• Nenhum resultado encontrado

Dificuldades de aprendizagem: uma abordagem cognitiva

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Dificuldades de aprendizagem: uma abordagem cognitiva"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

DIFICULDADES

DE APRENDIZAGEM:

UMA ABORDAGEM COGNITIVA

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ALINA GALVÁO SPINILLO

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

*

INTRODUÇAO

o

objetivo deste trabalho consiste na apresentação de duas

abordagens para o diagnóstico de problemas de aprendizagem,

procurando contribuir para uma reflexão sobre os modelos e

métodos utilizados pelos profissionais que, dentro de suas

especializações, atuam junto à criança que apresenta tais

difi-culdades. As duas abordagens tratadas - psicométrica e

cogni-tiva -. não esgotam o assunte, mas introduzem uma

compa-ração e discussão sobre o tipo de Informações obtido através

de seus métodos. Sobre este tema tomou-se pOI" base

funda-mental os trabalhos de Carraher e Brito (1979) e Carraher

(1983) que apresentam o contraste entre o método clínico e o

psicométrico quanto ao diagnóstico e estudo da inteligência.

Antes de discutirmos sobre essas duas abordagens, faz-se

necessário um referencial teórico acerca do desenvolvimento

coqnitivo com base na teoria dos estágios de Piaget e ainda

caracterizar o trabalho do psicólogo cognitivo que atua segundo

procedimentos clínicos para a investigação e estudo das bases

do conhecimento humano, e a contribuição de seu trabalho para

o exame e terapêutica das dificuldades de aprendizagem.

1. A TEORIA DE PIAGET

A obra de Jean Piaget exerceu considerável influência em

psicólogos e educadores, apesar de alguns estudiosos

afirma-* Universidade Católica de Pernambuco - Departamento de Psicologia (1985),

FEDCBA

(2)

rem que suas teorias são gerais e vagas e que não sã?

c1ar~-mente testáveis. A contribuição de Piaget para a psícoloqia

contemporânea e especialmente à psicologia da criança. é por

demais importante, sendo necessário conhecê-.la e atra~es dela

desenvolvermos um respeito pela mente incomparável da

criança ' ... . . " ,

. Urna de suas prlncipals preocupações.Yesídia nas

rnudan-cas qualitativas que ocorrem no desenvolvimento mental de

um indivíduo desde o nascimento até a maturidade. Podemos

identificar três postulados fundamentais em sua teoria:

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

1 .

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

I . . ,

O organismo humano, como toda entidade biológica,

apresenta uma organização interna característica;

essa organização interna é responsável pelo modo

único de funcionamento do organismo (inv~rlalnt~~

fun-cionais); , '",

em resultado da interação entre o organismo e o meio,

através dos invariantes funcionais, o organismo

adap-ta as suas estruturas cognitivas.

2.

3.

Por invariantes funcionais entendemos o modo único de

funcionamento do organismo que está sempre presente e não

muda com o passar do tempo, pelo que a criança pequena e o

adulto compartilham do mesmo modo de funcionamento

c?~ni-tive. Os invariantes funcionais são independentes dos est~glo~

e estão relacionados à aquisição do conhecimento atraves da

interação do indivíduo com o meio. A própria palavra

"inte~a-cão" chama atenção para o fato de o organismo ter uma relaçao

ativa com o meio, o que resulta no desenvolvimento cognitivo.

Uma definicão essencial para a compreensão da teoria do

desenvolvimento cognitivo é o que significa a d a p ta ç ã o . E:tfi

invariante funcional subdivide-se em a s s im ila ç ã o e a c o m o d a ç a o .

Assimilação é a incorporação dos dados da experiência dentro

das estruturas já construídas pelo organismo. Ao mesmo tem,

po o organismo "acomoda-se" ao que é "assimilado". Desta

forma os novos conhecimentos eos antigos, sofrem esta

adap-tação 'que resultará em estrutura mental um_ pouqui~ho mai~

sofisticada que a anterior, antes da adaptaçao. Assim, essas

estruturas mentais ou cognitivas são variantes, visto que ~o

longo dos desenvolvimentos dessas ~str~turas ~e tor~a~ mais

çomp'lexas" e responsáveis por orqaruzaçoes mais soflstlcad~s.

Desta forma, a adaptação intelectual consiste em um

mecanis-mo assimilatório e uma acomodação complementar em

progres-sivo e q u ilíb r io .

90

FEDCBA

- R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (I): jan.Zjun., 1986

,.. Pa~a Piaget, O equilíbrio é um' mecanismo ativo de

com-pensaçao .entre .0;conhecimento novo e o conhecimento antigo

qu.e permite un:a ada~tação do organismo a novas situações

Oriundas do meio ambiente. Portanto, o organismo é

auto-requ-íador. Quando novas informações são assimiladas às

estrutu-ras)á existentes, inicia-se o processo de equilibração que

resul-t~ra n_umanova estr~tura cognitiva. Mas, na realidade, a

equi-Iibração nunca termina, porque assim que novas informações

são assimiladas, começa de novo o processo, resultando em

representações progressivamente melhores do mundo .

. A, partir desses mecanismos - adaptação e equilibração

- e que as estruturas cognitivas mudam, auxiliando-nos a

me-lhor sobreviver e melhor nos adaptarmos à realidade externa.

Esse processo de desenvolvimento é marcado por uma série

de estágios cuja ordem de aquisição é invariante, embora a

idade de início e término de cada um possa variar. Cada

está-gio .representa um diferente modo de lidar com os aspectos

particulares do meio ambiente e, por conseguinte, é de se

esperar que o pensamento de uma criança seja característico

do estágio por ela atingido.

Piaget distingue quatro estágios que descreveremos a

se-guir:

1 . S e n s ó r io - m o to r (O a 2 anos)

. Se a criança explica em parte o adulto, podemos dizer

também que cada período do desenvolvimento anuncia e

pre-para os períodos seguintes. Isto é particularmente claro no

que,.concerne ao período anterior à linguagem, que é o 'chamado

penodo sensório-motor. A, razão para esta denominação é que

durante este período a criança aprende a coordenar seus

sen-tidos com o comportamento motor, adaptando, por exemplo, o

reflexo de sugar à procura da chupeta antes de sugar, coord .

nando o movimento da mão para a boca ou seguindo visu I

mente um objeto que se move no ambiente. O mundo r

presentado em termos de ações - chupar, sacudir, olhar, p _

gar, deixar ~air

=.

-=-

e realiza manipulações sobre os ob]

tos. O bebe, devido a falta de função simbólica, ainda n50

apresenta pensamento no sentido amplo nem afetividad fig dn

a representações que permitam evocar pessoas ou ob] to n

ausência deles.

A despeito, porém, dessas lacunas, o des nv Ivlm

nlo

mental no decorrer desses dois anos da existênci

n

rtl

lI-larmente rápido e de grande importância, pois ri lei rt d

(3)

o precursor de todas as futuras aquisrçoes, onde a criança

labora o conjunto das subestruturas coqnltlvas

que servirão

de ponto de partida para as, construções intelectuais

posterio-res.

A maior parte da' pesquisa de Piàqet: sobre este período

proveio de diáriós de cuidadosas observações de seus três

filhos - Laurent, Luclennee Jacqueline -'- desde as' primeiras

semanas de vida.

O foco inicial -dessas observações foram reflexos, mas só

alguns foram considerados por Piaget (sucção e preensãoJ,

-en-qúanto outros não mereceram maior atenção devido ao fato de

permanecerem' constantes (pupilar) ou desaparecerem do

re-pertório do indivíduo (Babinsky).

A este respeito, o problema que surge' é o seguinte: como

as reações sensório-motores 'preparam o' indivíduo para

adap-tar-se ao meio externo e para adquirir os comportamentos

pos-teriores? O problema começa a existir logo que os reflexos são

encarados não mais em suas relações com o mecanismo

inter-no do organismo vivo, mas nas suas relações com o meio

ex-terior. O que de fato ocorre é uma sucessão notavelmente

con-tínua de estágios, cada um dos quais assinala um novo

progres-so parcial até o momento em que as condutas alcançadas

apresentam características que os psicólogos reconhecem

como sendo as de inteligência, .Asslrn é que dos movimentos

espontâneos e do reflexo aos hábitos adquiridos e, destes i'I

inteligência, há progressão contínua,

O período sensório-motor podese'r subdividido em seis

subestáqios que bem demonstram esse desenvolvimento

har-monioso:

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E s tá g io I _ . (recém-nascido)

Existe, na realidade, uma progressiva capacidade de

con-trolar e investigar o ambiente, Primeiro as crianças têm

ape-nas reflexões como sugar e aqarrar. que acabam se adaptando

ao ambiente, pois 'os reflexos não podem ser considerados

puro automatlsmos.

No 'tocante aos reflexos do recém-nascido, resulta que

aqueles que apresentam importância especial para o futuro

(sucção

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

e

preensão) dão lugar ao exercício reflexo. É através

desse exercício que o recém-nascido mama de maneira mais

segura e volta a encontrar mais facilmente o bico do seio

de-pois de alguns dias do que por' ocasião das primeiras

tenta-tlvas. O que impressiona, é que 'tais atividades dão lugar a

92

FEDCBA

R e v , d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986

uma sistematização que ultrapassa o seu automatismo. Ouas

desde o nascimento há, urna "conduta", 'no sentido da reação

total do,

Jndivíduo

e nãoapenas jogo de autcmatismos

partlcu-lares ou interligados apenas por

dentro.

Em outras palavras,

as manifestações sucessivas de um reflexo, como o da sucção,

constituem um desenvolvimento de natureza tal que cada

epi-sódio depende dos precedentes e formá os seguintes.

E s tá g io /I :- (até 5 meses)

,': Constitue~-.se osprlmelros 'hâhltos e início das reações

cjrcularesrprlmárlas que são tentativas da criánça em .obter

coordénação, sensórto-motorapela repetição .de movimentos tais

corno

de

mão paraa

boca,

sequir objetos com os olhos e assim

P,OI" diante. 'Tais reações sãdcirculares porque' são 'repetidas

qiversas vezes,

e.

S~9 prlmárlàs porque envolvem um único ato

~4~

fI~? ,~

iniRi~ç1i;l,p,efé:!'c~iarlç'â,CQÓ1urna intenção: O' bebê '-sug?

entre' 'as'refélções.ctnasporque o ato em sl lhe dá prazer, pois

nesse ato de sugar,' o objeto é o próprio sujeito' que busca

pra-zer em sugar parte de seu.corpo (suqar .a mão, por exemplo).' ,

'. I "I

E s tá g io 1 1 I - Iiníclo entre 4 -5 meses)

Há coordenação entre a visão e a preensão: o bebê agarra

e manipula tudo o que vê no seu espaço próximo, mas sem

finalidade prévia. Repete uma série de vezes os mesmos

ges-tos e movimenges-tos, o que ainda é uma reação circular, mas é

chamada de

reação.

circular secundária, visto que o objeto

ma-nuseado não é mais partes do próprio corpo, mas objetos do

meio clrcundante. (brinquedo suspenso no berço, por'

exem-plo). Há experimentação e interesse sobre os objetos e' uma

"quase" intencional idade, uma vez que a criança é capaz de

reencontrar os gestos que por acaso exercem uma ação'

inte-ressante sobre as coisas. Entretanto, as ações ainda não são

típicas de um ato de' inteligência, pois' a criança apenas

con-segue reencontrar o que acaba de ser feito e não em inventar

ou aplicar o conhecimento às novas circunstâncias. As ações

circularês tseclmdártas são repetidos esforços para controlar

o-ambiente: e fazer durar os acontecimentos interessantes que

ocorrem.

.E s té ç io ' IV ~ (início 'entre 8 - 9.rneses)'

.Observarn-se atos' mais completos de inteligência pr ul ,I

surgindo' um caráter de intencional idade nos comportam 1110'

(4)

d criança independentemente dos meios que vai empregar.

Caracteriza-se pelo surgimento da aplicação de' meios

conhe-cidos às novas situações. Marca o início da permanência das

coisas, início de uma noção de espaço e de causalidade

es-pacial.

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E s tá g io V - (início entre 11 - 12 meses)

Surgem as reações circulares terciárias quê apresentam

intencional idade e coordenação entre meios e fins. Há

desco-berta de novos meios para alcançar os objetivos através de

experimentação ativa, o que caracteriza as condutas

instru-mentais e o apogeu da inteligência prática. A criança inicia

ativamente uma série de manipulações ststêmlcas (deixar cair.

objetos de diferentes alturas para verificar o que ocorre)

atra-vés de uma organização dos movimentos que buscam conhecer

e compreender o novo. Com efeito, pela primeira vez, a criança

adapta-se verdadeiramente às situações desconhecldas, não

só utilizando .os esquemas anteriores adquiridos, mas

procuran-do e descobrinprocuran-do também novos meios.

E s tá g io V I - (por volta dós

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

18 meses)

Assinala o fim do período sensório-motor e a transição

com o período sequlnte:: a criança torna-se capaz de encontrar

meios novos através de combinações mentais que redundam

numa compreensão súbita. Este nO\7Otipo de conduta

caracte-riza a inteligência sistêmica e o surgimento da representação

mental que é fundamental para a aquisição da p e r m a n ê n c ia d o

o b je to .

1. O universo inicial é um mundo sem objetos, que

con-siste apenas em "quadros" móveis e inconsistentes que

apa-recem e desaparecem; quando desaparecem é como se

dei-xassem de existir. A permanência do objeto permite à criança

descobrir que um objeto continua existindo mesmo quando não

está fisicamente presente, ou seja, às vistas do bebê. A

aquisi-ção desta noaquisi-ção é essencial para uma compreensão e

organi-zação estável do mundo que cerca a criança. A permanência

do objeto (precursora das conservações posteriores) e a

re-presentação mental (precursora da função simbólica) são os

marcos do final deste período.

A inteligência sensório-motora conduz a um resultado

im-portante .. pois organiza o real construindo as grandes

catego-94

FEDCBA

R e v , d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.fjun., 1986

rias da ação que são os esquemas do objeto permanente, do

espaço, do tempo e da causalidade. O universo inicial está

Inteiramente centrado no corpo e na ação própria num

egocen-trismo tão total quanto inconsciente de si mesmo (por falta de

consciência do eu). No curso dos dezoito primeiros meses

efe-tua-se, pelo contrário, uma descentração geral de tal natureza

que a criança acaba por situar-se como um objeto entre os

outros num universo formado de objetos permanentes,

estru-lurado espaço-temporalmente e com estruturação causal.

2 . P r é - o p e r a c io n a l (2 - 7 anos)

No fim do período sensório-motor surge a fu n ç ã o s im b ô

-Iic a , que é fundamental para a evolução das condutas

ulterio-res, que consiste em poder representar algo (objeto,

aconte~i-mento etc.l por meio de um slqnificante- diferenciado. A funçao

simbólica alarga os horizontes da criança que torna-se capaz

de realizar evocações representativas de um objeto ausente

ou de um fato passado. Cinco condutas podem ser

relacio-nadas:

1 . Imitacão diferida - imitar ou reconstruir uma cena

presenciada.

.

Jogo simbólico - representação de um fato (fingir

estar dormindo).

Desenho - imagem gráfica de um objeto ou cena.

Imagem mental - imitação interior de um objeto. As

imagens mentais são quase exclusivamente estáticas

não comportando movimentos ou transformações.

Linguagem - permite a evocação verbal de

aconteci-mentos não atuais e de objetos ausentes no campo

sensorial.

2.

3. 4.

5.

Neste período, o aspecto perceptual tem grande

Influên

cia sobre os julgamentos da criança, que apesar de po ulr

3 função simbólica. tem sua capacidade de representar 11m

tada pelo perceptual e pelo imediato das situações, não r. I

zando abstrações.

A crianca lida com imagens concretas, estático (11

pensamento 'é limitado pelos seis seguintes probl m

. ':...Concretude - só pode lidar com objetos !lei I) «111

estão fisicamente presentes aqui e agora;

(5)

_. Irreversibilidade -.

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

é incapaz de arranjar mentalmente

objetos ou concebê-Ios em alguma outra disposição; .

- Egocentrismo - é incapaz de se colocar na perspectiva

de outra pessoa, acreditando que qualquer pessoa vê o mundo

Mravés, dos olhos dela e que aquilo que ela está

experimen-tando e o que qualquer pessoa também está;

- Centralização - dá ao pensamento um caráter unidire-cional e a criança não consegue considerar dois aspectos

simul-taneamente de uma mesma situação. Ela pode prestar atenção

somente a uma característica do objeto de cada vez;

- Estados

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v e r s u s Transformações - focaliza sua atenção

nos estados ou na maneira como as coisas perceptualmente se

apr~sentam, . não conseguindo considerar as operações ou

re-laçoes que ligam tais estados;

- Raciocínio transdutivo - raciona que se A causa B

então, B causa A. .

Este estágio é denominado pré-operacional porque a

crian-ça não_pode ai~da realizar operações mentais em suas

repre-sentaçoes e nao pode mudar sua representação do mundo.

Apesar disso, este período prepara o estágio seguinte.

3 . O p e r a ç õ e s C o n c r e ta s (7·

11

anos)

o

mundo agora começa a ser representado não por um

conjunto de imagens estáticas perceptuais, mas como objetos

concretos sobre os quais se pode atuar mentalmente.

Conse-gue considerar simultaneamente dois ou mais aspectos da

si-tuação, focaliza sua atenção nas transformações e começa a

perder seu egocentrismo e seu raciocínio transdutivo. A

re-versibilidade é uma operação mental recém-adquirida que

li-berta o pensamento do perceptual e de sua inconsistência

an-terior. A conservação já se faz presente, bem como a

capaci-dade de classificar e seriar.

No entanto, mesmo que liberto da imagem perceptual de

como as coisas parecem, o pensamento da criança ainda está

ata~o aos objetos concretos com os quais pensa e manipula

aqu~ e agora. O r~al e o concreto constituem a base da

orqani-zaçao do conhecimento. Não trabalha mentalmente com os

resultados de sua ação sobre os objetos, mas com ação

dire-tamente vinculada ao presente e ao concreto.

O nome operações concretas origina-se desta capacidade

de operar mentalmente dentro de uma situação concreta. A

96

FEDCBA

t i c v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (I): jan,/jun., 1986

criança neste período, ainda que de posse das poderosas

opera-ções de reversibilidade e descentralizaçãc, é incapaz de

apli-cá-Ias a situações abstratas. A lógica não se faz presente, mas

a reversibilidade prepara o período subseqüente.

4 . O p e r a ç õ e s fo r m a is _ . (11 anos em diante)

Surge com este período, uma capacidade

progressivamen-te mais refinada de realizar operações mentais não só a

respei-to do objerespei-tos concretos, mas também com símbolos.

Como todos os demais estágios, possui uma fase de

pre-paração e de equilíbrio, mas neste período esta distinção é

mais facilmente observada. A puberdade corresponde à fase

de preparação e a vida adulta corresponde à fase de equilíbrio.

Durante este período desenvolve-se a capacidade de

pen-sar abstratamente, em termos de possibilidades e

probabilida-des e não apenas em função do real. O pensamento é lógico,

hipotético-dedutivo, já havendo a reversibilidade e a

combina-tória. Este último aspecto permite ao sujeito, quando diante

de uma situação-problema, considerar as variáveis (aspectos

ou condições relevantes à resolução do problema)

simultanea-mente, manipulando-as e testando-as exaustivamente,

combi-nando-as entre si. É capaz de formular e testar hipóteses, cujos

resultados servirão para orientar e coordenar o pensamento.

Assim, todas as alternativas possíveis são consideradas e o

raciocínio científico, em sua forma mais sistemática e

refina-da, começa a emergir. O sujeito trabalha com os resultados

das ações sobre o mundo (operação sobre operação) e não

mais com o objeto ou com a ação diretamente.

A diferença marcante entre este período e o anterior,

en-contra-se no fato de que o sujeito operacional concreto

consi-dera todos os elementos simultaneamente, mas não os testa

exaustivamente, não utilizando a combinatória, nem tampouco

é capaz de desligar-se do concreto e real, coisa que o faz o

sujeito operacional formal que abstrai-se do r e a l , indo até o

p o s s ív e l.

O período das operações formais é acompanhado de

mu-danças sócio-emocionais, incluindo incertezas sobre o sentido

da vida. a crise de identidade e o idealismo da adolescência

Neste período surge um egocentrismo, mas que não se

con-funde com o egocentrismo pré-operacional. O egocentrismo d'·

pensamento adolescente caracteriza-se por um idealismo

in-gênuo ou pensamento onipotente, julgando-se capaz de

(6)

zar mudanças consideráveis sobre o curso dos fatos. Esta

ausência de crítica evidencia-se no processo de socialização

do adolescente mais do que no desenvolvimento cognitivo

pro-priamente dito. Entretanto, sabemos que os aspectos cogniti·

vos não se dissociam dos aspectos sociais e afetivos e o

idea-lismo ingênuo do adolescente é um dos exemplos disso.

2. O TRABALHO DO PSICÓLOGO COGNITIVO

A Psicologia é uma ciência que está presente em

diver-sas áreas: social, afetivo-emocional, patológica, educacional.

nas relações de trabalho e na cognitiva.

A maioria das pessoas, principalmente aquelas que não

estão diretamente ligadas a Psicologia, acreditam que os

psi-cólogos trabalham apenas como terapeutas, resolvendo os

pro-blemas pessoais de indivíduos. Como sabemos, entretanto, há

muitos outros tipos de psicólogos e o psicólogo cognitivo

pa-rece ser aquele que atua numa área pouco divulgada ou

"ofi-cialmente" pouco reconhecida.

O psicólogo cognitivo estuda as bases do conhecimento

humano. Ele está preocupado com assuntos como:

aprendiza-gem, linguagem, raciocínio, memória, percepção, pensamento,

inteligência etc.

A Psicologia Cognitiva refere-se ao desenvolvimento e

aquisição do conhecimento, envolvendo o estudo e a pesquisa

sobre muitos assuntos relevantes para a educação, embora o

seu papel não se confunda com o do psicólogo educacional.

Como o homem aprende? Como funciona a memória? O

conhecimento da escola é diferente do conhecimento na vida

diária? Ouantos tipos de aprendizes existem? A criança de 5

anos aprende da mesma forma que uma criança de 10 anos? O

que diferencia o pensamento de uma criança de 5 anos daquele

apresentado por uma de 10? A inteligência pode ser medida?

Como se desenvolve a linguagem? O que a linguagem tem a

ver com o pensamento? Como se; desenvolvem certas noções

matemáticas? Como a criança adquire conceitos? etc. Estas

são apenas algumas das questões sobre as quais o psicólogo

cognitivo reflete. Seu interesse recai sobre a natureza do

co-n.hecimento, sobre as estruturas e processos pelos quais ele

é adquirido e como se desenvolve. Entretanto, não estuda as

bases do conhecimento partindo de especulações, mas

atra-vés do estudo empírico, da observação e da reflexão, como

98

FEDCBA

t t e v . d e P s i c o l o g i a ,

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986

qualquer outro psicólogo e como qualquer outro cientista que

busca compreender os fenômenos de seu interesse.

Observar, entretanto, é algo mais difícil do que se pensa.

Em geral, tendemos a ver apenas aquilo em que acreditamos.

Se achamos que uma criança é inteligente e se, num teste, ela

comete erros elementares, achamos que ela não deve ter

pres-tado atenção, que estava desmotivada, que não entendeu o que

lhe era solicitado etc. Quando descrevemos um acontecimento,

o descrevemos em função de nossa perspectiva. Aprender a

observar em Psicologia constitui um esforço considerável para

um grande número de pessoas, porque é necessário que

ten-temos abandonar nossa perspectiva particular e busquemos

encontrar o significado do que o sujeito faz e diz. Mas buscar

o significado de sua fala não é procurar no dicionário ou

enten-der frases isoladas, o que interessa é descobrir sua

perspec-tiva de mundo, seu modo de operar sobre o mundo, os

signifi-cados que ele atribui às pessoas e às coisas. Estas não são

observações diretas que fazemos

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

d e um sujeito, mas

obser-vações refletidas s o b r e o sujeito. ~ necessário estabelecer uma

relação íntima entre observar, refletir e compreender.

Além da observação, outro aspecto essencial no trabalho

do psicólogo cognitivo é o registro. Este é fundamental na

in-terpretação do significado das ações do sujeito para que haja

fidedignidade na observação. Em vista disso, o uso do gravador

deixa de ser um recurso sofisticado para ser encarado como

um recurso necessário. Anotar e registrar o que o sujeito diz e

faz - e não o que achamos que ele disse e fez quando a

en-trevista já acabou, algumas horas após o exame - é um

tra-balho de valor insubstituível.

O trabalho do psicólogo cognitivo se assemelha em muito

ao trabalho do cientista no que se refere a investigação dos

aspectos do conhecimento. A partir da observação, reflexão e

compreensão dos fenômenos que se propõe a estudar, o

psi-cólogo cognitivo levanta hipóteses, registra, transcrevendo

de-talhadamente suas observações e utiliza um método de

inves-tigação - o método clínico.

Em sua atuação prática ele está interessado em realizar

exames e não testes. Isso não significa que não seja

necessá-rio avaliar os comportamentos e ações de indivíduos, mas que

esta avaliação difere, por exemplo, da avaliação que se faz na

psicometría.

Para a observação dos processos do conhecimento a

Psico-logia Cognitiva se utiliza do método clínico de investigação. O

método clínico foi o método de estudo que Piaget utilizou para

(7)

observar cuidadosamente como as crianças se comportam em

várias situações de "mundo real" e, baseado nessas

observa-ções, desenvolveu suas teorias sobre o desenvolvimento cogni-

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

tívo. Manteve detalhados diários sobre os primeiros meses de

vida de seus três filhos, diários esses que serviram de base

para a construção de algumas de suas principais obras.

O método clínico-piagetiano constitui uma técnica

com-plexa que não é facilmente apreendida e cujo uso deve

re-pousar sobre uma base teórica bem estabelecida e uma grande

prática. A transcrição de observações detalhadas auxilia em

muito a leitura dos protocolos e a compreensão do

comporta-mento dos examinados.

Apesar de não haver uma "receita" para a aplicação do

método clínico e deste não poder ser transformado em uma

série de regras que, seguidas, assegurariam o seu bom uso, é

possível enfatizar alguns pontos importantes quanto a sua

aplicação que podem ser aqui apresentados:

A) O

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

q u e fa z e r a n te s d o e x a m e

Apesar da flexibilidade do método clínico, qualquer exame

de investigação não é feito de modo totalmente livre, sendo

essencial o conhecimento do examinador tanto da solução do

problema específico e da evolução do conceito proposto pelo

exame, como o conhecimento das características dos estágios

do desenvolvimento.

A escolha prévia das situações a serem apresentadas ao

examinando possibilita ao examinador a formulação de

obje-tivos claros para o seu trabalho. orientando-o para que não se

perca durante o exame e saiba utilizar tempo com questões

relevantes. Quando melhor o examinador conhecer a

estrutu-ração do raciocínio nos diversos estágios de desenvolvimento

do conceito que está a investigar, melhor orientará suas

per-guntas de modo a esclarecer o significado das respostas do

examinando.

A escolha prévia das situações-problema permite ao

exa-minado esquematizar a técnica que pretende usar, o que

faci-lita sua atuação durante o exame. O roteiro para a aplicação das

situações-tarefa. entretanto. não deve ser considerado como

uma série de regras ou passos a serem cegamente obedecidos.

servindo apenas como um modo de orientação.

A

linguagem a ser usada durante o exame deve ser

previa-mente escolhida. sendo importante que seja simples e que não

100

FEDCBA

R e v . d e P s i c o l o g i a ,Fortaleza, 4 (1): jan.fjun., 1986

constitua um impecilho à compreensão das

situações-proble-mas. Podem ser utilizadas formas alternativas de apresentação

do problema, quando for necessário reformular perguntas ou

instruções durante o exame. Estes cuidados não implicam na

criação ou seleção de formas verbais a serem rigidamente

se-guidas. O importante é que o examinador saiba que tipos de

pergunta deve usar para garantir ao mesmo tempo a

compre-ensão por parte do examinando sem, entretanto, dirigi-Io para

uma dada resposta. Para tomarmos um exemplo de Piaget

quan-to a este problema. sabemos que a criança pequena tende ~

atribuir sempre ao homem a origem das coisas. Não podemos,

entretanto, perguntar a criança "quem fez o sol?", por ser esta

uma pergunta diretiva, que implica uma resposta artificial

"quem ... ? exige alguém" como resposta. Por outro lado, não

podemos perguntar "qual a origem do sol?" ou "como se

ori-ginou o sol?" por serem perguntas complexas demais. Uma

forma verbal mais semples e mais neutra seria: "como

come-çou o sol?"

B) O q u e fa z e r d u r a n te o e x a m e .

A compreensão de cada situação deve ser verificada à

medida em que o exame prossegue, assim como o significado

das respostas do sujeito, não sendo possível esquematizar de

antemão procedimentos para tais fins. É necessário que o

exa-minando compreenda o que está realmente sendo solicitado

dele, para que possamos atribuir suas dificuldades ao seu

modo de raciocínio e de perceber a situação-problema e não

atribuí-Ias ao fato de uma não compreensão de instrução ou da

forma verbal usada.

É freqüente a confrontação do examinando com problema

concretos, que ele deve resolver ou explicar após uma demon

-tração. Alguns exames incluem uma predição ("o que VOCl

acha que vai acontecer se ... ?"), uma verificação ("exp rim n

te para ver o que acontece") e a explicação do qu oe rr 11

("'por que ... ?").

O examinador precisa sempre a c o m p a n h a r o r e c to c iu k : c i o

e x a m in a n d o durante o exame, estando atento ao qu c

II

( 1 1 / /

fa z , sem corrigir automaticamente as suas respo II • . I 11I

completar o que ele diz.

É necessário lembrar que o interesse princlp 11 do I tlldo

do conhecimento baseado na teoria de Plaget r d, 1111 pro

cesso pelo qual o sujeito chega a sua respo ta. O

produto

íln I

(8)

(resposta dada pelo sujeito frente à situação-problema) é tão

Importante quanto os processos (caminhos do raciocínio) que

o levarem a dar determinada resposta. Assim, é parte

essen-cial do exame clínico-piagetiano a obtenção de

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ju s tific a tiv a s

~ ~ r a a s

= r = ,

d a d a s . As justificativas ou razões que o

su-Jelt~..apresenta sao O?tidas através de perguntas como: "por

~ue: '"com~. descobrlu~ que era assim? "como sabe que é

assim? ou o que voce pensou quando disse ou fez assim?"

etc. As justificativas auxiliam-nos na compreensão do modo

pelo qual o sujeito chega às suas respostas e das relações que

ele vê entre as partes do problema. Em certos casos elas

tam-bém podem permitir que discriminemos respostas dadas com

convicção de respostas dadas ao acaso. Respostas corretas

se-guidas de justificativa coerente não podem ser atribuídas ao

acaso. Quando a resposta

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

é correta, mas a justificativa não é

coerente ou é incorreta, então poderemos atribuir o acerto ao

caso. A exigência de justificativas para as respostas leva o

sujeito a refletir de fato sobre a questão, podendo demonstrar

melhor seu nível de compreensão do problema. Há casos em

que observamos uma melhoria de suas respostas finais com

relação às primeiras rospostas dadas, o que demonstra uma

é1.ti.tud~refl~xiva adotada durante o exame. Só através das

jus-tificativas e que pod mos, de fato, interpretar o raciocínio do

examinando.

Um outro ponto a mencionar é a importância de

verificar-mo~ a c e r te z a o u s g u r a n ç a com que o sujeito responde. Piaget

salienta que uma re posta que está inserida em um sistema

dedutivo pode ser dada com certeza, enquanto que uma

res-posta dada na ausêncla d tal sistema é freqüentemente

mu-dada diante das circunstâncias criadas pelo examinador

(su-gestão de uma respo ta diferente daquela dada pelo sujeito,

apresentação de contradições no raciocínio do sujeito etc.). A

oscilação das respostas e a insegurança ou inconsistência nas

justificativas são indicadores do tipo de pensamento que o

su-jeito apresenta naquele momento do seu desenvolvimento. Há

exames, como o de conservação e do realismo nominal, em

que tal oscilação indica um estágio intermediário na aquisição

desses conceitos, tornando-se relevante a verificação da

cer-teza por parte do examinando. .

Outro a.~pecto é a importância de n ã o d e ix a r m o s a m b ig ü

i-d a i-d e .s . Frequentem.ente, o sujeito responde de modo que pode

ser Interpretado diferentemente do significado que realmente

queria dar às suas respostas. O examinador precisa levantar

102

FEDCBA

R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (I): jan.fjun., 1986

que possíveis significados tal resposta poderia ter e testar,

ao longo do exame, essas hipóteses. Não cabe ao examinador

escolher qual dos possíveis significados foi o significado

real-mente pretendido pelo sujeito. O examinador precisa

apresen-tar novas questões a fim de descobrir qual o significado

ado-tado por ele, eliminando, assim, as ambigüidades. Devemos

lembrar que o sujeito não se expressa com precisão científica

e nem usa todas as palavras exatamente como nós as usamos.

Sempre que nos deparamos com uma resposta vaga ou obscura

precisamos encontrar meios para esclarecer seu significado

(o que o sujeito realmente quis dizer com isso).

Finalmente, salientemos ainda que o examinador deve

pro-curar, durante o próprio exame, lembrar-se dos n ív e is d e d e s e n

-v o l-v im e n to r e la c io n a d o s a o e s tu d o d a ta r e fa em q u e s tã o e

eli-minar hipóteses alternativas quanto ao nível em que o

exami-nando se encontra. É importante sugerir ao sujeito uma

res-posta característica de um nível diferente daquele que no

mo-mento, julgamos ser o que melhor caracteriza o raciocínio do

sujeito, a fim de observarmos sua reação a esta sugestão.

Este recurso utilizado pelo examinador é denominado de

contra-sugestão e é de grande utilidade no esclarecimento das

justificativas que o sujeito apresenta para suas respostas, da

sua participação ou não em um sistema dedutivo e do grau de

certeza de suas respostas.

C) C o m o a v a lia r

Ao contrário do sistema de avaliação de respostas numa

abordagem psicométrica, na avaliação das respostas no

mé-todo clínico-piagetiano não se faz uma contagem de acertos e

erros. A finalidade desta análise qualitativa é encontrar uma

explicação que engloba todas as respostas dadas pelo sujeito,

certas ou erradas, em uma categoria ou nível. Esta explicação

só se torna possível se formos capazes de descobrir a

pers-pectiva a partir da qual o sujeito responde. Devemos, ao final

da avaliação, ser capazes de dizer "para que este sujeito

res-pondesse desta forma ele só poderia estar pensando assim".

Com o objetivo de descobrirmos a perspectiva do sujeito.

alguns dados devem ser considerados cuidadosamente. Como

primeira análise podemos partir da questão da existência ou

não de coerência entre as respostas dadas. Respostas

incoe-rentes não devem surgir em sujeitos cujo raciocínio forma um

(9)

slsterna dedutivo, embora, ao longo do exame, o sujeito possa

mudar de critério quando verifica que o critério inicial não era

apropriado para a solução da situação-problema. Neste

mo-mento é preciso diferenciar sujeitos oscilantes ou

intermediá-rios de sujeitos que no decorrer da tarefa refletem sobre I)

próprio raciocínio e mudam de critério, apresentando no final

da tarefa respostas mais elaboradas.

Além dessa consistência inicial das respostas entre si,

deveremos também considerar a reação do sujeito diante de

contradições que lhe sejam apontadas: o sujeito percebe a

con-tradição e tenta eliminá-Ia ou ele nem a percebe? No caso do

sujeito que percebe as contradições apontadas pelo

examina-dor, devemos estar atentos para o modo como busca resolver

as contradições. Um sujeito que não percebe a contradição

entre suas respostas demonstra também ser incapaz de

com-preender relações de implicação ("aceitar isto implica em

acei-tar aquilo"). Um sujeito que percebe contradições, ainda que

não consiga resolvê-Ias, demonstra ter um raciocínio

organi-zado em sistema dedutivos, mesmo que estes não sejam

com-plexos o suficiente para resolver todos os problemas que

en-contrar na tarefa proposta.

A análise dos resultados deve ser feita com base na

rela-ção entre os elementos essenciais na resolução do problema

e o raciocínio que o sujeito utiliza para resolvê-Ios. O

exami-nador, portanto, precisa necessariamente conhecer o exame que

está aplicando, não apenas o modo como aplicá-Io, e descobrir

a relação dos elementos relevantes do fenômeno que está

in-vestigando com o raciocínio que o sujeito utiliza para resol-

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

vê-Io.

O estabelecimento de tal relação é essencial para

ana-lsar e avaliar as respostas do sujeito.

Dentro desta perspectiva, o psicólogo cognitivo, no seu

papel de examinador. considera os "erros" dos sujeitos como

coisas preciosas que revelam, tanto quanto os acertos, algo

sobre como o sujeito pensa. Por isso os acertos e "erros"

de-vem ser analisados qualitativamente, bem como os processos

(maneira de resolver e pensar sobre as situações-problema)

Que o levaram a dar determinada resposta. A análise e reflexão

Acerca dos processos são tão fundamentais quanto os

resul-tados (produto final) para a compreensão do pensamento do

sujeito.

Em função do exposto, observamos que a atuação do

psi-cólogo cognitivo é altamente dirigida, entendendo-se por

"di-rigida" a proposta de situações-problema para a investigação

104

FEDCBA

R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986

de um dado fenômeno e a clareza de seus objetivos, o que não

é dirigido, entretanto, é a maneira como o sujeito tende a resol-

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v e r o problema proposto. Concilia-se assim, a diretividade e a

espontaneidade, aspectos estes que bem caracterizam sua

re-lacão com o examinando na situação de investigação.

. Como o interesse do psicólogo cognitivo recai sobre

as-suntos relacionados ao conhecimento e, portanto, à inteligência,

torna-se evidente, como foi dito anteriormente, que seu

traba-lho é relevante para a educação. A educação, por sua vez, está

interessada na aprendizagem e no conhecimento; e as

dificul-dades que a criança apresenta ao longo de sua exposição à

aprendizagem formal assumida pela escola podem ser

conside-radas dentro de uma abordagem cognitiva. Podemos desta

for-ma, estabelecer uma interseção entre as dificuldades de

apren-dizagem e o trabalho do psicólogo cognitivo.

Isso não significa, entretanto, que o psicólogo cognitivo

única e especificamente trabalhe com este tópico mas que a

abordagem cognitiva pode contribuir para um novo enfoque na

investigação das dificuldades de aprendizagem e no

diagnós-tico da inteligência, temas, por sua natureza, bastante

relacío-nados.

A sessão seguinte tratará dos modelos e métodos

adota-dos para o diagnóstico da inteligência, apresentando-se o,

con-traste entre o método psicométrico tradicional e o metodo

clínico-piagentiano quanto o estudo da inteligência (ver

Car-raher e Brito ~ 1979 e Carraher, 1983).

3. MODELOS E MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO DA

INTELlGí:NCIA

Carraher e Brito (1979) desenvolveram uma interessante

análise sobre este tópico, que será resumidamente

apresen-tada.

Enquanto os diagnósticos infantis de dificuldades de

aprendizagem permaneceram obscuros, os clínicos deverão

esforçar-se para, em primeiro lugar, diagnosticar a causa de

seus próprios problemas ao realizar estudos de casos.

Sug~e-re-se que a inutilidade dos diagnósticos infantis na orientaçao

específica da terapêutica no campo das dificuldades de apren

dizagem advém do uso tanto de conceitos de inteligência qu

pouco contribuem para a compreensão dos processos m n I

como de métodos que, por suas características, não N O pro

priadas ao estudo do indivíduo, como requer a sltuaçã cl nlcI

(10)

Na abordagem palccmétriea, um teste de inteligência

cons-titui um exame de sujeitos de uma situação padronizada, exame

que' é quase sempre aplicado quando a criança apresenta

'difi-culdades de aprendizagem. A mensuração da inteligência

atra-vés de testes está baseada na concepção de que esta é uma

faculdade mental. É comum a proposição de que a inteligência

demonstrada pelos indivíduos representa o resultado tanto

dos fatores genéticos deterrnlnantes de seu potencial

intelec-tual como do ambiente em que vivem e se desenvolvem.

Tais afirmações estão tão' próximas do senso comum, tão

enraizadas na nossa cultura ("João é bem dotado", "Francisco

não dá para a matemática" etc.), são tão reforçadas pela cons-

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

tatàção diária das diferenças individuais e pela abordagem

psicométrica que dificilmente ocorre ao psicólogo' a

necessi-dade de refletir sobre outro modo de se encarar a inteligência.

Os testes de inteligência pressupõem que a inteligência é

uma faculdade mental mensurável. sendo necessário obter um

escore para o indivíduo e, por meio de uma tabela, verificar se

esse escore é alto ou baixo em relação a outros indivíduos da

mesma população. Esta é, objetivamente, a única conclusão ou

informação que os testes de inteligência são capazes de

for-necer. A informação obtida pelo clínico quando aplica um teste

de lnteligência é uma informação sobre diferenças individuais,

sobre posição de seu cliente com relação à população. Porém,

as perguntas que o clínico se propõe a responder continuam

sem respostas: O que sabe ele sobre o modo de raciocínio de

seu cliente? E sobre as razões de dificuldades específicas na

aprendizagem de determinadas noções e conceitos? Como

desenvolver um trabalho para a superação dessas dificuldades?

Em geral, nos casos de dificuldades de aprendizagem,

quando a criança não tem comprometimentos graves, claros,

quase óbvios, os estudos de caso tipicamente realizados pouco

definem sobre as razões do insucesso da criança na escola. Ao

completá-los, o psicólogo, pouco havendo esclarecido através

de seus exames, termina por usar seu bom senso, considerando

as conseqüências do encaminhamento ou não a uma escola

es-pecializada

e

lembrando que uma' ludoterapia e exercícios de

línquaqern ou psicomotores só poderão beneficiar a criança.

É fácil reconhecermos que as informações necessárias

para uma compreensão profunda das dificuldades de

aprendi-zagem apresentadas por uma criança não são oferecidas por

testes que, apenas estudam diferenças individuais. Ainda que

se considere não' apenas o 01, como também os resultados es·

coiares e a oerforrnance em testes específicos (pedagógicos,

106

FEDCBA

R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (i): jan.fjun., 1986

psicomotores etc.I, devemos lembrar que a natureza da

infor-mação oferecida por todos esses testes é a mesma -

estare-mos sempre tentando formar uma imagem da criança a partir

de sua situação com relação ao grupo. Existem psicólogos,

en-tretanto; que, insatisfeitos com aquilo que os testes oferecem,

começam a refletir e a acreditar que deve, existir uma outra

forma, melhor do que esta, para o estudo da inteligência e das

dificuldades de aprendizagem.

Em contraste com esse modelo da inteligência como

fa-culdade mental, a psicologia cognitiva contemporânea propõe

urna abordagem para o estudo da inteligência concebida em

termos da operação de processos mentais. Ouando uma

crian-ça se envolve na resolução de determinada tarefa, ela precisa

saber buscar as informações necessárias à realização da

ta-refa e saber processá-Ias de "modo apropriado". Esse modo

apropriado refere-se às mais diversas formas de

funcionamen-to. Assim, um modelo de inteligência como operação de

pro-cessos mentais sugere que, para se compreender o sucesso

ou fracasso de um sujeito numa tarefa, é essencial

conhecer-mos o modo pelo qual o sujeito busca e processa informações

ao realizar a tarefa. Conhecer

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

c o m o o sujeito resolve as

situa-ções, e não apenas computar os seus acertos e erros. O

psi-cólogo cognitivo em seu trabalho com a criança está

interes-sado nos processos mais do que nos resultados, visto que

diferenças no nível de desenvolvimento cognitivo estão

asso-ciados a diferentes e típicos modos de buscar e processar

in-formações.

, No caso das dificuldades da aprendizagem, o

conhecimen-to das diferencas decorrentes do desenvolvimento é

certamen-te de grande útilidade. Para citar apenas o exemplo mais

co-nhecido, sabemos que as noções de conservação, seriação e

inclusão de classes são essenciais à compreensão de sistema

numéricos. Embora a criança possa aprender a contar, su

aprendizagem dos mais elementares aspectos da matemáticn

não progride na ausência desses conceitos.

.!

A utilização clínica dessa concepção de intellqêncln 111

plica, portanto, não na utilização de testes de inteligên 10, 111 ,

no

exame de processos mentais necessários à ex eu lCl

cI,

.tarefa em questão, do m o d u s o p e r a n d i da criança <1I11I1HII1 '"

volvida 'em tarefas que exigem dela os mesmo. pWf.l 11

envolvidos na área em que, ela' apresenta difi 1I1e1 111, I I

exames ,buscam compreender as dificuldades [lIt:

li,

I 111

(11)

a criança apresenta no seu processo de aprendizagem. Atrasos

n~ desenv.olvimento ou falhas em alguns dos processos

men-tais da criança podem resultar em dificuldades na realização

de tarefas tanto na escola como em situações da vida diária.

Cabe ao_psicólogo cognitivo, dentro dessa concepção, avaliar

a exten.sao do comprometimento que a criança apresenta e

bus-car meros de desenvolver a função comprometida.

A abordagem psicométrica está interessada apenas nos

resultados (acertos e erros) e assim, uma das questões que

perman~cem obscuras é a razão pela qual o sujeito acerta

alguns Itens e erra outros itens do mesmo teste. A atribuição

do acerto ou do erro à dificuldade do item pouco esclarece

sobre. a questã? de como se poderia examinar os processos

mentais envolvidos na resolução do item. Enquanto tais

con-siderações não são feitas dentro da abordagem tradicional

psico~~trica, elas se tornam essenciais quando o diagnóstico

se apoia numa abordagem cognitiva. Na abordagem

pslcorné-trica perdem-se informações sobre as possíveis causas do erro

quando o que é considerado ao final do exame é o escore do

sujeito e a sua posição em relação ao grupo, e não os processos

~entais necessários à execução da tarefa. Um exemplo disso

e o caso em que a criança dá a resposta certa a uma questão,

mas utiliza um raciocínio inadequado. Na psicometria tal

ques-tão seria considerada correta independente do raciocínio que

a criança utilizasse para resolvê-Ia e seria "tão correta"

quan-to a resposta de outra criança ao mesmo item que acertava

tanto a resposta quanto o raciocínio para resolvê-Io. Na

abor-dagem cognitiva considera-se o tipo de acerto e o tipo de erro

que a criança apresenta de forma qualitativa e os dois casos

exemplificados seriam considerados como indicadores de

ní-veis diferentes quanto aos processos mentais utilizados por

cada uma das crianças. Em contraste com o exame

psicomé-trico, vemos que o diagnóstico da inteligência através do

estu-do de processos cognitivos não se fundamenta na padronização

das situações apresentadas ao sujeito ou na padronização da

correção e interpretação dos resultados do teste com

referên-cia a uma posição no grupo. Ainda que o psicólogo interessado

no estudo de processos mentais possa incluir em seus

traba-lhos uma avaliação do desenvolvimento cognitivo como uma

espécie de "exame de rotina", essa avaliação do

desenvolvi-~e~to c~gnitivo não será padronizada nem no que diz respeito

a ~Itu~ça? apresen,tada a? s~jeito nem no que se refere

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

à

pró-pria técnica. O metodo e clínlco em contraste com o método

psicométrico e a escolha dos exames e os procedimentos

de-108

FEDCBA

R e v , d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986

pende do processo que se quer estudar e das próprias

respos-tas do sujeito (suas justificativas).

Nessa concepção de diagnóstico da inteligência, a

situa-ção apresentada à criança varia em função das dificuldades

específicas que ela apresenta. Por exemplo, uma criança de 8

anos com dificuldades na área de leitura, será tratada

diferen-temente de uma outra criança também de oito anos, porém, com

dificuldades na área de matemática: no 1.° caso o exame estará

voltado especialmente para a investigação de aspectos

rela-cionados à leitura e escrita, compreensão de narrativas etc.;

no segundo caso serão investigados o raciocínio lógico e os

processos relacionados às operações matemáticas. Na

pslco-metria, não se considera a área de dificuldades que a criança

apresenta; o psicólogo em função da idade aplica o mesmo

teste às crianças com problemas diferentes, tratando-as igual

no tocante à forma de investigação.

Na abordagem cognitiva a padronização restrita dos

exa-mes é desnecessária, pois, durante a aplicação dos exames I)

psicólogo procura acompanhar o raciocínio da criança em sua

realização da tarefa. O examinador assume papel

extremamen-te ativo (em contrasextremamen-te com o examinador na abordagem

pslco-métrica), apresentando perguntas, levantando hipóteses sobre

o raciocínio da criança, criando novos problemas para melhor

investigar as bases e a forma de raciocínio do estudo,

discor-dando do que ele diz e argumenta no sentido oposto, para

cons-tatar a certeza que o sujeito tem quanto às suas respostas e

justificativas. É evidente que tais confrontos, ainda que

utili-zados habitualmente, não podem ser totalmente padronizados,

pois o conteúdo do que o examinador deverá dizer depende

essencialmente da resposta da criança.

No tocante à avaliação, podemos constatar diferenças

mar-cantes quanto à abordagem cognitiva e a psicométrica no

diag-nóstico de dificuldades de aprendizagem. Quando o diagnóstico

se baseia no estudo dos processos cognitivos, a avaliação das

respostas não constitui uma simples contagem de acertos e

erros nos diversos itens. O examinador procura compreender a

maneira de operar do sujeito de forma que a partir dos acertos

e erros possa inferir qual a perspectiva da criança. A

informa-ção que se deseja obter ao final do exame é a descriinforma-ção dessa

perspectiva, desse

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m o d u s o p e r a n d i, e não um escore

relacio-nado ao número total de acertos (sob forma de percentagens,

médias, medianas ou medidas de dispersão).

(12)

o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

estudo cuidadoso dos processos utilizados pelo sujeito

ao desempenhar a tarefa em que ele apresenta dificuldades

re-p~esenta o prim.eiro. passo do próprio diagnóstico, gerando

hl-póteses _a resp~lto da problemática do sujeito, hipóteses essas

que ~?rao avalla?as mediante outros exames dos processos

coqnítlvos da criança. Ouando os exames realizados para o

estudo dos processos cognitivos envolvidos permitem

escla-rec~r al~o ~obre as dificuldades que a criança apresenta, então

0. diagnostico dessas dificuldades torna-se não apenas mais

simples, torna-se possível.

Ao final do diagnóstico, podemos constatar que o

psicó-logo qu~ trabalh~ numa abordagem cognitiva possui em mãos

u~ ~onJunto de informações bastante diferente daquele que o

pSlc~logo, q~e adota o método psicornétrlco possui no tocante

ao. dlag!,o~tlco de problemas de aprendizagem. A· abordagem

pstcornetrlca permite ao clínico definir o cliente com relação

a _u~a população específica, obter um 01 quanto a sua

inteli-qencra sem, no entanto, esclarecer qual o nível requerido para

res~lver as ~arefa~ nas quais o cliente apresenta dificuldades.

As mformaçoes nao especificam a área da dificuldade e nem

WVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

c o m o ~ p o r q u e elas existem. Na abordagem cognitiva,

entre-tanto: e p.o~sível definir que processos cognitivos estão

liga-dos as dificuldades de aprendizagem, caracterizar níveis de

desenv?lyimento na forma de resolução da tarefa, tendo-se,

sem du.vlda, um co~junto de informações de c o m o e p o r q u e

elas e~~stem. A maior diferença entre as duas abordagens, e

consequentemente, a maior contribuição é a possibilidade de

na, ~e~ordem cognitiva, obter-se indicadores dos caminhos te~

rapêutícos e a seguir de acordo com a função lesada ou em

atraso.

De posse do diagnóstico e, a partir dele, estabelecidos

~a.m.inhos terapêuticos a seguir, o psicólogo cognitivo poderá

mlcl~r um trabalho ~e terapia de problemas cognitivos que

bas.ela-se n~ co.nstruçao de atividades e situações que dão

opor-tunidades a criança para que seu raciocínio lógico seja

esti-mula~o a _se desenvolver. Nessa terapia a criança é colocada

e~ slt.uaçoes nas quais é solicitada a manipular e explorar uma

diversidade de materiais concretos, observar acontecimentos

formular .hipóteses, comprová-Ias, ser colocada em situaçõe~

que permitam constatar as incoerências e contradições de seus

argumentos na tentativa de explicar determinado fenômeno

fazer estimativas e predições, extrair conclusões etc. A cad~

etapa superada são propostas novas situações e experiências

110

FEDCBA

R e v . d e P s i c o l o g i a , Fortaleza, 4 (1): jan.jjun., 1986

que estimulam níveis mais avançados de seu raciocínio. Podem

ser realizadas retestagens cujos resultados são comparáveis e

novas hipóteses são lançadas, bem como surgem novos

ca-minhos terapêuticos a seguir, com o objetivo de estimular o

desenvolvimento do raciocínio da criança e, em especial,

pro-mover a superação das dificuldades de aprendizagem

cons-tatadas.

COMENT ARIOS FINAIS

Os modelos e métodos nas abordagens psicométríca e

cognitiva quanto ao diagnóstico de inteligência são

perspec-tivas diferentes em relação ao estudo de um mesmo problema.

O que precisamos questionar não é validade ou não validade

desta ou daquela abordagem, mas refletir sobre o tipo de

infor-mação obtido através de seus métodos e sobre o tipo de

con-tribuições quanto às linhas terapêuticas a serem adotadas

fren-te às dificuldades apresentadas pelo cliente, a partir de cada

uma dessas abordagens. Ao discutirmos a utilidade clínica

dessas duas abordagens no diagnóstico de problemas de

aprendizagem, procuramos salientar que na psicometria

perde-mos informações importantes quanto à compreensão do

funcio-namento intelectual do sujeito e que' ao lidarmos com os

pro-blemas de aprendizagem acreditamos ser mais útil a análise

dos processos cognitivos do que de escores. Na psicometria,

os testes nos revelam apenas o 01 do sujeito, o que vem a ser

uma informação vaga que em nada esclarece ou contribui para

é1 solução das dificuldades de aprendizagem. Através do

mé-todo clínico o psicólogo pode obter informações específicas

valiosas sobre o raciocínio do cliente, pertinentes aos

proble-mas que comprometem sua aprendizagem. As diferenças

apre-sentadas entre essas duas abordagens evidenciam maneiras

diferentes de conceber e estudar a inteligência, o que torna-se

o ponto básico e a origem das diferenças metodológicas

apon-tadas.

Resumindo, podemos dizer que as medidas tradicionais

de habilidades mentais pressupõem que todos os indivíduos

são dotados com diferentes formas ou quantidades dessas

ha-bilidades e são tais diferenças que se quer colocar em relevo.

O interesse pelas diferenças inidividuais em função da

con-cepção de habilidades mentais como "dons" que os indivíduos

possuem em maior ou menor grau resulta na elaboração de

vários testes com conteúdos diferentes que buscam evidenciar

(13)

diferentes tipos de habilidades ou mesmo um fator geral de

Inteligência. Sejam considerados o fator geral de inteligência

ou as habilidades específicas, o que existe é um esforço em

avaliar quantitativamente a inteligência, decorrendo daí o uso

de uma metodologia onde os resultados dos itens são

soma-dos, dando-se escore final. O escore é tomado como medida

de valor de uma habilidade, faculdade ou aptidão, havendo

ên-fase nas correlações entre teste e reteste, indicando a

expec-tativa de que tais diferenças permaneçam estáveis através do

tempo (Carraher, 1983).

A teoria piagetiana, por sua vez, procura estudar aspectos

universais e não características individuais. As respostas

cor-retas não são somadas, visto não existir uma noção de

corres-pondência entre escores e quantidade de inteligência. Todas

as respostas, corretas e incorretas, são interpretadas com a

finalidade de se compreender o processo que as gerou. As

diferenças não são consideradas como indicadoras da

quanti-dade de inteligência mas como indicadores do estágio no

desen-volvimento intelectual em que o examinando se encontra. Se

o mesmo indivíduo for reavaliado algum tempo depois, não

se espera que ele tenha resultados semelhantes aos da

pri-meira avaliação, pois, ele poderá ter passado para outro estágio

no desenvolvimento. Entretanto, a psicologia piagetiana não

nega a existência de diferenças individuais, mas as concebe

diferentemente da psicometria. As diferenças individuais

sur-gem como conseqüência das adaptações específicas que cada

um realiza durante sua história.

Existem. portanto, formas diferentes de se conceber e

tra-tar a inteligência: cabe-nos definir claramente nossas

concep-ções e orientar nossa atuação coerentemente com essas

con-cepções e com nossos objetivos.

REFER!;NCIAS BIBlIOGRAFICAS

srqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

CARRAHER, T. N. & BRITO, L. F. M odelos e M étodos do Diagnóstico da

Inteligência,

FEDCBA

i n : Carraher, T. N. P s i c o l o g i a C l í n i c a e P s i c o t e r a p i a , Belo

Horizonte, Interlívros, J (2): 13-26, 1979.

CARRAHER, T. N. O M é t o d o C l í n i c o : u s a n d o o s e x a m e s d e P i a g e t .

Petró-polis. Ed. Vozes, 1983.

CARRAHER, D. W . Educação Tradicional e Educação M oderna, i n :

CAR-RAHER, T. N. (org.). A p r e n d e r P e n s a n d o , Recife, Secretaria de

Edu-cação do Estado de Pernambuco, 1983.

112 R e v . d e P s i c o l o g i a ,Fortaleza, 4 (1): jan,/jun., 1986

M AYER. R. C o g n i ç ã o e A p r e n d i z a g e m H u m a n a . São Paulo, Ed. Cultrix, 1 81.

PIAGET. J. & INHELDER, B. A P s i c o l o g i a d a C r i a n ç a . Rio de Janeiro.

Zahar Editores, 1982.

----o

P s i c o l o g i a d a I n t e l i g ê n c i a . Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1983.

~ . A F o r m a ç ã o d o S l m b o l o n a C r i a n ç a . Rio de Janeiro, Zahar

Edi-tores, 1978.

----o A C o n s t r u ç ã o d o R e a l n a C r i a n ç a , Rio de Janeiro, Zahar

Edi-tores, 1979.

rURNER, J. D e s e n v o l v i m e n t o C o g n i t i v o . Rio de Janeiro, Zahar Editores,

1976.

Referências

Documentos relacionados

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

Era de conhecimento de todos e as observações etnográficas dos viajantes, nas mais diversas regiões brasileiras, demonstraram largamente os cuidados e o apreço

A prática resultante desse processo não visava ser apenas uma organização da temática indígena nas aulas de artes, mas uma forma de procedimento pautada em

Com intuito, de oferecer os gestores informações precisas atualizadas e pré-formatas sobre os custos que auxiliem nas tomadas de decisões corretas, nos diversos

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Estudos epidemiológicos têm demonstrado forte associação entre o sedentarismo e a presença de fatores de risco cardiovascular como hipertensão arterial, resistência à

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Este estágio de 8 semanas foi dividido numa primeira semana de aulas teóricas e teórico-práticas sobre temas cirúrgicos relevantes, do qual fez parte o curso