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PÁGINA JURÍDICA > ARTIGOS DE PROFESSORES > DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO > RESUMO Nº 3 > COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

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PÁGINA JURÍDICA > ARTIGOS DE PROFESSORES > DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO > RESUMO Nº 3 > COMPETÊNCIA JURISDICIONAL

Prof. Marcos Raposo - 2002

1. - Vamos prosseguir com o problema que propusemos no último resumo, o da brasileira que se casou no Talibaquistão com um argentino acometido por AIDS, coisa que ela ignorava. Sabemos que, consoante a lei brasileira, é possível anular esse casamento, por erro essencial. Uma indagação preliminar: o casamento em questão produz efeitos no Brasil? O Código Civil de 1916 (art. 204) admite como válido o casamento realizado no exterior, o qual se prova "de acordo com a lei do país onde se celebrou." No entanto, o casamento de brasileiros contraído no exterior precisa ser aqui registrado, como preceitua o art. 32 da Lei 6.015, de 31/12/73 (Lei de Registros

Públicos):

"Art. 32 - Os assentos de nascimento, óbito e de casamento de brasileiros em país estrangeiro serão considerados autênticos, nos termos da lei do lugar em que forem feitos, legalizadas as certidões pelos cônsules ou, quando por estes tomados, nos termos do regulamento consular.

§ 1º - Os assentos de que trata este artigo serão, porém, trasladados nos cartórios do 1º Ofício do domicílio do registrado ou no 1º Ofício do Distrito Federal, em falta de domicílio conhecido, quando tiverem de produzir efeito no país, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações Exteriores." (sublinhamos)

O art. 1544 do Código Civil de 2001, no capítulo relativo às provas do casamento, por sua vez, reza:

"Art. 1544 - O casamento de brasileiro, celebrado no estrangeiro perante as respectivas autoridades ou os cônsules brasileiros, deverá ser registrado em 180 dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges ao Brasil, no cartório do respectivo domicílio, ou, em sua falta, no 1º Ofício da Capital do Estado em que passarem a residir."

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competência jurisdicional para essa ação? E (ii) qual a lei nacional que deve ser aplicada, no mérito, para anular, ou não anular o casamento? Iniciemos com a questão da competência jurisdicional, e veremos que a nossa LICC não é muito esclarecedora a respeito:

"Art. 12 - É competente a autoridade judiciária brasileira, quando for o réu domiciliado no Brasil, ou aqui tiver de ser cumprida a obrigação.

§ 1º - Só à autoridade judiciária brasileira compete conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil."

Ainda bem que a LICC acha-se complementada pelos arts. 88 e 89 do Código de Processo Civil, que os alunos devem examinar atentamente. No art. 88, o CPC

determina a competência internacional concorrente da justiça brasileira em três casos, resumidamente: (i) quando o réu estiver domiciliado no Brasil; (ii) quando a obrigação tiver de ser cumprida no Brasil; e (iii) quando a ação se originar de fato ocorrido ou ato praticado no Brasil. Já no art. 89, acham-se elencados os dois únicos casos em que o judiciário brasileiro é competente com exclusividade, isto é, os casos em que nosso país recusa competência aos juízes de qualquer outro país. São eles, resumidamente, (i) as ações relativas a imóveis situados no Brasil; e (ii) o inventário e partilha de bens situados no território nacional, ainda que o óbito haja ocorrido, e ainda que o falecido haja sido domiciliado fora do Brasil. Como se vê, a nossa lei processual (art. 88) firma a competência jurisdicional brasileira nos casos ali previstos, mas não usa aí as

expressões "com exclusão de qualquer outra" que aparecem no art. 89, ou seja, não recusa igual competência ao judiciário de outros países. Isso significa que, nesses casos do art. 88, a competência jurisdicional brasileira é concorrente, e não exclusiva. Isso quer dizer que a nossa lei admite que algum juiz estrangeiro também seja competente para a causa, ou seja, que pode haver jurisdição tanto do juiz brasileiro quanto do estrangeiro, nos casos do art. 88 do CPC. O mesmo não acontece com o art. 89 do CPC; nos dois casos ali enfocados, a competência jurisdicional brasileira é exclusiva, ou seja, nossa lei não admite que juiz estrangeiro algum possa ter competência.

3. - No nosso exemplo, não fica muito clara, à primeira vista, a competência

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executada. Não é o caso, porém, pois o registro do casamento, feito no Brasil, pode ser desconstituído por uma sentença de juiz brasileiro, cuja competência estará assegurada pelo art. 88-III do CPC. Assente esse ponto, resta decidir qual juiz, no Brasil, será competente. A tal respeito, o art. 100-I do CPC nos vem em socorro, verbis:

"Art. 100 - É competente o foro: I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão em divórcio, e para a anulação de casamento."

4. - Digamos que o marido soropositivo argentino decida defender-se. Certamente, além de excepcionar a competência internacional do juiz brasileiro, dirá que o art. 100-I do CPC, acima transcrito, é incompatível com o preceituado na nossa Constituição Federal de 1988 (CF):

"Art. 5º. - I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição."

Entendo que o inciso I do art. 5º da CF não é incompatível com o art. 100-I do CPC, a despeito de ponderosas opiniões em contrário. Para os alunos que desejarem, disponho da íntegra de acórdão da 3ª Turma do STJ no Resp 27.483, com 20 páginas, dando por inaplicável, in casu, o art. 100-I do CPC, mas não encontrei pronunciamento algum do STF a respeito. A meu ver, a CF não tem por objeto anular as conquistas femininas, no que tange exatamente à proteção à mulher, em termos de direitos de família, do

trabalho, etc. Se não, ficaria difícil justificar outros dispositivos da mesma CF que lhe asseguram tratamento privilegiado, como, por exemplo, os incisos XVIII e XX do art. 6º. Coerentemente, tem a mulher foro privilegiado para pleitear a separação e a anulação do casamento porque, sendo ordinariamente a parte economicamente mais fraca da relação, e precisando ainda assistir os filhos, normalmente sob sua guarda, ser-lhe-ia incomparavelmente mais difícil ir litigar no domicílio do cônjuge marido. Tem a mulher privilégio de foro, nesses casos, pelo mesmo motivo que o têm os alimentandos e as vítimas de acidentes de veículos (CPC, art. 100-II e § único). Não só os homens são iguais às mulheres em direitos e obrigações, mas todos, homens e mulheres, o são, independentemente de sexo. Isso jamais impediu que os menos favorecidos de qualquer sexo tenham foro privilegiado, e não é por que alguém pertence ao sexo feminino que vai sofrer discriminação. Seria penalizar a mulher. Conclui-se, assim, que o art. 5º-I da CF não revogou o art. 100-I do CPC.

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Art. 94 - § 3º - "Quando o réu não tiver domicílio nem residência no Brasil, a ação será proposta no foro do domicílio do autor." (... omissis...)

Essa é a chamada "regra de escape", ou seja, a última saída para o seguinte impasse: o juiz brasileiro tem competência internacional, mas a lei não especifica qual o juiz brasileiro que tem competência interna. Nesse caso, e só nele, aplicar-se-á o § 3º do art. 94 do CPC. Repetindo: essa disposição legal só deve ser invocada quando realmente se verifique que o judiciário brasileiro tem competência internacional, mas não está previsto qual o juiz brasileiro com competência interna. Lembrem-se sempre de que em primeiro lugar está a necessidade de demonstrar a competência internacional do juiz brasileiro, e só depois é que se vai examinar a questão da competência interna. No nosso caso, usando, ou o art. 100 do CPC, ou a regra de escape do art. 94 § 3º do CPC,

firmaríamos, de uma maneira ou de outra, a competência jurisdicional do juiz brasileiro da residência da mulher.

6. - Nosso próximo passo será decidir que lei esse juiz brasileiro teria de aplicar para determinar se o casamento em foco é, ou não, anulável por erro essencial quanto à pessoa. Aplicaria ele a lei brasileira, ou a talibaquistanesa? Aí é que depararíamos com o seguinte dispositivo da nossa LICC:

"Art. 7º - A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família. § 1º ... § 2º ...(omissis)

§ 3º - Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal."

Que deveria entender o juiz a respeito desse dispositivo? Que é absurdo? Que é ilógico? Em um caso como o que estamos estudando, o preceito parece, ao contrário,

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referindo-se ao citado § 3º do art. 7º da LICC ,com o assentimento unânime de seus pares:

"... enquanto a lógica não for sepultada, a validade ou invalidade de um ato só pode ser aferida em face da lei a que ele obedeceu. Que fazer então? Tenho o preceito como inaplicável, por impossibilidade lógica, e, assim, como não escrito. Dir-se-á que a tanto não pode chegar o Juiz. Entendo que pode."

7. - Naquele caso, as núpcias haviam sido celebradas no Brasil, e o Min. Galotti relutava em aplicar a lei norte-americana, que dava o casamento por anulável se um dos

cônjuges houvesse prometido ao outro ter filhos, e depois não cumprisse a palavra. O ilustre julgador considerava repugnante à nossa ordem jurídica e ao bom senso permitir que uma tal lei estrangeira prevalecesse, para anular casamento celebrado no Brasil. Era necessário declarar ilógico, inaplicável, não escrito, dispositivo de lei porque, em um determinado caso, ele produziria maus resultados? Por certo que não. Parece que desta vez o exímio Min. Galotti excedeu o métron, foi além do razoável. Tanto é assim que, em outras situações, em que o casamento não haja sido realizado no Brasil, como é o caso de nosso exercício, o dispositivo por ele inquinado de ilógico faz perfeitamente sentido. Ninguém duvida, entretanto, de que o resultado do julgamento, no caso do casal Greenberg (SE 2.085) foi justo. Na verdade, para negar a homologação, naquele caso, bastava que o STF considerasse a sentença estrangeira homologanda incompatível com o art. 17 da nossa LICC:

"Art. 17 - As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes."

7. - Que espécie de preceito é esse? Devemos situá-lo no mesmo plano dos demais artigos da LICC que tratam do conflito de leis no espaço? A toda evidência, não. Embora inserido em uma lei ordinária, o que temos aí é algo de verdadeiramente fundamental, pois o art. 17 da LICC protege aquele que constitui o bem supremo da nacionalidade brasileira - a nossa soberania - que a lei avalia por sobre a própria vida humana. Veja-se o art. 1º, inciso I, da CF: a soberania é o primeiro dos princípios fundamentais de nossa organização, enquanto país. Assim, o Min. Galotti poderia simplesmente ter-se limitado à invocação do art. 17 da LICC (que, na realidade, também invocou) para deixar de homologar a anulação de casamento do casal Greenberg. O Min. Galotti não tinha qualquer necessidade de malferir um dos princípios básicos de nossa organização constitucional, qual seja, o da separação dos poderes, para,

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