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Mulheres mamíferas : práticas da maternidade ativa

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Academic year: 2021

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ARIANA MARQUES PULHEZ

MULHERES MAMÍFERAS: PRÁTICAS DA

MATERNIDADE ATIVA

CAMPINAS 2015

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Universidade Estadual de Campinas

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social

M

ARIANA MARQUES PULHEZ

MULHERES MAMÍFERAS: PRÁTICAS DA

MATERNIDADE ATIVA

DISSERTAÇÃO APRESENTADA AO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS, PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRA EM ANTROPOLOGIA SOCIAL.

ORIENTADORA:PROFª DRª GUITA GRIN DEBERT

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA ALUNA MARIANA MARQUES PULHEZ E ORIENTADA PELA

PROF.ª DR.ª GUITA GR IN DEBERT E APROVADA NO DIA 25/02/2015.

CAMPINAS 2015

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ESUMO

O desafio desta pesquisa foi fazer uma etnografia de um blog materno na internet, o

Blog Mamíferas. Através da análise das mensagens postadas e entrevistas com as suas

produtoras – as mamíferas – tratou-se de demonstrar que a sua autodefinição como feministas envolve a transformação do parto e do trabalho de cuidado dos filhos em momentos de puro prazer; a crítica à violência obstétrica e aos pressupostos da pediatria; a percepção do feto e do bebê como sujeitos de direitos; e a definição de um novo script para os pais.

Palavras-chave: maternidade ativa; feminização do pai; humanização do nascimento;

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BSTRACT

The challenge of this research lies on conducting an ethnography of a blog devoted and written by mothers, the Blog Mamíferas (Mamíferas being the Portuguese word for “mammalians”). Through the analysis of posted messages and interviews with developers of the blog – the so-called mamíferas (mammals) - the aim was to show that their self-definition as feminists involves: the transformation of childbirth and childcare in moments of pure pleasure; the criticism of obstetric violence and of pediatrics' axioms; the perception of the fetus and the baby as subjects of rights; and the definition of a new script for fathers.

Keywords : active motherhood; feminization of the father; birth humanization; gender and

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UMÁRIO

Introdução ... 1

Organização da dissertação ... 10

Capítulo 1 - O Blog Mamíferas ... 13

História e formação do blog ... 13

O blog ... 19

O site ... 29

Mudando de casa ... 36

Os Mamíferos ... 44

Capítulo 2 - Mas afinal, quem são as mamíferas? ... 55

Kalu ... 58

Tata ... 61

Nanda ... 63

Quanto custa um parto? ... 65

Capítulo 3 - Descobrindo partos ... 69

Os partos e seus adjetivos... 69

1° Encontro de Humanização Materno-Infantil ... 71

Marcha do Parto em Casa... 77

Violência Obstétrica ... 80

Situação 1: ... 82

Situação 2: ... 83

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“Políticas do trauma” e necessidade de vocalização... 89

Considerações parciais ... 95

Capítulo 4 - Natureza e afeto ... 99

Negação do afeto no parto não natural ... 102

O afeto do pai ... 111

Amamentar: a obrigação do afeto ... 116

Sem açúcar, com afeto: a busca por um mundo melhor... 122

Capítulo 5 - Feministas e Mamíferas ... 127

Dicotomia público/doméstico e a recusa da maternidade ... 127

“Ser mãe é uma escolha” que gera outras escolhas: aborto e modos mamíferos de parir e maternar ... 134

Individualismo-igualitário e o ideal de conjugalidade ... 143

Valorização do doméstico e da família como expressão do “feminismo mamífero” ... 152

Considerações finais ... 163

Referências Bibliográficas ... 169

Apêndice 1 - Mas é blog ou é site? ... 179

Apêndice 2 - O universo dos links ... 185

Apêndice 3 - Roteiro de entrevistas para as mamíferas ... 193

Anexo - Os chamados mitos para se recomendar uma cesariana, segundo Melania Amorim, médica obstetra... 199

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A

GRADECIMENTOS

Desde os idos de 2010, quando comecei a sentir que um objeto de pesquisa crescia em mim, passando pelo momento de decisão pela formulação do projeto, até a data final de escrita desses agradecimentos, muitas foram as pessoas e instituições que fizeram parte desse árduo e prazeroso caminho que é uma pesquisa de mestrado. Antes de tudo, gostaria de agradecer a todos que, de uma maneira ou de outra, participaram desse processo. Sob risco de esquecer alguém em páginas tão breves, quero deixar registrados meus sinceros agradecimentos a cada um de vocês.

Gostaria de agradecer à CAPES pelos primeiros três meses de financiamento e à FAPESP pelos meses restantes. O apoio dado pelas duas instituições foi imprescindível para a realização desta pesquisa com a qualidade necessária. Agradeço, ainda, aos funcionários do IFCH pelo acolhimento e infraestruturas concedidos, os quais proporcionaram o bom andamento da pesquisa.

Obrigada, ainda, àquelas que me concederam entrevistas para o desenvolvimento da pesquisa, em especial Kalu, Tata e Nanda, as mamíferas que dão título a esta dissertação. Suas palavras foram preciosas para dar corpo à etnografia empreendida.

Obrigada, também, a Cynthia Sarti e a Sabrina Finamori por terem aceitado ser da minha banca e por terem lido com tanto cuidado meu relatório de qualificação. Através de suas leituras instigantes, a pesquisa tomou rumos fundamentais.

Também quero agradecer, em especial, à Guita Grin Debert, minha orientadora, que me abriu as portas quando eu voltava de um longo caminho longe da vida acadêmica. Obrigada pela confiança em meu trabalho e por engrandecer meu apreço pela vida intelectual. Sua brilhante capacidade de entender meus textos e minhas ideias antes que eu mesma pudesse me dar conta foi fundamental para o resultado dessa pesquisa.

Agradeço também à Heloísa Pontes, minha primeira orientadora, ainda na época de graduação, que tanto me estimulou e me fez acreditar que um dia eu pudesse “pensar etnograficamente”. Talvez ela não se lembre de ter me dito esta frase, mas sem dúvida isso e sua confiança em mim marcaram meu percurso acadêmico em relação ao carinho que nutro pela Antropologia.

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Obrigada aos meus colegas de orientação que, nas reuniões mensais, sempre tão atentos e prestativos, fizeram os anos de mestrado mais intelectualmente instigantes: Glaucia Destro, Talita Castro, Amanda Marques, Catarina Casimiro Trindade, Mauro Brigeiro, Carlos Eduardo Henning, Guilherme Passamani, Paola Gambarotto, Thiago Da Hora, Tatiana Perrone, Vanessa Sander, Ana Piu, Rebecca Slenes, Sabrina Finamori e Daniela Feriani. Agradeço também à Isabella Meucci e ao Thiago Falcão pelo bom funcionamento das reuniões com suas ótimas assistências.

Aos meus colegas de mestrado e de doutorado, agradeço as discussões durante as aulas, em especial na disciplina de Seminários de Projeto. Ler cada um dos projetos e ampliar minha capacidade de compreensão de temas tão diversos só foi tão prazeroso pela qualidade que cada um de vocês tem. Obrigada por terem feito da turma de 2012 a melhor turma do PPGAS de todos os tempos!

Agradeço, ainda, àqueles colegas da pós-graduação a quem fui me apegando ao longo dos anos e com quem compartilhei tantas angústias e alegrias. Catarina Casimiro Trindade, minha mais que colega, amiga para sempre, obrigada pelos brownies, pelos abraços apertados, pelos ouvidos, por melhorar meu visual com suas lindas capulanas, por ser a moçambicana mais querida do Brasil. Julian Simões, obrigada pelas risadas, pelas horas de dor nas bochechas, e também pelos momentos de seriedade e serenidade para me dizer “pode acabar, já tá pronto”, mesmo sem ter lido meu texto. Berenice Morales, obrigada pelas salsas que nunca aprendi a dançar, pelos presentinhos sempre lindos que me dá, pela pimenta mexicana que trouxe para minha tia. Seu carinho constante é meu melhor presente. Mauro Brigeiro, obrigada pelos sorrisos, pelos elogios, pelas horas a fio de conversas, pela tranquilidade que transmite com seu olhar. Luciano Cardenes, agradeço-lhe até o fim da vida o último dia em Natal, por ter me carregado escada acima após meu fatídico acidente. Rebecca Slenes, a você também agradeço pelos cuidados nesse dia, por suas leituras tão minuciosas dos meus textos, pela ajuda recorrente com os termos em inglês. Patrik Thames Franco, tão sumido, agradeço pelas altas risadas e por ter me escolhido como sua amiga quando estava em Campinas. Bruna Bumachar, com quem ainda hei de trocar mais figurinhas, a você agradeço o sorriso no rosto e a inspiração para me disciplinar. Sempre admirei sua capacidade de concentração. Flávia Paniz, obrigada pelo

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banquinho na sua festa de despedida, pra que eu apoiasse meu pé, pelo carinho e atenção dado naquele dia. Ana Elisa Bersani, Adriano Godoy, Lis Furlani Blanco, obrigada pela companhia nas horas finais da escrita da dissertação.

Agradeço também, sob pena de me repetir, aos membros dos nossos dois grupos de xitique, “uma prática de poupança e crédito rotativo”, nas palavras da Catarina (que já não define mais xitique assim, mas o bordão ficou!). A ela, à Ana Elisa Bersani, ao Adriano Godoy, à Lívia Antipon, à Paula Freitas, ao Vítor Queiroz, ao Luciano Cardenes, ao Patrik Thames Franco, ao Julian Simões, à Isabel Casimiro, ao Danilo Arnaut, à Berenice Morales, à Juçara Lobato, por terem me feito aprender a economizar e a entender que “xitique é compromisso”, meus sinceros agradecimentos.

“Obrigada” não define o que gostaria de dizer aos meus amigos de toda a vida, para toda a vida: Bárbara Castro, Carol Cavazza, Nathalia Oliveira, Talita Castro, Glaucia Destro, Vanessa Ortiz, Vítor Queiroz. Minha família, pedaço de mim, vocês sempre fizeram tudo isso muito mais possível. Não poderia descrever com nenhuma palavra cada uma das coisas que me faz ser eternamente agradecida a vocês por estar onde estou hoje. O que sinto por vocês é indizível.

Agradeço também à Michele Lima que, nos tempos em que moramos juntas, discutiu comigo as tantas possibilidades de formulação de um projeto e não me deixou esquecer que eu deveria seguir em frente.

Obrigada, Danusa Bertagnoli, pela companhia na volta para casa, ainda nos tempos do Jardim Nova Europa, e por me ouvir reclamar da vida durante aqueles longos 30 minutos diários.

Obrigada, Julia Lucca, pelas incontáveis horas no chat do Facebook, por me dizer tantas vezes “acaba logo, nega!”, pelas horas na antiga cantina do IFCH.

Também quero agradecer à Karina Souza pela amizade, pelos momentos compartilhados em tempos de Wizard, por me ajudar a traduzir alguns trechos cabeludos da dissertação, por ser minha eterna companheira de samba.

Obrigada à Patrícia Arouca por não deixar o samba morrer e por ser o samba. Obrigada, Pat, por ser minha eterna professora de francês, amiga, psicóloga, meu muro de lamentações ainda na época em que eu não sabia se fazia um mestrado ou não. Obrigada,

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querida, por ter me feito acreditar que podia fazer do francês meu ganha-pão por tanto tempo e por me apoiar quando decidi seguir com a Antropologia.

Geonilza Santos Rocha, ou simplesmente “Ge”, obrigada pelos alongamentos, pelos relaxamentos e, principalmente, por ter literalmente salvo minha vida. Obrigada também a Carolina Solon de Andrade que, além de me alongar, me ouviu lamentar quando mais precisei. Obrigada a vocês duas por terem feito das horas na frente do computador momentos menos dolorosos.

Agradeço aos meus pais, Cristina e Nilo, por terem me proporcionado estrutura para chegar até aqui. À minha mãe, devo o amor pelos livros, pela leitura e pela escrita; devo o olhar mais humano para o mundo, mais inconformado. Obrigada, mãe, por ter estado sempre presente, por sempre acreditar que eu podia, por segurar as pontas quando deixei meu emprego para voltar a estudar. Ao meu pai, agradeço o cuidado, a presença e o carinho na hora mais difícil da minha vida, quando, pela primeira vez, tive medo de morrer. Sem suas caronas para as consultas médicas em São Paulo e sua prestatividade, não sei se teria terminado essa dissertação em tempo hábil. Obrigada também à Nali Pulhez, por estar ao lado do meu pai lhe dando a certeza de que eu ficaria bem quando ele chorou por mim.

Não posso deixar de agradecer a minha Tia Marly pelo papel de mãe que cumpre na minha vida. Mãe, tia, amiga, suas sopas e estrogonofes fazem meus dias mais saborosos. Obrigada por estar lá por mim quando eu precisei, por cuidar de mim, por me ajudar a cuidar da Sofia quando eu precisava me concentrar na elaboração do projeto. Você insiste em dizer o contrário, mas é você quem é meu anjo da guarda.

Obrigada, Magaly Marques Pulhez, irmã querida, minha cúmplice, companheira para a vida. Sua influência sobre mim representa de modo mais explícito aquela ideia de que os irmãos mais novos se espelham no que os mais velhos fazem: sua paixão pelos temas do urbanismo me fez iniciar meu olhar antropológico sobre a cidade ainda no tempo da graduação; e sua decisão de parir Catarina e Miguel em casa me empurrou de volta para a Academia, fazendo com que eu mergulhasse de vez na Antropologia. Obrigada.

Ao meu cunhado João Marcos de Almeida Lopes, agradeço as pizzadas, os macarrões, as longas festas na sua casa e, principalmente, a existência dos meus sobrinhos. A eles, agradeço por serem os mais lindos do mundo, pelas alegrias e por me fazerem por

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em suspenso tudo o que aprendi na Antropologia e acreditar que o amor de tia é, por fim, incondicional.

Finalmente, obrigada Café, “vulgo Rafael”, meu companheiro, meu amor, minha luz. Obrigada por acreditar em mim, por me fazer ver que eu posso, por segurar a barra nos momentos mais difíceis da dissertação, por ler meus textos e apontar “os grandes problemas”, por cuidar de mim quando estive doente, por me entender, por me ouvir, por me respeitar. Obrigada por trazer com você Mara, Frank, Elvis, John, Wilma, Andrew, Bryan, Akon e Breno, que hoje considero minha família também. Obrigada por tudo, do fundo do peito.

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I

NTRODUÇÃO

18 de outubro de 2008

“- Filha, sua irmã ligou. Você já é titia: a Catarina nasceu! - Nasceu? Jura? Que legal!!

- E você não sabe da maior loucura: ela nasceu em casa! - Em casa?!?

- Sim, você acredita? Sua irmã é uma irresponsável! Disse que deu um problema lá no hospital, que não quiseram interná-la, mas não engoli muito essa história.

- Nossa, mãe, mas tá tudo bem, né?

- Tá, sim, graças a Deus. Ainda bem que não aconteceu nada nem pra ela nem pra neném.”

21 de setembro de 2010 “- Miguel nasceu!

- Jura? Que bom!! E tá tudo bem??

- Tá, sim, mas você não vai acreditar: a parteira não chegou a tempo. - Como assim?!

- Ah, foi tudo muito rápido. Liguei pra ela quando senti as contrações, mas o trabalho de parto acelerou muito rápido. Fui pro chuveiro e daí, de repente, gritei pro João ir me ajudar, porque o Miguel ia nascer. E daí nasceu na mão do pai.

- Mas ficou tudo bem, né?

- Sim, ficou. A parteira chegou logo em seguida para cortar o cordão umbilical e logo já comecei a dar de mamar.

- E a Catarina?

- Ah, ela nem ouviu nada, acredita? Ficou dormindo. Acordou só umas 8h e ainda tá absorvendo a novidade de ter um irmãozinho. Mas nem precisei chamar ninguém pra ficar com ela.” 1

Em tempos de tecnologia e avanços na medicina, ter uma irmã que decide parir em casa foi para mim uma grande surpresa. Que ela decidisse não fazer uma cesariana eu entendia: grandes cirurgias sempre nos assustaram. Crescemos numa família que, por uma série de contingências, é altamente medicalizada, e nem eu nem minha irmã somos adeptas dos remédios para qualquer dor de cabeça, num processo de recusa desse estilo de vida. Mas negar a anestesia num parto normal? Negar toda a tecnologia que foi feita para

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amenizar as dores da mulher ao dar à luz? Isso me parecia muito exagerado e não acreditava que fosse realmente possível que alguma mulher pudesse decidir por algo assim em sã consciência.

Era óbvio, contudo, que minha irmã não estava sozinha nisso. Ela não havia decidido por um parto em casa por si só, sem antes ter sabido que essa era uma opção cada vez mais válida para um dado conjunto de mulheres. Como é muito comum no vocabulário de ativistas pelo parto humanizado2 – como vim a perceber mais tarde –, ela havia “se informado” sobre as possibilidades de parir e havia descoberto que ter um filho em casa era

uma opção considerada “mais segura e saudável”.

Mas onde, afinal, ela havia encontrado essas informações? Como teria sido possível que, na ocasião da primeira gravidez, em apenas nove meses ela tivesse se decidido por algo aparentemente tão radical?

Foi a partir de comentários como “li num blog” ou “na lista de discussão sobre

parto” que comecei a entender que havia um conjunto de mulheres voltadas a pensar sobre

formas de parir. O que ia ficando claro para mim é que havia pessoas nesse mundo on-line interessadas em discutir gravidez e parto e com quem minha irmã esteve em diálogo durante todo o período de gestação. E foi a partir disso, então, que percebi que gostaria de compreender esse mundo mais de perto e testar o interesse de um instrumental antropológico nessa compreensão.

Através de minha irmã acessei os primeiros blogs3 – ou diários on-line –, já que para entrar nas listas um pré-requisito era que eu estivesse grávida ou que já fosse mãe, ou que ao menos fosse uma pretendente à maternidade. Como não era o meu caso, não achei que fosse ético de minha parte mentir sobre minha condição para poder acessar as listas, por isso acabei voltando meus olhos para os blogs, em sua maioria abertos a qualquer

2 Ao longo da dissertação, adotarei os seguintes critérios gráficos: 1) as categorias êmicas serão grafadas em itálico; 2) expressões específicas de campo serão grafadas em itálico e estarão entre aspas; 3) destaques meus no meio do texto estarão sublinhados; 4) nomes de blogs e de eventos estarão em itálico; 5) grifos meus em citações de campo estarão em negrito. Cabe dizer que me inspiro em parte dos critérios adotados por Taniele Rui (2012) em sua tese de doutorado.

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O termo “blog” é um estrangeirismo incorporado na língua portuguesa, podendo ser grafado como “blog” ou “blogue”. Por ser usado no meu campo de pesquisa majoritariamente como “blog”, optei por deixar assim no texto. Contudo, em sendo um estrangeirismo, ele deveria ser grafado em itálico, o que não faço nessa dissertação. Opto por deixar o termo sem grafia distinta para deixar o texto mais “limpo”, sem confusões com os termos êmicos em itálico. Faço o mesmo com palavras como “tag”, “link”, “site” e “post”.

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leitor4. E ao iniciar minhas primeiras leituras nesse universo, percebi que o parto, embora fosse de longe o assunto mais tratado na maioria dos diários on-line, como ficará claro ao longo desta dissertação, era apenas uma parte de um universo maior de discussões sobre o que é chamado por um conjunto de mães de maternidade ativa.

Nos textos publicados nos blogs – os chamados posts –, os debates passam pela gravidez, pelo parto, amamentação prolongada, o tipo de alimentação mais adequado, o uso ou não de fraldas de pano. Passam pelos brinquedos mais apropriados, pela prática da cama compartilhada (ou seja, dormir com os filhos na mesma cama durante um período de tempo), pela adoção ou não do leite artificial, pelas formas de educar. Falam da infância livre de consumismo, dos dilemas entre maternidade e profissão, das dificuldades de ser mãe. Enfim, uma gama de tópicos abordados por milhares de blogs de mães preocupadas em compartilhar suas experiências de maternidade e trocar informações com outras mães5.

É claro que eu não imaginava que essa troca de experiências fosse algo necessariamente novo entre mulheres que têm ou querem ter filhos. Em outros ambientes sociais em que mães ou pretendentes a mães se encontram, essa é uma troca que acontece. Basta prestar atenção a uma festa de aniversário de criança, ou a uma conversa de porta de escola, ou talvez a uma sala de espera de um consultório de pediatria – isso para citar apenas locais mais óbvios. O que me chamava a atenção, contudo, era o investimento dedicado a essa troca, a necessidade de falar sobre o assunto para outras mulheres e, sobretudo, a valorização da maternidade e o lugar privilegiado que ela parecia tomar na vida de um conjunto de mulheres que, em casos mais extremos, abandonam sua profissão para serem exclusivamente mães. E o que me parecia mais importante nisso era não apenas a dedicação à profissão mãe – termo presente no vocabulário de muitas blogueiras –, mas sim a sua realização de maneira “pensada e discutida”. Nos termos das três blogueiras focadas nessa pesquisa – Kalu, Tata e Nanda, autoras do Blog Mamíferas6 –, era a

4 Com efeito, fiz alguns pedidos para entrar nas listas de discussão, mas em geral o que se pede é um relato de intenções para entrar na lista, e era nesse momento que me era impedido o acesso, já que eu não me encaixava em nenhuma das categorias citadas.

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A referência a “milhares” vem do mapeamento de blogs que realizei durante o campo através de um site chamado Minha mãe que disse!, voltado a reunir num só endereço de Internet toda a blogosfera materna. Segundo o site, ele reúne cerca de mil blogs.

6 Em razão do caráter público do Blog Mamíferas, o nome das autoras não foi modificado. Essa decisão foi tomada mediante sua autorização.

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realização do que se toma como uma maternidade ativa e consciente que me chamava a atenção. E mais além: era o posicionamento tido como ativo diante de saberes médicos – tanto obstétricos quanto pediátricos ou da puericultura – que me interessava entender. Afinal, o que estava em jogo nas disputas desses saberes? O que significava a luta por um parto dito humanizado? Por que se fazia importante para tantas blogueiras exigir o direito de amamentar prolongadamente?

Tendo isso em mente, a pesquisa de mestrado que propus desenvolver partiu do interesse em compreender concepções desta chamada maternidade ativa e consciente (re)formuladas por mulheres que possuem filhos e que utilizam blogs como veículo de compartilhamento de experiências de maternidade. Em outras palavras, busquei com este estudo fazer uma etnografia das práticas da maternidade ativa através da Internet e perceber nas discussões travadas entre as autoras do Blog Mamíferas e suas leitoras o que significa ser uma mãe ativa para essas mulheres.7

Guiada inicialmente por reflexões teóricas como as propostas por Michel Foucault (2005) e sua noção de biopoder e por Anthony Giddens (1993) e seu conceito de reflexividade8, colocando-as em discussão com as leituras de Stuart Hall (2005) e Avtar Brah (2006) sobre a conformação de identidades múltiplas, a princípio meu intuito era entender de que modo as blogueiras pesquisadas conformavam suas identidades enquanto

mães ativas no processo de escrita e discussão dos posts.

7 Num primeiro momento, a proposta era focar em quatro blogs maternos: o Aprendiz de Mãe, o Mamãe tá

Ocupada!!!, o Viciados em Colo e o Blog Mamíferas. Porém, por razões que vão ficar mais claras no capítulo

1, optei por focar o trabalho de campo neste último. 8

“Biopoder”, de acordo com Foucault, é a forma de poder que se inscreve nos corpos biológicos, disciplinando-os. O poder se insere no cotidiano docilizando seus súditos e conformando-os a exigências estabelecidas por uma anatomopolítica do corpo e por uma biopolítica da população. O poder especifica, classifica, e ele o faz de acordo com esses dois processos, tanto definindo o corpo saudável quanto o adequando à saúde da população. É possível supor que seria expressão do biopoder, por exemplo, a constituição da obstetrícia como domínio especializado em que médicos obstetras estariam encarregados de dizer quais são as melhores recomendações para a realização de um parto. Ou ainda, políticas públicas de incentivo ao parto normal e natural, cujos objetivos principais são os de garantir a saúde e o bem-estar das mães e dos bebês. Por outro lado, ao pensarmos no compartilhamento de experiências entre as mães blogueiras e nos debates sobre o que é ser mãe ativa, parece-nos interessante pensar a ideia de “projeto reflexivo do eu”, de que fala Giddens em A Transformação da Intimidade. Para ele, ao debater Foucault, o corpo é um foco do poder disciplinar, mas também carrega consigo a autoidentidade que pode ser objeto de redefinições ao longo da vida.

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De acordo com Stuart Hall (2005), as identidades modernas estão cada vez mais deslocadas e fragmentadas. O processo de identificação, que constituía o sujeito em relação à sociedade e à cultura do qual faz parte, tornou-se mais aberto e variável. Não há uma identidade fixa, permanente ou essencial. Ela é agora o que ele chama de “festa móvel”, em constante formação e transformação em relação aos modos com que somos representados nos sistemas culturais que nos circundam. O sujeito assume identidades diferentes em contextos diversos e, portanto, as identidades não estão unificadas em torno de um “self coerente”.

As teorias feministas são exemplo deste tipo de variação. Se no início se buscava estabelecer uma identidade própria às mulheres, os estudos de gênero procuraram dissolver a categoria mulher apontando as diferenças nas formas específicas que a dominação assume em diferentes contextos. No interior do movimento feminista, as mulheres reivindicaram que a particularidade de seus problemas fosse contemplada. De acordo com Brah (2006), as identidades devem ser compreendidas como um processo de contingências: assumir uma identidade é fazê-lo em busca de direitos específicos em determinado contexto. Os feminismos devem ser tratados, portanto, como práticas discursivas não essencialistas e historicamente contingentes.

Com essas reflexões em mente, iniciei a pesquisa com as seguintes perguntas: quais eram as implicações de uma reivindicação da identidade de mãe ativa para as lutas feministas travadas especialmente a partir da segunda metade do século XX9 no que diz respeito à negação da maternidade enquanto papel natural e instintivo a ser assumido pelas mulheres? Em que medida dar o “império ao bebê” – em expressão da filósofa e feminista Elisabeth Badinter (2010) – era de fato negligenciar a posição da mulher equiparada à do homem na sociedade? Qual o papel da paternidade no cotidiano dessas mulheres? Na medida em que elas chamam a si a responsabilidade por uma maternidade mais ativa, que posição ocupam os pais nas relações de parentalidade e de casal? Ao afirmarem ser mães

ativas, estariam realmente essas mulheres se submetendo a uma dominação masculina cuja

causa principal seria a maternidade? Estariam elas sendo disciplinadas por discursos de

9 Agradeço à Cynthia Sarti pela lembrança de que o tema da maternidade foi colocado em discussão mais densa nos debates feministas surgidos na segunda metade do século XX, chamando-me a atenção para a existência de diversos feminismos, os quais não podem ser classificados dentro de um único movimento.

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poder-saber, nos moldes foucaultianos do biopoder? Ou, ao contrário, posicionar-se-iam reflexivamente, no modelo da “mesa redonda” da modernidade reflexiva10

, em que o discurso da ecologia vigente ganha um espaço cada vez maior na mídia impressa e eletrônica? Ao posicionarem-se reflexivamente, estariam elas, portanto, questionando os discursos de poder-saber de uma medicina obstétrica hegemônica?

Falar de feminismos, para mim, era fundamental. Em alguns momentos da pesquisa, cogitei deixar de lado essa discussão e focar com mais detalhe nas noções de família e parentesco operadas pelas mulheres pesquisadas e relacionar ao debate sobre corporalidades e pessoa nesse contexto11, abraçando uma discussão cara à Antropologia e que, com certeza, renderia uma pesquisa de mestrado inteira12. Porém, as questões acima descritas me moviam em direção à problemática feminista e, por isso, ela não somente me foi inescapável por interesses próprios, como se mostrou presente durante todo o trabalho de campo.

Já em 2012, ano das disciplinas – quando, a princípio, ainda não estamos em campo –, por coincidência ou por sorte, a temática do parto humanizado explodiu nas redes sociais13 e fora delas. Há um aspecto muito peculiar ao tipo de pesquisa que me propus a fazer: diferentemente de outros contextos de etnografia, para onde o pesquisador se desloca em busca de informações, no caso da Internet, por ser uma ferramenta que podemos acessar de casa, a qualquer hora do dia, muitas vezes era o contexto etnográfico que chegava até mim. Nesse sentido, se por um lado esse caráter “interminável” do trabalho de campo me colocou problemas no quesito “quando acaba uma pesquisa?”, por outro lado, foi o acesso às informações nas redes sociais antes do período “clássico” da dedicação à pesquisa (neste caso, o segundo ano do mestrado) que me permitiu perceber o quão fundamental era a

10 Cf. Beck, Giddens e Lash (1995).

11 No que diz respeito a essa temática, no capítulo 4 procuro discutir de maneira mais densa as relações entre parentesco, natureza e cultura operadas pelas blogueiras do Blog Mamíferas. Não se trata, contudo, do maior foco da dissertação, sendo apenas um dos desdobramentos possíveis.

12 Um grande clássico da Antropologia que inicia as discussões sobre corpo e pessoa é, sem dúvida, Marcel Mauss e seus textos “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de ‘eu’” e “As técnicas do corpo”, ambos publicados no livro Sociologia e Antropologia (2003 [1950]). A disciplina, contudo, deu continuidade com força a essa escola a partir de fins da década de 1970, sendo expressões importantes no Brasil os trabalhos sobre os povos indígenas brasileiros, cuja discussão inicial pode ser vista no livro A

construção das pessoas nas sociedades indígenas brasileiras, organizado por Anthony Seeger, Eduardo

Viveiros de Castro e Roberto Da Matta (1979). 13

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temática do parto humanizado e suas intersecções com a temática feminista para compreender as práticas da maternidade ativa.

Foi através do acompanhamento das chamadas “atualizações de status” de páginas e perfis do Facebook14 que tomei conhecimento de dois eventos muito importantes para o desenvolvimento da pesquisa, como se verá no terceiro capítulo. Foram eles o 1°

Encontro de Humanização Materno Infantil, que reuniu uma série de palestras sobre a humanização do parto, em maio de 2012; e a Marcha do Parto em Casa, em junho do

mesmo ano. Foi sobretudo a partir deste último evento que percebi a importância que as questões relativas, especialmente, ao sistema obstétrico brasileiro, vêm ganhando nos últimos tempos. O termo violência obstétrica, com o qual tomei contato pela primeira vez na Marcha, chamou minha atenção, particularmente o modo como as mulheres que tomaram a palavra no evento se colocavam como vítimas da violência obstétrica,15 o que me fez voltar os olhos a essa discussão feita nas redes sociais.

A luta contra o que se entende por violência obstétrica, por sua vez, levanta bandeiras como “meu corpo, meu parto, minhas escolhas”, reivindicação esta muito próxima às lutas feministas da segunda metade do século XX que reclamavam por direitos sexuais e reprodutivos ao colocarem em cena o debate sobre o aborto16. Naquele momento, o maior questionamento era o caráter natural atrelado à maternidade, o que obrigaria as mulheres a serem mães mesmo que isso não fosse um desejo seu. O que estava em jogo, ali, era dar espaço à noção de que as mulheres têm o direito de escolha, o que, em boa medida, é também a reivindicação das mulheres que fazem parte do movimento pela humanização

do parto17. A diferença, contudo, é que a luta pelo aborto vai no sentido de reivindicar o

14

Durante o trabalho de campo, acompanhei com assiduidade as páginas Cesárea? Não, obrigada!,

Mamíferas Mãe Mulher (vinculada ao Blog Mamíferas), Grupo Virtual de Amamentação, Cientista que Virou Mãe, Parto com Amor, One World Birth, Infância Livre de Consumismo, MenasMain, Despertar do Parto, Doula to Doula Support, Rede Brasileira de Doulas, Rehuna Humanização do Parto, Parto Natural, Parto do Princípio, Parto Humanizado – Brasil, Proama Projeto Amamentar, Grupo Vínculo, Grupo MadreSer, Marcha do Parto em Casa – Campinas.

15 Sobre a constituição da vítima como figura contemporânea, ver Sarti (2009; 2011). 16 Para um balanço das lutas feministas desse período, ver Scavone (2001a, 2001b). 17

Não existe uma denominação única para este movimento. Durante o trabalho de campo, deparei-me com nomenclaturas variadas, como movimento pelo parto humanizado, movimento em apoio pela humanização do

parto, movimento pela humanização do parto ou ainda, de modo mais geral, movimento pela humanização da assistência materno-infantil. A bandeira desses movimentos, contudo, é muito próxima, e por isso todas essas

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direito de não ser mãe, enquanto que no segundo movimento, a briga é pelo direito de realizar o parto da maneira tida como mais adequada e respeitosa para as mulheres, bem como propriamente de exercer a maternidade.

O entendimento de que havia uma reivindicação por este direito, além dos termos do debate em torno da violência obstétrica – termos que giram em torno da temática da opressão das mulheres por um sistema obstétrico visto como essencialmente machista, como vai ficar mais claro ao longo da dissertação –, levaram-me a insistir na ideia de que deveria falar de feminismos e buscar compreender em que medida a defesa pela

maternidade ativa poderia ser pensada na chave feminista.

Para isso, percorri caminhos variados, que busquei organizar em cinco capítulos que discorrem, em diversos aspectos, sobre os sentidos dados à maternidade por um grupo muito específico de mulheres: as blogueiras Kalu, Tata e Nanda, autoras do Blog

Mamíferas18, e suas leitoras19. Este blog, que será melhor descrito no primeiro capítulo, foi

meu campo privilegiado de pesquisa porque tratava de questões muito caras à pesquisa que propus e por ser atualizado diariamente durante quase todo o período de trabalho de campo. O investimento dado ao projeto da maternidade ativa – que também chamarei de projeto

mamífero ao longo da dissertação – era mais evidente neste blog do que em qualquer outro

com que tive contato durante o mapeamento da blogosfera20, além de trazer um repertório interessantíssimo para tratar das questões propostas.

É importante dizer, também, que justamente porque fui levada a sair das redes sociais e me embrenhar no universo presencial do movimento pela humanização do parto, compreendi que a noção de identidades não fixas ou rígidas analisadas por Hall (2005) e debatidas em termos de contingências por Brah (2006) me ajudaria a entender que o grupo envolvido nessa luta é muito heterogêneo e que seria em vão buscar encontrar uma moldura

18 Ao longo do texto, posso vir a me referir ao Blog Mamíferas apenas como Mamíferas. 19

Levando em consideração a dinâmica do meu campo de pesquisa, muito do que será tratado durante a dissertação faz referência às noções de maternidade operadas pelas blogueiras e suas leitoras, mas também diz respeito a diversas opiniões expressas pelas usuárias das redes sociais e às conversas informais que tive durante o trabalho de campo presencial.

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Além do mapeamento dos blogs e do acompanhamento dos grupos e páginas do Facebook, também foram consultados os resultados de pesquisas quantitativas sobre partos no Brasil e a leitura de notícias e reportagens relacionadas ao tema de pesquisa. Não faço, contudo, uma análise propriamente dita desses dados e reportagens, mas sim os utilizo como suporte para uma apreciação mais geral do que se entende por

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onde eu pudesse encaixar as mulheres nele envolvidas. Certa de que uma definição sociológica do tipo setores médios para definir essas mulheres diria muito pouco sobre quem são elas, preferi contar, no segundo capítulo, um pouco sobre as mamíferas21 Kalu, Tata e Nanda, apostando que suas histórias também falam um pouco sobre as de outras mulheres22. Como bem afirma Sabrina Finamori (2012), “uma das grandes virtudes do trabalho antropológico – em pequena escala, particularista, centrado em casos e minucioso – é a de permitir ver aquilo que pode ser invisível no amplo contexto.” (p.44)

No que diz respeito ainda à minha indagação mais persistente – as implicações da valorização da maternidade frente a feminismos que enxergam nesta um dos loci principais da dominação masculina –, compreendi que buscar definir as mamíferas e aqueles que compartilham da mesma visão de mundo em termos de um tipo específico de feminismo seria em vão. Embora eu tenha chamado os seus modos de pensar as questões feministas de “feminismo mamífero”, como se verá no último capítulo desta dissertação, não busco com isso categorizá-las dentro de uma moldura imutável e fechada, como se não houvesse ali variações inerentes às contingências das identidades.

Finalmente, a ideia do texto foi trazer as suas concepções e de algumas outras mães em torno da maternidade ativa e procurar, nas tantas continuidades e descontinuidades dentro de seus discursos, os nós que pudessem unir essas mulheres em torno de um projeto coletivo de maternidade. Embora, justamente pela diversidade e heterogeneidade presente nesse conjunto de pessoas, não fosse possível dizer – e em nenhum momento foi esse meu objetivo – “maternidade ativa é”, três elementos centrais se destacaram nessa trama de categorizações: o ideal de felicidade atrelado ao maternar, traduzido na defesa pelo prazer no parto, na amamentação e na relação mãe e filho; a possibilidade de escolhas – esta sendo não somente da maternidade propriamente dita, mas daquilo que compõe os modos de maternar dessas mulheres; e o ideal de conjugalidade – a

21 É importante dizer que mamíferas se trata de uma autodenominação por parte das três blogueiras e que virei a me referir a elas desta forma durante o texto. Para diferenciar o nome do blog e a denominação das autoras, optei por manter a inicial do primeiro em maiúscula e a do segundo em minúscula. Ambos serão grafados em itálico, bem como outros termos êmicos, como humanizado, escolha consciente, o adjetivo mamífero, entre outros.

22 Não lanço mão, contudo, da metodologia de histórias de vida. Em nenhum momento, esse foi meu enfoque metodológico. Trata-se das histórias sobre o seu envolvimento com a maternidade, as quais me foram contadas no momento da entrevista com elas realizada.

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família nuclear, revalorizada, é parte constitutiva da posição dita ativa diante das relações de parentalidade, onde um novo script para os pais (no masculino) é criado e onde a tríade mãe-bebê-pai prevalece. Sem essa revalorização, o projeto mamífero talvez não se fizesse possível.

É em torno desses nós, portanto, que desenvolvo a dissertação, procurando responder as questões que me moveram a realizar essa pesquisa.

ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO

Para dar conta das questões postas durante a pesquisa, dividi a dissertação em cinco capítulos, além desta introdução, das considerações finais, três apêndices e um anexo. No primeiro capítulo, O Blog Mamíferas, de caráter mais etnográfico que os outros – embora, em todos, a etnografia se apresente também de maneira densa –, apresento o Blog Mamíferas e descrevo as razões que me levaram a escolhê-lo como meu campo de pesquisa privilegiado. Ao longo da descrição, inicio os primeiros apontamentos em torno do ideal de felicidade defendido na maternidade ativa, assinalando a valorização do corpo grávido e a estetização da maternidade enquanto experiência de prazer. Apresento, também, o blog Os Mamíferos, blog da paternidade ativa, e problematizo a presença do pai no projeto da defesa da maternidade.

No segundo capítulo, Mas afinal, quem são as mamíferas?, conto um pouco da história de cada uma das mamíferas no que diz respeito à sua relação com a maternidade. Além disso, disserto sobre os valores pagos num parto, no intuito de dar ao leitor uma ideia mais ou menos geral de quem são essas mulheres a quem me refiro especialmente no capítulo 3.

Em Descobrindo Partos, o terceiro capítulo, o intuito é dar um enfoque maior à problemática do parto humanizado e suas implicações na questão da saúde materno-infantil no Brasil. Apresento os diversos adjetivos que um parto ganha dentro da perspectiva da

maternidade ativa e procuro mostrar o (quase) consenso em torno do que seja um parto humanizado dentro do movimento. Faço, além disso, uma análise mais aprofundada da

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reivindicar o status de vítima desse tipo de violência, e procuro por em evidência o movimento moral em torno da noção de quais são os tipos de parto considerados bons para as mulheres e os bebês.

No quarto capítulo, Natureza e Afeto, procuro adensar a problemática do parto, agora em discussão com teorias de parentesco. Procuro compreender os modos com que as

mamíferas operam as categorias de natureza e cultura nas relações estabelecidas entre mãe

e bebê, analisando a maneira com que a noção de um parto natural e sem violência está intimamente ligada com a forma com que elas entendem o afeto existente entre elas e seus filhos. Além disso, trago à cena a figura do pai e o papel que ele exerce em tais relações. Pondo em evidência os entendimentos de natureza e cultura das mamíferas, estendo a análise para a defesa que elas fazem da amamentação e para o tipo de alimentação escolhida para seus filhos, mostrando como essas escolhas fazem parte da compreensão que elas têm sobre as relações de parentesco estabelecidas entre elas e seus filhos.

Finalmente, no quinto capítulo, Feministas e Mamíferas, trago ao leitor uma discussão sobre os caminhos percorridos pelos feminismos a partir da segunda metade do século XX e trago as formas com que as mamíferas se apresentam como feministas, mostrando as continuidades e descontinuidades de seus discursos com aqueles que enxergavam a maternidade como lócus privilegiado de dominação masculina. Mostrando a defesa de um ideal de felicidade atrelado à experiência materna, argumento que o que chamei de “feminismo mamífero” está em profunda conexão com um ideal de conjugalidade sustentado pela ética do individualismo-igualitário, tal como trabalhado por Tânia Salem (2007), cuja epítome se encontra na lógica da possibilidade de escolhas. Desta forma, procuro mostrar como a valorização do espaço doméstico pelas mamíferas – num claro contraponto à noção de que o apartamento do mundo público significa subjugação – só faz sentido se pensado dentro da lógica da defesa da igualdade entre o casal.

Nas considerações finais, faço um apanhado geral das ideias debatidas durante toda a dissertação.

No Apêndice 1, Mas é blog ou é site?, faço um texto explicativo das diferenças entre um blog e um site; no Apêndice 2, O universo dos links, procuro esclarecer o que são links, tags e categorias, através daqueles encontrados no Blog Mamíferas; e no Apêndice 3,

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apresento o roteiro de entrevista elaborado para as mamíferas. No Anexo, Os chamados

mitos para se recomendar uma cesariana, segundo Melania Amorim, médica obstetra,

reproduzo um texto sobre os chamados mitos da cesariana, de autoria de uma médica obstetra envolvida na luta pelo parto humanizado.

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C

APÍTULO

1

O

B

LOG

M

AMÍFERAS

H

ISTÓRIA E FORMAÇÃO DO BLOG

Na primeira vez que cheguei ao Blog Mamíferas, em 2011, a sensação de que havia muito a ser estudado ali foi, logo de cara, intensa. Além do conteúdo de cada post23, que parecia dizer muito das experiências maternas que busco entender com minha pesquisa, a própria estética do blog como um todo tinha algo que mostrava que ele não era apenas um passatempo para as autoras. Ele era atualizado praticamente todos os dias; contava com três blogueiras fixas e mais uma convidada por semana24; era quase sempre comentado por leitoras quando há um novo post; a quantidade de links25 para outros blogs e sites de interesse era gigantesca; não era somente um blog, mas também um website26; além, é claro, de ter um nome muito sugestivo para as questões que me motivaram a iniciar a pesquisa: afinal, o nome mamíferas faz referência a noções de natureza e instinto maternos que precisam ser levadas em consideração para o entendimento das relações entre maternidade e feminismo.

Quando digitávamos mamíferas no Google, o primeiro resultado mostrado pela ferramenta de busca era justamente este blog (www.mamiferas.com/blog/). Em segundo lugar, tínhamos o link para o site (www.mamiferas.com); em terceiro, o Twitter delas (twitter.com/mamiferas); em quarto e em quinto, os links para a página no Facebook (www.facebook.com/mamiferas); em sexto, uma menção ao termo em outro blog de mãe

23 Nome dado aos textos de um blog. 24

Durante a pesquisa de campo, Nanda deixou o projeto e o blog passou a contar com duas blogueiras fixas, Tata e Kalu, as quais, para manter a frequência de publicações, passaram a contar com textos de convidadas. O blog ficou no ar até maio de 2014.

25 “Link” vem do inglês, ligação, conexão. Um link serve pra ligar uma página de Internet a outra. 26

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(http://www.materna.com.br/mulher/mamiferas-que-viram-maes/), e a partir do sétimo resultado, apontava-se para outros assuntos relacionados ao termo, como o explicativo do Wikipédia sobre o que seriam mamíferos (http://pt.wikipedia.org/wiki/Mamíferos). Isso, por si só, já é bastante demonstrativo da importância que as autoras do Blog Mamíferas davam a esse projeto.

Sabe-se que existem muitas formas de ter um site entre as primeiras páginas do Google. Pode-se optar pelo serviço pago da própria página de buscas, o Google Adwords27, ou ainda procurar formas alternativas não pagas para fazer com que seu site seja cada vez mais acessado e fique no topo da lista de resultados quando digitadas palavras relacionadas ao tema. No Mamíferas, contudo, não havia uma ferramenta de contagem de acessos visível aos seus leitores, o que não nos permite saber quantos acessos diários o blog e o site recebiam. É claro, também, que esse número não necessariamente equivale ao número de leitores, já que uma pessoa pode clicar várias vezes por dia no link. O fato é que – e não caberia aqui desenvolver uma análise de como se dá o processo de divulgação de um site na Internet e o impacto sobre o público-alvo28 – estar no primeiro lugar dos resultados mostrados com a palavra mamíferas sugeria o investimento de ordem simbólica, política e financeira, por parte das autoras, no compartilhar de experiências maternas na blogosfera. Simbólica, pelos sentidos com que a maternidade era compartilhada naquele blog e por aqueles que ela adquire neste processo. Política, porque estas mamíferas estão brigando abertamente contra o modelo de saúde materno-infantil vigente no Brasil, organizando marchas, conferências, blogagens coletivas29. E financeira, pelos investimentos em publicidade no Google, em pagamento de domínio30 para o site e pelas parcerias com

27 Ver www.adwords.google.com. O serviço mais barato do Google AdWords é de R$0,10 por clique. A cada vez que alguém, através do Google, clica no site para o qual o serviço foi contratado, é cobrado esse valor. 28 Para mais informações nesse sentido, ver o site Agência Mestre, sobre otimização de sites.

29

Blogagem coletiva é quando vários autores de blogs são chamados a escrever sobre um tema em comum. Um exemplo foi a publicação do vídeo sobre violência obstétrica em vários blogs num mesmo dia, como forma de divulgação, e sobre o que discuto no capítulo 3.

30 O domínio é o nome de uma página na Internet. Identifica-se um domínio através de extensões como .com, .org, .gov, .edu. A extensão .com indica que trata-se de um domínio de ordem comercial. Nesse sentido, o

Mamíferas era uma página registrada como de ordem comercial, pois seu nome era www.mamíferas.com. Para se ter um domínio no Brasil, deve-se registrá-lo através de serviços de hospedagem que fornecem recursos variados a seus clientes para a criação e gerenciamento de páginas na Internet. Registros que agreguem o .br devem ser feitos através da entidade Registro.br. Outros serviços podem ser contratados, sem

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empresas voltadas ao mercado materno-infantil, além de posts patrocinados, cuja temática aborda a política das mamíferas de só falar sobre produtos que elas conhecem, usam e confiam.

Portanto, diante da proposta de pesquisa sobre as concepções de maternidade

ativa, fez sentido dar centralidade ao Blog Mamíferas na medida em que nele se reuniam

aspectos caros ao debate sobre as implicações da valorização da relação mãe-filho para lutas feministas que pensam a maternidade como o lócus privilegiado da dominação masculina. Em um só endereço de Internet, estávamos diante de uma enorme dedicação à discussão de questões acerca da saúde da mulher e da criança, de políticas públicas de atendimento à família, da importância da amamentação, da defesa pelo parto natural, da infância livre de consumismo, entre outra imensidão de assuntos relativos a uma nova forma de maternar. Além disso, pelo próprio investimento financeiro apontado acima, caberia até mesmo perguntar, na esteira das reflexões sobre a centralidade da maternidade na vida dessas mulheres, em que medida elas não a transformaram numa verdadeira profissão.

De fato, nas entrevistas concedidas por Nanda, Kalu e Tata, ficou claro o quanto o projeto de um blog materno era para elas mais do que uma atividade de passatempo para falar de suas experiências de maternidade. O Blog Mamíferas ganhou seu primeiro post em 2008, fruto da vontade coletiva de Kalu, Tata e Kathy31, que trocavam suas experiências de maternidade numa lista de discussão chamada Materna-SP32. Nela, milhares de mulheres trocam informações e experiências acerca da maternidade. No rol das discussões estão aquelas sobre parto, amamentação, cama compartilhada, gravidez, sistema obstétrico, etc.

Kalu, uma das mamíferas, conta-me que chegou à lista através de Kathy, a quem conheceu num grupo sobre maternidade na Internet. Quando de sua gravidez, consultava-se com um obstetra que hoje ela percebe como um cesarista, ou seja, que não

a extensão .br. Para se hospedar uma página em um servidor, paga-se em média R$40,00 por ano. Ver mais no site Registro.br (2013).

31 Kathy, seu nome fictício no blog, é jornalista e blogueira. No momento da pesquisa de campo, seu filho, nascido num parto normal hospitalar, tinha em torno de 4 anos. Por questões de recorte de pesquisa, essa autora não será tratada aqui.

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realiza partos normais, apenas cesarianas. Mas se informando sobre as múltiplas possibilidades que ela tinha disponíveis para si, às 33 semanas de gestação ela decide abandonar esse médico, sair da casa dos pais, mudar de cidade e semanas mais tarde, ter seu filho em casa, num parto domiciliar escolhido de última hora, com uma equipe de parto humanizado. Tendo nascido por uma cesariana, sendo de uma família onde todas as mulheres nasceram assim e também tiveram seus filhos por cesáreas, Kalu entendeu seu processo como uma grande transformação, como uma experiência de transcendência, de beleza e de revolução interna que jamais imaginaria ser possível acontecer. 33

O sentimento que floresceu dentro dela foi de que às mulheres lhe são constantemente roubadas as experiências de parto, o que fez com que se juntasse à Tata e à Kathy, correspondentes do Materna-SP, para contar ao mundo que outros partos são possíveis. Ambiciosas e ansiosas por ver o projeto acontecer, elas imaginaram uma revista impressa para divulgar matérias acerca de parto, amamentação, consumo consciente e formas de criação. Percebendo, contudo, que o investimento financeiro para tanto seria inviável naquele momento, decidiram criar um blog, ferramenta de edição gratuita e acessível a qualquer um que domine minimamente a linguagem da internet.

O blog passou a ter muito sucesso, com muitas visualizações diárias, segundo me contou Kalu. Diante disso, em 2010 elas decidiram expandir o projeto e acrescentaram a ele uma revista eletrônica34 que deveria ser alimentada com matérias de cunho mais jornalístico relativas à maternidade, com informações atualizadas sobre parto, violência

obstétrica, taxas de cesariana, bem como relatos de parto, experiências de profissionais da

33

Um dos aspectos que podem ser percebidos na fala de Kalu é um lado religioso de seu discurso. Uma das facetas dessa blogueira é sua ligação com questões espirituais, muito relacionadas a um modo “zen” de vida, e que com certeza influencia a sua maneira de ver o evento parto e também a maternidade. Mas mesmo em casos onde a mulher que experimenta o dar à luz não tem uma ligação com religião, o que se percebe muitas vezes é essa transformação interna que poderia ser análoga a uma conversão religiosa. O parto dito natural passa a ser “endeusado”, assumindo a figura do “bem”, enquanto que partos cheios de intervenções médicas ou cesarianas assumem a figura do “mal” (as diferenças entre os partos serão abordadas no capítulo 3). Esse aspecto da transformação vai ficar mais claro ao longo do texto durante a análise de posts e entrevistas com as blogueiras do Blog Mamíferas, mas a analogia com a religião não será aprofundada aqui, pois entendo que essa seria uma análise que deveria ter um cuidado que não me é possível nos limites deste trabalho. Agradeço à Cynthia Sarti, no entanto, por ter apontado esse aspecto que, certamente, mereceria uma abordagem mais profunda, mas que deixarei para futuras pesquisas.

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saúde, como doulas35 e parteiras36, ou mesmo receitas saudáveis e dicas sobre sustentabilidade e consumo consciente.

Porém, a revista do blog ficou pouco tempo no ar. Lançada em 2010, ela parou de ser atualizada em 2011. Segundo elas contam, o trabalho demandado na produção da revista era, nas palavras de Tata, “insano” pelo tempo que tomava. Produzir um conteúdo de qualidade contando com apenas três pessoas era inviável. Além disso, relata Kalu,

...a gente percebeu também que as pessoas não querem matérias jornalísticas. Elas querem experiência, elas querem contato de mãe pra mãe, elas querem saber de histórias, elas querem saber de coisas reais. Elas querem que essa informação seja... venha junto com gente de verdade, não um conteúdo isento, ou aparentemente isento de opinião, contra ou a favor, sabe? As pessoas não têm interesse nisso. Aí a gente deixou o projeto e passou a pensar o projeto de outra forma.37 (Kalu, em entrevista)

Diante disso, as mamíferas decidiram, então, que seria preciso “voltar para a

prancheta”, segundo Tata, e repensar este projeto. E foi aí que, em abril de 2013, entrou

em cena o Portal Vila Mamífera, um portal da maternidade ativa, onde se centralizariam as informações sobre esse estilo de maternagem através de uma série de blogs já existentes.

A gente começou a perceber que a pessoa que começava a procurar informação a respeito de parto humanizado, de aleitamento materno, de maternidade consciente, tudo isso, ela tinha que sair catando pela internet porque tava tudo espalhado. Não tinha nenhum lugar que centralizasse. E aí a gente pensou: ‘Puxa que bacana que seria se a gente tivesse um único site onde a pessoa encontrasse todo o tipo de informação que ela precisasse: quem produz conteúdo no aleitamento, no parto natural, na maternidade consciente’. (Tata, em

entrevista)

35 Segundo a Associação Nacional de Doulas, a doula é a profissional especializada no acompanhamento da gestação, parto e pós-parto. Ela tem a função de oferecer suporte físico, emocional, afetivo e psicológico à gestante e ao seu acompanhante. Ver Associação Nacional de Doulas (2012).

36 A parteira à qual os sujeitos da minha pesquisa se referem não diz respeito àquela parteira tradicional costumeiramente encontrada em zonas rurais ou em locais onde o atendimento obstétrico é precário. Aqui, a parteira é a parteira urbana, profissional especializada em enfermagem obstétrica – a enfermeira obstetra – ou aquela formada em um curso específico de obstetrícia – a obstetriz.

37 A título de padronização e para melhor visualização do leitor, todas as citações de campo – trechos de blog ou entrevistas – serão grafadas em itálico, sem aspas e as citações bibliográficas não serão em itálico e aparecerão entre aspas. Ambos os tipos aparecerão em recuo à direita.

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18

Essa mudança, contudo, ocorreu quando eu finalizava uma das etapas da pesquisa, o que me levou a repensar a maneira com que eu iria tratar a descrição do meu campo.

Como já apontado na Introdução, à diferença de campos onde o etnógrafo fica por um período de tempo e depois pode contar apenas com sua memória e suas anotações do diário, trabalhar com a Internet permite ao pesquisador um acesso constante à dinâmica presente nesse tipo de espaço. Assim, uma das dificuldades que me foi colocada durante todo meu período de pesquisa foi o fato de que estive sempre sendo bombardeada por acontecimentos, mudanças, polêmicas naturais dos processos sociais e que me eram impossíveis de ignorar. Neste sentido, poderia até arriscar a dizer que muitas vezes não era eu quem ia a campo, mas era o campo que vinha a mim através de notícias de jornais que me eram, durante a escrita da dissertação, enviadas por amigos e colegas da universidade.

Ao mesmo tempo, eu lidava com um tipo específico de documento escrito. Mesmo que a dinâmica social me levasse a pensar em diversos assuntos dentro do campo, eu também podia sempre voltar um pouco atrás e ver o que havia sido registrado no blog sobre um assunto que talvez não estivesse na ordem do dia. Num momento, era a amamentação a grande polêmica. Em outro, era o parto. Em outro, a contratação ou não de babás. E eu sempre podia voltar a esses temas na hora em que eu quisesse.

O que fazer, então, com toda essa dinâmica e com esse excesso de informações? No caso da mudança súbita do Blog Mamíferas para o Portal Vila Mamífera, o que priorizar na descrição e o que deixar de fora? Seria melhor tratar o blog como uma fonte escrita e selecionar um período de tempo para analisar, um pouco ao modo dos historiadores? Ou seria melhor acompanhar as dinâmicas na medida em que iam acontecendo, sem determinar uma linearidade específica?

De uma maneira um pouco caótica fui tecendo pouco a pouco minha própria forma de fazer esse campo. Li posts de 2008 a 2014, mesmo tendo iniciado a pesquisa em 2012 e, em tese, finalizado o campo em 2013. Acompanhei polêmicas, fui levada à etnografia presencial, saindo do blog. E vi o momento exato em que o Blog Mamíferas ganhou a nova roupagem de portal.

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19

Nesse sentido, no que diz respeito ao processo de mudança de apresentação do

Blog Mamíferas, optei por entender os dois endereços de Internet como um todo e, assim,

apontar para as questões antropologicamente interessantes no entendimento da maternidade

ativa. Afinal, o investimento na criação do portal parece ter muito a dizer sobre a

experiência materna tanto em termos do que ela significa para as blogueiras, quanto em termos do que isso diz sobre o transformar a maternidade em profissão.

Busco, assim, nas próximas páginas, fazer uma descrição do Blog e do Site, mas ir também trazendo pouco a pouco alguns aspectos do Portal. Nos momentos finais dessa descrição, aponto para as principais mudanças ocorridas nessa transição e mostro, mais especificamente, a grande contribuição do Portal para esta pesquisa, que foi a criação do blog Os Mamíferos, escrito não por mães, mas por pais. 38

O

BLOG

Qual a cor da maternidade? Para as mamíferas, parecia ser laranja e lilás. Quando abríamos o blog, deparávamo-nos com um fundo lilás que começava mais escuro logo no topo e ia clareando até tornar-se branco na medida em que rolávamos o mouse para baixo. Nesse fundo mais escuro, víamos em marca d’água uma foto com três mulheres e cinco crianças, todas com um semblante feliz no rosto, exceto por uma das crianças, com

38

O Mamíferas foi encerrado em maio de 2014, de uma maneira, para mim, bastante súbita. Entrei em contato, na época, com Kalu e Tata sobre o assunto, procurando compreender o que as teria levado a finalizar um projeto que, a princípio, parecia ir de vento em popa. Tata, naquele momento, não me respondeu, e Kalu me relatou que esta teria sido uma decisão unilateral, tomada por Tata. Senti, nas linhas escritas por Kalu no chat do Facebook, que este não foi um processo tranquilo e, não sabendo muito bem até onde eu podia ir, acabei não insistindo por maiores detalhes. O blog ficou no ar ainda por alguns meses para consulta, tendo sido retirado da Internet de uma vez por todas no final de 2014

Mais tarde, após a defesa desse texto, contatei as mamíferas para a autorização do uso das imagens do blog e Tata requisitou que eu registrasse no meu texto que ela não tem mais nenhum vínculo com o Portal Vila Mamífera. É importante deixar isto claro, segundo ela, pois os antigos links que levavam ao Blog

Mamíferas hoje nos encaminham ao Café Mãe, blog colaborativo do Portal. Este blog se trata de uma

plataforma de blogagem onde qualquer pessoa que compartilhe de visões de mundo próximas a da

maternidade ativa pode escrever. Kalu, até o momento de redação final desse texto, participava ativamente do Café Mãe, enquanto Tata seguiu com outro projeto, o Uma vez mamífera, que também aborda a temática da maternidade ativa. Portanto, Tata já não mantinha nenhuma relação com o Portal Vila Mamífera quando da

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20

uma expressão que poderia ser traduzida por um momento de manha, típico da infância tal como a entendemos hoje.39

No canto esquerdo, sobre a foto, o logotipo do Mamíferas: o desenho de uma mulher grávida, cabelos longos, lilases e esvoaçantes, uma barriga que traça um desenho curvado para dentro, no formato de uma espiral, um círculo laranja dando fundo à mulher. Ao lado, também em lilás, o título do blog e um slogan bastante sugestivo: Blog Mamíferas

– mãe, mulher e tudo mais...

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21 Imagem 1: Interface do antigo Blog Mamíferas, topo. 40

40 Todas as imagens reproduzidas nesse texto pertencem ao Blog Mamíferas, ao Portal Vila Mamífera ou ao blog Os Mamíferos e seu uso foi autorizado por seus autores.

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