): soma-se a amplitude da
onda R da derivação aVL com a onda S da derivação precordial V3. A HVE é
considerada, quando, nos homens, os valores forem iguais ou superiores a 28 mm, e,
nas mulheres, quando iguais ou ultrapassarem 20 mm (Casale et al., 1986).
Posteriormente, o grupo de Cornell introduziu uma modificação no critério
original, desenvolvendo um algoritmo para a interpretação realizada nos aparelhos de
eletrocardiografia. Esse critério incorpora o produto da soma da voltagem da onda R de
Tabela 2.
Sistema de Pontos e Escore de Romhilt-Estes para HVE
1. Voltagem ...3 pontos
Onda R ou S nas derivações dos membros ≥ 20 mm
Onda S em V1, V2 ou V3 ≥ 30 mm
Onda R em V4, V5 ou V6 ≥ 30 mm
2. Segmento S-T e onda T com padrão de “strain”
Sem uso de digital ...3 pontos
Em uso de digital ...1 ponto
3. Desvio do Eixo do QRS para Esquerda ≥ - 30o...2 pontos
4. Duração do QRS ≥ 0,09seg...1 ponto
5. Aumento do Átrio Esquerdo (Sinal de Morris) ...3 pontos
Onda P em V1 > 1 mm de profundidade e duração > 0,04 seg.
(Na ausência de estenose mitral)
6. Deflexão Intrinsecóide em V5 e V6 ≥ 0,05 seg...1 ponto
Interpretação
HVE ...≥ 5 pontos
o valor obtido, adicionando-se 8mm para mulheres, fosse igual ou maior do que
2400mm.ms (Okin et al., 1995).
Devido à baixa acurácia de desempenho do ECG no diagnóstico da HVE
nos pacientes hipertensos, Schillaci et al, em população ambulatorial de pacientes
hipertensos participantes do estudo de PIUMA (Progetto Ipertensione Umbria
Monitoraggio Ambulatoriale), após a avaliação de diversos parâmetros
eletrocardiográficos, apresentaram como tendo melhor desempenho o escore de
Perugia, qual seja, combinação de três critérios considerados altamente específicos e
de melhor sensibilidade quando utilizados conjuntamente: o escore de pontos de
Romhilt-Estes, o padrão do segmento ST-T tipo strain e o de voltagem de Cornell
modificado (homens com R de aVL + S de V3 ≥ 24 mm e mulheres com o mesmo valor
original de ≥ de 20 mm) (Schillaci et al.,1994).
Os critérios para o diagnóstico de HVE mostram sensibilidade e
especificidade diferentes (Tabela 3).
Toda vez que um critério diagnóstico é introduzido na prática clínica
apresenta resultados surpreendentes. Todavia, com a utilização nos mais diversos
cenários clínicos, logo se constata sua limitação. Esse interessante fenômeno tem
ocorrido também com o ECG, no contexto do diagnóstico da HVE na obesidade.
Na tabela 3, apresentamos alguns resultados sobre a sensibilidade e especificidade de diversos critérios eletrocardiográficos para a HVE, conforme relatado
por pesquisadores (Romhilt & Estes, 1968; Casale et al., 1987; Schillaci et al., 1994; Okin et al.,1995).
Não obstante os dados mencionados, ainda há controvérsias no
diagnóstico da HVE pelo ECG, principalmente em população idosa. O estudo CASTEL
(The Cardiovascular Study in the Elderly) evidenciou uma sensibilidade muito baixa do
ECG, quando comparado ao eco em população com idade superior a 65 anos. Nesse
estudo, embora a especificidade fosse em geral acima de 85%, a sensibilidade variou
entre 3,2 a 15% para os seguintes critérios eletrocardiográficos: Sokolow-Lyon,
Romhilt-Estes, Código de Minnesota, índice de Cornell e de Lewis (Casiglia et al., 1996).
Entretanto, vários estudos têm validado a importância do ECG no
obstante a baixa sensibilidade, quando comparada ao eco (Levy et al., 1988, Lindroos et al., 1994).
Em estudo do tipo coorte prospectivo baseado em comunidade, o Bronx
Aging Study, o ECG não apenas discriminou os indivíduos com maiores riscos
cardiovasculares na avaliação inicial, como também identificou aqueles com maior
probabilidade de risco e mortalidade cardiovascular. A taxa de mortalidade na presença
de ECG com critério de HVE foi de 14,4 /100 pessoas/ano contra 4,4 /100 pessoas/ano,
quando o ECG não apresentava critério para HVE (p < 0,0001). A taxa de mortalidade
cardiovascular também se portou de modo similar: 11,1/100 e 2,0/100 por pessoas/ano
na presença ou ausência de HVE no ECG, respectivamente (p < 0,0001) (Kahn et al.,1996).
Ecocardiograma
A ecocardiografia é um método muito superior para a determinação da
HVE, quando comparado com o ECG. Estudos comparando a HVE ao eco com
achados de necropsia têm relatado sensibilidade próxima de 100% com especificidade
de 85%, enquanto que a sensibilidade do ECG foi somente de 20 a 50% (Devereux et
al., 1986; Devereux et al., 1987).
Desde os trabalhos pioneiros de correlação anatômica e avaliação
funcional, o eco tem sido utilizado como método de referência na determinação da
massa ventricular esquerda (MVE), principalmente, na estratificação de severidade da HA.
Devido ao baixo custo e fácil manuseio, é considerado o método não
invasivo de eleição para o diagnóstico de aumento da MVE, que também avalia função
e analisa a integridade das estruturas cardíacas (Devereux & Reichek, 1977; Reichek & Devereux, 1981; Devereux, 1987a).
Com a utilização do eco, verificou-se prevalência da HVE entre 15 e 20%
de HVE na população adulta. Esses valores são cerca de 3 a 4 vezes maiores que
aqueles encontrados pelo ECG (Casale et al., 1986; Levy et al., 1990).
Além disso, a HVE diagnosticada pelo ECO tem demonstrado ser um
importante fator de risco para as doenças cardiovasculares, tanto na população em
geral como em pacientes hipertensos (Levy et al., 1988; Dunn et al., 1990; Levy et al.,
Tabela 3
Sensibilidade e Especificidade dos Diversos Critérios Eletrocardiográficos mais utilizados para HVE, conforme os trabalhos originais.
CRITÉRIOS SENSIBILIDADE % ESPECIFICIDADE %
Sokolow-Lyon: RV5-6 + SV1 ≥ 35mm
57 86
Cornell voltagem: R aVL + S V3
≥ 28 mm Homens, ≥ 20mm mulheres 42 96
Cornell duração ≥ 2400mm.seg
(adicionar 8mm se mulher) 51 95
Romhilt-Estes ≥ 5 pontos 52 97
Critério de Perugia: Romhilt-Estes; ST-T
strain, Cornell mod.(homens ≥ 24 mm) 34 93
A avaliação da massa ventricular esquerda é obtida através de cálculos matemáticos preconizados por Devereux, utilizando-se as medidas do septo
interventricular (SIV), parede posterior do ventrículo esquerdo (PPVE) e diâmetro
diastólico do ventrículo esquerdo (DDVE): Massa (em gramas) = 1.04[(SIV + DDVE +
PPVE)3 - DDVE3] - 13,6.
O valor encontrado deve ser corrigido para a superfície corpórea e os
valores limites da normalidade considerados são de 150 g/m2 para os homens e 120 g/m2 para as mulheres (Devereux & Reichek, 1977).
O peso do ventrículo esquerdo considerado normal, segundo Cornell, é
até 109 g/m2 para a mulher e 134 g/m2 para o homem (Devereux et al., 1984). Os
valores de normalidade nos estudos de Framingham são 100 g/m2 e 131 g/m2,
respectivamente para a mulher e homem (Savage et al., 1987). Para a “American Society of Echocardiography” e a “European Association of Echocardiography”, os valores de normalidade devem ser inferiores a 89 g/m2 e 103g/m2, respectivamente
para a mulher e o homem (ASE, 2005).
O Doppler é um bom método para avaliar os efeitos da hipertensão na
função do VE. Pode-se examinar a complexa interação da pressão atrial esquerda,
com a complacência e a contratilidade do átrio esquerdo, pelo exame dos traçados do
fluxo pela valva mitral. Pode detectar alterações na função diastólica, sendo um dos
achados mais precoces encontrados na hipertrofia (Topol et al., 1985; Diebold et al.,
1990).
O procedimento utilizado para a detecção da MVE pelo eco é
relativamente simples e preciso em corações com forma normal, como costumam ser
os indivíduos hipertensos em fases iniciais. Habitualmente identifica-se um segmento
médio do VE, logo abaixo do plano de inserção dos músculos papilares da válvula
mitral pelo eco bidimensional, e em seguida utiliza-se o Modo M que melhor identifica
as bordas do septo interventricular (SIV) e da parede posterior do VE (PPVE).
Com a imagem congelada no aparelho ou com impressão de imagem
fotográfica de alta definição (off-line), realizam-se então as medidas correspondentes
às espessuras do SIV, da PPVE e do diâmetro interno do VE (DDVE). Ressalta-se que
A MVE pode então ser calculada empregando a fórmula preconizada pela Sociedade Americana de Cardiologia ou da convenção de Penn (Devereux & Reichek,
1977).
Avaliações posteriores demonstraram que ocorre superestimação de 20%
da MVE por essa fórmula. Tal diferença foi corrigida com pequena modificação
decorrente de ajuste realizado pelo método de regressão simples, de Devereux, onde
MVE = 0,8 {1,04 [(SIV + DDVE+ PPVE)3 - DDVE3 ]} + 0,6 g.
Quando ocorrer distorção da geometria do coração pela presença de
hipertrofia do ventrículo direito ou infarto do miocárdio, recomenda-se a utilização do
eco bidimensional para a determinação da MVE, ocorrendo assim menor distorsão dos
valores (Sahn et al., 1978; Reichek et al., 1983).
A MVE é então indexada à superfície corpórea (SC), utilizando o cálculo
da SC pela fórmula de Du Bois, ou Mattar SC=(P-60)x0,01+ H, onde SC é a área da
superfície corpórea, em m2, P é o peso, em Kg, e H, a altura em m, obtendo-se o parâmetro MVE/SC (Devereux et al., 1986; Mattar, 1989). A MVE pode ser também indexada pela altura, como recomendado para pacientes obesos, utilizando a altura elevada ao quadrado, conforme proposto por Rosa e cols, obtendo-se o parâmetro MVE/H2 (Rosa et al., 2002).
Não há um consenso sobre os valores normais de massa para o
ventrículo esquerdo. Dados derivados da população dos estudos de Framingham, que
fazem a normalização da massa do VE pela altura, propõem, para os homens, limites superiores a 143 g/m e, para mulheres, 102g/m (Levy et al., 1990).
Também se tem utilizado a correção da massa do VE pela área da
superfície corpórea, de maneira que vários índices originários de diversas populações
têm sido empregados com diferentes valores de normalidade (Tabela 4) (Devereux & Reichek, 1977; Levy et al., 1990; Koren et al., 1991; Liao et al., 1995;).
Índice de massa corporal (IMC) é calculado dividindo-se o peso (kg) pelo
quadrado da altura (m2). Pacientes com IMC<30Kg/m2 são considerados não obesos,
pacientes com IMC ≥ 30Kg/m2 são considerados obesos.
Esse índice é utilizado para ajustar as variações do tamanho do coração
às diferenças do tamanho corporal. A massa magra, isto é, sem gordura, corresponde
a 75% da variância da massa do ventrículo esquerdo com quase nula contribuição da
corporal ou superfície corpórea representa o real impacto para a medida do índice de massa do ventrículo esquerdo.
Embora se observe na literatura tendência na redução dos valores de
normalidade para a massa do VE, em relação ao proposto inicialmente pelo grupo de
Framingham, tem-se demonstrado que, independente dos índices utilizados, a
detecção de HVE confere sistematicamente um risco aumentado para eventos
cardiovasculares e morte (Liao et al., 1997).
Obesidade e HVE
A obesidade é um fator independente de risco cardiovascular e
geralmente associada com outros fatores de risco, principalmente diabete melito, HA,
síndrome metabólica, doença arterial coronária e insuficiência cardíaca. (Thompson et al., 1999; Chiew et al., 2004).
Considerando esta mesma população, estudos prévios demonstraram ser
a obesidade um fator independente para o desenvolvimento de HVE (Lauer et al., 1991; De Simone et al., 2000).
Quando um paciente obeso se apresenta com HA,há aumento da massa
ventricular esquerda correlacionado à atividade simpática cardíaca (Hanefeld & Leonhardt, 1997; Amador et al., 2004).
Três são os mecanismos fisiopatológicos para explicar os efeitos adversos
da obesidade na função ventricular esquerda: aumento da pré-carga, secundário ao
aumento do volume plasmático induzido pela elevada massa gordurosa; aumento da
pós-carga devido à comum associação com hipertensão arterial causada pela ativação
simpática pelo hiperinsulinismo; disfunção sistólica e diastólica por mudança do
genoma miocárdico e doença arterial coronária, induzida por fatores de risco da
aterosclerose agravada pela obesidade.
Os adipócitos também são secretores de hormônios os quais atuam
direta ou indiretamente no miocárdio: angiotensina II, leptina, resistina,
adrenomedulina, citocinas. Essas alterações hemodinâmicas e hormonais modificam
profundamente expressão gênica do miocárdio na obesidade, favorecendo hipertrofia
do miócito e desenvolvimento de fibrose intersticial (Galinier et al., 2005).
Em estudo que avaliou relação entre obesidade, sexo e HVE, o índice
Tabela 4
Estudos com Determinação da Massa do Ventrículo Esquerdo pelo Ecocardiograma
Autores tipo de estudo no homens (%) idade População Critério de HVE ano
Levy et al coorte 3220 43 56 Framingham H: MVE ≥ 143 g/m2 M: MVE ≥ 102 g/m2
Koren et al coorte 253 65 47 HAS, DCV, DM MVE ≥ 125 g/m2
Muisan et al coorte 151 58 45 HAS H: MVE ≥ 134 g/m2 M: MVE ≥ 110 g/m2
Liao et al coorte 436 37 H: 51 angiografia H: MVE ≥ 117 g/m2 M: 55 M: MVE ≥ 104 g/m2
Ghalil et al coorte 404 66 54 sem DAC H: MVE ≥ 131 g/m2 M: MVE ≥ 110 g/m2
ASE-Penn H: MVE ≥ 131 g/m2 M: MVE ≥ 110 g/m2
H=homens; M=mulheres, MVE=massa do ventrículo esquerdo
Devereux & Reichek, 1977; Levy et al., 1990; Koren et al., 1991; Liao et al., 1995.
normotensos obesos do que naqueles com peso normal (Morgan & Baker, 1991; De Simone et al., 2000).
A relação massa ventricular esquerda/altura foi maior nos indivíduos
hipertensos obesos do que naqueles com peso normal. Em outro estudo que avaliou o
impacto da obesidade na massa do ventrículo esquerdo, a relação entre HVE e
obesidade foi mais evidente em indivíduos com índice de massa corporal acima de 30
kg/m², independente da idade e da pressão arterial (Lauer et al., 1991).
Em uma análise de regressão múltipla, a PA, o IMC e a idade foram os
principais determinantes do aumento da massa do ventrículo esquerdo ao ECO em um
grupo de 544 pacientes com HA, enquanto em um grupo de 106 indivíduos
normotensos, o IMC foi o fator preditivo mais importante entre sete variáveis
independentes (Rosa, 1998). Nessa análise, foi utilizado o índice ecocardiográfico massa do ventrículo esquerdo/altura, que não inclui o peso, permitindo, como nos
outros estudos, identificar a participação do peso no desenvolvimento de HVE (Morgan
& Baker, 1991).
Em outro estudo em crianças japonesas, foi detectada correlação
significante entre índices de obesidade e massa do ventrículo esquerdo. Observou-se,
também, que o efeito da obesidade nos parâmetros do ventrículo esquerdo era
evidente a partir dos 6 anos (Kono et al., 1994).
HVE e prolongamento do intervalo QTc são comuns em pacientes obesos
e hipertensos. Em estudo comparativo de critérios eletrocardiográficos para HA e intervalo QTc entre obesos e não obesos, hipertensos ou não, publicado por Pontiroli
et al, ficou constatado que a redução significativa de peso pode diminuir o
prolongamento do intervalo QTc (Pontiroli et al., 2004).
Diversas situações podem alterar a sensibilidade e a especificidade no
diagnóstico da HVE. Uma dessas situações é a obesidade (Horton et al., 1977; Levy et
al., 1990; Rautaharju et al., 1994; Abergel et al., 1996).
Em indivíduos obesos, grupo de risco cada vez mais crescente, a
acurácia do ECG para HVE tem sido menos valorizada. Por isso, o ECG, mesmo
apresentando baixa sensibilidade, poderia discriminar esses indivíduos, além de ser
comprovadamente mais reprodutível do que o ECO no seguimento dessa população
Assim, é fundamental a realização de estudos capazes de avaliar os diversos critérios eletrocardiográficos de HVE que sofrem modificações no grupo de