DIFICULDADES
DE APRENDIZAGEM:
UMA ABORDAGEM COGNITIVA
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ALINA GALVÁO SPINILLO
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
*
INTRODUÇAO
o
objetivo deste trabalho consiste na apresentação de duasabordagens para o diagnóstico de problemas de aprendizagem,
procurando contribuir para uma reflexão sobre os modelos e
métodos utilizados pelos profissionais que, dentro de suas
especializações, atuam junto à criança que apresenta tais
difi-culdades. As duas abordagens tratadas - psicométrica e
cogni-tiva -. não esgotam o assunte, mas introduzem uma
compa-ração e discussão sobre o tipo de Informações obtido através
de seus métodos. Sobre este tema tomou-se pOI" base
funda-mental os trabalhos de Carraher e Brito (1979) e Carraher
(1983) que apresentam o contraste entre o método clínico e o
psicométrico quanto ao diagnóstico e estudo da inteligência.
Antes de discutirmos sobre essas duas abordagens, faz-se
necessário um referencial teórico acerca do desenvolvimento
coqnitivo com base na teoria dos estágios de Piaget e ainda
caracterizar o trabalho do psicólogo cognitivo que atua segundo
procedimentos clínicos para a investigação e estudo das bases
do conhecimento humano, e a contribuição de seu trabalho para
o exame e terapêutica das dificuldades de aprendizagem.
1. A TEORIA DE PIAGET
A obra de Jean Piaget exerceu considerável influência em
psicólogos e educadores, apesar de alguns estudiosos
afirma-* Universidade Católica de Pernambuco - Departamento de Psicologia (1985),
FEDCBA
rem que suas teorias são gerais e vagas e que não sã?
c1ar~-mente testáveis. A contribuição de Piaget para a psícoloqia
contemporânea e especialmente à psicologia da criança. é por
demais importante, sendo necessário conhecê-.la e atra~es dela
desenvolvermos um respeito pela mente incomparável da
criança ' ... . . " ,
. Urna de suas prlncipals preocupações.Yesídia nas
rnudan-cas qualitativas que ocorrem no desenvolvimento mental de
um indivíduo desde o nascimento até a maturidade. Podemos
identificar três postulados fundamentais em sua teoria:
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
1 .
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
I . . ,
O organismo humano, como toda entidade biológica,
apresenta uma organização interna característica;
essa organização interna é responsável pelo modo
único de funcionamento do organismo (inv~rlalnt~~
fun-cionais); , '",
em resultado da interação entre o organismo e o meio,
através dos invariantes funcionais, o organismo
adap-ta as suas estruturas cognitivas.
2.
3.
Por invariantes funcionais entendemos o modo único de
funcionamento do organismo que está sempre presente e não
muda com o passar do tempo, pelo que a criança pequena e o
adulto compartilham do mesmo modo de funcionamento
c?~ni-tive. Os invariantes funcionais são independentes dos est~glo~
e estão relacionados à aquisição do conhecimento atraves da
interação do indivíduo com o meio. A própria palavra
"inte~a-cão" chama atenção para o fato de o organismo ter uma relaçao
ativa com o meio, o que resulta no desenvolvimento cognitivo.
Uma definicão essencial para a compreensão da teoria do
desenvolvimento cognitivo é o que significa a d a p ta ç ã o . E:tfi
invariante funcional subdivide-se em a s s im ila ç ã o e a c o m o d a ç a o .
Assimilação é a incorporação dos dados da experiência dentro
das estruturas já construídas pelo organismo. Ao mesmo tem,
po o organismo "acomoda-se" ao que é "assimilado". Desta
forma os novos conhecimentos eos antigos, sofrem esta
adap-tação 'que resultará em estrutura mental um_ pouqui~ho mai~
sofisticada que a anterior, antes da adaptaçao. Assim, essas
estruturas mentais ou cognitivas são variantes, visto que ~o
longo dos desenvolvimentos dessas ~str~turas ~e tor~a~ mais
çomp'lexas" e responsáveis por orqaruzaçoes mais soflstlcad~s.
Desta forma, a adaptação intelectual consiste em um
mecanis-mo assimilatório e uma acomodação complementar em
progres-sivo e q u ilíb r io .
90
FEDCBA
- R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (I): jan.Zjun., 1986,.. Pa~a Piaget, O equilíbrio é um' mecanismo ativo de
com-pensaçao .entre .0;conhecimento novo e o conhecimento antigo
qu.e permite un:a ada~tação do organismo a novas situações
Oriundas do meio ambiente. Portanto, o organismo é
auto-requ-íador. Quando novas informações são assimiladas às
estrutu-ras)á existentes, inicia-se o processo de equilibração que
resul-t~ra n_umanova estr~tura cognitiva. Mas, na realidade, a
equi-Iibração nunca termina, porque assim que novas informações
são assimiladas, começa de novo o processo, resultando em
representações progressivamente melhores do mundo .
. A, partir desses mecanismos - adaptação e equilibração
- e que as estruturas cognitivas mudam, auxiliando-nos a
me-lhor sobreviver e melhor nos adaptarmos à realidade externa.
Esse processo de desenvolvimento é marcado por uma série
de estágios cuja ordem de aquisição é invariante, embora a
idade de início e término de cada um possa variar. Cada
está-gio .representa um diferente modo de lidar com os aspectos
particulares do meio ambiente e, por conseguinte, é de se
esperar que o pensamento de uma criança seja característico
do estágio por ela atingido.
Piaget distingue quatro estágios que descreveremos a
se-guir:
1 . S e n s ó r io - m o to r (O a 2 anos)
. Se a criança explica em parte o adulto, podemos dizer
também que cada período do desenvolvimento anuncia e
pre-para os períodos seguintes. Isto é particularmente claro no
que,.concerne ao período anterior à linguagem, que é o 'chamado
penodo sensório-motor. A, razão para esta denominação é que
durante este período a criança aprende a coordenar seus
sen-tidos com o comportamento motor, adaptando, por exemplo, o
reflexo de sugar à procura da chupeta antes de sugar, coord .
nando o movimento da mão para a boca ou seguindo visu I
mente um objeto que se move no ambiente. O mundo r
presentado em termos de ações - chupar, sacudir, olhar, p _
gar, deixar ~air
=.
-=-
e realiza manipulações sobre os ob]tos. O bebe, devido a falta de função simbólica, ainda n50
apresenta pensamento no sentido amplo nem afetividad fig dn
a representações que permitam evocar pessoas ou ob] to n
ausência deles.
A despeito, porém, dessas lacunas, o des nv Ivlm
nlo
mental no decorrer desses dois anos da existênci
n
rtllI-larmente rápido e de grande importância, pois ri lei rt d
o precursor de todas as futuras aquisrçoes, onde a criança
labora o conjunto das subestruturas coqnltlvas
que servirão
de ponto de partida para as, construções intelectuais
posterio-res.
A maior parte da' pesquisa de Piàqet: sobre este período
proveio de diáriós de cuidadosas observações de seus três
filhos - Laurent, Luclennee Jacqueline -'- desde as' primeiras
semanas de vida.
O foco inicial -dessas observações foram reflexos, mas só
alguns foram considerados por Piaget (sucção e preensãoJ,
-en-qúanto outros não mereceram maior atenção devido ao fato de
permanecerem' constantes (pupilar) ou desaparecerem do
re-pertório do indivíduo (Babinsky).
A este respeito, o problema que surge' é o seguinte: como
as reações sensório-motores 'preparam o' indivíduo para
adap-tar-se ao meio externo e para adquirir os comportamentos
pos-teriores? O problema começa a existir logo que os reflexos são
encarados não mais em suas relações com o mecanismo
inter-no do organismo vivo, mas nas suas relações com o meio
ex-terior. O que de fato ocorre é uma sucessão notavelmente
con-tínua de estágios, cada um dos quais assinala um novo
progres-so parcial até o momento em que as condutas alcançadas
apresentam características que os psicólogos reconhecem
como sendo as de inteligência, .Asslrn é que dos movimentos
espontâneos e do reflexo aos hábitos adquiridos e, destes i'I
inteligência, há progressão contínua,
O período sensório-motor podese'r subdividido em seis
subestáqios que bem demonstram esse desenvolvimento
har-monioso:
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E s tá g io I _ . (recém-nascido)
Existe, na realidade, uma progressiva capacidade de
con-trolar e investigar o ambiente, Primeiro as crianças têm
ape-nas reflexões como sugar e aqarrar. que acabam se adaptando
ao ambiente, pois 'os reflexos não podem ser considerados
puro automatlsmos.
No 'tocante aos reflexos do recém-nascido, resulta que
aqueles que apresentam importância especial para o futuro
(sucção
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e
preensão) dão lugar ao exercício reflexo. É atravésdesse exercício que o recém-nascido mama de maneira mais
segura e volta a encontrar mais facilmente o bico do seio
de-pois de alguns dias do que por' ocasião das primeiras
tenta-tlvas. O que impressiona, é que 'tais atividades dão lugar a
92
FEDCBA
R e v , d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986uma sistematização que ultrapassa o seu automatismo. Ouas
desde o nascimento há, urna "conduta", 'no sentido da reação
total do,
Jndivíduo
e nãoapenas jogo de autcmatismospartlcu-lares ou interligados apenas por
dentro.
Em outras palavras,as manifestações sucessivas de um reflexo, como o da sucção,
constituem um desenvolvimento de natureza tal que cada
epi-sódio depende dos precedentes e formá os seguintes.
E s tá g io /I :- (até 5 meses)
,': Constitue~-.se osprlmelros 'hâhltos e início das reações
cjrcularesrprlmárlas que são tentativas da criánça em .obter
coordénação, sensórto-motorapela repetição .de movimentos tais
corno
de
mão paraaboca,
sequir objetos com os olhos e assimP,OI" diante. 'Tais reações sãdcirculares porque' são 'repetidas
qiversas vezes,
e.
S~9 prlmárlàs porque envolvem um único ato~4~
fI~? ,~
iniRi~ç1i;l,p,efé:!'c~iarlç'â,CQÓ1urna intenção: O' bebê '-sug?entre' 'as'refélções.ctnasporque o ato em sl lhe dá prazer, pois
nesse ato de sugar,' o objeto é o próprio sujeito' que busca
pra-zer em sugar parte de seu.corpo (suqar .a mão, por exemplo).' ,
'. I "I
E s tá g io 1 1 I - Iiníclo entre 4 -5 meses)
Há coordenação entre a visão e a preensão: o bebê agarra
e manipula tudo o que vê no seu espaço próximo, mas sem
finalidade prévia. Repete uma série de vezes os mesmos
ges-tos e movimenges-tos, o que ainda é uma reação circular, mas é
chamada de
reação.
circular secundária, visto que o objetoma-nuseado não é mais partes do próprio corpo, mas objetos do
meio clrcundante. (brinquedo suspenso no berço, por'
exem-plo). Há experimentação e interesse sobre os objetos e' uma
"quase" intencional idade, uma vez que a criança é capaz de
reencontrar os gestos que por acaso exercem uma ação'
inte-ressante sobre as coisas. Entretanto, as ações ainda não são
típicas de um ato de' inteligência, pois' a criança apenas
con-segue reencontrar o que acaba de ser feito e não em inventar
ou aplicar o conhecimento às novas circunstâncias. As ações
circularês tseclmdártas são repetidos esforços para controlar
o-ambiente: e fazer durar os acontecimentos interessantes que
ocorrem.
.E s té ç io ' IV ~ (início 'entre 8 - 9.rneses)'
.Observarn-se atos' mais completos de inteligência pr ul ,I
surgindo' um caráter de intencional idade nos comportam 1110'
d criança independentemente dos meios que vai empregar.
Caracteriza-se pelo surgimento da aplicação de' meios
conhe-cidos às novas situações. Marca o início da permanência das
coisas, início de uma noção de espaço e de causalidade
es-pacial.
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E s tá g io V - (início entre 11 - 12 meses)
Surgem as reações circulares terciárias quê apresentam
intencional idade e coordenação entre meios e fins. Há
desco-berta de novos meios para alcançar os objetivos através de
experimentação ativa, o que caracteriza as condutas
instru-mentais e o apogeu da inteligência prática. A criança inicia
ativamente uma série de manipulações ststêmlcas (deixar cair.
objetos de diferentes alturas para verificar o que ocorre)
atra-vés de uma organização dos movimentos que buscam conhecer
e compreender o novo. Com efeito, pela primeira vez, a criança
adapta-se verdadeiramente às situações desconhecldas, não
só utilizando .os esquemas anteriores adquiridos, mas
procuran-do e descobrinprocuran-do também novos meios.
E s tá g io V I - (por volta dós
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18 meses)Assinala o fim do período sensório-motor e a transição
com o período sequlnte:: a criança torna-se capaz de encontrar
meios novos através de combinações mentais que redundam
numa compreensão súbita. Este nO\7Otipo de conduta
caracte-riza a inteligência sistêmica e o surgimento da representação
mental que é fundamental para a aquisição da p e r m a n ê n c ia d o
o b je to .
1. O universo inicial é um mundo sem objetos, que
con-siste apenas em "quadros" móveis e inconsistentes que
apa-recem e desaparecem; quando desaparecem é como se
dei-xassem de existir. A permanência do objeto permite à criança
descobrir que um objeto continua existindo mesmo quando não
está fisicamente presente, ou seja, às vistas do bebê. A
aquisi-ção desta noaquisi-ção é essencial para uma compreensão e
organi-zação estável do mundo que cerca a criança. A permanência
do objeto (precursora das conservações posteriores) e a
re-presentação mental (precursora da função simbólica) são os
marcos do final deste período.
A inteligência sensório-motora conduz a um resultado
im-portante .. pois organiza o real construindo as grandes
catego-94
FEDCBA
R e v , d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.fjun., 1986rias da ação que são os esquemas do objeto permanente, do
espaço, do tempo e da causalidade. O universo inicial está
Inteiramente centrado no corpo e na ação própria num
egocen-trismo tão total quanto inconsciente de si mesmo (por falta de
consciência do eu). No curso dos dezoito primeiros meses
efe-tua-se, pelo contrário, uma descentração geral de tal natureza
que a criança acaba por situar-se como um objeto entre os
outros num universo formado de objetos permanentes,
estru-lurado espaço-temporalmente e com estruturação causal.
2 . P r é - o p e r a c io n a l (2 - 7 anos)
No fim do período sensório-motor surge a fu n ç ã o s im b ô
-Iic a , que é fundamental para a evolução das condutas
ulterio-res, que consiste em poder representar algo (objeto,
aconte~i-mento etc.l por meio de um slqnificante- diferenciado. A funçao
simbólica alarga os horizontes da criança que torna-se capaz
de realizar evocações representativas de um objeto ausente
ou de um fato passado. Cinco condutas podem ser
relacio-nadas:
1 . Imitacão diferida - imitar ou reconstruir uma cena
presenciada.
.
Jogo simbólico - representação de um fato (fingir
estar dormindo).
Desenho - imagem gráfica de um objeto ou cena.
Imagem mental - imitação interior de um objeto. As
imagens mentais são quase exclusivamente estáticas
não comportando movimentos ou transformações.
Linguagem - permite a evocação verbal de
aconteci-mentos não atuais e de objetos ausentes no campo
sensorial.
2.
3. 4.
5.
Neste período, o aspecto perceptual tem grande
Influên
cia sobre os julgamentos da criança, que apesar de po ulr
3 função simbólica. tem sua capacidade de representar 11m
tada pelo perceptual e pelo imediato das situações, não r. I
zando abstrações.
A crianca lida com imagens concretas, estático (11
pensamento 'é limitado pelos seis seguintes probl m
. ':...Concretude - só pode lidar com objetos !lei I) «111
estão fisicamente presentes aqui e agora;
_. Irreversibilidade -.
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é incapaz de arranjar mentalmenteobjetos ou concebê-Ios em alguma outra disposição; .
- Egocentrismo - é incapaz de se colocar na perspectiva
de outra pessoa, acreditando que qualquer pessoa vê o mundo
Mravés, dos olhos dela e que aquilo que ela está
experimen-tando e o que qualquer pessoa também está;
- Centralização - dá ao pensamento um caráter unidire-cional e a criança não consegue considerar dois aspectos
simul-taneamente de uma mesma situação. Ela pode prestar atenção
somente a uma característica do objeto de cada vez;
- Estados
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v e r s u s Transformações - focaliza sua atençãonos estados ou na maneira como as coisas perceptualmente se
apr~sentam, . não conseguindo considerar as operações ou
re-laçoes que ligam tais estados;
- Raciocínio transdutivo - raciona que se A causa B
então, B causa A. .
Este estágio é denominado pré-operacional porque a
crian-ça não_pode ai~da realizar operações mentais em suas
repre-sentaçoes e nao pode mudar sua representação do mundo.
Apesar disso, este período prepara o estágio seguinte.
3 . O p e r a ç õ e s C o n c r e ta s (7·
11
anos)o
mundo agora começa a ser representado não por umconjunto de imagens estáticas perceptuais, mas como objetos
concretos sobre os quais se pode atuar mentalmente.
Conse-gue considerar simultaneamente dois ou mais aspectos da
si-tuação, focaliza sua atenção nas transformações e começa a
perder seu egocentrismo e seu raciocínio transdutivo. A
re-versibilidade é uma operação mental recém-adquirida que
li-berta o pensamento do perceptual e de sua inconsistência
an-terior. A conservação já se faz presente, bem como a
capaci-dade de classificar e seriar.
No entanto, mesmo que liberto da imagem perceptual de
como as coisas parecem, o pensamento da criança ainda está
ata~o aos objetos concretos com os quais pensa e manipula
aqu~ e agora. O r~al e o concreto constituem a base da
orqani-zaçao do conhecimento. Não trabalha mentalmente com os
resultados de sua ação sobre os objetos, mas com ação
dire-tamente vinculada ao presente e ao concreto.
O nome operações concretas origina-se desta capacidade
de operar mentalmente dentro de uma situação concreta. A
96
FEDCBA
t i c v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (I): jan,/jun., 1986criança neste período, ainda que de posse das poderosas
opera-ções de reversibilidade e descentralizaçãc, é incapaz de
apli-cá-Ias a situações abstratas. A lógica não se faz presente, mas
a reversibilidade prepara o período subseqüente.
4 . O p e r a ç õ e s fo r m a is _ . (11 anos em diante)
Surge com este período, uma capacidade
progressivamen-te mais refinada de realizar operações mentais não só a
respei-to do objerespei-tos concretos, mas também com símbolos.
Como todos os demais estágios, possui uma fase de
pre-paração e de equilíbrio, mas neste período esta distinção é
mais facilmente observada. A puberdade corresponde à fase
de preparação e a vida adulta corresponde à fase de equilíbrio.
Durante este período desenvolve-se a capacidade de
pen-sar abstratamente, em termos de possibilidades e
probabilida-des e não apenas em função do real. O pensamento é lógico,
hipotético-dedutivo, já havendo a reversibilidade e a
combina-tória. Este último aspecto permite ao sujeito, quando diante
de uma situação-problema, considerar as variáveis (aspectos
ou condições relevantes à resolução do problema)
simultanea-mente, manipulando-as e testando-as exaustivamente,
combi-nando-as entre si. É capaz de formular e testar hipóteses, cujos
resultados servirão para orientar e coordenar o pensamento.
Assim, todas as alternativas possíveis são consideradas e o
raciocínio científico, em sua forma mais sistemática e
refina-da, começa a emergir. O sujeito trabalha com os resultados
das ações sobre o mundo (operação sobre operação) e não
mais com o objeto ou com a ação diretamente.
A diferença marcante entre este período e o anterior,
en-contra-se no fato de que o sujeito operacional concreto
consi-dera todos os elementos simultaneamente, mas não os testa
exaustivamente, não utilizando a combinatória, nem tampouco
é capaz de desligar-se do concreto e real, coisa que o faz o
sujeito operacional formal que abstrai-se do r e a l , indo até o
p o s s ív e l.
O período das operações formais é acompanhado de
mu-danças sócio-emocionais, incluindo incertezas sobre o sentido
da vida. a crise de identidade e o idealismo da adolescência
Neste período surge um egocentrismo, mas que não se
con-funde com o egocentrismo pré-operacional. O egocentrismo d'·
pensamento adolescente caracteriza-se por um idealismo
in-gênuo ou pensamento onipotente, julgando-se capaz de
zar mudanças consideráveis sobre o curso dos fatos. Esta
ausência de crítica evidencia-se no processo de socialização
do adolescente mais do que no desenvolvimento cognitivo
pro-priamente dito. Entretanto, sabemos que os aspectos cogniti·
vos não se dissociam dos aspectos sociais e afetivos e o
idea-lismo ingênuo do adolescente é um dos exemplos disso.
2. O TRABALHO DO PSICÓLOGO COGNITIVO
A Psicologia é uma ciência que está presente em
diver-sas áreas: social, afetivo-emocional, patológica, educacional.
nas relações de trabalho e na cognitiva.
A maioria das pessoas, principalmente aquelas que não
estão diretamente ligadas a Psicologia, acreditam que os
psi-cólogos trabalham apenas como terapeutas, resolvendo os
pro-blemas pessoais de indivíduos. Como sabemos, entretanto, há
muitos outros tipos de psicólogos e o psicólogo cognitivo
pa-rece ser aquele que atua numa área pouco divulgada ou
"ofi-cialmente" pouco reconhecida.
O psicólogo cognitivo estuda as bases do conhecimento
humano. Ele está preocupado com assuntos como:
aprendiza-gem, linguagem, raciocínio, memória, percepção, pensamento,
inteligência etc.
A Psicologia Cognitiva refere-se ao desenvolvimento e
aquisição do conhecimento, envolvendo o estudo e a pesquisa
sobre muitos assuntos relevantes para a educação, embora o
seu papel não se confunda com o do psicólogo educacional.
Como o homem aprende? Como funciona a memória? O
conhecimento da escola é diferente do conhecimento na vida
diária? Ouantos tipos de aprendizes existem? A criança de 5
anos aprende da mesma forma que uma criança de 10 anos? O
que diferencia o pensamento de uma criança de 5 anos daquele
apresentado por uma de 10? A inteligência pode ser medida?
Como se desenvolve a linguagem? O que a linguagem tem a
ver com o pensamento? Como se; desenvolvem certas noções
matemáticas? Como a criança adquire conceitos? etc. Estas
são apenas algumas das questões sobre as quais o psicólogo
cognitivo reflete. Seu interesse recai sobre a natureza do
co-n.hecimento, sobre as estruturas e processos pelos quais ele
é adquirido e como se desenvolve. Entretanto, não estuda as
bases do conhecimento partindo de especulações, mas
atra-vés do estudo empírico, da observação e da reflexão, como
98
FEDCBA
t t e v . d e P s i c o l o g i a ,srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986qualquer outro psicólogo e como qualquer outro cientista que
busca compreender os fenômenos de seu interesse.
Observar, entretanto, é algo mais difícil do que se pensa.
Em geral, tendemos a ver apenas aquilo em que acreditamos.
Se achamos que uma criança é inteligente e se, num teste, ela
comete erros elementares, achamos que ela não deve ter
pres-tado atenção, que estava desmotivada, que não entendeu o que
lhe era solicitado etc. Quando descrevemos um acontecimento,
o descrevemos em função de nossa perspectiva. Aprender a
observar em Psicologia constitui um esforço considerável para
um grande número de pessoas, porque é necessário que
ten-temos abandonar nossa perspectiva particular e busquemos
encontrar o significado do que o sujeito faz e diz. Mas buscar
o significado de sua fala não é procurar no dicionário ou
enten-der frases isoladas, o que interessa é descobrir sua
perspec-tiva de mundo, seu modo de operar sobre o mundo, os
signifi-cados que ele atribui às pessoas e às coisas. Estas não são
observações diretas que fazemos
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d e um sujeito, masobser-vações refletidas s o b r e o sujeito. ~ necessário estabelecer uma
relação íntima entre observar, refletir e compreender.
Além da observação, outro aspecto essencial no trabalho
do psicólogo cognitivo é o registro. Este é fundamental na
in-terpretação do significado das ações do sujeito para que haja
fidedignidade na observação. Em vista disso, o uso do gravador
deixa de ser um recurso sofisticado para ser encarado como
um recurso necessário. Anotar e registrar o que o sujeito diz e
faz - e não o que achamos que ele disse e fez quando a
en-trevista já acabou, algumas horas após o exame - é um
tra-balho de valor insubstituível.
O trabalho do psicólogo cognitivo se assemelha em muito
ao trabalho do cientista no que se refere a investigação dos
aspectos do conhecimento. A partir da observação, reflexão e
compreensão dos fenômenos que se propõe a estudar, o
psi-cólogo cognitivo levanta hipóteses, registra, transcrevendo
de-talhadamente suas observações e utiliza um método de
inves-tigação - o método clínico.
Em sua atuação prática ele está interessado em realizar
exames e não testes. Isso não significa que não seja
necessá-rio avaliar os comportamentos e ações de indivíduos, mas que
esta avaliação difere, por exemplo, da avaliação que se faz na
psicometría.
Para a observação dos processos do conhecimento a
Psico-logia Cognitiva se utiliza do método clínico de investigação. O
método clínico foi o método de estudo que Piaget utilizou para
observar cuidadosamente como as crianças se comportam em
várias situações de "mundo real" e, baseado nessas
observa-ções, desenvolveu suas teorias sobre o desenvolvimento cogni-
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tívo. Manteve detalhados diários sobre os primeiros meses de
vida de seus três filhos, diários esses que serviram de base
para a construção de algumas de suas principais obras.
O método clínico-piagetiano constitui uma técnica
com-plexa que não é facilmente apreendida e cujo uso deve
re-pousar sobre uma base teórica bem estabelecida e uma grande
prática. A transcrição de observações detalhadas auxilia em
muito a leitura dos protocolos e a compreensão do
comporta-mento dos examinados.
Apesar de não haver uma "receita" para a aplicação do
método clínico e deste não poder ser transformado em uma
série de regras que, seguidas, assegurariam o seu bom uso, é
possível enfatizar alguns pontos importantes quanto a sua
aplicação que podem ser aqui apresentados:
A) O
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q u e fa z e r a n te s d o e x a m eApesar da flexibilidade do método clínico, qualquer exame
de investigação não é feito de modo totalmente livre, sendo
essencial o conhecimento do examinador tanto da solução do
problema específico e da evolução do conceito proposto pelo
exame, como o conhecimento das características dos estágios
do desenvolvimento.
A escolha prévia das situações a serem apresentadas ao
examinando possibilita ao examinador a formulação de
obje-tivos claros para o seu trabalho. orientando-o para que não se
perca durante o exame e saiba utilizar tempo com questões
relevantes. Quando melhor o examinador conhecer a
estrutu-ração do raciocínio nos diversos estágios de desenvolvimento
do conceito que está a investigar, melhor orientará suas
per-guntas de modo a esclarecer o significado das respostas do
examinando.
A escolha prévia das situações-problema permite ao
exa-minado esquematizar a técnica que pretende usar, o que
faci-lita sua atuação durante o exame. O roteiro para a aplicação das
situações-tarefa. entretanto. não deve ser considerado como
uma série de regras ou passos a serem cegamente obedecidos.
servindo apenas como um modo de orientação.
A
linguagem a ser usada durante o exame deve serprevia-mente escolhida. sendo importante que seja simples e que não
100
FEDCBA
R e v . d e P s i c o l o g i a ,Fortaleza, 4 (1): jan.fjun., 1986constitua um impecilho à compreensão das
situações-proble-mas. Podem ser utilizadas formas alternativas de apresentação
do problema, quando for necessário reformular perguntas ou
instruções durante o exame. Estes cuidados não implicam na
criação ou seleção de formas verbais a serem rigidamente
se-guidas. O importante é que o examinador saiba que tipos de
pergunta deve usar para garantir ao mesmo tempo a
compre-ensão por parte do examinando sem, entretanto, dirigi-Io para
uma dada resposta. Para tomarmos um exemplo de Piaget
quan-to a este problema. sabemos que a criança pequena tende ~
atribuir sempre ao homem a origem das coisas. Não podemos,
entretanto, perguntar a criança "quem fez o sol?", por ser esta
uma pergunta diretiva, que implica uma resposta artificial
"quem ... ? exige alguém" como resposta. Por outro lado, não
podemos perguntar "qual a origem do sol?" ou "como se
ori-ginou o sol?" por serem perguntas complexas demais. Uma
forma verbal mais semples e mais neutra seria: "como
come-çou o sol?"
B) O q u e fa z e r d u r a n te o e x a m e .
A compreensão de cada situação deve ser verificada à
medida em que o exame prossegue, assim como o significado
das respostas do sujeito, não sendo possível esquematizar de
antemão procedimentos para tais fins. É necessário que o
exa-minando compreenda o que está realmente sendo solicitado
dele, para que possamos atribuir suas dificuldades ao seu
modo de raciocínio e de perceber a situação-problema e não
atribuí-Ias ao fato de uma não compreensão de instrução ou da
forma verbal usada.
É freqüente a confrontação do examinando com problema
concretos, que ele deve resolver ou explicar após uma demon
-tração. Alguns exames incluem uma predição ("o que VOCl
acha que vai acontecer se ... ?"), uma verificação ("exp rim n
te para ver o que acontece") e a explicação do qu oe rr 11
("'por que ... ?").
O examinador precisa sempre a c o m p a n h a r o r e c to c iu k : c i o
e x a m in a n d o durante o exame, estando atento ao qu c
II
( 1 1 / /fa z , sem corrigir automaticamente as suas respo II • . I 11I
completar o que ele diz.
É necessário lembrar que o interesse princlp 11 do I tlldo
do conhecimento baseado na teoria de Plaget r d, 1111 pro
cesso pelo qual o sujeito chega a sua respo ta. O
produto
íln I(resposta dada pelo sujeito frente à situação-problema) é tão
Importante quanto os processos (caminhos do raciocínio) que
o levarem a dar determinada resposta. Assim, é parte
essen-cial do exame clínico-piagetiano a obtenção de
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
ju s tific a tiv a s~ ~ r a a s
= r = ,
d a d a s . As justificativas ou razões que osu-Jelt~..apresenta sao O?tidas através de perguntas como: "por
~ue: '"com~. descobrlu~ que era assim? "como sabe que é
assim? ou o que voce pensou quando disse ou fez assim?"
etc. As justificativas auxiliam-nos na compreensão do modo
pelo qual o sujeito chega às suas respostas e das relações que
ele vê entre as partes do problema. Em certos casos elas
tam-bém podem permitir que discriminemos respostas dadas com
convicção de respostas dadas ao acaso. Respostas corretas
se-guidas de justificativa coerente não podem ser atribuídas ao
acaso. Quando a resposta
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
é correta, mas a justificativa não écoerente ou é incorreta, então poderemos atribuir o acerto ao
caso. A exigência de justificativas para as respostas leva o
sujeito a refletir de fato sobre a questão, podendo demonstrar
melhor seu nível de compreensão do problema. Há casos em
que observamos uma melhoria de suas respostas finais com
relação às primeiras rospostas dadas, o que demonstra uma
é1.ti.tud~refl~xiva adotada durante o exame. Só através das
jus-tificativas e que pod mos, de fato, interpretar o raciocínio do
examinando.
Um outro ponto a mencionar é a importância de
verificar-mo~ a c e r te z a o u s g u r a n ç a com que o sujeito responde. Piaget
salienta que uma re posta que está inserida em um sistema
dedutivo pode ser dada com certeza, enquanto que uma
res-posta dada na ausêncla d tal sistema é freqüentemente
mu-dada diante das circunstâncias criadas pelo examinador
(su-gestão de uma respo ta diferente daquela dada pelo sujeito,
apresentação de contradições no raciocínio do sujeito etc.). A
oscilação das respostas e a insegurança ou inconsistência nas
justificativas são indicadores do tipo de pensamento que o
su-jeito apresenta naquele momento do seu desenvolvimento. Há
exames, como o de conservação e do realismo nominal, em
que tal oscilação indica um estágio intermediário na aquisição
desses conceitos, tornando-se relevante a verificação da
cer-teza por parte do examinando. .
Outro a.~pecto é a importância de n ã o d e ix a r m o s a m b ig ü
i-d a i-d e .s . Frequentem.ente, o sujeito responde de modo que pode
ser Interpretado diferentemente do significado que realmente
queria dar às suas respostas. O examinador precisa levantar
102
FEDCBA
R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (I): jan.fjun., 1986que possíveis significados tal resposta poderia ter e testar,
ao longo do exame, essas hipóteses. Não cabe ao examinador
escolher qual dos possíveis significados foi o significado
real-mente pretendido pelo sujeito. O examinador precisa
apresen-tar novas questões a fim de descobrir qual o significado
ado-tado por ele, eliminando, assim, as ambigüidades. Devemos
lembrar que o sujeito não se expressa com precisão científica
e nem usa todas as palavras exatamente como nós as usamos.
Sempre que nos deparamos com uma resposta vaga ou obscura
precisamos encontrar meios para esclarecer seu significado
(o que o sujeito realmente quis dizer com isso).
Finalmente, salientemos ainda que o examinador deve
pro-curar, durante o próprio exame, lembrar-se dos n ív e is d e d e s e n
-v o l-v im e n to r e la c io n a d o s a o e s tu d o d a ta r e fa em q u e s tã o e
eli-minar hipóteses alternativas quanto ao nível em que o
exami-nando se encontra. É importante sugerir ao sujeito uma
res-posta característica de um nível diferente daquele que no
mo-mento, julgamos ser o que melhor caracteriza o raciocínio do
sujeito, a fim de observarmos sua reação a esta sugestão.
Este recurso utilizado pelo examinador é denominado de
contra-sugestão e é de grande utilidade no esclarecimento das
justificativas que o sujeito apresenta para suas respostas, da
sua participação ou não em um sistema dedutivo e do grau de
certeza de suas respostas.
C) C o m o a v a lia r
Ao contrário do sistema de avaliação de respostas numa
abordagem psicométrica, na avaliação das respostas no
mé-todo clínico-piagetiano não se faz uma contagem de acertos e
erros. A finalidade desta análise qualitativa é encontrar uma
explicação que engloba todas as respostas dadas pelo sujeito,
certas ou erradas, em uma categoria ou nível. Esta explicação
só se torna possível se formos capazes de descobrir a
pers-pectiva a partir da qual o sujeito responde. Devemos, ao final
da avaliação, ser capazes de dizer "para que este sujeito
res-pondesse desta forma ele só poderia estar pensando assim".
Com o objetivo de descobrirmos a perspectiva do sujeito.
alguns dados devem ser considerados cuidadosamente. Como
primeira análise podemos partir da questão da existência ou
não de coerência entre as respostas dadas. Respostas
incoe-rentes não devem surgir em sujeitos cujo raciocínio forma um
slsterna dedutivo, embora, ao longo do exame, o sujeito possa
mudar de critério quando verifica que o critério inicial não era
apropriado para a solução da situação-problema. Neste
mo-mento é preciso diferenciar sujeitos oscilantes ou
intermediá-rios de sujeitos que no decorrer da tarefa refletem sobre I)
próprio raciocínio e mudam de critério, apresentando no final
da tarefa respostas mais elaboradas.
Além dessa consistência inicial das respostas entre si,
deveremos também considerar a reação do sujeito diante de
contradições que lhe sejam apontadas: o sujeito percebe a
con-tradição e tenta eliminá-Ia ou ele nem a percebe? No caso do
sujeito que percebe as contradições apontadas pelo
examina-dor, devemos estar atentos para o modo como busca resolver
as contradições. Um sujeito que não percebe a contradição
entre suas respostas demonstra também ser incapaz de
com-preender relações de implicação ("aceitar isto implica em
acei-tar aquilo"). Um sujeito que percebe contradições, ainda que
não consiga resolvê-Ias, demonstra ter um raciocínio
organi-zado em sistema dedutivos, mesmo que estes não sejam
com-plexos o suficiente para resolver todos os problemas que
en-contrar na tarefa proposta.
A análise dos resultados deve ser feita com base na
rela-ção entre os elementos essenciais na resolução do problema
e o raciocínio que o sujeito utiliza para resolvê-Ios. O
exami-nador, portanto, precisa necessariamente conhecer o exame que
está aplicando, não apenas o modo como aplicá-Io, e descobrir
a relação dos elementos relevantes do fenômeno que está
in-vestigando com o raciocínio que o sujeito utiliza para resol-
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
vê-Io.
O estabelecimento de tal relação é essencial paraana-lsar e avaliar as respostas do sujeito.
Dentro desta perspectiva, o psicólogo cognitivo, no seu
papel de examinador. considera os "erros" dos sujeitos como
coisas preciosas que revelam, tanto quanto os acertos, algo
sobre como o sujeito pensa. Por isso os acertos e "erros"
de-vem ser analisados qualitativamente, bem como os processos
(maneira de resolver e pensar sobre as situações-problema)
Que o levaram a dar determinada resposta. A análise e reflexão
Acerca dos processos são tão fundamentais quanto os
resul-tados (produto final) para a compreensão do pensamento do
sujeito.
Em função do exposto, observamos que a atuação do
psi-cólogo cognitivo é altamente dirigida, entendendo-se por
"di-rigida" a proposta de situações-problema para a investigação
104
FEDCBA
R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986de um dado fenômeno e a clareza de seus objetivos, o que não
é dirigido, entretanto, é a maneira como o sujeito tende a resol-
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
v e r o problema proposto. Concilia-se assim, a diretividade e a
espontaneidade, aspectos estes que bem caracterizam sua
re-lacão com o examinando na situação de investigação.
. Como o interesse do psicólogo cognitivo recai sobre
as-suntos relacionados ao conhecimento e, portanto, à inteligência,
torna-se evidente, como foi dito anteriormente, que seu
traba-lho é relevante para a educação. A educação, por sua vez, está
interessada na aprendizagem e no conhecimento; e as
dificul-dades que a criança apresenta ao longo de sua exposição à
aprendizagem formal assumida pela escola podem ser
conside-radas dentro de uma abordagem cognitiva. Podemos desta
for-ma, estabelecer uma interseção entre as dificuldades de
apren-dizagem e o trabalho do psicólogo cognitivo.
Isso não significa, entretanto, que o psicólogo cognitivo
única e especificamente trabalhe com este tópico mas que a
abordagem cognitiva pode contribuir para um novo enfoque na
investigação das dificuldades de aprendizagem e no
diagnós-tico da inteligência, temas, por sua natureza, bastante
relacío-nados.
A sessão seguinte tratará dos modelos e métodos
adota-dos para o diagnóstico da inteligência, apresentando-se o,
con-traste entre o método psicométrico tradicional e o metodo
clínico-piagentiano quanto o estudo da inteligência (ver
Car-raher e Brito ~ 1979 e Carraher, 1983).
3. MODELOS E MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO DA
INTELlGí:NCIA
Carraher e Brito (1979) desenvolveram uma interessante
análise sobre este tópico, que será resumidamente
apresen-tada.
Enquanto os diagnósticos infantis de dificuldades de
aprendizagem permaneceram obscuros, os clínicos deverão
esforçar-se para, em primeiro lugar, diagnosticar a causa de
seus próprios problemas ao realizar estudos de casos.
Sug~e-re-se que a inutilidade dos diagnósticos infantis na orientaçao
específica da terapêutica no campo das dificuldades de apren
dizagem advém do uso tanto de conceitos de inteligência qu
pouco contribuem para a compreensão dos processos m n I
como de métodos que, por suas características, não N O pro
priadas ao estudo do indivíduo, como requer a sltuaçã cl nlcI
Na abordagem palccmétriea, um teste de inteligência
cons-titui um exame de sujeitos de uma situação padronizada, exame
que' é quase sempre aplicado quando a criança apresenta
'difi-culdades de aprendizagem. A mensuração da inteligência
atra-vés de testes está baseada na concepção de que esta é uma
faculdade mental. É comum a proposição de que a inteligência
demonstrada pelos indivíduos representa o resultado tanto
dos fatores genéticos deterrnlnantes de seu potencial
intelec-tual como do ambiente em que vivem e se desenvolvem.
Tais afirmações estão tão' próximas do senso comum, tão
enraizadas na nossa cultura ("João é bem dotado", "Francisco
não dá para a matemática" etc.), são tão reforçadas pela cons-
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
tatàção diária das diferenças individuais e pela abordagem
psicométrica que dificilmente ocorre ao psicólogo' a
necessi-dade de refletir sobre outro modo de se encarar a inteligência.
Os testes de inteligência pressupõem que a inteligência é
uma faculdade mental mensurável. sendo necessário obter um
escore para o indivíduo e, por meio de uma tabela, verificar se
esse escore é alto ou baixo em relação a outros indivíduos da
mesma população. Esta é, objetivamente, a única conclusão ou
informação que os testes de inteligência são capazes de
for-necer. A informação obtida pelo clínico quando aplica um teste
de lnteligência é uma informação sobre diferenças individuais,
sobre posição de seu cliente com relação à população. Porém,
as perguntas que o clínico se propõe a responder continuam
sem respostas: O que sabe ele sobre o modo de raciocínio de
seu cliente? E sobre as razões de dificuldades específicas na
aprendizagem de determinadas noções e conceitos? Como
desenvolver um trabalho para a superação dessas dificuldades?
Em geral, nos casos de dificuldades de aprendizagem,
quando a criança não tem comprometimentos graves, claros,
quase óbvios, os estudos de caso tipicamente realizados pouco
definem sobre as razões do insucesso da criança na escola. Ao
completá-los, o psicólogo, pouco havendo esclarecido através
de seus exames, termina por usar seu bom senso, considerando
as conseqüências do encaminhamento ou não a uma escola
es-pecializada
e
lembrando que uma' ludoterapia e exercícios delínquaqern ou psicomotores só poderão beneficiar a criança.
É fácil reconhecermos que as informações necessárias
para uma compreensão profunda das dificuldades de
aprendi-zagem apresentadas por uma criança não são oferecidas por
testes que, apenas estudam diferenças individuais. Ainda que
se considere não' apenas o 01, como também os resultados es·
coiares e a oerforrnance em testes específicos (pedagógicos,
106
FEDCBA
R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (i): jan.fjun., 1986psicomotores etc.I, devemos lembrar que a natureza da
infor-mação oferecida por todos esses testes é a mesma -
estare-mos sempre tentando formar uma imagem da criança a partir
de sua situação com relação ao grupo. Existem psicólogos,
en-tretanto; que, insatisfeitos com aquilo que os testes oferecem,
começam a refletir e a acreditar que deve, existir uma outra
forma, melhor do que esta, para o estudo da inteligência e das
dificuldades de aprendizagem.
Em contraste com esse modelo da inteligência como
fa-culdade mental, a psicologia cognitiva contemporânea propõe
urna abordagem para o estudo da inteligência concebida em
termos da operação de processos mentais. Ouando uma
crian-ça se envolve na resolução de determinada tarefa, ela precisa
saber buscar as informações necessárias à realização da
ta-refa e saber processá-Ias de "modo apropriado". Esse modo
apropriado refere-se às mais diversas formas de
funcionamen-to. Assim, um modelo de inteligência como operação de
pro-cessos mentais sugere que, para se compreender o sucesso
ou fracasso de um sujeito numa tarefa, é essencial
conhecer-mos o modo pelo qual o sujeito busca e processa informações
ao realizar a tarefa. Conhecer
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o m o o sujeito resolve assitua-ções, e não apenas computar os seus acertos e erros. O
psi-cólogo cognitivo em seu trabalho com a criança está
interes-sado nos processos mais do que nos resultados, visto que
diferenças no nível de desenvolvimento cognitivo estão
asso-ciados a diferentes e típicos modos de buscar e processar
in-formações.
, No caso das dificuldades da aprendizagem, o
conhecimen-to das diferencas decorrentes do desenvolvimento é
certamen-te de grande útilidade. Para citar apenas o exemplo mais
co-nhecido, sabemos que as noções de conservação, seriação e
inclusão de classes são essenciais à compreensão de sistema
numéricos. Embora a criança possa aprender a contar, su
aprendizagem dos mais elementares aspectos da matemáticn
não progride na ausência desses conceitos.
.!
A utilização clínica dessa concepção de intellqêncln 111
plica, portanto, não na utilização de testes de inteligên 10, 111 ,
no
exame de processos mentais necessários à ex eu lClcI,
.tarefa em questão, do m o d u s o p e r a n d i da criança <1I11I1HII1 '"
volvida 'em tarefas que exigem dela os mesmo. pWf.l 11
envolvidos na área em que, ela' apresenta difi 1I1e1 111, I I
exames ,buscam compreender as dificuldades [lIt:
li,
I 111a criança apresenta no seu processo de aprendizagem. Atrasos
n~ desenv.olvimento ou falhas em alguns dos processos
men-tais da criança podem resultar em dificuldades na realização
de tarefas tanto na escola como em situações da vida diária.
Cabe ao_psicólogo cognitivo, dentro dessa concepção, avaliar
a exten.sao do comprometimento que a criança apresenta e
bus-car meros de desenvolver a função comprometida.
A abordagem psicométrica está interessada apenas nos
resultados (acertos e erros) e assim, uma das questões que
perman~cem obscuras é a razão pela qual o sujeito acerta
alguns Itens e erra outros itens do mesmo teste. A atribuição
do acerto ou do erro à dificuldade do item pouco esclarece
sobre. a questã? de como se poderia examinar os processos
mentais envolvidos na resolução do item. Enquanto tais
con-siderações não são feitas dentro da abordagem tradicional
psico~~trica, elas se tornam essenciais quando o diagnóstico
se apoia numa abordagem cognitiva. Na abordagem
pslcorné-trica perdem-se informações sobre as possíveis causas do erro
quando o que é considerado ao final do exame é o escore do
sujeito e a sua posição em relação ao grupo, e não os processos
~entais necessários à execução da tarefa. Um exemplo disso
e o caso em que a criança dá a resposta certa a uma questão,
mas utiliza um raciocínio inadequado. Na psicometria tal
ques-tão seria considerada correta independente do raciocínio que
a criança utilizasse para resolvê-Ia e seria "tão correta"
quan-to a resposta de outra criança ao mesmo item que acertava
tanto a resposta quanto o raciocínio para resolvê-Io. Na
abor-dagem cognitiva considera-se o tipo de acerto e o tipo de erro
que a criança apresenta de forma qualitativa e os dois casos
exemplificados seriam considerados como indicadores de
ní-veis diferentes quanto aos processos mentais utilizados por
cada uma das crianças. Em contraste com o exame
psicomé-trico, vemos que o diagnóstico da inteligência através do
estu-do de processos cognitivos não se fundamenta na padronização
das situações apresentadas ao sujeito ou na padronização da
correção e interpretação dos resultados do teste com
referên-cia a uma posição no grupo. Ainda que o psicólogo interessado
no estudo de processos mentais possa incluir em seus
traba-lhos uma avaliação do desenvolvimento cognitivo como uma
espécie de "exame de rotina", essa avaliação do
desenvolvi-~e~to c~gnitivo não será padronizada nem no que diz respeito
a ~Itu~ça? apresen,tada a? s~jeito nem no que se refere
srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
àpró-pria técnica. O metodo e clínlco em contraste com o método
psicométrico e a escolha dos exames e os procedimentos
de-108
FEDCBA
R e v , d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986pende do processo que se quer estudar e das próprias
respos-tas do sujeito (suas justificativas).
Nessa concepção de diagnóstico da inteligência, a
situa-ção apresentada à criança varia em função das dificuldades
específicas que ela apresenta. Por exemplo, uma criança de 8
anos com dificuldades na área de leitura, será tratada
diferen-temente de uma outra criança também de oito anos, porém, com
dificuldades na área de matemática: no 1.° caso o exame estará
voltado especialmente para a investigação de aspectos
rela-cionados à leitura e escrita, compreensão de narrativas etc.;
no segundo caso serão investigados o raciocínio lógico e os
processos relacionados às operações matemáticas. Na
pslco-metria, não se considera a área de dificuldades que a criança
apresenta; o psicólogo em função da idade aplica o mesmo
teste às crianças com problemas diferentes, tratando-as igual
no tocante à forma de investigação.
Na abordagem cognitiva a padronização restrita dos
exa-mes é desnecessária, pois, durante a aplicação dos exames I)
psicólogo procura acompanhar o raciocínio da criança em sua
realização da tarefa. O examinador assume papel
extremamen-te ativo (em contrasextremamen-te com o examinador na abordagem
pslco-métrica), apresentando perguntas, levantando hipóteses sobre
o raciocínio da criança, criando novos problemas para melhor
investigar as bases e a forma de raciocínio do estudo,
discor-dando do que ele diz e argumenta no sentido oposto, para
cons-tatar a certeza que o sujeito tem quanto às suas respostas e
justificativas. É evidente que tais confrontos, ainda que
utili-zados habitualmente, não podem ser totalmente padronizados,
pois o conteúdo do que o examinador deverá dizer depende
essencialmente da resposta da criança.
No tocante à avaliação, podemos constatar diferenças
mar-cantes quanto à abordagem cognitiva e a psicométrica no
diag-nóstico de dificuldades de aprendizagem. Quando o diagnóstico
se baseia no estudo dos processos cognitivos, a avaliação das
respostas não constitui uma simples contagem de acertos e
erros nos diversos itens. O examinador procura compreender a
maneira de operar do sujeito de forma que a partir dos acertos
e erros possa inferir qual a perspectiva da criança. A
informa-ção que se deseja obter ao final do exame é a descriinforma-ção dessa
perspectiva, desse
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m o d u s o p e r a n d i, e não um escorerelacio-nado ao número total de acertos (sob forma de percentagens,
médias, medianas ou medidas de dispersão).
o
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
estudo cuidadoso dos processos utilizados pelo sujeitoao desempenhar a tarefa em que ele apresenta dificuldades
re-p~esenta o prim.eiro. passo do próprio diagnóstico, gerando
hl-póteses _a resp~lto da problemática do sujeito, hipóteses essas
que ~?rao avalla?as mediante outros exames dos processos
coqnítlvos da criança. Ouando os exames realizados para o
estudo dos processos cognitivos envolvidos permitem
escla-rec~r al~o ~obre as dificuldades que a criança apresenta, então
0. diagnostico dessas dificuldades torna-se não apenas mais
simples, torna-se possível.
Ao final do diagnóstico, podemos constatar que o
psicó-logo qu~ trabalh~ numa abordagem cognitiva possui em mãos
u~ ~onJunto de informações bastante diferente daquele que o
pSlc~logo, q~e adota o método psicornétrlco possui no tocante
ao. dlag!,o~tlco de problemas de aprendizagem. A· abordagem
pstcornetrlca permite ao clínico definir o cliente com relação
a _u~a população específica, obter um 01 quanto a sua
inteli-qencra sem, no entanto, esclarecer qual o nível requerido para
res~lver as ~arefa~ nas quais o cliente apresenta dificuldades.
As mformaçoes nao especificam a área da dificuldade e nem
WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
c o m o ~ p o r q u e elas existem. Na abordagem cognitiva,
entre-tanto: e p.o~sível definir que processos cognitivos estão
liga-dos as dificuldades de aprendizagem, caracterizar níveis de
desenv?lyimento na forma de resolução da tarefa, tendo-se,
sem du.vlda, um co~junto de informações de c o m o e p o r q u e
elas e~~stem. A maior diferença entre as duas abordagens, e
consequentemente, a maior contribuição é a possibilidade de
na, ~e~ordem cognitiva, obter-se indicadores dos caminhos te~
rapêutícos e a seguir de acordo com a função lesada ou em
atraso.
De posse do diagnóstico e, a partir dele, estabelecidos
~a.m.inhos terapêuticos a seguir, o psicólogo cognitivo poderá
mlcl~r um trabalho ~e terapia de problemas cognitivos que
bas.ela-se n~ co.nstruçao de atividades e situações que dão
opor-tunidades a criança para que seu raciocínio lógico seja
esti-mula~o a _se desenvolver. Nessa terapia a criança é colocada
e~ slt.uaçoes nas quais é solicitada a manipular e explorar uma
diversidade de materiais concretos, observar acontecimentos
formular .hipóteses, comprová-Ias, ser colocada em situaçõe~
que permitam constatar as incoerências e contradições de seus
argumentos na tentativa de explicar determinado fenômeno
fazer estimativas e predições, extrair conclusões etc. A cad~
etapa superada são propostas novas situações e experiências
110
FEDCBA
R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986que estimulam níveis mais avançados de seu raciocínio. Podem
ser realizadas retestagens cujos resultados são comparáveis e
novas hipóteses são lançadas, bem como surgem novos
ca-minhos terapêuticos a seguir, com o objetivo de estimular o
desenvolvimento do raciocínio da criança e, em especial,
pro-mover a superação das dificuldades de aprendizagem
cons-tatadas.
COMENT ARIOS FINAIS
Os modelos e métodos nas abordagens psicométríca e
cognitiva quanto ao diagnóstico de inteligência são
perspec-tivas diferentes em relação ao estudo de um mesmo problema.
O que precisamos questionar não é validade ou não validade
desta ou daquela abordagem, mas refletir sobre o tipo de
infor-mação obtido através de seus métodos e sobre o tipo de
con-tribuições quanto às linhas terapêuticas a serem adotadas
fren-te às dificuldades apresentadas pelo cliente, a partir de cada
uma dessas abordagens. Ao discutirmos a utilidade clínica
dessas duas abordagens no diagnóstico de problemas de
aprendizagem, procuramos salientar que na psicometria
perde-mos informações importantes quanto à compreensão do
funcio-namento intelectual do sujeito e que' ao lidarmos com os
pro-blemas de aprendizagem acreditamos ser mais útil a análise
dos processos cognitivos do que de escores. Na psicometria,
os testes nos revelam apenas o 01 do sujeito, o que vem a ser
uma informação vaga que em nada esclarece ou contribui para
é1 solução das dificuldades de aprendizagem. Através do
mé-todo clínico o psicólogo pode obter informações específicas
valiosas sobre o raciocínio do cliente, pertinentes aos
proble-mas que comprometem sua aprendizagem. As diferenças
apre-sentadas entre essas duas abordagens evidenciam maneiras
diferentes de conceber e estudar a inteligência, o que torna-se
o ponto básico e a origem das diferenças metodológicas
apon-tadas.
Resumindo, podemos dizer que as medidas tradicionais
de habilidades mentais pressupõem que todos os indivíduos
são dotados com diferentes formas ou quantidades dessas
ha-bilidades e são tais diferenças que se quer colocar em relevo.
O interesse pelas diferenças inidividuais em função da
con-cepção de habilidades mentais como "dons" que os indivíduos
possuem em maior ou menor grau resulta na elaboração de
vários testes com conteúdos diferentes que buscam evidenciar
diferentes tipos de habilidades ou mesmo um fator geral de
Inteligência. Sejam considerados o fator geral de inteligência
ou as habilidades específicas, o que existe é um esforço em
avaliar quantitativamente a inteligência, decorrendo daí o uso
de uma metodologia onde os resultados dos itens são
soma-dos, dando-se escore final. O escore é tomado como medida
de valor de uma habilidade, faculdade ou aptidão, havendo
ên-fase nas correlações entre teste e reteste, indicando a
expec-tativa de que tais diferenças permaneçam estáveis através do
tempo (Carraher, 1983).
A teoria piagetiana, por sua vez, procura estudar aspectos
universais e não características individuais. As respostas
cor-retas não são somadas, visto não existir uma noção de
corres-pondência entre escores e quantidade de inteligência. Todas
as respostas, corretas e incorretas, são interpretadas com a
finalidade de se compreender o processo que as gerou. As
diferenças não são consideradas como indicadoras da
quanti-dade de inteligência mas como indicadores do estágio no
desen-volvimento intelectual em que o examinando se encontra. Se
o mesmo indivíduo for reavaliado algum tempo depois, não
se espera que ele tenha resultados semelhantes aos da
pri-meira avaliação, pois, ele poderá ter passado para outro estágio
no desenvolvimento. Entretanto, a psicologia piagetiana não
nega a existência de diferenças individuais, mas as concebe
diferentemente da psicometria. As diferenças individuais
sur-gem como conseqüência das adaptações específicas que cada
um realiza durante sua história.
Existem. portanto, formas diferentes de se conceber e
tra-tar a inteligência: cabe-nos definir claramente nossas
concep-ções e orientar nossa atuação coerentemente com essas
con-cepções e com nossos objetivos.
REFER!;NCIAS BIBlIOGRAFICAS
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----o
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