SKINNER E FOUCAULT: ANALOGIAS PARA UMA INVESTIGAÇÃO ÉTICO- SOCIAL DO BEHAVIORISMO RADICAL
Ana Flávia de Carvalho Lima Teixeira; Bruna Rocha Pereira (Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá, Programa de Iniciação Científica, PIC/UEM); Carlos Eduardo Lopes (Laboratório de Filosofia e Metodologia da Psicologia; Departamento de Psicologia, Universidade Estadual de Maringá).
contato: ana_teixeira_@hotmail.com bruna _rocha05@hotmail.com
Palavras-chave: Skinner. Foucault. Contexto social.
A proposta skinneriana de estudo do comportamento humano, calcada no conceito de contingências, foi duramente criticada em muitos aspectos (CARRARA, 2005; SKINNER, 2006). Uma dessas críticas considera que se trata de uma proposta individualista, que negligencia os aspectos sociais, caracterizando os fenômenos humanos em relação apenas a seu contexto imediato, deixando de lado aspectos importantes da vida em sociedade. Além disso, uma vez que defende o “controle do comportamento”, a proposta skinneriana estaria vinculada a uma ideologia do controle social, que busca a manutenção das desigualdades sociais e legitima a exploração (CARRARA, 2005).
Por outro lado, Foucault é reconhecido na filosofia, ciências sociais e psicologia por suas produções críticas sobre o campo social (MACHADO, 2012). Em suas pesquisas, Foucault não deixou se limitar por nenhuma disciplina, caminhando por variados temas como loucura, sexualidade, medicina, economia, violência nos presídios, a fim de estabelecer e articular relações entre os saberes, sempre de forma crítica e politicamente engajada. Nesse vasto material produzido, a questão do poder surgiu em meio a uma reformulação de objetivos teóricos e políticos e firmou-se ao longo dos estudos foucaultianos como um dos temas centrais (MACHADO, 2012).
Tal como o poder em Foucault, a noção de controle em Skinner é intrínseca às relações interpessoais, como evidencia Carrara (2005): “o behaviorismo radical assegura que, intencionalmente ou não, as pessoas detêm contingências que determinam, em maior ou em menor grau, o comportamento de seus semelhantes” (p. 281). Assim, parece haver certas similaridades entre os pensamentos skinneriano e foucaultiano e, partindo desses pontos de
contato, cabe indagar se as críticas tão recorrentemente dirigidas ao behaviorismo radical, de negligenciar as questões sociais ou reduzi-las ao sujeito, procedem. Esta pesquisa, ainda em andamento, pretende enfrentar essa questão a partir do aprofundamento das relações entre Skinner e Foucault.
O objetivo geral da pesquisa é estabelecer um diálogo entre as propostas de Skinner e Foucault de modo a avaliar a pertinência das críticas dirigidas ao behaviorismo radical no contexto social. Trata-se de uma pesquisa de natureza conceitual, a qual, segundo Machado, Lourenço e Silva (2000), tem como objeto o resultado do trabalho teórico, em especial os conceitos fundamentais de uma teoria, seus significados e suas gramáticas. Nesse sentido, a revisão teórica é basal para uma edificação da psicologia, visto que contribui para a inteligibilidade e coerência das relações repousadas na experiência. Abib (2005) esclarece, ainda, que a compreensão de um conceito só é possível no contexto da teoria abordada e, portanto, se faz necessária a compreensão filosófica do texto. O texto, então, não deve ser concebido como um entrelaçamento de teses, prontas e acabadas, que expressam somente as intenções do autor, mas sim um processo constante de re-significação, já que a partir do momento que o texto foi escrito ele deixa de pertencer ao autor, estando aberto a mais de uma interpretação (ABIB, 2005).
Os textos estão sendo escolhidos e analisados de acordo com a sua pertinência para o cumprimento dos objetivos da pesquisa. A leitura desse material é orientada pelo método de análise conceitual-estrutural, tal como descrito por Laurenti e Lopes (2010). Por se tratar de uma pesquisa em andamento, será apresentado aqui um recorte dos resultados obtidos até o momento. A temática central desenvolvida até agora é a questão da natureza versus cultura em Skinner e Foucault. Essa temática faz parte do contexto de analogias com o propósito de investigação ético-social do behaviorismo radical.
Natureza versus Cultura
Na obra skinneriana o uso do termo controle abrange sentidos diferentes. Devido à falta de esclarecimentos desses diferentes sentidos, algumas interpretações equivocadas da Análise do Comportamento foram geradas (CARRARA, 2005). Um dos empregos do termo controle está relacionado a metodologia e técnicas de pesquisa, no uso do controle de
variáveis em uma pesquisa experimental, por exemplo, o que garantiria conclusões mais precisas, válidas e fidedignas (CARRARA, 1992).
Em outro sentido, o conceito de controle faz menção à relação de dependência entre as histórias filogenética e ambiental e o comportamento dos organismos. Essa outra definição conduz, portanto, à tese de que o comportamento humano é controlado pelo ambiente físico e social, e pela história da sua espécie (SKINNER, 2006). Desse modo, o comportamento só pode ser compreendido em sua totalidade na intersecção desses três âmbitos, aos quais dever- se-á recorrer para explicar de forma adequada o comportamento, em vez de evocar aspectos mentais ou internos, como a vontade ou as convicções.
Skinner (2006) considera ainda outra acepção de controle. Esse sentido designa a ação transformadora do homem sobre o mundo, no contexto em que as suas ações provocam mudanças no ambiente, que, por sua vez, acabam afetando o seu comportamento futuro.
Assim, se, em um primeiro momento, o comportamento é controlado pelo mundo, agora o comportamento também controla o mundo (SKINNER, 2006). Portanto, o homem está em constante relação de interdependência com o seu contexto, e é nessa relação de duplo sentido homem-mundo que se fundamenta o conceito de controle na teoria comportamental.
Ao explicar o controle exercido pelo homem no mundo, Skinner (2006) o designa como uma característica natural dos seres vivos e da própria vida. A origem do controle da natureza explica-se pelo seu valor de sobrevivência, de modo que os seres vivos que controlaram o seu ambiente de forma satisfatória, tiveram maiores chances de sobreviver.
Contudo, em meio a essa explicação filogenética do termo controle, Skinner (2006) caracteriza a constituição da ciência como sendo um mero desdobramento dessa base biológica do controle.
Essa visão carrega uma problemática ao descaracterizar a esfera social e o próprio processo histórico no âmbito científico. À medida que esse movimento análogo entre a ciência e a sobrevivência ocorre, a Análise do Comportamento deixa margem a uma interpretação “naturalizada” de ciência e do próprio controle. E é exatamente no combate a esse tipo de explicação que se introduz os estudos de Foucault (2012). O processo problematizado nas pesquisas desenvolvidas pelo autor se dedica a recuperar o transcurso histórico da constituição dos fenômenos sociais, de modo a mostrar a heterogeneidade e os
confrontos na formação e constituição dos discursos e saberes, fazendo com que não seja possível uma visão naturalista, global ou verdadeira sobre o conhecimento científico.
Para conseguir desenvolver esse processo de recuperação da constituição dos acontecimentos, Foucault (2012) emprega o método genealógico. A genealogia não se compõe como uma mera retomada histórica que evidencia a atualidade do passado no presente, ela vai além disso. Seu papel é desconstruir a linearidade – mantenedora da ordem progressista – dos acontecimentos e ramificá-la em movimentos de luta. Para tanto, o autor se apropria das críticas circunscritas às localidades específicas e a retomada dos saberes dominados.
A terminologia que orientou a obra de Foucault, o poder, foi peça chave na
“desnaturalização” dos fenômenos humanos. O significado de desnaturalização de modo simples é romper com a naturalização do indivíduo ou de práticas sociais, propondo uma reflexão sobre o que foi instituído, isto é, a desfiliação de paradigmas impostos e convencionados como únicas verdades. Assim, o pesquisador desenvolve estudos filosóficos e históricos, mostrando que certos modos de conceber aspectos humanos nem sempre foram do modo como os concebemos atualmente, realizando uma retomada histórica acerca da história da loucura, da criminalidade, e da sexualidade, por exemplo. O ponto central é demonstrar que as relações são apagadas quando os fenômenos são naturalizados, pois aquilo que caracteriza o fenômeno é atribuído a uma propriedade que nele sempre existiu (FOUCAULT, 2012).
Na medida em que o Foucault (2012) delimita a sua análise naquilo que é social, justifica-se algumas diferenças em relação a Skinner. Foucault (2012) se posiciona severamente contra a naturalização dos fenômenos humanos e busca mostrar como se constituíram. Já Skinner (1994) dedica-se a formular uma teoria que seja capaz de explicar o comportamento em geral, e o comportamento humano em especial. O problema apresentado na teoria comportamentalista não se constitui na inserção do controle na história filogenética, mas em desconsiderar a história ontogenética e cultural principalmente quando se trata das ciências ou dos fenômenos humanos. O movimento feito por Skinner (2006) em assentar as bases biológicas do controle e retratar sua história por meio dos valores de sobrevivência, se faz relevante na medida em que fundamenta o controle do comportamento como inerente ao homem e ao estabelecimento da vida.
Até agora algumas questões acerca da problemática natureza em oposição à cultura foram articuladas na finalidade de promover um diálogo, com contribuições éticas, entre os autores. Em vista disso, é importante salientar que o controle em grupo e nas relações interpessoais não deve ser entendido rigorosamente à luz de uma visão “naturalizada” ou
“naturalizante”. Foucault ajuda a pontuar esse aspecto trazendo uma forte característica social para o conhecimento científico. Entretanto, Skinner contribui para que a reflexão dos limites de uma radicalização dos acontecimentos sociais e culturais como completamente apartados da natureza. Entre outras coisas, essa visão radical que separa os assuntos humanos da natureza parece manter no horizonte a dicotomia entre ciência natural e ciência humana, típica do pensamento moderno. Portanto, esse diálogo se torna interessante na medida em que pode dar subsídios para uma proposta mais equilibrada e menos dicotômica da relação entre natureza e cultura.
Referências
ABIB, J. A. D. Prólogo à história da psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 21, n. 1,
abr. 2005. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01027722005000100008&lng=pt
&nrm=iso>. Acessado em 02 out. 2012.
CARRARA, K. Behaviorismo radical: crítica e metacrítica. 2 ed. São Paulo: UNESP, 2005.
CARRARA, K. A questão do controle na abordagem comprotamental. Psicologia Argumento X. p.109-115, 1992.
FOUCAULT, M. Microfísica do poder. In: MACHADO, R. (Org). 25 ed. São Paulo: Graal, 2012.
LAURENTI, C.; LOPES, C. E. Análise conceitual-estrutural, 2010. [Texto não publicado]
MACHADO, A; LOUREÇO, O; SILVA, F. J. Facts, concepts, and theories: the shape of psychology’s epistemic triangle. Behavior and Philosophy, v. 28, 2000. Disponível em: <
http://u15357647.onlinehome-server.com/resources/88.pdf>. Acessado em 27 out. 2012.
MACHADO, R. Introdução: Por uma genealogia do poder. In: MACHADO, R. (Org).
Microfísica do poder. 25 ed. São Paulo: Graal, 2012, p. 7-35.
SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. Tradução de João Carlos Todorov e Rodolfo Azzi. 9 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.