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A reconstrução visual da tragédia do World Trade Center.

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Academic year: 2021

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A reconstrução visual da tragédia do World Trade Center.

Uma análise das páginas A10 e A11 da Folha de São Paulo do dia 12 de setembro de 2001.

Isaac Antonio Camargo

UEL, Doutor ando da PUCSP: Comunicação e Semiótica

Uma tragédia do porte da ocorrida no dia 11 de setembro de 2001 que vitimou os Estados Unidos, especialmente nos ataques desferidos contra as torres gêmeas do World Trade Center em Nova Iorque, mobilizou toda a mídia jornalística, televisiva e impressa, conseqüentemente, toda a opinião pública mundial.

O espetáculo de horror proporcionado pela cobertura ao vivo, em tempo real, liderada por uma das principais cadeias de notícias norte americana, a CNN, sensibilizou os telespectadores e os manteve atentos ao desenrolar dos acontecimentos. Por ser uma cobertura ao vivo, grande parte dos dados e informações pertinentes aos ataques, eram aventadas por locutores, apresentadores e comentadores na tentativa de compreender e ao mesmo tempo explicar aos expectadores o que estava acontecendo, sem ter necessariamente referenciais precisos sobre o evento. Não se sabia ainda quem atacava e nem porque atacava. Levantavam-se suspeitas, dúvidas e suposições o único caminho possível naquele momento era o de constatar, enfim, o horror.

Dada a rapidez da mobilização empreendida pela cobertura televisiva restava aos jornais, no dia seguinte, apelar para algum recurso que não os desprestigiasse em relação à eficiência demonstrada pela televisão e o que restava era, por um lado, investir no verbal reforçando as análises que focavam o lado humano, a política e suas nuances e, por outro, investir nos recursos visuais na tentativa de resgatar da tragédia o que havia nela de mais espetacular e significativo: suas imagens. Este é o viés que orienta este artigo.

Para tanto, tomamos como referencia o jornal Folha de São Paulo levando em conta sua familiaridade com o uso de imagens no seu fazer jornalístico habitual, pois dentre os jornais de grande circulação no país, a Folha de São Paulo é o que mais dialoga com as imagens utilizando desde as tradicionais fotografias aos gráficos, desenhos e imagens digitais com plena desenvoltura tendo sido capaz de, em poucas horas, apresentar uma edição tão rica em imagens quanto em textos verbais. Atribuímos essa performance ao perfil inovador que esse jornal assume em contraposição aos jornais mais tradicionais pouco afetos ao uso de imagens enquanto recurso discursivo.

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Figura 1

Como estudiosos da visualidade, centramos nossa atenção na reconstrução visual dessa tragédia e não no texto verbal. Esta reconstrução visual se inicia pela primeira página (figura 1). Nela temos uma foto que revela o instante do choque de um segundo avião com a segunda torre. Esta foto toma, aproximadamente, 40% da superfície da primeira página. Logo abaixo da logomarca do jornal, temos uma vinheta que instaura um título: “Guerra na América e, logo abaixo, a manchete garrafal (só usada pelo jornal em casos extremos): “EUA SOFREM MAIOR ATAQUE DA HISTÓRIA”. Uma segunda foto, embaixo da primeira, mostra pessoas empoeiradas, sobreviventes do atentado caminhando sobre poeira e papeis.

Sucessivamente, nas demais páginas que compõem os cadernos do jornal, surgem imagens eloqüentes da tragédia que marcou o 11 de setembro americano. A partir da página A3 uma nova vinheta, com uma bandeira americana de fundo (surge ora em cores, ora em preto e branco), coberta por uma nuvem explosiva, passa a encimar as matérias que tratam deste assunto (que são, praticamente, todas as do jornal desse dia). O corpo das letras que fazem as manchetes de abertura não abandonam o tamanho garrafal (entre quatro e seis centímetros de altura), marcando fortemente os dizeres: “Terror abala centro do poder nos EUA” (pág. A4); “Atônitos, nova -iorquinos demoram a entender fatos” (pág. A5). Além das fotografias, quadros com dados demonstrativos e

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ilustrativos, mapas, gráficos e desenhos são elementos que passam a ter presença freqüente nessas páginas.

As imagens, como são lidas autonomamente, constroem contrapontos com o texto verbal como na música onde uma melodia combina ou superpõe-se a outra por contraste ou entrelaçamento. Não são as imagens que buscam ilustrar o que é dito no verbal de suas legendas, tampouco constatar o que é dito no verbal de suas colunas, mas são imagens que dizem o que devem dizer visualmente. As imagens explicitam e intensificam as diferentes dimensões da tragédia, não como suas meras representações mas como discursos explícitos.

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Figura 2 Figura3

Vale chamar a atenção para a construção visual das páginas A4 (Figura 2) e A5 (Figura 3). Na primeira temos uma construção que toma a maior parte da área e é composta por três fotografias e um quadro. A foto maior dá conta de pessoas que fogem em desespero dos escombros; abaixo, um quadro, estabelece uma relação temporal mostrando o desenrolar dos fatos e seus respectivos horários, dados e fotos do presidente americano e do ataque em uma das torres são os temas dessas fotos. A Imagem da página A5, também de grande dimensão, é aterradora: mostra uma pessoa que cai tendo como fundo uma das torres. Embaixo desta foto, há um quadro composto por outros dados, horários e um mapa que dá conta dos ataques também desferidos contra o Pentágono.

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Figura 4

O recurso do contraponto, como dissemos (mantendo nossa referência à música), parece fazer com que, em certas páginas, as imagens atuem como solos instrumentais, tal é o contraste que se estabelece entre a mancha gráfica do texto impresso, que atua como uma espécie de fundo, e a área onde as imagens se encontram. As imagens constroem narrativas próprias e são autônomas no que diz respeito à sua produção de sentido. Não há nenhuma necessidade de se reportar ao dito pelo verbo. É o caso da página A13 (Figura 4). Nela, uma seqüência de quatros fotos, mostra a queda de uma das torres e abaixo delas outra foto, de grandes dimensões, mostra pessoas que correm do locam onde as torres desmoronam. Este conjunto imagético prescinde de suas legendas, a primeira diz: “Seqüência mostra o momento da queda da segunda torre do World Trade Center, após choque com avião, na manhã de ontem.” E a segunda: “Pessoas correm para não ser atingidas por fragmentos dos destroços das torres do WTC, que desabaram após choques com aviões.” Estas le gendas apenas constatam o que as fotos já disseram preliminarmente, no entanto o que essas fotos fazem, mais do que fazem por elas suas legendas, é dar conta de dois aspectos distintos da tragédia: por um lado, dar a ver a dimensão grandiosa da tragédia, como foi a queda das imensas torres e, por outro, evidenciar o comportamento das pessoas submetidas ao horror e ao

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desespero. Ambas reconstroem, sem sombra de dúvida, as dimensões, tanto materiais quanto humanas do evento.

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Figura 5 Figura 6

Várias outras imagens dessa edição revelam cenas verdadeiramente tocantes que mantém a disposição de mostrar, pelo próprio texto imagético, aspectos que nem sempre o texto verbal é capaz de descrever de maneira tão imediata e rica. Cabe destacar também as páginas A20 (Figura 5) e E21 (Figura 6). Na página A20 temos um conjunto de cenas que mostram a tragédia ou buscam sensibilizar e mobilizar pela tragédia, como também se vê em E21 na evocação de outras tragédias.

Ao nosso ver, duas páginas, as de números A10 e A11 (Figura 7), revelam o conjunto mais representativo desta edição. Não tanto pela dramaticidade que expõe na reconstrução dos ataques às torres, mas pela organização estrutural de seu discurso. As duas páginas compõem um painel de 0,62cm de largura por 0,55cm de altura. É um painel que tem a capacidade de sintetizar a tragédia do dia 11 e de, ao mesmo tempo, “historicizá-la”. É uma feliz síntese do evento. Convivem nessa superfície diagramática dados de natureza factual, espacial (geográfica) e temporal que, através do percurso de leitura empreendido pelo leitor modelo, instaurado pela enunciação de sua estrutura imagética, realiza a performance de um saber.

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A instauração do sujeito: estrutura diagramática das páginas A10 e A11

Figura 7

Ao abrir as páginas centrais do caderno A, respectivamente 10 e 11 (figura 7), da Folha de São Paulo do dia 12 de setembro de 2001, depara-se com um cenário para a performance de um ator e o leitor modelo se transforma nesse ator, que passa a ser o sujeito de uma enunciação instaurada pelas duas páginas anexas, assim se inicia o percurso de leitura ali desenvolvido.

Esse cenário se constitui na e pela delimitação espacial da página impressa. Um conjunto de elementos verbais e visuais instituem campos, lugares por quais esse sujeito percorrerá para o coroamento de sua performance.

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Começamos pelo título do jornal: duas pequenas marcas, uma no centro da página da esquerda e outra no centro da página da direita. Essas duas marcas e ainda, na extrema esquerda e na estrema direita temos os indicadores de data, página e caderno. Ligeiramente abaixo disso, há uma vinheta, situada no centro entre as duas páginas, mostra uma bandeira americana em chamas, envolta em fumaça, semelhante à que desprendeu das explosões das torres identificando a matéria: “GUERRA NA AMÉRICA”. A manchete, logo abaixo da vinheta, percorre a superfície da página de lado a lado dizendo: “COMO FORAM OS ATAQUES QUE DESTRUÍRAM AS TORRRES DO WORLD TRADE CENTER”. Podemos identificar um primeiro conjunto espacial, o da apresentação.

Em seguida, abaixo da manchete, à esquerda, há um segundo conjunto. Esse conjunto compreende o cenário dos acontecimentos, ou seja, dos ataques. Imagens de aviões, duas seqüências de três aviões em tamanhos decrescentes, simulam uma trajetória que vai da esquerda para a direita em direção à área próxima à região central dessa página, percorrendo duas leves curvas em diagonal na direção das torres atingidas pelos aviões e em chamas. As setas que conduzem o olhar e mostram que o percurso dos aviões se inicia à esquerda e vai para a direita. Esse percurso visual que indica o caminho da leitura é desenvolvido a partir das setas, caminhando em direção às duas torres onde depara com as explosões e a fumaça.

Ultrapassando a barreira visual da metade da página, temos a seguir uma terceira delimitação espacial: o cenário do conhecimento. É nesse local que são revelados outros dados que irão complementar as informações sobre o evento.

A quarta delimitação espacial é dada pela seqüência de fotos dispostas horizontalmente ao pé das duas páginas que mostram a sucessão dos diferentes momentos da agonia pelos quais passaram as torres gêmeas, é o cenário da veridicção. É o momento da verdade, onde os dados e fatos narrados nos demais cenários são confrontados com as imagens tomadas do meio ambiente. É o acontecimento, o fato ele mesmo, que se autodescreve, tomando como referência a seqüência de imagens dele tomadas.

A superposição de todos esses lugares narrativos dá conta do aqui da enunciação, embora esses lugares sejam delimitações no espaço das páginas, a despeito de serem, por natureza, intertextuais dadas suas características fotográficas e topográficas, já que são fotos e mapas, apenas simulam lugares e imagens do mundo natural, mas são enfim lugares narrativos onde o eu se coloca para descrever o ocorrido.

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Indicadores de temporalidade

Podemos começar pelos indicadores de data que encimam as páginas, são referenciais do tempo histórico da edição. Mas há outras marcas temporais que são os boxes de onde partem as setas que indicam as trajetórias dos aviões, que dizem os horários do primeiro e do segundo ataque, simultaneamente 09:48 e 10:04, estes marcam o tempo histórico do evento. Além delas, a linha de tempo superposta à seqüência de fotos que percorre toda a região inferior das páginas, marca também retoma o tempo histórico do evento. Nesse caso, há ali duas temporalidades superpostas: a do evento e a da edição. Além dessas, há uma terceira que diz respeito à atualização discursiva, uma temporalidade da leitura. Esta se superpõe às duas outras e constrói a temporalidade da enunciação, é quando o sujeito da narração desenvolve seu percurso narrativo.

Essas imagens procuram dar a dimensão da tragédia pelo impacto visual que causam, embora se perceba que, tanto os aviões quanto as explosões são construções digitais sobre uma foto anterior à tragédia, que buscam desenvolver a narrativa do ataque. Complementando essa narrativa, participam dois mapas, embaixo e à direita dessa imagem, eles mostram, o da esquerda, parte da ilha de Manhattan e o da direita a localização do World Trade Center, os dois têm a finalidade de reduzir o efeito de artificialidade provocado pela intervenção digital na foto, nesse caso, os mapas, funcionam também como adutores de credibilidade na medida em que criam a representação de um lugar geográfico específico e facilmente localizado no mundo natural.

De modo geral, destacam-se na superfície do painel, três ambientes: 1) o lugar dos ataques, na página A10, do lado esquerdo e em sua área central; 2) na página A11, do lado direito e também em sua área central, encontram-se dados informativos como detalhes sobre as torres e sobre os ataques além de outros dados gerais; 3) na parte inferior, percorrendo toda a horizontalidade da área composta pelas duas páginas, vê -se uma seqüência fotográfica revelando momentos diferentes e sucessivos dos atentados. Esta seqüência horizontal de fotografias também promove o efeito de unificação das duas páginas, tanto quanto a vinheta, disposta em cima e no centro das duas páginas, seguida da manchete que percorre a horizontal superior do painel, da esquerda para a direita. Estas linhas horizontais (a manchete e a seqüência de fotos), promovem a unificação da página criando um efeito de homogeneização, une num só espaço, circunstâncias de ordem diferentes: os atentados e como se deu o desabamento, os dados numéricos relacionados a tamanho do edifício em relação a outros nos Estados Unidos e

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no resto do mundo, número provável de vítimas, condições de construção, Tudo isso leva à sensação de que se está diante de um objeto único.

A temporalidade da enunciação é determinada pelo percurso instituído a partir da seqüência de aviões, que cria o deslocamento do olhar do enunciador pela superfície da página e a partir daí é que se dá a instauração temporal, retomada e reiterada pela seqüência de fotos ao pé da página, encimada por uma linha do tempo que demarca o tempo histórico e simultaneamente o tempo da enunciação.

As qualidades cromáticas na reconstrução do evento

Há duas cores recorrentes nessa reconstrução: o vermelho e o negro. É óbvio que poderíamos associar esta recorrência ao apelo visual mais elementar, retomando certas convenções sociais como o vermelho que indica perigo e o negro que indica luto. No entanto, dadas as circunstâncias, quer nos parecer que a associação entre vermelho e negro são associações derivadas do fogo e da fumaça que exalaram das torres. Ainda, dadas as mesmas circunstâncias, pode-se inferir que o vermelho, por sua vez, pode ser relacionado ao sangue das vítimas e o negro à suas mortes. Nesse caso, o vermelho e o negro significam a mesma coisa, ou seja, a negação da vida, portanto, teríamos uma oposição elementar atuando por ausência, entre vida e morte.

A construção de sentido

Toda narrativa se produz em função de um sujeito que busca um objeto de valor. É o sujeito que percorre os diversos cenários, aqui apontados, para encontrar o seu objeto de desejo. Ele deve exercer sua performance em função disso. É esse sujeito que tomas os aviões e percorre a distância para atingir as torres; ele é quem passeia pelos quadros e descobre os detalhes das torres: sua dimensão, sua construção e suas similares no mundo, maiores e menores; é ele quem toma consciência da dimensão do acontecido e reflete sobre os desdobramentos dessa ação. É ele quem percorre esse painel e descobre, pelo seu fazer cognitivo, o saber explosivo da ação terrorista.

Bibliografia

GREIMAS, A.J. e COURTÉS, J. Semiótica: Dicionário razonado de la teoria Del

lenguaje. Madrid, Gredos, 1990.

LANDOWSKI, Eric. A sociedade Refletida. São Paulo, Educ/Pontes, 1992.

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Referências

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