Projetos de MDL em aterros sanitários do Brasil: análise política, socioeconômica e
ambiental
Margareth de C. Oliveira Pavan1 e Virgínia Parente2
1 Bacharel em Química - Universidade de São Paulo, Mestre em Engenharia Ambiental -Universidade de São Paulo e Doutoranda do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (PIPGE-USP). 2 Professora do Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo (PIPGE-USP).
RESUMO
O presente trabalho aborda aspectos políticos, sócio-econômicos e ambientais dos projetos de MDL em
aterros sanitários implantados no Brasil. Para tanto, é analisado o potencial do uso de MDL em projetos de
aterros sanitários no contexto da Convenção do Clima; são discutidas as implicações dos projetos de MDL em
aterros sanitários para os países em desenvolvimento, em geral, e para o Brasil, em particular; e analisados os
tipos de externalidades que os projetos de MDL de aterros sanitários implantados no Brasil estão trazendo.
PALAVRAS CHAVE
Aterro Sanitário; Mecanismo de Desenvolvimento Limpo; Gás Metano; Energia; Meio Ambiente.
1. INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA DO TRABALHO
O modelo de desenvolvimento adotado pelos vários países no mundo vem gerando impactos ambientais
que se sobrepõem aos limites territoriais dos Estados envolvidos. O lançamento de dióxido de carbono na
atmosfera, que tem como conseqüência o efeito estufa e o aquecimento terrestre, é um exemplo clássico de
impacto que não repercute apenas no local onde ocorre, mas de maneira global.
Em 1991, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas publicou o
primeiro relatório – que contou com a participação de cientistas de vários países – analisando o aumento da
temperatura terrestre em decorrência da intensificação do efeito estufa. Esse relatório passou a ser considerado
referência principal sobre o assunto de mudança climática global. Na referida publicação, intitulada Climate
Change – The IPCC Scientific Assessment, pela primeira vez o IPCC defendeu a tese de que a concentração de
gases de efeito estufa estava aumentando na atmosfera global em conseqüência das emissões oriundas da ação do
homem, sendo o dióxido de carbono (CO
2) e o metano (CH
4) os gases que mais contribuíam para aquele
fenômeno.
As Nações Unidas, por sua vez, adotaram em 1992, um tratado internacional, a United Nations Framework
Convention on Climate Change (UNFCCC), com o objetivo de atingir a estabilização dos gases de efeito estufa
na atmosfera. Os países integrantes desse tratado receberam o nome de “Partes”. Em 1997, a Conferência das
Partes, realizada em Quioto, deu origem ao Protocolo de Quito, que determinou, principalmente aos países
desenvolvidos, a obrigação de reduzirem as emissões de gases de efeito estufa e criou mecanismos financeiros
para sua consecução. Entre estes mecanismos estava aquele que ficou conhecido como Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo (MDL).
O MDL, ainda em seus primeiros anos de vigência, tem procurado incentivar a implementação de projetos
que contribuam para a redução dos gases de efeito estufa. Os projetos elegíveis que passaram a ser referidos
como projetos de MDL, podem ser financiados pelos países desenvolvidos, ainda que realizados nos territórios
dos países em desenvolvimento (FRANGETTO; GAZANI, 2002). A forma como estes projetos vem se
materializando tem variado em função dos grupos de interesses presentes e da conjuntura e estrutura econômica e
política dos países envolvidos.
As políticas que têm por meta enfrentar as mudanças climática são bastante complexas, por haver
em torno delas um grande jogo de interesses em relação às especificidades de grupo de países e,
principalmente, de grandes corporações e de setores econômicos de peso (VIOLA, 2002). O uso do
Protocolo de Quioto e, especialmente, de projetos de MDL como instrumentos para enfrentar as
mudanças climáticas, tem gerado polêmicas e impasses, dividindo posições entre países, governos,
ONGs, sociedade civil, cientistas e o setor privado. Para MONZONI (2004) é importante destacar que a
redução de emissões ou a remoção de carbono atmosférico por si só não significa uma promoção de
desenvolvimento sustentável. Os projetos de créditos de carbono devem ser acrescidos de promoção da
sustentabilidade social, ambiental, econômica, étnica, cultural e tecnológica, ou seja, devem contribuir
para a construção de uma sociedade sustentável em todas as suas dimensões.
Neste contexto, o presente trabalho aborda de um ponto de vista político, sócio-econômico e ambiental,
alguns aspectos regulatórios relacionados à gestão de resíduos sólidos no Brasil e ao uso de projetos de MDL em
aterros sanitários como instrumentos de mitigação de gases de efeito estufa.
2. OBJETIVOS
Este trabalho possui os seguintes objetivos: (a) analisar o potencial do uso de MDL em projetos de aterros
sanitários no contexto da Convenção do Clima; (b) discutir as implicações dos projetos de MDL em aterros
sanitários para os países em desenvolvimento, em geral, e para o Brasil, em particular, atentando para suas
limitações; e (c) analisar os tipos de externalidades que os projetos de MDL ligados a aterros sanitários já
implantados no Brasil estão trazendo para o país atentando para a perspectiva de esses projetos contribuírem
efetivamente para o desenvolvimento econômico sustentável.
3. METODOLOGIA
Para o desenvolvimento do presente trabalho foram realizadas coletas de informações sobre os projetos de
MDL em aterros sanitários implantados no Brasil e sobre as regiões onde os mesmos estão inseridos. As fontes
de informações foram: ONGs, universidades, instituições de pesquisas, entidades governamentais, organizações
financiadoras e instituições executoras dos projetos.
Dos projetos de MDL (em aterros sanitários), aprovados até novembro de 2005, o do aterro Bandeirantes,
localizado na cidade de São Paulo, foi analisado quanto à linha base do projeto (baseline); ao caráter de
adicionalidade (additionality); de vazamento (leakage); e de permanência (permanence).
As análises e discussões desse aterro foi gerada com base no Documento de Concepção do Projeto,
disponibilizado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, através da Comissão Interministerial de Mudança
Global do Clima. Foram também realizadas entrevistas a grupos ligados direta e indiretamente ao projeto
referido.
4. RESULTADOS OBTIDOS
As estatísticas indicaram que a geração de resíduos no Brasil tem se situado em cerca de 230 mil t/dia,
sendo que apenas 36% destes resíduos têm sido dispostos em aterro sanitários, propriamente ditos (JUCÁ, 2004).
Até o final de novembro do ano de 2005, foram aprovados 10 projetos de MDL em aterros sanitários, e mais
outros 34 projetos estavam em estudo de pré-viabilidade de implantação (MCT-MINISTÉRIO DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA; MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2005). Considerando-se apenas quatro dos projetos de MDL já
aprovados no país, as projeções indicam que juntos estes projetos reduzirão cerca de 30,6 milhões de toneladas
de CO
22eq. ao longo de 10 anos, que poderão ser convertidos em créditos de carbono.
A Figura 1 apresenta o número de projetos de MDL registrados no Brasil. Conforme está representado, até
2005 foram registrados 3 projetos de MDL referentes à captação de metano
0 2 4 6 8 10 12 14 Biomassa Eficiência Energética Energia Eólica Hidroeletricidade Recuperação de metano Outros
Figura 1 – Número de Projetos de MDL registrados no Brasil
Fonte: Autoria própria com base nos dados do MCT, 2005.
A Tabela 1 relaciona os projetos de captação de gases em aterros sanitários inclusos nesses
números.
Tabela 1 - Projetos de MDL em aterros sanitários: aprovados, aprovados
com ressalva e em estudo de pré-viabilidade pelo Banco Mundial.
Aterro Status
Data
de
Aprovação
Nova Gerar/RJ
aprovado
02.06.04
Veja Bahia/BA
aprovado
02.06.04
Marca/RS aprovado
26.08.04
Lara/SP aprovado
29.06.05
Estre/SP aprovado
24.08.05
Caieras/SP aprovado
24.08.05
Onyx/SP aprovado
09.09.05
Bandeirantes/SP aprovado 12.09.05
Anaconda/SP aprovado
11.10.05
São João
aprovado com ressalva
11.10.05
Gramacho/RJ
em estudo de pré-viabilidade
Muribeca/PE
em estudo de pré-viabilidade
Santa Tecla/RS
em estudo de pré-viabilidade
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do MCT, 2005.
demais gases de efeito estufa como o CH4, N2O e outros têm sua quantificação feita a partir dos seus GWPs. O CH4 tem GWP igual a 21, o N2O tem GWP igual a 310. Nos aterros, a mitigação de redução de emissão de CH4 é dada em CO2 equivalente.(IPCC, 1997).
A Tabela 2 apresenta os projetos em estudo de pré-viabilidade pelo Ministério das Cidades (estudo em
fase inicial), cujos dados ainda não foram publicados.
Tabela 2 – Projetos em estudo de pré-viabilidade pelo
Ministério das Cidades (estudo em fase inicial)
Município Município
Nova Iguaçu/RJ
Londrina/PR
Americana/SP Maringá/PR
Duque de Caxias/RJ
Campo Grande/MS
Santos/SP Passo
Fundo/MS
São Gonçalo/RJ
Recife/PE
Guarulhos/SP Maceió/AL
Santo André/SP
São Luís/MA
Mesquita/RJ Caucaia/CE
Niterói/RJ
Lauro de Fretas/BA
Curitiba/PR Manaus/AM
Gravataí/RS Olinda/PE
Porto Alegre/RS
Fortaleza/CE
Goiânia/GO Camaçari/BA
Florianópolis/SC Belém/PA
Distrito Federal/DF
Belo Horizonte/MG
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do Ministério das Cidades, 2005.
Os projetos de MDL em aterros sanitários implantados no Brasil têm contribuído nas dimensões políticas e
socioeconômicas e ambientais: para a sustentabilidade ambiental local; para o desenvolvimento das condições de
trabalho e da geração líquida de empregos; para captação e desenvolvimento tecnológico e para integração
regional e a articulação de outros setores da economia. Como referência dos impactos destes projetos, é analisado
o Projeto Bandeirantes de Captação de Gás de Aterro e Geração de Energia.
Este projeto foi implantado no maior aterro do Brasil, localizado na cidade de São Paulo, e recebe,
diariamente, 7 mil toneladas de resíduos. O empreendimento conta com localização de um grande bairro
paulistano em seu entorno (Perus). O projeto tem contribuído para melhoria da qualidade de vida da população
circunzinha do aterro, uma vez que os gases são captados, diminui o mau cheiro e os riscos de explosões, no caso
da formação de bolsões de gases no interior do aterro.
O projeto teve uma contribuição importante na geração de empregos. Foram gerados empregos durante as
obras de implantação, em manutenção e 25 pessoas trabalham diretamente no local nas operações, além de outros
empregos indiretos que também foram criados.
O projeto também teve benefícios sócios econômicos ao realizar treinamentos e capacitação de
trabalhadores não qualificados, contribuindo para melhoria da renda dos mesmos. Além disso, foi instalado uma
equipamentos são disponíveis no Brasil, o que exigiu treinamento de funcionários para operação e manutenção
que pode contribuir para o desenvolvimento da tecnologia no país.
O projeto também contribuiu para o aquecimento da economia local, uma vez que vários componentes da
sociedade da região foram afetados diretamente, pois movimentou os setores de manutenção, construção,
assistência técnica e de serviços. Neste projeto de MDL, os recursos advindos da venda dos créditos de carbono
são divididos entre o empreendedor, representado pela empresa empresa responsável pela exploração dos gases
do aterro, e o município de São Paulo, em partes iguais.
5. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
O argumento motivador para proposta do MDL no Protocolo de Quioto é que, de modo geral,
qualquer atividade para compensar as emissões, quando implementadas nos países Não-Anexo 1
tendem a ser bem menos onerosas, se comparadas com as atividades que deveriam ser implementadas
pelos países do Anexo 1 em seus próprios territórios, visando atingirem suas cotas de redução emissões.
Os projetos de MDL em aterro sanitários são vistos como forte atrativo para os países Anexo 1, com
vistas às redução de emissão, por vários fatores. Entre esses destacam-se que: a quantidade de emissões
evitadas é grande (80%); o metano (que representa cerca de 60% dos gases emitidos pelos aterros)
apresenta potencial de aqueciemento global 23 maior que o CO
2, o que significa mais geração de
créditos negociáveis quando comparado a projetos que envolvam somente a redução de CO
2; a
tecnologia utilizada é bastante difundida e relativamente barata; nos países em desenvolvimento
(basicamente os países Não-Anexo I) os aterros, quando existem, normalmente não fazem a
recuperação de gases para fins energéticos ou simplesmente realizam a queima em flares
3. É importante
salientar que, nos termos de projetos de MDL, somente a queima nesses flares já caracteriza
adicionalidade ao projeto.
No Brasil, a responsabilidade pela gestão dos resíduos sólidos urbanos compete aos municípios
que enfrentam enormes dificuldades quanto ao tratamento adequado desses resíduos. Foi verificado que
uma parte dessas dificuldades decorre da própria falta de prioridade política frente a outras demandas
sociais insatisfeitas; dos obstáculos em se celebrar acordos intergovernamentais; da receita insuficiente;
da ausência de políticas públicas para gestão dos resíduos que envolvam os três níveis de governo.
3 flares: são queimadores especiais implantados na saída dos drenos de gases. Esses queimadores têm uma grande eficiência de combustão, o que faz com que o metano seja convertido em CO2.