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RENATA ALMEIDA DE SOUZA ARANHA E SILVA

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Academic year: 2019

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RENATA ALMEIDA DE SOUZA ARANHA E SILVA

O DISCURSO DO MESTRE-DE-CERIMÔNIAS: PERSPECTIVA

DIALÓGICA

Mestrado em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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RENATA ALMEIDA DE SOUZA ARANHA E SILVA

O DISCURSO DO MESTRE-DE-CERIMÔNIAS: PERSPECTIVA

DIALÓGICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem, sob orientação da Profª. Drª. Elisabeth Brait.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

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Banca Examinadora

_________________________________

Profª Drª Elisabeth Brait

_________________________________

Profª Drª Anna Rachel Machado

_________________________________

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Aos meus pais, Ricardo e Rosália,

aos amores da minha vida, Ricardo e Maria Eduarda

aos meus sogros, Paulo e Clélia

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Agradecimentos

Cheguei ao LAEL mestre-de-cerimônias... saí pesquisadora

Como mestre-de-cerimônias....

Script:

Gostaria de agradecer a importante contribuição de todos para que esse dia chegasse. Para ocupar lugar de destaque nessa pesquisa meus padrinhos Dilermando e Solange, meus tios e primos.

Meu irmão Ronaldo, minha cunhada Adriana e minha sobrinha amada Thaís, que trouxe um colorido especial aos meus dias.

À Alva, Juliana e as gurias Isabela e Vitória

À minha nova família “Mira e Silva” que eu tanto amo, representada por meu cunhados Raphael e Perola, tios, primos e, principalmente por elas, duas pessoas que estão instaladas para sempre em meu coração: Dadica, que aos 92 anos me ensinou a ser uma pessoa melhor, e à minha tia Irene, ser iluminado que Deus mandou para auxiliar meu caminho.

Representando todos os meus parentes, uma “prima” que não precisou de laços de sangue para que eu a amasse de uma forma verdadeira e intensa. Renata Alboredo Hernandes, minha parceira em tudo. Temos muito mais do que o nome em comum... Seu incentivo foi fundamental para que eu concluísse mais essa etapa em minha vida.

Para ocupar seu lugar na mesa de honra, representando todos os meus verdadeiros amigos, Patrícia Duarte, uma amiga com a maiúsculo. Nem sei como agradecer tudo que você representa para mim.

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Como pesquisadora....

Meus sinceros agradecimentos à CAPES, que tornou possível esta pesquisa

Agradeço a minha orientadora Dra. Beth Brait, pessoa admirável em todos os sentidos, que com sua competência conseguiu direcionar meus passos de uma maneira muito singular. Uma professora que certamente vai povoar para sempre as minhas idéias e a minha vida.

Agradeço de uma forma especial à minha amada amiga Maria Inês Batista Campos, por tudo que fez por mim. Obrigada pelo empenho, pela dedicação, pelos conselhos e, principalmente, por esse olhar crítico que fez com que a pesquisa crescesse.

Meus sinceros agradecimentos às professoras Dra. Maria Cecília Pérez Souza-e-Silva e Dra. Anna Rachel Machado por todas as contribuições valiosas para o amadurecimento desta pesquisa.

Agradeço à professora Sheila Grillo por toda a colaboração na banca de qualificação e no desenvolvimento da pesquisa.

Meus queridos colegas Adriana Pucci, uma das verdadeiras interlocutoras deste trabalho, Anderson, Anny, Renata Angélica, Maria Inês Otranto, Ermelinda e a todos os colegas que me acompanharam nessa estrada, muito obrigada.

(7)

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar uma análise do discurso do mestre-de-cerimônias, atividade exercida por profissionais de formações diversas, cuja finalidade é a condução de solenidades públicas, sociais e institucionais. Serão apresentados resultados da análise de um corpus selecionado a partir de dois eixos. De um lado, a atuação do mestre-de-cerimônias em duas solenidades de posse de reitor, ocorridas em duas universidades situadas na cidade de São Paulo. Essa atuação foi recuperada por meio dos vídeos das cerimônias e também dos roteiros e dos scripts especialmente preparados para essas duas situações. De outro, também como parte fundamental para a análise da atividade do mestre-de-cerimônias, as normas que regem a atuação desse profissional, encontradas em manuais específicos, e as leis que regulamentam o cerimonial no Brasil.

A partir dos conceitos de enunciado concreto, interação verbal e gênero discursivo, da teoria de M. Bakhtin e seu círculo, o corpus usado para análise focaliza a comunicação verbal associada à situação extraverbal nas solenidades, considerando cada cerimônia um enunciado concreto.

A solenidade da reitora da PUC São Paulo, em 2004, foi realizada por um professor que está há 30 anos na Universidade e estabeleceu uma relação com a instituição que possibilitou o confronto do estilo individual e do genérico, sem romper com o gênero. Mesmo sem um prescrito fixo para sua atuação, um script minucioso, o mestre-de-cerimônias da PUC foi guiado por uma professora que estava posicionada em local estratégico no auditório.

Na cerimônia da USP, um mestre-de-cerimônias foi contratado para conduzir a solenidade e não teve o mesmo espaço para criar as suas falas, porém, o script

rígido não impossibilitou a composição estilística individual.

Nas duas situações, constata-se que os elementos que caracterizam a fala do mestre-de-cerimônias constituem um gênero discursivo e que o imprevisto é um dos elementos que integra esse gênero.

(8)

ABSTRACT

The focus of this paper is to present an analysis of the speech given by a Master-of-Ceremonies, an activity carried out by professionals from various backgrounds, whose purpose is to conduct public, social or institutional events. Results of the analysis of selected data will be presented from two main points. On one side, the performance of the master-of-ceremonies in two Rector Investiture Ceremonies, that occured in two colleges located in São Paulo. These performances were captured through video-tapes of the ceremonies and also through scripts specially prepared for both occasions. On the other side - also a pivotal part in the analysis of the activity of the master-of-ceremonies - the rules that guide the performance of this professional, collected in specific manuals, and the laws that regulate the ceremonial in Brazil. Based on the concepts of concrete statement, verbal interaction and discursive genre, from the theory of M. Bakhtin and his circle, the data used for the analysis focuses on verbal communication associated to an extra verbal situation at the events, considering each ceremony to be a concrete statement.

The event of PUC São Paulo's rector, in 2004, was conducted by a professor who's been with the College for 30 years and has established a relationship with the institution that enabled the confrontation of the individual style and the generic, without breaking up with the genre. Even without rules set down for his performance, a detailed script, PUC's master-of-ceremonies was directed by a professor that was positioned at a strategical place in the audience.

At USP's event, a master-of-ceremonies was hired to conduct the event and didn't have the same room to create his lines, although the rigid script didn't annul the individual stylistic composition.

In both situations we verify that the elements that distinguish the speech of the master-of-ceremonies constitute a discursive genre, and that the unpredictable is one of the elements that integrate this genre.

(9)

S U M Á R I O

INTRODUÇÃO ... O CERIMONIAL COMO ATIVIDADE PROFISSIONAL E COMO

OBJETO DE PESQUISA

13

Cerimonial e história pessoal... 13

Cerimonial como objeto de pesquisa... 15

Objetivos e perguntas de pesquisa... 16

Justificativa da escolha dos dados... 16

Procedimentos teórico-metodológicos... 17

Coleta e seleção dos dados... 17

Delimitação do corpus... 18

Desenvolvimento da dissertação: características gerais dos capítulos... 19

CAPÍTULO 1 A TRADIÇÃO DO CERIMONIAL E DO MESTRE-DE-CERIMÔNIAS... 21

1.1 Resgate histórico do cerimonial... 22

1.2 O cerimonial é rito?... 26

1.3 A presença do cerimonial no Brasil... 29

1.4 O cerimonial na universidade... 31

1.5 A legislação sobre o cerimonial no Brasil, no Estado de São Paulo e na Universidade de São Paulo... 38

(10)

CAPÍTULO 2

O TRABALHO DO MESTRE-DE-CERIMÔNIAS ... 44

2.1 Mestre-de-cerimônias e chefe do cerimonial: atividades... 44

2.2 Mestre-de-cerimônias e a designação do indivíduo responsável

pela condução de solenidades públicas, sociais e institucionais... 48

2.3 Trabalho prescrito do mestre-de-cerimônias ... 51

2.3.1 Roteiro...

2.3.2 Script ...

2.3.3 Fichas de protocolo...

52

53

(11)

CAPÍTULO 3

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E PRÁTICA... 56

3.1 Conceitos bakhtinianos que fundamentam a análise... 56

3.2 Análise/teoria dialógica do discurso... 59

Interação verbal ....... 61

3.4 Enunciado concreto... 62

3.5 Gêneros discursivos... 64

3.5.1 Forma composicional... 3.5.2 Tema... 3.5.3 Estilo... 66 67 68 3.6 Normas estabelecidas para as cerimônias universitárias... 72

3.6.1 A Lei de 1940 que regulamenta o cerimonial na Universidade de São Paulo... 75

3.7 As normas estabelecidas para a atuação do mestre-de-cerimônias... 77

(12)

CAPÍTULO 4

DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE DUAS SOLENIDADES... 82

4.1 O mestre-de-cerimônias em duas universidades brasileiras... 82

4.2 Descrição do prescrito/PUC... 84

4.3 Descrição da solenidade/PUC... 86

4.4 Descrição do prescrito/USP... 90

4.5 Descrição da solenidade/USP... 91

4.6 Como o gênero se realiza na PUC/SP... 93

4.7 Como o gênero se realiza na USP... 110

4.8 Semelhanças e diferenças recuperadas dos vídeos... 120

4.8.1 Semelhanças... 4.8.2 Diferenças... 121 125 4.9 Análise do discurso do mestre-de-cerimônias... 131

4.9.1 O gênero discursivo do mestre-de-cerimônias... 4.9.2 O imprevisto como característica do estilo do gênero... 4.9.3 O imprevisto como característica do estilo do mestre-de-cerimônias... 131 135 141 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 155

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 159

ANEXOS... 163

(13)

INTRODUÇÃO

O cerimonial como atividade profissional e como objeto de pesquisa Cerimonial e história pessoal

Meu vínculo com o cerimonial não é recente. Durante o curso pré-vestibular, recebi um convite para trabalhar em um jornal diário. Lá encontrei minha verdadeira vocação, a qual foi validada com o ingresso na Faculdade de Jornalismo em 1989. Formada, organizei um jornal de bairro, experiência que considero valiosa, na medida em que, entre outras coisas, funcionou como o caminho para chegar ao cerimonial.

Em 1995, assumi o cargo de assessora de Comunicações da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo/SP. Em julho desse mesmo ano, iniciei o trabalho com a responsabilidade de “ajudar” nas sessões solenes, que se caracterizavam como reuniões oficiais do Poder Legislativo para homenagear personalidades e entidades que prestavam serviços à comunidade. Os encontros, normalmente realizados no período noturno, reuniam muitas pessoas e a formalidade podia ser percebida no convite, na presença da Banda Sinfônica que executava o Hino Nacional e o Hino do Município, na decoração do plenário, nos trajes dos participantes, no coquetel que era servido e, principalmente, na linguagem utilizada em toda a cerimônia. Havia um chefe do cerimonial que estava sempre rodeado de pessoas e a quem cabia várias providências: acompanhar o preenchimento de fichas com os nomes das autoridades presentes; decidir quem sentaria à mesa, quem ocuparia lugar de destaque ou quem seria excluído; escolher as flores que enfeitariam o plenário; definir como se daria a recepção; indicar que bandeiras estariam hasteadas; que hinos seriam tocados; redigir o texto que seria lido pelo mestre-de-cerimônias1.

Portanto, no cerimonial e de acordo com o chefe do cerimonial, as pessoas sentavam em lugares determinados, obedecendo a hierarquia, eram chamadas de um forma pré-determinada e, dependendo do cargo, falavam ou não.

1Encontramos várias maneiras de escrever a palavra mestre-de-cerimônias e adotamos a indicação

(14)

Nas sessões solenes do Poder Legislativo de São Bernardo do Campo, naquela época, o mestre-de-cerimônias, que acumulava a função de chefe do cerimonial, entrava no palco muito elegante, ocupava seu lugar na tribuna e, com voz impostada, atinha-se ao texto rigorosamente preparado para a condução da solenidade. Chamava o presidente da Câmara Municipal, os componentes da mesa, anunciava o Hino Nacional e o Hino Municipal, se fosse o caso, solicitava os pronunciamentos, conduzia as homenagens e, finalmente, fazia o encerramento.

Eu participava das sessões como jornalista, acompanhando os profissionais de imprensa. Estava sempre lá, observando o movimento incessante de rituais e regras. Que universo era aquele? A partir dessa primeira indagação, nasceu o interesse pelo cerimonial, por sua natureza, por seus ritos, pelos sujeitos nele envolvidos, pelas suas especificidades enquanto atividade profissional.

Nessa mesma época, também era apresentadora de um programa diário no Canal 14 UHF, TV São Caetano. Em agosto do mesmo ano, São Bernardo do Campo fez aniversário e a câmara realizou uma das sessões mais concorridas. Era uma comemoração especial e as autoridades (representantes dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário) se encontraram para festejar o aniversário do município. Um morador antigo da cidade recebeu o título de “Cidadão São-Bernardense” e foi homenageado durante a sessão.

Uma semana antes do evento, o chefe do cerimonial pediu que eu o ajudasse na leitura da biografia do homenageado. Sabia da minha atuação em televisão e atribuiu a ela a facilidade na realização da tarefa. Assim começou a minha história como mestre-de-cerimônias.

Seis meses depois, eu acumulava as funções de assessora de comunicações, chefe do cerimonial e mestre-de-cerimônias da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo.

(15)

Em novembro de 2000, embarquei para Brasília, rumo ao cerimonial do Ministério das Relações Exteriores, no Palácio do Itamaraty: comitivas de vários países, autoridades de todas as esferas (Federal, Estadual e Municipal), composição de mesas com mais de 100 pessoas, convites, confirmação de presença. Um aprendizado valioso que mostrava na prática como as coisas aconteciam.

Para entender melhor esse universo, fiz inúmeros cursos ministrados por profissionais que atuam com o cerimonial no Brasil e com estudiosos do Comitê Nacional do Cerimonial Público, órgão que promove congressos anuais sobre o tema.

Minha etapa seguinte foi tentar compreender por que as pessoas que atuam no cerimonial não têm sua profissão reconhecida, já que constituem uma tradição e estão presentes em cerimônias oficiais. Mesmo não sendo uma profissão reconhecida, existem várias obras que demonstram o funcionamento do cerimonial e o papel do mestre-de-cerimônias. Todas abordam a questão de forma prática.

Nesta pesquisa, o interesse é analisar o funcionamento linguageiro dessa atividade e de que forma o imprevisto interfere no discurso do mestre-de-cerimônias durante a condução de uma solenidade.

Cerimonial como objeto de pesquisa

Esta pesquisa pretende entender como o mestre-de-cerimônias, figura central na condução da solenidade, constitui seu discurso a partir do script em situações previstas e imprevistas. Essa atividade constitui-se como um gênero? Quais são os seus prescritos? Qual a liberdade do mestre-de-cerimônias nas solenidades?

Essas questões iniciais orientaram uma pesquisa acadêmica que tem por objetivo descrever as singularidades da atividade desempenhada pelo mestre-de-cerimônias.

(16)

professora Dra. Elisabeth Brait.

O corpus, cuja constituição será abordada no próximo item, conduziu a pesquisa aos conceitos que emergem dos estudos de Bakhtin e seu Círculo, como interação verbal, enunciado concreto e gêneros discursivos.

Objetivos e perguntas de pesquisa

O objetivo principal desta pesquisa é descrever as estabilidades e instabilidades do discurso do mestre-de-cerimônias e analisar as características que o constituem, incluindo os prescritos e o imprevisto.

Partindo deste objetivo, as perguntas de pesquisa são:

1) Como se define o gênero discursivo do mestre-de-cerimônias? 2) Como o imprevisto participa desse discurso?

Justificativa da escolha dos dados

A opção pela solenidade de posse deve-se à oportunidade de verificar, em uma cerimônia oficial de instituição, o discurso do mestre-de-cerimônias em situações previstas e imprevistas, quando há presença de autoridades e configura-se a formalidade típica dos eventos realizados para empossar um reitor.

Este tipo de solenidade, na esfera do cerimonial universitário, caracteriza-se pela não existência de um modelo padrão de ordem de precedência, uma vez que a legislação vigente no Brasil disciplina a presença de autoridades em solenidades públicas – governamentais, não universitárias – com a presença de autoridades federais, estaduais e municipais.

(17)

Procedimentos teórico-metodológicos

Esta pesquisa será desenvolvida a partir de dois eixos de análise: de um lado, a atuação do mestre-de-cerimônias em duas solenidades de posse de reitor, ocorridas em duas universidades situadas na cidade de São Paulo; de outro, também como parte fundamental para a análise da atividade do mestre-de-cerimônias, as normas que regem a atuação desse profissional, encontradas em manuais específicos, e as leis que regulamentam o cerimonial no Brasil. O objetivo é confrontar o prescrito com a atividade realizada pelo mestre-de-cerimônias, identificando as estabilidades e as instabilidades.

Partindo do corpus, a análise/teoria dialógica do discurso fundamenta a investigação sobre as estabilidades e instabilidades existentes no discurso do mestre-de-cerimônias, constituindo um gênero que inclui os prescritos e o imprevisto.

Como prescrito, além das normas que regem a atuação profissional, são considerados o roteiro e o script, textos elaborados para leitura do mestre-de-cerimônias (cf. capítulos 2 e 4). Em uma das solenidades, a instituição não preparou um script completo, com todas as falas do mestre-de-cerimônias. Essa instabilidade gerou a necessidade de realização de entrevistas com pessoas que participaram das cerimônias: o chefe do cerimonial de uma das universidades e o mestre-de-cerimônias da outra universidade.

Foram realizadas, além dessas, entrevistas investigativas com estudiosos e profissionais da área para suprir a escassa bibliografia sobre o tema. As obras de referência (SPEERS, LINS, MEIRELLES) não dedicam mais do que poucos parágrafos ao discurso do mestre-de-cerimônias.

Coleta e seleção de dados

As solenidades escolhidas para a construção do corpus foram realizadas na Universidade de São Paulo, em 1993, e na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 2004, com a presença de mestres-de-cerimônias. A atuação dos profissionais foi recuperada por meio dos vídeos das cerimônias, cedidos pela TV PUCSP e pelo departamento de cerimonial da USP, e também dos scripts

(18)

Com o recebimento das fitas em VHS, realizou-se a transcrição das solenidades de acordo com as normas estabelecidas pelo projeto NURC/SP (Preti, 2003, p. 13-14).

As entrevistas foram realizadas em 2005 e 2006. A primeira foi em Campos do Jordão, com o pioneiro emérito do Cerimonial no Brasil, Nelson Speers, que acumula a função de presidente de honra da Organização Internacional de Cerimonial e Protocolo e membro de honra da Academia Mexicana de Protocolo. Primeiro autor de livros sobre cerimonial no país, Speers hoje reúne 12 obras sobre o tema.

Participou da entrevista também a cerimonialista Eliane Ubillús, chefe do cerimonial da Prefeitura de Campos do Jordão, que acumula a função de mestre-de-cerimônias, presidente da Assessoria para Assuntos Internacionais do CNCP – Comitê Nacional do Cerimonial Público, chefe do cerimonial do CODIVAP – Consórcio de Desenvolvimento Integrado do Vale do Paraíba (SP), que reúne 42 prefeituras há 11 anos; diretora do gabinete da presidência da OICP (Organização Internacional de Cerimonial e Protocolo) e vice-secretária geral para Iberoamérica da OICP.

Na Universidade de São Paulo, o entrevistado foi o chefe do cerimonial Carlos Gustavo Araújo do Carmo, que trabalha diretamente com a Reitoria e forneceu modelo de script utilizado na solenidade escolhida para a pesquisa.

Dando continuidade ao processo de coleta de informações foi entrevistada a cerimonialista e relações públicas Gilda Fleury Meirelles, que ministra cursos para formar mestre-de-cerimônias e é autora de cinco livros sobre cerimonial, eventos, hábitos e costumes na vida empresarial.

A entrevista final foi com o Professor Dr. Mario Sergio Cortella, mestre-de-cerimônias da solenidade de posse da reitora da PUCSP São Paulo.

Delimitação do corpus

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Nas duas solenidades, o recorte do corpus refere-se à atividade linguageira do mestre-de-cerimônias, a partir do script elaborado (prescrito) pelas instituições e pelas falas do mestre-de-cerimônias (realizado) gravadas durante as cerimônias. Em uma universidade, o texto determinou todas as indicações de falas do mestre-de-cerimônias. Na outra, o script trouxe marcas para a fala do mestre-de-cerimônias e, também, quatro indicações de conduta para a realização da atividade.

Outro critério de escolha do corpus foi a natureza das universidades que participaram da pesquisa: uma instituição pública e outra particular de natureza confessional, com o objetivo de observar as diferenças nas formas de composição das cerimônias.

Nas análises dos scripts e das falas dos mestres-de-cerimônias, foram selecionados elementos lingüísticos e discursivos, numa perspectiva dialógica. A categoria de pessoa, os modos, os tempos verbais, a categoria de aspecto e os advérbios foram analisados objetivando entender a interação do mestre-de-cerimônias com os participantes das solenidades. Essas categorias não foram definidas a priori, mas estabeleceram um vínculo intrínseco com os dados descritos.

Desenvolvimento da dissertação: características gerais dos capítulos

No primeiro capítulo, A tradição do cerimonial e do mestre-de-cerimônias, procura-se recuperar a história da atividade denominada cerimonial, evidenciando o desenvolvimento do seu uso na universidade, a legislação existente no país e destacando o papel do mestre-de-cerimônias, profissional responsável por conduzir as solenidades.

O capítulo 2, O trabalho do mestre-de-cerimônias, pretende mostrar as atividades desenvolvidas por essa profissional, a sua relação com os demais profissionais que atuam em cerimonial e o trabalho prescrito designado para a condução de cerimônias.

(20)

O capítulo 4, Descrição e análise de duas solenidades, procura identificar as semelhanças e as diferenças nas duas cerimônias de posse de Reitor por imagens recuperadas dos vídeos, além de caracterizar como o gênero discursivo do mestre-de-cerimônias se realiza nas duas instituições pesquisadas e como o imprevisto se manifesta no gênero.

Depois da análise, as Considerações finais apresentam os resultados e as perspectivas para novas pesquisas sobre o tema.

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CAPÍTULO 1

A TRADIÇÃO DO CERIMONIAL E DO MESTRE-DE-CERIMÔNIAS

Tem sido o cerimonial, visto do ângulo historiográfico, uma das características das civilizações e da civilidade

Augusto Estellita Lins (2002)

O objetivo deste capítulo é contextualizar o cerimonial como atividade que organiza alguns rituais públicos ao longo da história da vida social, caso da colação de grau, das inaugurações, das homenagens e das festas de debutante. Ao longo dessa tradição, o papel do mestre-de-cerimônias mostra-se fundamental, pois cabe a esse profissional conduzir as diferentes etapas que compõem o todo desses rituais, anunciando a seqüência dos acontecimentos.

Essa atividade, no entanto, até a contemporaneidade não está regulamentada em lei, o que lhe confere um status não profissional. Mesmo o cerimonial, tão antigo quanto as cerimônias religiosas, permanece anônimo como atividade profissional. Em 2002, o projeto de lei do Senado Federal nº 184 foi elaborado para regulamentar “a profissão cerimonialista e criar os conselhos Federal e Regionais”. Tal projeto foi arquivado tempos depois. Não se discutiu mais o assunto.

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1. 1 Resgate histórico do cerimonial

As informações sobre a trajetória histórica do cerimonial e as fontes bibliográficas ainda não foram sistematizadas academicamente. Entre os cerimonialistas com várias publicações, dois merecem destaque pelo pioneirismo em sistematizar essa atividade. Para o embaixador Augusto Estellita Lins, “[...] o cerimonial surge e se faz presente em todas as manifestações de arte e literatura da história” (2002, p. 20).

O segundo escritor, pioneiro emérito do cerimonial no Brasil, Nelson Speers, foi o primeiro autor de livro sobre cerimonial no país e destaca que, longe das tradições, alguns livros editados sobre o tema não apresentam bibliografia e que com o desafio de novas formas de convívio começa a surgir uma literatura explorada por pessoas da alta sociedade. “O brasileiro se vê na contingência de conhecer as regras, a etiqueta, a forma de comportamento, nos acontecimentos sociais e oficiais, desenvolvidos dentro de rituais próprios, denominado cerimonial, um termo praticamente desconhecido” (2001, p. 86).

No relato dos acontecimentos históricos, o cerimonial surge nos rituais da Idade Média, “cujas epopéias – ciclo do rei Artur e ciclo de Carlos Magno – regem-se pelo código de cavalaria, satirizado por Cervantes no Dom Quixote e, enfim, nos Lusíadas de Camões que propõem uma síntese cristã-pagã para os portugueses”. (Lins, 2002, p. 20). Na tentativa de justificar a falta de livros que relatam os ritos, Lins apresenta uma definição de cerimonial:

[...] como o cerimonial é um conjunto de símbolos e de práticas rituais que acompanham o desenrolar dos fatos presentes com alusões aos fatos antigos lendários, míticos e históricos retratados nas bandeiras, trajes, uniformes, condecorações e títulos, ele não tem o rigor de um relato histórico. Isso explica porque (sic) poucos historiadores relataram as cerimônias. (2002, p. 85)

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Olimpíadas gregas, marcam a origem dos eventos esportivos atualmente, como os campeonatos mundiais de futebol.

Muitas civilizações antigas tiveram no comando sacerdotes, juízes e reis. Para Lins, isso justifica o atual cerimonial das igrejas tradicionais e dos tribunais com sinais majestáticos como o púlpito usado por um líder religioso, em um palco, o que o mantém certa distância do público, também a posição elevada do juiz, protegido por uma grade. As batalhas e a guerra entre tribos e nações resgatam a tradição das cerimônias do exército e da marinha, fixados, segundo o embaixador, nos uniformes e adereços, como medalhas e insígnias, por exemplo.

A herança para o cerimonial está em alguns componentes: o símbolo do governante e da autoridade; a hierarquia e a ordem de precedência; o cerimonial de poder e de corte com cortejo; as regras do ritual de hospedagem, assim como a linguagem de saudação, de amizade, de orações e de discurso. O cerimonial torna-se um instrumento de globalização imperial do qual descende o cerimonial diplomático em sua versão moderna e os grandes eventos. (2002, p. 88-89)

O cerimonial ocidental se estruturou, porém, na Idade Média, quando tanto os códigos de cavalaria como os rituais de corte e dos soberanos ganharam expressão numa linguagem que já existia mas só então se tornou universal. [...] A heráldica com seus escudos e brasões constituía um sistema jurídico e político pelo qual se provavam ou comprovavam os direitos de sucessão e herança. (Lins, 2002, p. 89)

Na época do Renascimento, o cerimonial ocidental sofreu grandes transformações e apresentou a sua transição para o mundo moderno. Dos castelos surgiram os palácios urbanos cercados por cidades que abrigavam uma nova classe social: a burguesia. “Enriquecendo com o comércio, a nova nobreza transformou os palácios em centro de ocupação de artesãos e artistas, escritores, poetas e músicos. A arte suplantou a monotonia da história” (Lins, 2002, p. 91).

(24)

Das etapas cumpridas pelo cerimonial, três fatores marcam a atividade: o símbolo do governante e da autoridade, a hierarquia e a ordem de precedência. (Lins, 2002, p. 20-21). Essa ordem está regulamentada no Brasil pelo Decreto Federal 70.274, de 9 de março de 1972, o que garante o lugar da autoridade nos eventos.

A legislação, que aprova as Normas do Cerimonial Público e a Ordem Geral de Precedência, estabelece o lugar das autoridades nas solenidades oficiais, organizadas pelo governo dos três poderes existentes no país. Com o decorrer do tempo, o cerimonial ampliou seu espaço de atuação e se faz presente nas diferentes instituições como a universidade, a empresa, diferentes eventos sociais, como os esportivos e os culturais. O chefe do cerimonial, profissional responsável pela hierarquia e seqüência de atos nas solenidades, tem o dever de planejar e realizar os atos solenes nas cerimônias, como convite, bandeiras, hinos e para isso utiliza a legislação que estabelece os lugares nas novas áreas do cerimonial.

Esse decreto serve de base ao chefe do cerimonial para organizar a ordem de precedência por analogia, já que não prevê a presença de autoridades nos rituais das universidades, por exemplo. O mesmo decreto regulamenta os procedimentos para as visitas oficiais e falecimentos de autoridades. Mesmo não tendo legitimidade profissional, no sentido real da palavra, o chefe do cerimonial tem, pelo decreto, poderes significativos, como estabelecer o traje nas cerimônias de posse do Presidente da República. Está, portanto, próximo do poder e distante da regulamentação.

Nas características das definições sobre rito, a preocupação com a ordem para organizar os atos e instituir o ritual é constante. Nas definições do termo cerimonial, há explicações simples, próximas ao significado de rito que apresentaremos a seguir, como “a seqüência de acontecimentos que resultam em um evento”, segundo a profissional de relações públicas e professora de cursos sobre cerimonial e a formação de mestre-de-cerimônias, entre outros, Gilda Fleury Meirelles (2002, p. 30).

(25)

motivacional” (Speers, 2003, p. 97). Para ele, o cerimonial é uma forma de comunicar “o que eu ou muitos ‘eus’, vários de mim, querem dizer para você qual é o espaço que eu ocupo e, também, respeitando você, o seu espaço”.2

Nessa definição, o autor espera que suas emoções e as formas como vive fiquem resguardadas. “Quero que respeite meu espaço sócio-cultural, ou seja, a maneira que eu vivo aqui no Brasil e também eu quero que você respeite a minha maneira de sentir, minha parte psico-emocional”.3

Essa definição, segundo o autor, foi criticada inclusive por ser extensa, de difícil compreensão, mas se trata de uma definição conceitual, designada como “a normatização do respeito do homem no convívio da sociedade. É a maneira que ele deve dizer ao outro no convívio da sociedade. Isso é cerimonial, ele está permanentemente comunicando”4

Quanto às definições do termo cerimonial, há dois autores de áreas distintas: das Ciências Sociais, Flávio Benedicto Viana, especialista em cerimonial universitário e do Turismo, Maria Íris Teixeira de Freitas, especialista em cerimonial social.

Para Viana o cerimonial é composto por:

formalidades específicas de um ato público, dispostas numa ordem seqüencial, que envolve a utilização de indumentária própria, a ordem de precedência a ser observada, com seus elementos sígnicos e o cumprimento de um ritual (1998, p. 22)

Para Freitas, que tem outra concepção:

O Cerimonial é uma linguagem de comunicação específica, dirigida a grupos distintos, passível de transformação e atualização em respeito á cultura e às tradições dos povos. Tem a finalidade de regulamentar as vocações rituais dos homens e disciplinar as situações sociais ou protocolares entre eles, entre as sociedades e nações (2001, p. 27)

Considerar o cerimonial uma linguagem, seja de conduta ou um comportamento, é freqüente entre os cerimonialistas. Para Lins (2002, p. 37), só recentemente o cerimonial começou a ser estudado, analisado e criticado enquanto ciência da linguagem, do comportamento e do exercício do poder. Já Speers (1984, p. 29), afirma que o cerimonial é uma linguagem e “se assim o é, ele é passível de

2 Entrevista realizada em Campos do Jordão, São Paulo, no dia 19 de novembro de 2005. 3 idem

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transformação e atualização, e, além do mais, encerra em seu bojo comunicação específica para grupos distintos”.

1.2 O cerimonial é rito?

Os primeiros registros do cerimonial datam de épocas proto-históricas, há 40 mil anos. Alguns antropólogos interpretam as pinturas rupestres do paleolítico, na região de Altamira e Morella de la Vella, na Espanha, como cenas de celebração: caçadas, visitas de chefes de tribos vizinhas, reuniões do clã para celebrar efemérides, cenas de batalha. Nessas imagens, constata-se o resgate de quatro cerimoniais rituais: de corte, festas, religião e do poder bélico do soberano (Lins, 2002, p. 19).

A palavra cerimonial sempre esteve associada à palavra ritual, até mesmo nos dicionários de língua. Recuperando a perspectiva da Antropologia é possível buscar o elo entre esses dois termos. Mais do que um vínculo entre cerimonial e ritual, a etnóloga francesa Martine Segalen (2002), discute essa relação na obra

Ritos e Rituais Contemporâneos. A discussão tem início colocando uma importante questão: “rito, ritual, cerimônia, festa: qual o conteúdo semântico?” Sua investigação parte dos estudos lingüísticos de Benveniste:

Segundo o lingüista Émile Benveniste, a palavra ‘rito’ teria vindo de ritus, que significa ‘ordem prescrita’, termo associado a formas gregas tais como artus ‘ordenação’, ararisko ‘harmonizar’, ‘adaptar’ e arthmos, que evoca o ‘laço’, a ‘junção’. Junto com a raiz ar que deriva do indo-europeu védico (rta, arta), a etimologia remete essa análise à ordem do cosmo, à ordem das relações entre os deuses e os homens, à ordem dos homens entre si. (2002, p. 17)

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Segalen acrescenta o termo “liturgia” na lista das aproximações semânticas e faz uma ligação com os termos usados em francês, em que “cerimônia, cerimonial e ritual se entrelaçam no campo do religioso” (2002, p. 17). Essa aproximação com o campo religioso parece ser inevitável. As palavras citadas são tratadas como sinônimo e apresentam-se como as formas usadas na realização de rituais, associadas usualmente a alguma religião.

Para Segalen, a festa também pode pertencer aos registros religioso e profano, não estando, porém, vinculada ao sagrado. Sem ter, necessariamente, finalidade religiosa. Preocupada em fornecer uma definição útil, a autora encontra no “rito ou ritual um conjunto de atos formalizados, expressivos, portadores de uma dimensão simbólica” (2002, p. 31). Ele é caracterizado por uma organização no espaço e no tempo específicos, dando consciência a elementos que seriam desconhecidos sem a sua existência.

Além da configuração espaço-temporal, o rito se caracteriza por uma série de objetos codificados que representam os bens comuns de um grupo social, usados como um sistema de linguagens e comportamentos próprios. Nessa perspectiva, o ritual faz sentido para os que dele participam, marcam épocas e representam determinadas escolhas e tempos sociais. “O ritual [...] ordena a desordem, atribui sentido ao acidental e ao incompreensível, confere aos atores sociais os meios para dominar o mal, o tempo e as relações sociais” (Segalen, 2002, p. 31-32)

Nota-se que o vínculo entre o ritual e o cerimonial é significativo para compreender o cerimonial. Essa atividade também organiza o que não está organizado, atribuindo sentido e estabelecendo atores sociais para legitimar essa “arrumação”. O mestre-de-cerimônias é um desses atores. Os ritos são caracterizados por atos simbólicos manifestados por emblemas materiais e corporais, como o uso de um brasão, a insígnia institucional, distintivos de associações, sociedades, trajes e objetos específicos, qualquer alusão simbólica que faça com que o indivíduo se diferencie dos demais.

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O rito precisa ser reconhecido, validado. Seu caráter repetitivo, porém, não pode representar sozinho esse reconhecimento. Almoçar não é um rito somente porque é feito todos os dias. Há rito quando ele acompanha as modificações dos grupos sociais, organiza as relações entre os homens, evidencia condutas e simboliza ações, hábitos e costumes. Para ser eficaz, o rito depende de “uma validade global do cerimonial, inseparável de uma liceidade reconhecida por todos” (Segalen, 2002, p. 33). Como o cerimonial, o rito acontece em um (ou em vários) espaço público definido e deveria pertencer a todos, ser comum, mas, depende da aprovação de alguns representantes de grupos sociais. A autora explica que os ritos se constituem de seqüências ordenadas, que são um encadeamento prescrito de atos (2002, p. 42), como o cerimonial, que é regido por leis e normas. Diferente do que se espera, eles não são tão públicos assim...

Essa legitimidade depende de uma autoridade, de alguém que possa garantir a existência do conjunto de atos como rito. O sociólogo francês Bourdieu (1930-2001) insiste na comprovação do poder das autoridades que instauram o rito. A figura de quem conduz a solenidade ou de quem comanda as etapas previstas para aquele rito começa a aparecer como fundamental. “O porta-voz autorizado é aquele ao qual cumpre, ou cabe, falar em nome da coletividade; é ao mesmo tempo seu privilégio e seu dever, sua função própria, em suma, sua competência (no sentido jurídico do termo)” (1998, p. 101).

A essência social desse porta-voz é o conjunto de atributos e atribuições sociais que o ato de instituição produz como ato solene de categorização que tende a produzir o que ele designa. O ato de instituição é uma comunicação particular: ele notifica a alguém sua identidade, quer no sentido de que ele a exprime e a impõe perante todos, quer notificando-lhe assim com autoridade o que esse alguém é e o que deve ser (Bourdieu, 1998, p. 101). Para o sociólogo, os ritos sociais são entendidos como “ritos de instituição” e sua importância é que eles consagram a diferença, principal efeito do rito.

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Quando sanciona um rito, a autoridade o institui, consagra-o, faz conhecer e reconhecer as diferenças sociais e aquele que é instituído. Para Bourdieu, o ritual de instituição está intimado a ser conforme a sua definição, cumprir o que está determinado para a sua função. Nesse caso, o mestre-de-cerimônias insere-se no papel de sujeito social, cumprindo sua função previamente determinada em uma solenidade específica.

Atualmente, como no passado, o cerimonial recupera a idéia de ordem que as várias atividades humanas têm entre si. O conceito de ritual (ou rito) ganha força no conceito de cerimonial por seu resgate histórico, como será apresentado no próximo item.

1.3 A presença do cerimonial no Brasil

Desde o descobrimento do Brasil, em 1.500, pode-se dizer metaforicamente que o cerimonial está presente. Logo que os portugueses chegaram, eles procuraram estabelecer regras de convívio social, com a finalidade de marcar historicamente sua presença e assegurar a posse para a coroa, como explica Freitas:

O Cerimonial Brasileiro é herdeiro de fontes distintas da corte portuguesa, da qual foi recebida a riqueza gastronômica e uma certa timidez provinciana. É herdeiro também dos costumes franceses e ingleses, dentre os quais predominam os franceses (2001, p. 34).

Para Lins, os ritos solenes do descobrimento, como a implantação do marco, da cruz e a celebração da Primeira Missa comprovam que o Brasil é o “único país do continente americano que cultiva o cerimonial em ritmo ininterrupto” (2001, p. 17) há quinhentos anos.

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As cortes da época tinham como padrão o cerimonial de Versailles com variações e tradições locais, porém a língua oficia das cortes era o francês que assim permaneceu durante todo o império, marcando a cultura carioca onde o francês era usado no comércio de mais alto nível e nos chás das senhoras (Lins, 2002, p. 95)

Quando a República dissolveu a Corte e elevou ao poder personalidades de formação militar ou políticos, provocou-se um vazio no cerimonial nacional, mas uma instituição permaneceu intocada: o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Itamaraty. “O fato de tê-lo chefiado por muitos anos um monarquista e barão do império, garantiu a continuidade de rigorosas práticas protocolares” (Lins, 2002, p. 95-96) que, desde o império e por gosto do próprio imperador, vinham sofrendo modificações do protocolo britânico.

As correntes francesa e inglesa continuam presentes no cerimonial brasileiro e, segundo o embaixador, as influências monárquicas são identificadas em vários eventos tradicionais do país, como no folclore maracatu e no carnaval em que as fantasias, adereços, coreografias, gestos e símbolos evocam as cortes e as deferências do cortesão nas figuras do mestre-sala e da porta-bandeira.(2002, p. 96).

No Brasil, o termo cerimonial foi consagrado pelo Decreto 70.274, de 9 de março de 1972, que aprovou as “Normas do Cerimonial Público e Ordem Geral de Precedência”, a legislação que rege a prática dessa atividade no país. Com o crescimento das solenidades, o cerimonial avançou e existe hoje em diversos segmentos: público, privado (empresarial, institucional), militar, diplomático, esportivo, universitário (instituições de ensino) e religioso.

Esta pesquisa propõe-se a descrever e analisar eventos universitários solenes com a presença de autoridades e regras características desse tipo de cerimônia. Como foi realizada em duas instituições de ensino, uma pública e outra privada, é importante ressaltar que as regras obedecem à concepção de cerimonial e de formalidade que cada universidade possui.

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Quando estabelece diferenças entre classes e grupos, como a autoridade que está na mesa de honra e o público que está no local determinado, o cerimonial, segundo Estellita Lins, atribui à classe dominante ou governante o papel modelar e a seus membros os papéis individuais de protagonistas da história, assim como as instituições, que são distinguidas entre aquelas que dominam o cenário e às demais concede papéis secundários nos atos e eventos (2002, p. 62-63).

Para que uma cerimônia seja considerada oficial, ou seja, um conjunto de ritos reconhecido por uma instituição, são necessárias algumas condições: a celebração de um ato oficial ritualizado, o caráter solene da celebração e a participação direta de autoridades com o estabelecimento e posicionamento de uma hierarquia que expressa e representa significados sociais e políticos de autoridade e poder. Para Lins, cada uma das três condições tem um caráter normativo, materializado em leis, regras, tradições, hábitos rotineiros, recomendações, conselhos e regulamentos “que regem e conduzem a organização de cada etapa da execução cerimonialística. Onde faltar uma daquelas três condições básicas, não haverá cerimonial público oficial” (2002, p. 167)

Para que um ritual seja reconhecido como tal, aspectos prescritivos como o convite ou mesmo o roteiro com os itens da cerimônia e as tradições devem ser consideradas e utilizadas. Nada que possa desconsiderar hábitos e costumes de um determinado grupo social ou mesmo da sociedade de uma maneira geral deve ser tratado como cerimonial. O respeito pela história é elemento que constitui a atividade e não deve ser esquecido.

1.4 O Cerimonial na universidade

(32)

A universidade tem também uma proximidade com públicos variados, além da comunidade acadêmica: governo, imprensa, a própria comunidade, fornecedores, instituições culturais etc., fortalecendo as ações desenvolvidas com o cerimonial.

Ao longo de sua existência, a Universidade criou e desenvolveu grupos distintos atraídos pelas afinidades específicas mas que, como parte de um todo, deviam e tinham que conviver com outros grupos. Associadas, ou somadas, desempenhavam seu outro papel: o de conviver e servir à sociedade humana, numa extensão cada vez maior, em quanto desenvolviam o saber e os meios de comunicação. (Speers, 2003, p.96-7)

O cerimonial universitário é uma área específica do cerimonial, que “corresponde ao conjunto de aspectos formais de um ato público que ocorre no ambiente universitário, numa seqüência própria, observando-se uma ordem de precedência, uma indumentária própria e o cumprimento de um ritual” (Viana, 1998, p. 39)

A determinação de como as cerimônias acontecerão está relacionada com a estrutura hierárquica da instituição, sua história, tradição, objetivos e formalidade. “Tanto a dimensão da autoridade como a precedência podem valer menos pelo cargo ou função oficial que cada ator ocupa e valer mais por valores e critérios peculiares à sociedade, comunidade ou grupo social no qual se realiza a cerimônia ou o evento” (Lins, 2002, p. 45)

Com ou sem um departamento de cerimonial em sua estrutura, as características dos ritos solenes devem ser coerentes com o pensamento da universidade, onde “uma linguagem menos formal ou um ritual espontâneo podem prevalecer sobre regras inflexíveis e normas estranhas ao comportamento local”, explica o embaixador Estellita Lins (2002, p. 45).

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Nas universidades européias, com o surgimento, no século XI, do ‘Rector Scholariorum’ (Chanceler ou Reitor) autoridade suprema da Universidade, estabeleceu-se o cerimonial universitário com: uma ordem de precedência, uma indumentária própria, elementos sígnicos e conjunto de rituais (1998, p. 43).

Para o autor, os elementos sígnicos são compostos por brasão, bandeira, estandarte, selo, medalha e hino, e o conjunto de rituais, por diferentes tipos de posses, instalação de colegiados, aula magna e concessão de títulos honoríficos.

Um aspecto que merece atenção no cerimonial universitário é a indumentária. Viana afirma que as vestes talares representam longas vestimentas à altura dos calcanhares (talão ou parte traseira do calçado) e pode ser reitoral, doutoral, professoral ou uma capa acadêmica. As vestes talares são diferentes pelo complemento e pelas cores ligadas à posição hierárquica e ao grau de saber (1998, p. 74). Portanto, também os trajes instauram uma ordem de precedência.

Nas universidades, o uso das vestes tem origem religiosa. “Já na Idade Média, seu uso era generalizado. Foi, entretanto, a partir de abril de 1600, que o rei Felipe III de Portugal tornou obrigatório o uso de peças e togas, durante os julgamentos. O Código Judiciário de São Paulo, de 1968, incluiu essa obrigatoriedade” (Speers, 2003, p. 178).

Com o objetivo de esclarecer as diferenças entre os elementos que compõem as vestes talares, são apresentadas, a seguir, ilustrações que simbolizam o uso das indumentárias, com as definições apresentadas por Meirelles (2002, p. 148-150).

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TORÇAL COM BORLA PENDENTE: Espécie de corda trançada, que reveste a pala e a gola da beca. É complementado pelas borlas pendentes – enfeite em forma de bola, geralmente de madeira recoberta de seda – que juntos formam os alamares.

JABEAUX: Peitilho confeccionado em renda, semelhante a um babador, preso no

pescoço, pendendo na frente da beca.

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BORLA: Chapéu privativo do reitor, doutores e doutores Honoris Causa, sempre na cor de sua área do conhecimento (branca para o reitor). Representa o poder temporal (analogia com a coroa real) e é conhecido em algumas regiões do país como capelo.

...

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(37)

Divisão das vestes talares

REITORAL: Concedida quando o reitor recebe seu cargo. Composta de beca preta,

jabeaux, cinto, capelo na cor branca, colar e bastão.

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PROFESSORAL: Exclusivo dos professores universitários; compõe-se de beca preta, com torçal e borla pendente, jabeaux e cinto na cor de sua área de

conhecimento5.

A CAPA ACADÊMICA não é veste talar. É usada nas universidades européias. No Brasil, os formandos utilizam a beca preta na cerimônia de colação de grau, com mangas longas debruadas de branco, jabeaux branco e faixa na cor adequada6.

5 Imagens cedidas pelo cerimonialista Francisco Vaz, de Curitiba, em 2006, autor da apostila

elaborada para o curso Cerimonial e protocolo universitário.

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As cores das borlas são: branca (reitor), vermelha (ciências jurídicas e sociais), azul (ciências exatas) e verde (ciências da saúde). (Meirelles, 2002, p. 149). A prescrição para o uso de vestes talares nasce da tradição e, na Universidade de São Paulo, está contemplada na legislação que organiza o cerimonial na USP.

1.5 A legislação sobre o cerimonial no Brasil, no Estado de São Paulo e na Universidade de São Paulo

O decreto federal 70.274, que regulamenta o cerimonial no país, é a legislação seguida por profissionais que atuam nas diversas áreas incorporadas pelo cerimonial: pública, empresarial, universitária, social e religiosa. A lei foi criada para regulamentar o cerimonial público, porém serve como eixo norteador às outras áreas quando autoridades participam das solenidades.

O Estado de São Paulo também regulamentou seu cerimonial, em 5 de janeiro de 1978, pelo decreto 11.074, que “Aprova as Normas do Cerimonial Público do Estado de São Paulo”. Diferente de outros estados, que utilizam o decreto federal em suas solenidades, São Paulo estabelece, com a legislação própria, as regras para cerimônias estaduais.

Algumas instituições de ensino elaboraram manuais sobre a condução e as determinações para as colações de grau em seus cursos e hoje em dia é comum que até mesmo empresas e entidades de classe definam critérios para facilitar o trabalho de quem organiza as solenidades. Não se pode negar o pioneirismo da Universidade de São Paulo, que em 1940 regulamentou, em legislação própria, os procedimentos para a realização de cerimônias.

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Para facilitar o entendimento, foi discriminada, a seguir, a estrutura de cada legislação:

Decreto 70.274 Decreto 11.074 Cerimonial Universitário – USP

Capítulo I

Da Precedência

Da precedência nos Estados, Distrito Federal e Territórios Da precedência de

personalidades nacionais e estrangeiras

Casos omissos Da representação Dos desfiles Do Hino Nacional Do Pavilhão Presidencial Da Bandeira Nacional Das honras militares

Seção I

Da precedência Da representação

I – Dos Convites

Capítulo II

Da posse do Presidente da República

Dos cumprimentos Da recepção Do traje

Da transmissão temporária do Poder

Seção II

Do Hino Nacional

Do pavilhão do Governador do Estado

Da revista à Polícia Militar do Estado

Dos desfiles

II – Das Precedências

Capítulo III

Das visitas do Presidente da República e seu

comparecimento a solenidades oficiais

Das cerimônias da Presidência da República

Das audiências Do livro de visitas Das datas nacionais

Seção III

Da posse do Governador do Estado

Das recepções Do traje

Das honras militares

Da transmissão temporária do poder

III – Das Vestes

Capítulo IV

Das visitas oficiais

Seção IV

Das visitas do Governador do Estado e do seu

comparecimento a solenidades oficiais Das audiências

IV – Das Insígnias

Capítulo V

Das visitas de Chefes de Estado estrangeiros

Seção V

Das visitas oficiais de autoridades

Das visitas oficiais do Presidente e do Vice-Presidente da República Das visitas oficiais de Governadores de Estado Das visitas oficiais de Chefes de missão diplomática estrangeira

Das visitas oficiais de outras autoridades nacionais ou estrangeiras

V – Da recepção das

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Capítulo VI

Da chegada dos Chefes de Missão diplomática e entrega de credenciais

Seção VI

Das relações entre as Representações consulares estrangeiras e as autoridades estaduais e municipais

VI – Da Mesa

Capítulo VII

Do falecimento do Presidente da República

Das honras fúnebres Do funeral

Da escolta Do cortejo

Seção VII

Do falecimento do Presidente da República

Do falecimento do Governador do Estado

Do falecimento de outras altas autoridades

Do falecimento de Chefe de Representação consular estrangeira

VII – Dos Assentos de Honra

Capítulo VIII

Do falecimento de autoridades Seção VIIIDa correspondência oficial VIIIEncerramento da Sessão – Da Abertura e

Capítulo IX

Do falecimento de Chefe de Estado estrangeiro

Seção IX

Da Competência do Cerimonial

IX – Dos Discursos

Capítulo X

Do falecimento do Chefe de Missão diplomática estrangeira

Anexo Único

Fórmulas de cortesia em correspondência oficial

X – Da Polícia das Solenidades

Capítulo XI

Das comemorações XIDeterminadas Solenidades – Disposições Especiais e

Ordem Geral de Precedência XII – Do Estandarte

Precedência entre os

governadores XIIIe Retribuições – Das Recepções, Visitas

Precedência entre os Três

Poderes XIV – Dos tratamentos

XV – Das Missões Culturais e de Intercâmbio Universitário

XVI – Disposições Gerais

Pode-se observar que não há menção ao mestre-de-cerimônias na condução de solenidades em nenhuma das três legislações, embora a existência de tal figura em diversas épocas esteja documentada na própria história.

1.6 Atuação do mestre-de-cerimônias ao longo da história

A figura do mestre-de-cerimônias é muito antiga. O filme “Vatel, um banquete para o Rei”, baseado em uma história real, mostra em 1674 um profissional que preparava recepções inesquecíveis.

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Para alimentar e entreter duas mil pessoas, Vatel, um homem de etiqueta, era totalmente dedicado à profissão, conhecedor das artes culinárias e criativo. Considerado o “maior mestre de cerimônias de todos os tempos”7, Vatel não tolerava

improviso e foi vítima do dever profissional, suicidando-se após um problema com o recebimento de alimentos para a ceia do rei.

Não só a presença do mestre-de-cerimônias aparece na história, como a exigência do profissional para que nada de errado aconteça durante as solenidades. Para Vatel, o resultado do erro foi a morte. Hoje em dia, não mais associada somente aos eventos gastronômicos, a figura do mestre-de-cerimônias sobrevive.

Nascido em tempos remotos, talvez no início da humanidade, desde que o homem é homem, a figura do Mestre de Cerimônias se confunde com a história do cerimonial. Rituais, cerimônias – ainda não eventos como conhecemos atualmente – faziam parte da rotina do homem primitivo (Meirelles, 2006, p. 3).

Para a autora, o temor ao desconhecido, a necessidade de acreditar em alguma coisa, a solidão, a disputa pelo poder, enfim, tudo se transformava em cerimônias de adoração, de oferta. “Nobres à frente, súditos atrás, assessores ao lado, o anunciador em destaque. Era o início do cerimonial, do protocolo, da solenidade e da figura do Mestre de Cerimônias” (2006, p. 3).

Os autores que ensaiam contar uma história sobre o início da atuação do mestre-de-cerimônias concordam com a dificuldade em cumprir esse desafio. “Historicamente entendemos ser difícil estabelecer como teria nascido a figura e a função do Mestre de Cerimônia” (Reinaux, 1997, p. 5). Para Reinaux, teria surgido com o cerimonial ou como uma necessidade ou conseqüência do próprio cerimonial. Afirma que “não pode haver cerimonial sem a figura do Mestre de Cerimônia, ou seja, de alguém que conduza os diversos e a sucessão de atos de uma cerimônia”

7 Artigo “Um suicídio em meio ao banquete real”, de Jean-Christian Petitfils, publicado na revista

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Desde tempos imemoriais, isto é, quando o homem com o comportamento votivo já praticava as cerimônias de cultos, de ritos, o Cerimonial implicitamente surgia, com ele também haveria de ter surgido a figura do Mestre de Cerimônia. Aquele que dirigia a cerimônia, aquele que anunciava as ordens das autoridades, aquele que chamando a atenção dos participantes de uma solenidade dizia, e ou anunciava, o que realmente iria acontecer. Funcionava assim, o Mestre de Cerimônia, como uma espécie de interlocutor da autoridade, transmitindo para os integrantes de uma reunião, cerimônia ou solenidade, os propósitos e ou os desejos das autoridades constituídas. (Reinaux, 1997, p. 4)

No decorrer da história, com mudanças consideráveis em sua atuação, o mestre-de-cerimônias ganha estatuto na ação: primeiro ele abre espaço para que o outro entre, depois ele abre espaço para que o outro fale. Com o desenvolvimento da história da humanidade, caminha também a história do mestre-de-cerimônias: ele passa a anunciar as decisões das autoridades e, tempos depois, assume a própria voz, conduzindo uma solenidade, lendo um texto pré-elaborado e construindo o próprio texto para situações inesperadas.

Para justificar essa trajetória, encontra-se a presença do mestre-de-cerimônias entre os gregos, três mil anos a.C., anunciando as fases de determinadas reuniões que aconteciam nos anfiteatros. Tempos depois, na Ásia, o mestre-de-cerimônias aparecia em torneios esportivos:

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A participação do mestre-de-cerimônias em momentos históricos gerou a divisão em “tipos de mestre-de-cerimônias”, que pode variar de acordo com a atuação desse profissional.

Alguns cerimonialistas atribuem à linguagem o motivo da distinção entre mestre-de-cerimônias e apresentador. O mestre-de-cerimônias possui uma linguagem mais formal, considerando sua atuação junto às autoridades. O apresentador, que pode comandar um comício, um desfile de modas, um lançamento de produtos ou de serviços, assume uma postura menos formal.

Hoje em dia, representando o desenvolvimento da função e a versatilidade do profissional, é possível encontrar o mestre-de-cerimônias8 nos bailes funks, animando o público, comandando as atrações musicais e realizando “casamentos”, como demonstra o anúncio9:

"CELEBRANTE DE CASAMENTO RELIGIOSO COM EFEITO CIVIL E MENSSAGENS ECUMÊNICAS" Contato: 0xx11 4992-1961/ 9175-6346

Mestre de Cerimônia

No próximo capítulo, pretende-se discorrer sobre as várias atuações do mestre-de-cerimônias e descrever as especificidades que constituem a atividade desenvolvida por esse profissional.

8 Nos bailes funks utiliza-se a sigla “MC” para designar o apresentador que além de lançar

mensagens ao público, interpreta canções. O “MC” nasceu nos Estados Unidos, junto com a cultura

hip hop e hoje está presente em outros estilos musicais.

9 Imagem retirada do endereço eletrônico www.mestredecerimonia.locaweb.com.br. Acesso em 2 de

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CAPÍTULO 2

O TRABALHO DO MESTRE-DE-CERIMÔNIAS

Como mostra o capítulo anterior, as funções exercidas pelo mestre-de-cerimônias são variadas, dependendo da solenidade e do objetivo da instituição, empresa ou mesmo do político assessorado por um profissional que atua com cerimonial. Para abordar as especificidades da atividade do mestre-de-cerimônias é preciso estabelecer as atribuições de cada indivíduo que trabalha nesse universo, mesmo que as funções possam ser acumulativas, assunto tratado a seguir.

2.1 Mestre-de-cerimônias e chefe do cerimonial: atividades

As diversas instituições públicas e privadas que utilizam um departamento de cerimonial em sua estrutura nomeiam um profissional para chefiar as atividades. É comum que esse chefe seja alguém de confiança, que tenha desempenhado funções em momentos anteriores à posse.

No caso da política, por exemplo, como uma das estratégias para vencer as eleições, os candidatos mantêm pessoas que cuidam dos eventos de campanha, que anunciam os pronunciamentos, elaboram roteiros de visitas e agenda. Com a vitória, algumas dessas pessoas assumem a função de chefe do cerimonial, departamento existente na maioria das instâncias representativas dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

O cerimonial também merece destaque no Exército e na Marinha, que definiram regras próprias para sua realização, e elegem integrantes responsáveis pelo cumprimento e divulgação das normas.

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homenagens, a execução dos hinos e os pronunciamentos e define as autoridades e personalidades convidadas.

Depois de definida a dinâmica do evento, o chefe do cerimonial elabora um roteiro com a ordem seqüencial dos acontecimentos e elabora também o script com o texto a ser lido pelo mestre-de-cerimônias (cf. itens 2.3.1 e 2.3.2).

Muitas vezes, o chefe do cerimonial acumula uma outra função: a de mestre-de-cerimônias e, assim, além de planejar, conduz a solenidade. Esse acúmulo de funções é discutido com freqüência entre os profissionais que atuam na área.

Segundo dados levantados nas entrevistas realizadas para essa pesquisa, ser, ao mesmo tempo, o chefe do cerimonial e o mestre-de-cerimônias pode ajudar ou atrapalhar as funções. Pode ajudar porque como chefe ele já sabe tudo que vai acontecer e como foi organizada a solenidade. Pode atrapalhar porque o chefe do cerimonial não deve ficar “preso” à tribuna, atuando como mestre-de-cerimônias num momento em que alguma providência deva ser tomada ou em que a autoridade possa necessitar de orientações.

Para auxiliar o chefe do cerimonial, alguns funcionários (da própria instituição ou contratados para aquela solenidade) são responsáveis pela recepção dos convidados, preenchimento de fichas com os nomes e cargos de autoridades e personalidades, encaminhamento das autoridades à mesa de honra e recolhimento de assinaturas em termos de posse, atas etc.

A estrutura da organização estabelece a existência de um departamento de cerimonial (ou não), o corpo de funcionários atuantes nas solenidades ou a convocação de profissionais de outras áreas para o trabalho durante as cerimônias. A tradição da existência de um chefe do cerimonial nos poderes públicos atualmente começa a ser discutida por empresas e instituições representativas. Universidades, bancos e entidades de classe começam a incorporar cargos para cerimonialistas, termo usado para designar o profissional que detém o conhecimento das normas do cerimonial.

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Para distinguir as ações de um mestre-de-cerimônias e as de um locutor, Reinaux (1997, p. 27-28) define “tipos de mestre de cerimônia” e classifica, com essa distinção, quem é e quem não é um verdadeiro mestre-de-cerimônias. O porta-voz é um dos tipos: ele “representa a palavra de uma autoridade institucional” e fala em nome dela. O Tribunal Regional Eleitoral, por exemplo, tem em seu quadro de funcionários uma jornalista e relações públicas que desempenha o papel de porta-voz e faz os pronunciamentos à imprensa em nome da instituição. A mesma profissional acumula a função de mestre-de-cerimônias nas solenidades do TRE.

Outro tipo é o ring announcer, definido pelo autor como “a figura do mestre-de-cerimônias usada nos espetáculos esportivos e em especial nas lutas de boxe” (p. 27). O locutor, em tal tipologia, é o radialista que faz os anúncios de alguém, de um produto ou instituição fora de um estúdio de rádio. Reinaux afirma que ele “assume a posição de um ‘pseudo’ mestre-de-cerimônias”, mas que ele não é um mestre-de-cerimônias. (p. 27)

O apresentador “faz as vezes de mestre-de-cerimônias” (p. 27) e atua em eventos mais informais, como desfiles de moda, lançamento de produtos e serviços. Hoje, muitos artistas assumem a função de apresentador nos eventos de empresas e instituições.

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O ombudsman, figura encontrada freqüentemente em diversas organizações, também assume, para Reinaux, o papel de um mestre-de-cerimônias. “É um representante de uma instituição cuja função é receber reclamações da população. Em reuniões assume, de certa forma, os papéis de um mestre-de-cerimônias, sem ser (sic)” (p. 28).

Com tanta diversidade, algumas características são exigidas do profissional, independente de sua formação, para que desempenhe as funções de mestre-de-cerimônias, tema abordado no próximo item.

2.2 Mestre-de-cerimônias e a designação do indivíduo responsável pela condução de solenidades públicas, sociais e institucionais

A atividade do mestre-de-cerimônias é exercida por profissionais de formações diversas – jornalista, relações públicas, advogado – e não tem regulamentação. Assim como o cerimonial, essa atividade pode ser desenvolvida por qualquer pessoa, ou seja, não é prerrogativa de determinada profissão.

Atualmente, somente dois cursos no Brasil anunciam formar o profissional que queira atuar como mestre-de-cerimônias. Em São Paulo, o curso acontece pelo menos quatro vezes ao ano, comprovando que a procura por essa atividade

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aumentou. Até 2005, não mais de dois cursos aconteciam. Com aulas práticas e filmadas, os alunos simulam eventos e a participação em entrevistas e programas de televisão. Durante o curso, ministrado por Gilda Fleury Meirelles, são transmitidas as características obrigatórias para o desempenho da função de mestre-de-cerimônias, “qualidades que o diferenciam dos profissionais de outros setores. Algumas são naturais; outras, [ele] terá que conquistar”, afirma a professora (2006, p.8).

As características exigidas para um mestre-de-cerimônias, segundo a professora, são: determinação, voz, postura corporal, aparência pessoal, conhecimento, naturalidade, inspiração, memória, síntese e vocabulário. Para Meirelles, o mestre-de-cerimônias precisa atender às expectativas, “fazendo com que a platéia reconheça seu trabalho, siga seu comando, entusiasme-se com suas palavras, chore com seu silêncio e cresça com o acontecimento... sem sentir somente a sua presença” (2006, p. 5).

Durante o curso, a professora ensina como o mestre-de-cerimônias deve reagir ao riso e a vaia do auditório: “deixe os ouvintes rirem, e quando o riso diminuir, retome imediatamente”. O mesmo procedimento deve ser adotado para a vaia, porém, “se a vaia recomeçar, a ordem é sair”, pois, segundo Meirelles, não haverá mais clima para apresentação. (2006, p. 41)

As determinações mais reforçadas pela professora em seus cursos são as seguintes: o mestre-de-cerimônias não pode aparecer mais do que evento, não pode falar o que ele quiser e não pode errar. No único livro que aborda o assunto “mestre-de-cerimônias” existente no Brasil, ainda que aborde o tema de forma prática, o autor Marcílio Reinaux afirma:

Nas nossas aulas dos Cursos de Cerimonial e de Mestre de Cerimônia, costumamos lembrar outro ditado popular que diz ‘errar é humano’. Mas completamos e dizemos que esta frase não se aplica as atividades do MC. ‘Errar, para o Mestre de Cerimônia, é rua...’ (2005, p. 45)

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Normas criteriosas determinam a atividade do mestre-de-cerimônias, assunto a ser tratado no capítulo seguinte. Como em qualquer segmento, as coerções aparecem e exigem um mínimo de preparo para que o mestre-de-cerimônias possa atuar.

Os artistas que apresentam eventos solenes, oficiais ou informais, utilizam a popularidade adquirida em peças teatrais e atrações televisivas para desempenhar tal função, muitas vezes desconhecendo as formalidades e as regras específicas do cerimonial.

Para Reinaux, o papel de mestre-de-cerimônias deve ser exercido por alguém que conheça a atividade e que tenha facilidade para falar em público, não demonstrando nervosismo e insegurança. Para o autor, o assunto merece respeito, é sério e não aceita a “providência vexatória de: ‘tapa buraco’” (2005, p. 56).

Acostumado com autoridades capazes de coordenar um evento e comandar os atos, Speers critica a existência de um mestre-de-cerimônias que é tão somente um porta-voz, assumindo um papel que deveria caber à autoridade. “Venho de uma época em que os homens de cultura, aqueles com quem eu convivi, eram homens que tinham traquejo para dirigir uma cerimônia, eles não precisavam de mestre-de-cerimônias. Eles sabiam como conduzir a cerimônia”.11

Para substituir uma autoridade que não tem traquejo para falar em público ou para deixar a solenidade mais dinâmica é que está justificada a presença de um mestre-de-cerimônias:

Talvez sejamos considerados ortodoxos, por preferirmos que sejam os atos de uma ordem do dia coordenados por aquele que preside uma cerimônia. Haverá, entretanto, casos em que o recorrermos a um mestre de cerimônias será oportuno, não só para dinamizar a solenidade, mas também como solução para suprir a falta de traquejo daquele que a preside (Speers, 1984, p.328)

Autor de 12 livros sobre cerimonial, Speers nunca dedicou mais do que dois parágrafos ao trabalho do mestre-de-cerimônias, e acredita que a presença de um “explicador” personaliza o evento, preenchendo um lugar que não é dele, mas sim da autoridade ou da instituição que realiza a solenidade.

Referências

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