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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO CAMILA MEDEIROS RÊGO

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(1)

FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO

CAMILA MEDEIROS RÊGO

A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE

(2)

A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE

LIBERDADE

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Gradução em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral.

FORTALEZA

(3)

Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária

Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

R267m Rêgo, Camila Medeiros.

A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE / Camila Medeiros Rêgo. – 2017.

56 f.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2017.

Orientação: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral.

1. Lei nº 7.210/84. 2. Execução Penal. 3. Mulheres. 4. Cárcere feminino. 5. Regras de Bangkok. I. Título.

(4)

A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE

LIBERDADE

Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em _____/_____/________.

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________ Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

______________________________________________ Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque

Universidade Federal do Ceará (UFC)

____________________________________________ Mestranda Vanessa de Lima Marques Santiago

(5)

Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Karina e Adriano, pelo amor,

atenção e estímulo que me oferecem diariamente. Obrigada pelo suporte que

possibilitou cada passo na minha formação.

Agradeço às minhas avós, Hilda e Aurélia, pelo carinho, os conselhos e os

bons momentos.

Agradeço aos meus avôs, Castro e Francisco, pela confiança e o apoio.

Agradeço ao meu companheiro Cardoso, que acompanha diariamente

cada momento da minha jornada, sempre me incentivando e proporcionando os

melhores momentos.

Agradeço a toda a minha família, pelo carinho e a constante torcida.

Agradeço ao Núcleo Especilizado em Execuções Penais (NUDEP), por

possibilitar o contato com a execução penal e pelo auxílio na produção do trabalho.

Agradeço ao Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC) e ao

Coletivo Conteste, que proporcionaram grande parte da minha formação e me

encorajaram a continuar nessa caminhada. Também agradeço às pessoas mais

próximas que eles me trouxeram: Carol, Gláucia, José Maria, Eduardo, Melka e

Breno.

Agradeço às amigas Camilla e Gabriellen, que me acompanham desde os

primeiros anos de vida até hoje; aos amigos Fernando, Filipe, Rebecca, Hiro e André

pelos momentos de diversão, pump e conversas sérias; e também a todos os

amigos que fazem ou já fizeram parte da minha vida.

Agradeço ao Professor Gustavo Cabral, pela orientação neste trabalho.

Agradeço ao Professor Newton Albuquerque e à Mestranda Vanessa, por

aceitarem o convite de compor a banca.

Por fim, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma para que

(6)

O objetivo da presente monografia consiste em analisar os direitos das mulheres

presas na Lei nº 7.210/84 - Lei de Execução Penal, observando sua aplicação, as

previsões específicas para elas e outros institutos pertinentes à execução de penas

privativas de liberdade para as mulheres, o indulto e a Lei nº 13.434/17. A realidade

do cárcere feminino possui diversas especificidades: além de compartilharem muitos

dos problemas enfrentados pelos homens presos, também encaram as suas

próprias dificuldades. Assim sendo, por meio de pesquisa bibliográfica e documental,

além da análise da legislação pertinente, buscou-se verificar quais são essas

especificidades e como o direito nacional e internacional as tratam. Como resultado,

percebe-se, pelas Regras de Bangkok, criadas em 2010, uma preocupação

internacional com o desencarceramento de mulheres e com a garantia de melhores

condições de cumprimento de penas privativas de liberdade para elas. Em âmbito

interno, poucas foram as previsões específicas para as mulheres encarceradas

encontradas, sendo a maioria delas relacionada à maternidade. Conclui-se que a

legislação brasileira relativa à execução penal ainda relaciona a mulher apenas à

maternidade, deixando de observar as diversas singularidades e a luta das mulheres

por igualdade.

(7)

The objective of the study is to analyze the imprisoned women's rights provided by

Law No. 7.210/84 - Penal Execution Law, being observed its application, the

especific predictions for them and other relevant institutes to the execution of

custodial sentences for women, the act of grace and the Law No. 13.434/17. The

reality of female jail is composed by many specificities: besides the incarcerated

men's problems that they also face, they have their own difficulties. Therefore, per

bibliographic and documentary research, beyond the analysis of the pertinent law, it

was sought to verify which are the specificities and how does the law manages them.

As a result, it's perceived through Bangkok Rules that there's an international worry

about desincarceration of women and about the existence of better conditions for the

women serving prision sentences. In domestic law, there are few specific provisions

for women, and most of them are related to maternity. It is concluded that brazilian

penal execution legislation still connects women just to maternity, and doesn't

observe other specificities and women's struggle for equality.

(8)

1 INTRODUÇÃO...9

2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ACERCA DA EXECUÇÃO PENAL...11

2.1 Objeto e natureza...11

2.2 Princípios da execução penal...12

1.2.1 Princípio da humanidade...13

1.2.2 Princípio da legalidade...14

1.2.3 Princípio da proporcionalidade...15

1.2.4 Princípio da individualização da pena...16

3 CÁRCERE FEMININO...18

3.1 Sociedade patriarcal e trajetória de marginalização e violência das mulheres antes do cárcere...19

3.2 Encarceramento de mulheres...23

3.2.1 Crescimento da população carcerária feminina...23

3.2.2 Superlotação e violação de direitos...24

3.3 Quem são as mulheres presas no Brasil?...25

3.3.1 Motivo da prisão...25

3.3.2 Raça/cor/etnia...26

3.3.3 Faixa etária...26

3.3.4 Escolaridade...27

3.4 Especifidades das mulheres...27

3.4.1 Dupla estigmatização...27

3.4.2 Visitas íntimas e de familiares...29

3.4.3 Mães encarceradas...30

3.5 Regras de Bangkok...31

4 A EXECUÇÃO PENAL PARA AS MULHERES ENCARCERADAS...34

4.1 Tratamento destinado às mulheres pelas ciências criminais...34

4.2 Direitos previstos na LEP para todos os presos e presas...36

4.3 Previsões específicas para mulheres na Lei de Execução Penal...42

4.3.1 Estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal...42

4.3.2 Assistência à saúde...43

4.3.3 Ensino profissional adequado à sua condição...43

(9)

4.3.6 Unidade dotada de seção para gestante e parturiente e de creche....46

4.4 Outras previsões...47

4.4.1 Uso de algemas...47

4.4.2 Indulto e comutação de penas por ocasião do Dia das Mães...47

(10)

1 INTRODUÇÃO

A partir de experiência de estágio em execução penal na Defensoria

Pública Geral do Ceará, observando a enorme demanda em relação aos homens e o

pouco acompanhamento pelos familiares dos processos das mulheres presas, viu-se

a necessidade de estudar a realidade das mulheres que cumprem penas em

unidades prisionais.

A Constituição Federal (CF) em seu art. 24, inciso I, determina que

compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre

direito penitenciário (ou de execução penal), estando em vigor atualmente a Lei nº

7.210/84. Nos termos do art. 1º da Lei, "a execução penal tem por objetivo efetivar

as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a

harmônica integração social do condenado e do internado".

A execução penal, conforme Zaffaroni (2011), se diferencia dos demais

ramos do direito, pois:

As sanções que correspondem a outros ramos do direito, devido a seu caráter reparador, são de fácil execução. Assim, uma indenização civil se faz efetiva mediante uma ação de indenização e/ou de execução que o próprio direito processual civil prevê, e que é levada a cabo por funcionários que dependem, administrativamente, do próprio Poder Judiciário. A execução da pena, ao contrário, devido à sua intenção punitiva, apresenta uma enorme complexidade, particularmente quando se trata de penas privativas de liberdade, o que tem motivado um grande desenvolvimento de seu regramento legal.

Apesar de toda a sua extensão e complexidade, a execução da pena

ainda é um tema pouco debatido, não sendo inclusive abordado como matéria em

graduações de direito reconhecidas no país. Nesse sentido, Buglione (2007)

observou que

Tomando por base a vasta literatura acadêmica sobre temas de direito penal e processual penal, principalmente no que diz respeito à entrada de um novo sujeito no sistema punitivo, a execução penal é um tema ainda pouco debatido e explorado, principalmente quando observado sob a perspectiva de gênero.

Assim, se pouca é a atenção dada aos homens presos, menor ainda é

para as mulheres em tais condições, que enfrentam violações de direitos

diariamente. As presas sofrem dupla estigmatização em uma sociedade patriarcal:

(11)

Historicamente, o homem dominou o espaço público, sempre colocando

as mulheres em uma posição inferior. Então, "essa segregação se fixou histórica,

econômica e politicamente, formando-se diferentes papeis sociais para homens e

mulheres", o que consiste na discriminação de gênero e na permanência dos

homens no poder (LOPES; ANDRADE, 2010).

Nesse contexto, “gênero é uma categoria de análise social que serve para

determinar 1. os papéis sociais historicamente construídos e 2. os valores

agregados a cada papel, resultando em desigualdade”. (BUGLIONE, 2007).

Assim, nota-se a importância de se estudar os direitos das mulheres que

cumprem penas privativas de liberdade, afinal, Buglione (2007), lembrando os

ensinamentos de Zaffaroni, observa que a falta ou insuficiência de estudos sobre

determinado aspecto do poder punitivo contribuem para as perversidades que

ocorrem diariamente no âmbito do sistema penal.

O objetivo do trabalho consiste em analisar os direitos das mulheres

presas na LEP, as previsões específicas para elas e outros institutos pertinentes à

execução de penas privativas de liberdade para as mulheres, por meio de pesquisa

bibliográfica, legislativa e documental.

No capítulo um do trabalho, serão observadas algumas disposições

constitucionais acerca da execução penal, o conceito, a natureza e os princípios.

No capítulo dois do trabalho, será realizada uma breve análise da

realidade carcerária feminina, observando-se o perfil socioeconômico das mulheres

presas e suas especificidades. Além disso, serão exploradas as Regras das Nações

Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de

Liberdade para Mulheres Infratoras, também chamadas Regras de Bangkok.

No capítulo três, serão analisadas as previsões específicas para as

mulheres encarceradas na Lei de Execução Penal (LEP). Ademais, será destacada

também a importância da Lei nº 13.434 para as mulheres grávidas e do Decreto de

12 de abril de 2017, que concede indulto especial e comutação de penas às

(12)

2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ACERCA DA EXECUÇÃO PENAL

2.1 Conceito e natureza

Execução penal é a fase do processo penal na qual há o cumprimento do

estabelecido na sentença condenatória penal, que é um título executivo judicial. É

imposta, então, ao condenado, a pena privativa de liberdade, a restritiva de direitos

ou a pecuniária (NUCCI, 2013).

Difere de outros processos de execução, pois nele se efetiva a pretensão

punitiva do Estado. Normalmente é iniciado de ofício pelo juiz e não há necessidade

de nova citação, haja vista que o réu já foi intimado da sentença condenatória,

momento em que pôde exercer o direito de recorrer (NUCCI, 2013).

A natureza da execução penal, em sua origem, era classificada pela

doutrina como administrativa, com base na separação de poderes de Montesquieu.

Com o passar dos anos e com a tendência jurisdicionalizante pós-Segunda Guerra,

foi-se abandonando tal concepção (ROIG, 2017). Na Itália, essa tendência de

abandono de se considerar como administrativa a natureza da execução penal se

evidencia com o Código de Processo Penal de 1988; em Portugal, com a previsão

de intervenção direta da magistratura; em diversos países, com muitas outras

manifestações e projetos, como Código de Execução das Penas polonês de 1969 e

a Lei Penitenciária Nacional argentina, de 1958. (MIRABETE, 2007)

Atualmente a doutrina divide-se em duas concepções: uma delas

considera como mista a natureza da execução penal, sendo esta, ao mesmo tempo,

administrativa e jurídica; a outra considera apenas como jurisdicional a natureza do

ramo.

Para a corrente mista, apesar de o processo de execução se desenvolver

em âmbito judicial, muitos aspectos dependem da esfera administrativa (ROIG,

2017). Rodrigo Duque Estrada Roig cita posicionamento de Ada Pellegrini Grinover

nesse sentido: "não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se

desenvolve entrosadamente nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se

desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o

Executivo". Ainda nesse sentido, Júlio Fabbrini Mirabete (2007): "a natureza jurídica

da execução penal não se confina no terreno do direito administrativo e a matéria é

(13)

penal e o direito processual".

A outra concepção considera que a execução penal possui natureza

apenas jurisdicional. Conforme Rodrigo Roig, essa posição está em maior harmonia

com a Constituição Federal de 1988. Segundo ele, atos de administração tem

relação com interesse do Estado e com a satisfação de suas pretensões; já os atos

de jurisdição são caracterizados por composição de conflito de pretensões. Dessa

forma,

Pensar a execução como atividade administrativa significa dar margem à imposição do interesse estatal sobre o individual, pretensão esta inclinada à satisfação de pretensões retributivo-preventivas. Por outro lado, enxergar a execução penal como atividade de natureza jurisdicional significa em primeiro lugar assumir que não pode haver prevalência do interesse estatal sobre o individual, mas polos distintos de interesse (Estado e indivíduo), cada qual refletindo suas próprias pretensões (retributivo-preventiva e libertária, respectivamente). Em segundo lugar, significa reconhecer que todos os atos executivos, mesmo aqueles administrativos de origem, sempre serão sindicáveis pela Jurisdição (ato de justiça formal e substancial, não de administração). (ROIG, 2017, p.116-117)

No próprio texto da Lei de Execução Penal, há previsão de que o

procedimento será judicial (art. 194), bem como que "a execução penal competirá ao

Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da

sentença", previsão do art. 65. Assim, a mera existência de atividades de natureza

administrativa durante a execução da pena não altera sua natureza jurisdicional

(ROIG, 2017).

De qualquer forma, é indiscutível que deve existir

Um conjunto de normas positivas que se referem aos diferentes sistemas de penas; aos procedimentos de aplicação, execução ou cumprimento das mesmas; à custódia e tratamento; à organização e direção das instituições e estabelecimentos que cumprem com os fins da prevenção, repressão e habilitação do delinquente. inclusive aqueles organismos de ajuda social para os internados e liberados (PETTINATO apud ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009).

2.2 Princípios constitucionais na execução penal

O Direito Penal, após a propagação das ideias de igualdade e liberdade,

características do Iluminismo, recebeu um tratamento formal menos cruel do que no

Estado Absolutista, com a integração de princípios limitadores do poder punitivo

estatal nos ordenamentos jurídicos. Estes podem ser chamados de Princípios

(14)

estão amparados pela Constituição Federal de 88. (BITENCOURT, 2013).

A execução da pena no Brasil é norteada por princípios previstos na

Constituição Federal de 1988, no Código de Processo Penal, no Código Penal, na

Lei de Execução Penal e nos Tratados e Convenções internacionais. Rodrigo Duque

Estrada Roig (2017), por meio de uma visão penal-constitucional moderna, explica

que os princípios não possuem mais caráter meramente programático, sendo

compostos por força normativa, tornando inválida qualquer norma que viole os

princípios que compõem nosso ordenamento jurídico.

Os princípios que regem a execução penal são verdadeiros limitadores do

poder punitivo estatal sobre as pessoas. Dessa forma, por serem uma garantia de

proteção do indivíduo, não podem ser utilizados para restringir direitos das pessoas

presas, muito menos para justificar maior punição. Além disso, a interpretação dos

princípios no caso concreto de execução da penal deve sempre ser em benefício do

condenado, ampliando o exercício de direito, liberdade ou garantia, em consonância

com preceito contido no art. 29, itens 2, da Convenção Americana de Direitos

Humanos e no art. 5º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ROIG,

2017).

Conforme Bitencourt (2013), "toda a atividade estatal é sempre vinculada

axiomaticamente pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos".

A seguir serão explorados alguns princípios relativos à execução penal

que se consideram mais pertinentes para o presente trabalho, sem que signifique

menor importância de outros, como devido processo legal, contraditório, duplo grau

de jurisdição etc, que também são muito caros para a aplicação da pena.

2.2.1 Princípio da Humanidade

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado

Democrático de Direito trazidos pela Constituição da República Federativa do Brasil

de 1988, constituindo uma das principais bases do princípio da humanidade, reflexo

do movimento expansionista dos direitos humanos iniciados no pós-Segunda

Guerra. Conforme Bitencourt (2013), para Maria Garcia, dignidade da pessoa

humana é a "compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica,

como auto-determinação consciente, garantida moral e juridicamente".

(15)

constitucionais e de execução penal e serve como base para que todos os direitos

individuais sejam erguidos e sustentados. (NUCCI, 2017).

Há dois prismas para o princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana: objetivo e subjetivo. Sob o aspecto objetivo, significa a garantia de um mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, nos moldes fixados pelo art. 7.º, IV, da CF. Sob o aspecto subjetivo, trata-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano, desde o nascimento, em relação aos quais não cabe qualquer espécie de renúncia ou desistência. (NUCCI, 2017).

Esse é o princípio que torna inconstitucional qualquer possibilidade de

prisão perpétua ou pena de morte, além de firmar que o poder punitivo do estado

não possa aplicar penas que atinjam a dignidade da pessoa humana (ZAFFARONI;

PIERANGELI, 2009).

Contudo, a pena pode não ser desumana em abstrato, mas ser cruel no

caso concreto, dependendo da situação da pessoa. Questiona-se se é possível que

o juiz ajuste a pena no caso concreto para que seja observado o princípio da

humanidade. Zaffaroni e Pierangeli (2009) entendem que, nesse caso, tal princípio

"tem vigência absoluta e que não deve ser violado nos casos concretos, isto é, que

deve reger tanto a ação legislativa - o geral - como a ação judicial - particular -, o

que indicaria que o juiz deve ter o cuidado de não violá-lo [...]."

O princípio da humanização da pena, na Constituição Federal, pode ser

encontrado no art 5º, XLVII, que dispõe que: "não haverá penas: a) de morte, salvo

em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c)

de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis."

2.2.2 Princípio da legalidade

No âmbito penal, o princípio da legalidade, previsto no art 5º, XXXIX, da

CF, e no art. 1º do Código Penal (CP), determina que "não há crime sem lei anterior

que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".

O princípio geral da legalidade, também chamado de princípio de reserva

legal, está disposto no art. 5º, II, da CF, segundo o qual "ninguém será obrigado a

fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", e completa a

(16)

habilitem o poder punitivo, mas isso não é uma presunção de que "a jurisprudência

não pode limitar o poder punitivo, ao reduzir a termos racionais o alcance

meramente semântico da lei, ou de que a doutrina não pode propor às agências

judiciais essa redução". (ZAFFARONI, 2011).

Uma das garantias jurídicas que decorrem do princípio da legalidade é a

garantia executiva, que, na doutrina, é chamada de princípio de legalidade da

execução penal. Esta decorre do princípio nulla poena sine lege (nula a pena sem

lei) e consiste no ajustamento da atividade penitenciária ao estabelecido na lei, nos

regulamentos e nas sentenças judiciais, não sendo admitido que o condenado seja

submetido a restrições não contidas na lei. (MIRABETE, 2007).

Assim, conforme leciona Bitencourt (2013), "o princípio da legalidade e de

reserva legal representam a garantia política de que nenhuma pessoa poderá ser

submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis formais que sejam

fruto do consenso democrático".

Ademais, na execução penal, o art. 45 da LEP estabelece o princípio da

legalidade, determinando que "não haverá falta nem sanção disciplinar sem

expressa e anterior previsão legal ou regulamentar". Isso deve garantir que, além da

existência da previsão legal das faltas e sanções, estas devem ser estritamente

interpretadas, apesar de que, muitas vezes, a aplicação de sanções disciplinares

permanece apenas no âmbito administrativo da unidade penal e é feita conforme a

discricionariedade dos agentes, sem observância de tal princípio.

O princípio da legalidade está previsto também na Declaração Universal

dos Direitos do Homem, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento

de Presos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, na

Convenção Americana de Direitos Humanos e no Conjunto de Princípios da ONU

para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou

Prisão, mostrando sua importância na contenção do discricionarismo na execução

da pena (ROIG, 2017).

2.2.3 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade pode ser depreendido na Constituição

Federal por diversos dispositivos, como a individualização da pena (art. 5º, XLVI), a

(17)

para infrações mais graves. O exame de seu respeito ou violação é feito com a

observação da necessidade e adequação da providência legislativa: a necessidade

diz respeito a atingir um determinado fim com meio menos gravosos; já a adequação

relaciona-se à possibilidade de atingir determinado fim por meio da providência

adotada (BITENCOURT, 2013).

No âmbito da execução penal, a proporcionalidade é um corretor de

iniquidades e, junto com a razoabilidade, evita excessos, por meio de institutos do

Direito Penal e Processual Penal. Um exemplo de aplicação do princípio na prática é

o uso de algemas, que deve ser medida excepcional, utilizada apenas quando

realmente necessário. Ademais, encontra-se uma violação do princípio no parágrafo

único do art. 49 da LEP, segundo o qual "pune-se a tentativa com a sanção

correspondente à falta consumada". É desproporcional punir tentativa de falta como

se consumada fosse, considerando a diferenciação que o próprio direito penal faz

em relação à tentativa e consumação (ROIG, 2017).

2.2.4 Princípio da individualização da pena

O princípio da individualização da pena procura levar em consideração as

especificidades da pessoa condenada, observando o crime cometido, a fim de

adequar o cumprimento da pena para cada um. "Por individualização se entende

aqui especialmente a individualização judicial, ou seja, a exigência de que a pena

aplicada considere aquela pessoa concreta à qual se destina". (BATISTA, 2002).

A CF traz em seu art. 5º, inciso XLVI, que "a lei regulará a individualização

da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação da liberdade; b) perda dos

bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão e interdição de direitos".

Além disso, o mesmo artigo, no inciso XLVIII, aduz que "a pena será

cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a

idade e o sexo do apenado", configurando também expressão do princípio da

individualização da pena.

Conforme Nilo Batista (2002), em observância ao princípio, examina a

co-culpabilidade, que consiste em levar em consideração a concreta experiência social

do preso, as oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi

ministrada, "correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade

(18)

A individualização da pena é observada em diversos momentos, sendo

um deles a execução da pena. Nessa fase, "as autoridades responsáveis pela

execução penal possuem a obrigação de enxergar o preso como verdadeiro

indivíduo, na acepção humana do termo, considerando suas reais necessidades

como sujeito de direitos" (ROIG, 2017).

Observando que o art. 5º, L, da CF, preceitua que "às presidiárias serão

asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o

período da amamentação", nota-se a importância que o princípio da individualização

da pena possui para as mulheres presas, que possuem experiência social e

(19)

3 CÁRCERE FEMININO

Desde a criação da instituição da prisão, considerou-se necessária a

separação entre homens e mulheres para que lhes fosse oferecido um tratamento

diferenciado: para os homens, seria oferecida uma perspectiva de legalidade e

trabalho; para as mulheres, de "pudor" (ESPINOZA, 2004).

Atualmente, a previsão de estabelecimento penal próprio para mulheres

encontra-se no art. 82 da Lei de Execução Penal:

Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.

§ 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal

§ 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.

Mesmo assim, no Brasil, ainda há mais estabelecimentos mistos, que

perfazem o total de 17%, do que exclusivamente femininos, que são apenas 7% do

total. (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2014)

A manutenção de mulheres em estabelecimentos mistos, além de gerar

maior possibilidade de violências sexuais e maior deficiência de políticas públicas

específicas para elas, dificulta a realização de pesquisas e de promoção de

visibilidade das presas.

Ainda são insuficientes as pesquisas e dados em relação às presas.

Apesar de poderem ser utilizados para análise do panorama geral da realidade

carcerária no Brasil, é indispensável apontar as limitações dos dados oficiais de

criminalidade, principalmente em relação às mulheres, sempre atingidas por uma

ainda maior marginalização do que a população carcerária masculina.

As mulheres, mesmo representando uma parcela pequena em relação à população carcerária masculina, são tratadas com certa indiferença, para não dizer com inferioridade, uma vez que, no ambiente penitenciário, elas não usufruem equitativamente do atendimento que é dispensado aos homens, que, por sua vez, já é muito precário. A impressão que se tem é de que, no cárcere feminino, o processo de ressocialização parece ser ainda mais complexo. (FRANÇA, 2014)

Conforme observa-se em diversas pesquisas em unidades prisionais pelo

Brasil, poucas são as violências denunciadas pelas mulheres que se encontram

(20)

presídios femininos do Rio de Janeiro, observaram certa resistência de algumas

presas em dar entrevistas por causa de um boato de que a diretora da unidade teria

percorrido os corredores para advertir as presas de que não falassem mal do

ambiente.

Contudo, sabe-se que muitos são os contrangimentos e as agressões

sofridos por elas dentro das unidades, tanto causados por funcionárias quanto por

outras detentas, além das violações de direitos decorrentes da estrutura física do

local e da falta de materiais necessários para o mínimo de dignidade humana.

Além disso, os números e porcentagens relativos às pessoas presas não

abordam o histórico de violências e abusos sofridos na vida anterior ao cárcere,

fatores que, pelo menos para as mulheres, influenciam diretamente no cometimento

de crimes, no seu comportamento na unidade prisional e na vida após a privação de

liberdade. São fatores relevantes na observância do cárcere feminino, apesar de não

constarem nos levantamentos e censos penitenciários existentes.

Ainda assim, os dados oficiais podem ser utilizados para traçar o tipo de

crime mais perseguido pelo sistema e o perfil de pessoas que mais se prende no

Brasil, bem como para observar algumas especificidades das mulheres

encarceradas em relação aos homens em mesma situação.

3.1 Sociedade patriarcal e trajetória de marginalização e violência das mulheres antes do cárcere

A violência é o uso da força física, psicológica ou intelectual para coagir

ou submeter outra pessoa a seu domínio, reprimindo-a física e/ou moralmente e

restringindo sua liberdade. A violência pode ser adjetivada de acordo com o agente

que a pratica, como a policial, social e estatal, ou de acordo com a população que

atinge, como a étnico-racial e a de gênero (TELES, MELO, 2002).

Como o gênero é uma classificação que observa as desigualdades

sociais, culturais e econômicas entre homens e mulheres causadas pela

discriminação histórica das mulheres (TELES, MELO, 2002), a violência de gênero

diz respeito à manutenção da posição de submissão das mulheres gerada pela

sociedade patriarcal. Heleieth Saffioti ensina:

(21)

mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo este necessidade de fazer uso da violência (SAFFIOTI, 2001).

No Brasil, um caso paradigmático de violência doméstica sofrido por uma

mulher, Maria da Penha Fernandes, deu origem a inúmeras discussões e à Lei nº

11.340/2006, também chamada de Lei Maria da Penha, que busca prevenir, punir e

erradicar a violência doméstica no país, nos termos do § 8º do art. 226 da CF, da

Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da

Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a

Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do

Brasil, conforme seu art. 1º.

A Lei Maria da Penha elencou, em seu art. 7º, algumas formas de

violência doméstica e familiar contra a mulher, o que foi importante para que se

observe que violência não é apenas física, mas também pode ser psicológica,

sexual, patrimonial, moral, entre outras:

Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras

I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,

constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;

III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;

IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,

instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas

(22)

V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Todas essas formas de violência contra a mulher ocorrem

majoritariamente dentro dos lares e causam enormes impactos em relação à sua

autoestima, o que comprova a importância de combatê-la. Conforme Alice Bianchini

(2014),

[...] as mulheres são assassinadas primordialmente no ambiente familiar, isto é, em suas casas (no domicílio), ao passo que os homens, em regra, são mortos na rua, ou seja, em razão da violência perpetrada por pessoas estranhas ao lar, sem vínculo afetivo (Mapa da Violência, 2012); ao todo, 68% das mulheres que procuraram o Sistema Único de Saúde em 2011 para tratar ferimentos disseram que o agressor estava dentro de casa. Em 60% dos casos, quem espanca ou mata é o namorado, o marido ou ex-marido.

Muitas das mulheres que estão presas cresceram em famílias

desordenadas e vivenciaram por muito tempo de suas vidas intensas violências,

tanto contra elas mesmas quanto contra outros. Conforme relatos escritos por

Drauzio Varella em seu livro "Prisioneiras" e por Aline Moura e Bárbara Almeida, em

seu livro intitulado "Auri, a anfitriã" sobre a penitenciária feminina do Ceará, também

são muito frequentes as histórias de vida de mulheres presas que envolvem abusos

sexuais e uso de drogas.

É certo que os homens presos também estão, na grande maioria, em uma situação de vulnerabilidade social anterior à prisão. Porém, no caso das mulheres, além de tal vulnerabilidade, muitas delas têm um histórico de violações perpetradas por seus pais, maridos e por uma sociedade cujo machismo latente as julga a partir daquilo que seria o “papel da mulher”. (PONTE, 2015).

A violência contra a mulher pode se manifestar também fora do lar. A

violência doméstica sempre foi a mais conhecida e debatida delas, mas, conforme

Saffioti, "a violência contra a mulher constitui fenômeno, de certo ângulo, mais amplo

que o da violência doméstica".

Assim, além da violência sofrida dentro do lar, mulheres também podem

sofrer violência simbólica pela mídia, que mostra um padrão de beleza ideal a ser

conquistado e objetifica as mulheres de diversas formas, como em propagandas que

as sexualizam.

É possível também que as violências físicas e sexuais ocorram fora do

(23)

sofrem abusos diariamente, tanto em suas casas quanto na rua.

A opressão de gênero quando somada à de classe e à racial pode causar

violências profundas, pois intensificam as já citadas anteriormente. Isso fica muito

evidente em relação ao mercado de trabalho, pois são maiores e inúmeras as

dificuldades de inserção para as mulheres, principalmente as não-brancas e pobres,

que compõem a maior parte do universo prisional feminino: elas ocupam cargos

mais precarizados, recebem menores remunerações, sofrem discriminação estética

e assédios sexuais.

Sobre as mulheres negras no mercado de trabalho, ressaltam Lúcia

Xavier e Jurema Werneck (2013) que "nossa representação está associada a

modalidades inferiorizadas de trabalho, especialmente nas categoriais do setor de

serviços, com ocupações braçais, sexuais ou reprodutivas especialmente" e que "no

que se refere ao rendimento médio dos ocupados, segundo cor/raça e sexo, a

disparidade é grande entre a mulher negra (R$ 760,27), o homem negro (R$

1.025,44), a mulher branca (R$ 1.437,64) e o homem branco (R$ 2.027,58)".

Essa é a realidade de violência que a maioria - senão todas - as mulheres

presas vivenciou antes do cárcere e continua vivenciando no cumprimento de suas

penas.

Conforme pesquisa de Bárbara Musumeci Soares e de Iara Ilgenfritz

(2002), “mais de 95% sofreram violência em pelo menos um destas três ocasiões:

na infância/adolescência, no casamento ou nas mãos da polícia; 75% foram

vitimadas em pelo menos duas dessas ocasiões; e 35% em todas as três ocasiões”.

Apesar de não haver nas pesquisas oficiais dados sobre a quantidade de

mulheres presas que já sofreram violências durante sua vida anterior ao cárcere,

pode-se observar, por meio de outros dados que serão aprofundados em tópico a

seguir, que a maioria dessas mulheres vem de uma realidade de marginalização da

sociedade, possuem baixa escolaridade, dificuldades financeiras, cresceram em

famílias desordenadas, são mães solteiras e vivenciaram inúmeras violências contra

a mulher. Nesse sentido, observou-se, no Levantamento Nacional de Informações

Penitenciárias - Infopen Mulheres de 2014, que

(24)

"O cárcere feminino exprime e revela as desigualdades de gênero

presente nos diferentes espaços sociais, mas que ganha maior proporção, se

considerarmos as desigualdades sociais, econômicas e étnico-raciais." (FRANÇA,

2014).

Assim, composto por mulheres provenientes de exclusão social e da

violência do patriarcado, o cárcere feminino possui uma enorme quantidade de

especificidades e diferenças de necessidades básicas a serem observadas pela

legislação, pelos juízes e autoridades políticas.

3.2 Encarceramento de mulheres

3.2.1 Crescimento da população carcerária feminina

Até a década de 80, no contexto do Brasil e de outros países da América

Latina, as prisões femininas eram tuteladas por instituições religiosas, que agiam a

fim de aplicar castigos e correção nas mulheres (DAROQUI; RANGUGNI apud

WOLFF; MORAES, 2010).

Com o passar dos anos, as mulheres começaram a ser inseridas no

sistema criminal e, em 2004, conforme Olga Espinoza, a porcentagem de presas

representava apenas 4,33% da população carcerária total. Com isso, sempre foi

grande o desinteresse, por parte de pesquisadores e de autoridades, em observar

as necessidades femininas, ocorrendo normalmente um mero ajuste das políticas

penitenciárias masculinas a elas. Assim, "o problema carcerário tem sido enfocado

pelos homens e para os homens privados de liberdade" (ANTONY apud ESPINOZA,

2004, p. 123).

No decorrer dos anos, a população carcerária feminina continuou

crescendo, tendo um aumento de 567% ao longo de 15 anos. Pode-se observar no

Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres - que,

em 2000, o número de mulheres presas era de 5.601, enquanto que em 2014 esse

número chegou aos 37.380.

O crescimento da população carcerária feminina nos últimos anos ocorreu

de forma muito mais rápida do que a masculina, que cresceu 220% no mesmo

(25)

estabelecimentos penais brasileiros.

Conforme visto anteriormente, a maioria das mulheres presas responde

pelo delito de tráfico. As mudanças ocorridas no campo da política criminal de

drogas nos últimos anos estão diretamente relacionadas ao encarceramento

feminino: ao mesmo tempo que o tratamento de usuários e portadores de pequenas

quantidades de drogas foi amenizado, com possibilidades de aplicação de medidas

alternativas à prisão, a penalização do tráfico ficou mais severa após o advento da

Lei 11.343/06, com o aumento da pena mínima de três para cinco anos, em

comparação com a Lei 6.368/1976, que anteriormente regia o assunto. Além disso, o

tratamento do tráfico de drogas é equiparado ao de crimes hediondos, o que dificulta

o acesso a diversos benefícios jurídicos, como progressão de regime, livramento

condicional e indulto, contribuindo também para o aumento do aprisionamento de

mulheres (WOLFF; MORAES, 2010).

Conforme Levantamento do Conselho Nacional de Justiça - CNJ -, junto

aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, o número de presos no Brasil é de

654.372. O País ocupa um dos primeiros lugares no ranking de países com maior

população carcerária do mundo. Em 2014, conforme INFOPEN, o Brasil já ocupava

o 4º lugar, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia.

Percebemos, assim, uma política de encarceramento em massa tanto de

homens quanto de mulheres, sendo a porcentagem de crescimento em relação a

estas muito mais elevada.

3.2.2 Superlotação e violação de direitos

Internacionalmente ocorrem discussões sobre as superlotações nos

sistemas penitenciários de diversos países. Nesse contexto, em janeiro de 2013, a

Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Itália por tratamento desumano e

degradante dos presos, em razão do pouco espaço destinado a cada um deles nas

celas. (ROIG, 2017)

Pela sentença da Corte de Strasburgo, foi considerado que a

superlotação na Itália possui natureza estrutural e sistêmica, explicando Rodrigo

Roig que:

(26)

excepcional, emergencial ou sazonal, que resulta porém do mau funcionamento crônico do sistema penitenciário, que não oferece uma medida efetiva para impedir a continuação daquela e, assim, assegurar aos presos o melhoramento das suas condições materiais de encarceramento. Já por natureza sistêmica da superlotação, é possível considerar aquela não pontual ou local, mas que na verdade permeia todo o sistema penitenciário.

No Brasil, a superlotação carcerária acompanha a história do país há

décadas, e não em apenas alguns Estados, mas em todo o território nacional,

configurando a natureza estrutural e sistêmica presente na referida decisão da Corte

Europeia de Direitos Humanos. Inclusive, conforme entendimento do Plenário do

Supremo Tribunal Federal - STF, na Arguição de Descumprimento de Preceito

Fundamento - ADPF 347, o país encontra-se em um "Estado de Coisas

Inconstitucional", situação de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de

direitos fundamentais. (ROIG, 2017)

Mesmo com essa realidade, políticas que buscam ampliar cada vez mais

a punição e o encarceramento ganham força, proclamando tolerância zero

independentemente de se assegurar a liberdade, a legalidade e a segurança.

(ROIG, 2017)

Mesmo que a situação de superlotação nas unidades femininas seja

menor do que a média nacional, conforme Infopen Mulheres de 2014, mais de 50%

das vagas disponíveis está ocupada por mais de 1 pessoa, o que já configura

violação aos direitos das presas.

3.3 Quem são as mulheres presas no brasil?

3.3.1 Motivo da prisão

Em decorrência do que é veiculado pela comunicação social, há na

sociedade a suposição de que a maior parte das unidades prisionais é composta por

autores de delitos contra a pessoa ou contra a dignidade sexual. Contudo, na

verdade, a maior parte das pessoas encontra-se presa por tráfico de drogas ou por

crimes contra o patrimônio (ZAFFARONI et al, 2011).

Essa realidade fica mais evidente quando observada a população

carcerária feminina, que é, em sua maioria, composta por mulheres que respondem

por tráfico. Conforme INFOPEN (2014), de um total de 11.297 de crimes cometidos

(27)

63% do total.

A grande participação feminina no tráfico de entorpecentes ocorre

principalmente em decorrência da abertura de novas oportunidades econômicas.

Muitas vezes, é uma atividade que pode ser exercida dentro do próprio lar, sem

prejuízo das atividades normalmente impostas às mulheres, tarefas domésticas e

relacionadas à maternidade (WOLFF; MORAES, 2010). São muitos também os

casos das que são flagradas tentando adentrar unidades prisionais masculinas com

drogas para seus companheiros.

3.3.2 Perfil racial

Em relação à raça, em 2004, a maior parte das presas no Estado de São

Paulo era formada por mulheres não brancas (negra, mulata, amarela, vermelha),

mais especificamente 61,4% (ESPINOZA, 2004).

Em pesquisa realizada no Centro de Ressocialização Júlia Maranhão, em

João Pessoa - PB, no período de março a outubro de 2012, Marlene Helena de

Oliveira França constatou que as investigadas eram "mulheres jovens, pobres,

negras e pardas, pessoas com histórias de vida marcadas pela miséria, pela

violência e pelo descaso estatal".

Também no Ceará, conforme Censo Penitenciário do Estado de 2014, a

maioria das mulheres é não-branca, pois apenas 15,6% delas se reconheciam como

brancas.

Conforme relatório INFOPEN Mulheres de 2014, destaca-se a

porcentagem de mulheres negras presas, que compõem 68% das unidades

prisionais no país.

Ao longo dos anos, o perfil racial das mulheres presas não mudou muito,

sempre sendo sua maioria composta por mulheres não-brancas.

3.3.3 Faixa etária

Em relação à faixa etária, o relatório nacional mostra que 50% das presas

é jovem, com idades entre 18 e 29 anos. Ainda, apenas 11% das mulheres presas

concluiu o ensino médio, e 50% delas não concluiu o ensino fundamental. Tudo isso

(28)

a mulher reclusa integra as estatísticas da marginalidade e exclusão: a maioria é não branca, tem filhos, apresenta escolaridade incipiente e conduta delitiva que se caracteriza pela menor gravidade, vinculação com o patrimônio e reduzida participação na distribuição de poder, salvo contadas exceções. Esse quadro sustenta a associação da prisão à desigualdade social, à discriminação e à seletividade do sistema de justiça penal, que acaba punindo os mais vulneráveis, sob categorias de raça, renda e gênero (ESPINOZA, 2004)

3.3.4 Escolaridade

O nível de escolaridade das mulheres no cárcere se apresenta baixo, com

50% de mulheres que não concluíram o ensino fundamental. Apenas 11% das

mulheres possui ensino médio completo. (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO

NACIONAL, 2014)

Dentro da unidade prisional, as perspectivas de estudos para elas são

ainda mais raras. Conforme relato retirado de pesquisa realizada na penitenciária

feminina do Ceará, "muitas delas viam a universidade como algo tão distante de

suas realidades enquanto estavam lá fora, imagine estando reclusas dentro de meus

muros. Cresceram com a certeza de que jamais teriam acesso ao ensino superior".

3.4 Especificidades das mulheres presas

3.4.1 Dupla estigmatização

A não-previsibilidade de mulheres no direito penal não é aleatória, é fruto

de um processo histórico de formação social, no qual a criminalidade e a prisão são

próprias do "masculino", não do "feminino". As mulheres que invadem essa seara

são duplamente transgressoras, pois, além do crime cometido, adentram um espaço

pertencente exclusivamente aos homens. (BUGLIONE, 2007)

A mulher criminosa é duplamente discriminada, por ser mulher e por ter rompido com o modelo inferiorizado que a sociedade impôs a ela historicamente. Quando comete um crime ela assume um lugar, aparentemente, reservado ao homem: o lugar de violadora da ordem estabelecida, uma agressora. Assim, a resposta social às mulheres que cometeram crimes tem se revelado sutilmente desprezível e excludente, sobretudo, por parte do Estado, isto é, por mais que se discuta a necessidade de diferenciação, tudo continua como se essas necessidades não existissem. (FRANÇA, 2014)

(29)

minimizar tal inserção de mulheres no universo masculino da criminalidade. São os

delitos como infanticídio (art. 123, CP), exposição ou abandono de recém nascido

para ocultar desonra própria (art. 134, CP), aborto (124, CP) e homicídios passionais

(art. 121, CP). (BUGLIONE, 2007)

Contudo, observa-se, no Brasil, que a maioria das detenções de mulheres

é motivada pelo delito de tráfico, ficando em segundo lugar crimes contra o

patrimônio (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2014), crimes

considerados "próprios de homens". Poucas ou, em alguns casos, inexistentes são

as detenções de mulheres causadas pelas delitos considerados femininos, restando

à tal classificação ser uma mera manifestação de discriminação.

Ao mesmo tempo em que as detentas, ao adentrarem o caminho da criminalidade e da prisão, conseguindo entre seus pares um reconhecimento, são excluídas pelo resto da sociedade, que impõe regras, valores e condutas morais à vida dessas mulheres. Assim, elas são vistas como piores que os homens que cometem crimes, pois não seria da “natureza” feminina, na qual a sociedade acredita e que foi legitimado pelos discursos científicos, o cometimento de crimes. (FRANÇA, 2014)

Há um enorme julgamento moral quando mulheres rompem com o que é

socialmente exigido dela. É comum se ouvir que, se a mulher está presa, ela é uma

má mãe, o que reforça os papeis de gênero, além de não condizer com a realidade

de muitas mulheres que são as únicas a sustentar o lar.

Importante destacar que, para as mulheres negras, o papel da

maternidade não foi imposto historicamente. Na época da escravidão, muitas

escravas abortavam seus filhos como forma de resistência, tanto para não terem

filhos originados de abusos sexuais quanto para evitar a reposição da mão-de-obra

escravizada. (IPÓLITO, 2014).

Angela Davis propõe algumas hipóteses para reexaminar a história das

mulheres negras e a escravidão: inicialmente, ela discorre sobre o trabalho externo

ao lar, que sempre foi exercido proporcionalmente em maior quantidade por

mulheres negras do que por brancas. Observa Davis que enquanto às mulheres

brancas era imposto o papel de cuidados do lar e do marido, às negras era

estabelecido o trabalho compulsório, que ofuscava todo o resto da sua vida. Tal

padrão se reproduz atualmente, considerando a enorme quantidade de tempo que o

trabalho ocupa na vida dessas mulheres.

(30)

mercadorias no sistema escravista. Tanto homens quanto mulheres eram vistos

como mão-de-obra e lucro pelos proprietários. Nesse sentido, Kenneth M. Stampp,

conforme citado por Davis, "a mulher escrava era, antes de tudo, uma trabalhadora

em tempo integral para seu proprietário, e apenas ocasionalmente esposa, mãe e

dona de casa."

Não por acaso, o estigma de má mãe se mostra mais violento ainda em

relação às mulheres negras, que historicamente tiveram a maternidade negada para

dar lugar à função de trabalhadora.

Por isso, "as prisões, além de não atenderem a necessidades específicas

do sexo feminino, exercem controle e punem pelo descumprimento de um papel de

gênero." (PONTE, 2015).

3.4.2 Visitas íntimas e de familiares

Não apenas na classificação dos crimes ocorrem as discriminações e

violências de gênero, a prática da execução penal também traz inúmeras formas de

penalizar duplamente as mulheres, como na repressão à sexualidade feminina, que

se manifesta na dificuldade de recebimento de visitas íntimas. Diferentemente da

realidade masculina, a visita íntima para mulheres é considerada privilégio.

(BUGLIONE, 2007).

Nota-se, conforme o Censo Penitenciário do Ceará de 2014, que,

enquanto 10,8% dos homens recebia visitas íntimas na frequência de uma a duas

vezes por mês, apenas 3,1% das mulheres as recebiam na mesma frequência.

52,6% dos homens presos não recebem visitas íntimas enquanto em relação às

mulheres esse valor é de 89,7%.

Conforme observa Emmanuel Ponte, Angotti constatou que a visita para

as mulheres fica muitas vezes sujeita à arbitrariedade da gestão prisional: "algumas

diretorias permitem a visita apenas quando a mulher é casada, outras permitem

também a solteiras e algumas chega a negar esse direito completamente".

A realidade das mulheres presas, além de dificultadas pela própria prática

do sistema penal, também é dificultada pelo abandono por parte de seus

companheiros, em consequência dessa dupla estigmatização.

Outro problema enfrentado é o abandono da mulher presa pela própria

(31)

femininos existentes. O baixo número de presídios é um reflexo da pouca

importância dada às mulheres, que são obrigadas a afastarem-se de suas regiões,

bem como de sua família (BUGLIONE, 2007).

Dados do Censo Penitenciário do Ceará de 2014 demonstram que 69%

das mulheres não recebem visitas da própria mãe.

3.4.3 Mães encarceradas

Muitos são os problemas relacionados à maternidade e ao cárcere.

Conforme se depreende do Censo Penitenciário do Ceará, em 2014, apenas 3,2%

das mulheres não possuía filhos. Todas as outras mulheres possuíam pelo menos

um filho, ou seja, ao serem presas, são separadas de seus filhos.

Além disso, muitas mulheres dão à luz na prisão. O perfil dessas

mulheres, conforme pesquisa "Saúde materno-infantil nas prisões", é composto

predominantemente por jovens e negras. A pesquisa constatou também muitas

violências sofridas por essas grávidas, como algumas terem sido algemadas

enquanto davam à luz ou poucas terem recebido acompanhamento médico

adequado.

A pesquisa "Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades

futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão”,

coordenada por Ana Gabriela Mendes Braga e Bruna Angotti, constatou que há falta

de acesso à justiça, descumprimento de previsões legais, negligência em relação às

especificidades da mulher e violações no que tange à convivência entre a mãe presa

e suas crianças.

Ainda conforme a pesquisa, não é consenso entre as presas a escolha

entre institucionalização da criança e separação da mãe: algumas defendem

fortemente que prisão não é um local adequado para crianças, sendo totalmente

contrárias à institucionalização; outras consideram importante a permanência com o

recém-nascido. Contudo, é consenso entre elas que a prisão não é local adequado

para as crianças e que o modelo de creche externa à unidade prisional é a melhor

solução para mães presas.

De qualquer modo, o processo de separação da mãe e da criança é muito

(32)

As mulheres, ao darem à luz, ficam em um ambiente separado das demais detentas e exercem o papel de mãe 24 horas por dia. “Não há o exercício livre da maternidade”, comentou a antropóloga. A mãe deixa o convívio com outras pessoas e tem que ser somente mãe. Nas prisões, o período mínimo de permanência de recém-nascidos com suas mães é de seis meses, mas esse acaba tornando-se o máximo concedido. Após esse prazo de maternidade intensa, o bebê é retirado e a mãe se vê subitamente sem ele em um espaço em que está rodeada por outros bebês até que seja mandada de volta ao antigo pavilhão. A defensora Verônica Sionti acrescenta que esse tende a ser um período profundamente traumático, não apenas psicologicamente, mas também fisicamente, já que a mulher que até então amamentava regularmente passa a não extrair o leite produzido – o que causa febres e dores no corpo. (PONTE, 2015)

3.5 Regras de Bangkok

Nesse contexto de desconsideração das especificidades das mulheres e

de violações de direitos, que não se restringe apenas ao Brasil, surgiram em 2010

as Regras das Nações Unidas Para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas

Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras, também chamadas de Regras

de Bangkok.

Reconhecendo a necessidade de se observar as necessidades das

mulheres presas, as Regras de Bangkok vêm complementar outras regras das

Nações Unidas já existentes sobre justiça criminal, como as Regras Mínimas para

Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela), que na época de seu

estabelecimento não considerou a realidade específica das mulheres presas, e as

Regras Mínimas das Nações Unidas Sobre Medidas Não Privativas de

Liberdade (Regras de Tóquio). (OLIVEIRA, 2017).

A Regra 1 das Regras de Bangkok traz a questão da não discriminação e

a busca de uma igualdade substancial:

A fim de que o princípio de não discriminação, incorporado na regra 6 das Regras mínimas para o tratamento de reclusos, seja posto em prática, deve-se ter em consideração as distintas necessidades das mulheres presas na aplicação das Regras. A atenção a essas necessidades para atingir igualdade material entre os gêneros não deverá ser considerada discriminatória.

O Brasil participou ativamente da elaboração e aprovação das Regras de

Bangkok, assumindo um compromisso internacional de cumpri-las. É imprescindível

que o país adeque o ordenamento jurídico interno a elas. Ainda assim, a aplicação

das regras pelas cortes superiores brasileiras ainda é insatisfatória, além de que

(33)

diretrizes. (OLIVEIRA, 2017).

As Regras de Bangkok, entre muitas outras considerações, contemplam a

realidade das mães presas, das estrangeiras e das pertencentes a minorias ou

povos indígenas; a questão das drogas; o cuidado com higiene pessoal; os cuidados

com a saúde e o contato da presa com sua família.

Embora prevejam diversas políticas públicas para as mulheres presas, as

Regras de Bangkok priorizam o uso de alternativas penais ao encarceramento.

Em relação às mães, a regra 2 prevê que antes ou no momento de

ingresso de mulher responsável pela guarda de crianças na unidade prisional, ela

possa tomar as providências necessárias em relação aos filhos, e que, se

necessário, a medida privativa de liberdade pode seja suspensa por um período

razoável para garantir o melhor interesse das crianças.

Durante o período de amamentação, é necessário que a mãe mantenha

uma alimentação equilibrada, sendo acertada a regra 48 quando prevê que:

1. Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação sobre dieta e saúde dentro de um programa a ser elaborado e supervisionado por um profissional da saúde qualificado. Deverão ser oferecidos gratuitamente alimentação adequada e pontual, um ambiente saudável e oportunidades regulares de exercícios físicos para gestantes, lactantes, bebês e crianças. 2. Mulheres presas não deverão ser desestimuladas a amamentar seus filhos/as, salvo se houver razões de saúde específicas para tal. 3. As necessidades médicas e nutricionais das mulheres presas que tenham recentemente dado à luz, mas cujos/as filhos/as não se encontram com elas na prisão, deverão ser incluídas em programas de tratamento.

Conforme a regra 24, "instrumentos de contenção jamais deverão ser

usados em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e nem no período

imediatamente posterior", o que deve ser urgentemente observado na prática pelo

Brasil, pois o uso de algemas em mulheres no momento do parto ainda ocorre no

país e gera diversas consequências para elas.

Além dessas, as regras de 48 a 52 e 64 trazem inúmeras outras

pertinentes disposições em relação à realidade das mães presas.

Sobre o consumo de drogas, a regra 15 dispõe sobre o dever dos

serviços de saúde de prover ou facilitar programas de tratamento especializados a

mulheres usuárias de drogas.

As regras 6 à 18 tratam da questão da saúde, sempre levando em

(34)

possibilidade de vitimização antes do cárcere, entre outros.

A regra 5 trata da higiene pessoal, observando a necessidade de

fornecimento de absorventes higiênicos gratuitos e suprimento regular de água.

As previsões sobre medidas não restritivas de liberdade encontram-se

nas regras 57 a 62. Em todas essas regras, percebe-se o ânimo de

desencarceramento das mulheres e a ênfase em alternativas à prisão. Assim, prevê

a regra 57 que:

As provisões das Regras de Tóquio deverão orientar o desenvolvimento e a implementação de respostas adequadas às mulheres infratoras. Deverão ser desenvolvidas, dentro do sistema jurídico do Estado membro, opções específicas para mulheres de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão e à prisão cautelar, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado.

Por fim, as regras 67 a 70, considerando a pouca realização e divulgação

de pesquisas sobre mulheres encarceradas, dispõem sobre pesquisa, planejamento,

(35)

4 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E AS MULHERES ENCARCERADAS

4.1 Tratamento destinado às mulheres pelas ciências criminais

Assim como ocorre com o direito de forma geral, o direito penal também

traz desigualdades. O direito foi, e ainda é, construído com base na visão das raças

e classes historicamente dominantes, não sendo possível, portanto, a promoção da

igualdade para aquelas pessoas consideradas diferentes pela sociedade. Nos ramos

do direito que envolvem ciências criminais, tal realidade fica mais visível, pois seus

efeitos são mais contundentes. (BUGLIONE, 2007)

No direito penal moderno, não há previsão de questões de gênero. Na

verdade, muitas vezes, as leis reforçam tais modelos sociais de feminino e

masculino, por exemplo trazendo a maternidade como exclusividade feminina. Não

se encontra previsão de creches nos presídios masculinos, aos homens não recai o

papel de reprodução e de cuidado com os filhos, nunca se presume homens como

pais. (BUGLIONE, 2007)

Em análise à legislação penal brasileira, realmente percebe-se uma maior

preocupação com a mulher quando está grávida ou já possui filho. Assim, a atenção

é quase sempre voltada à maternidade, não apenas à mulher. Apesar da grande

importância de se tomar medidas para proteção das mães e dos filhos, que é uma

das situações especiais da mulher, ainda é pouca a previsão de especificidades das

mulheres, que necessitam de muitas outras medidas além das relacionadas à

maternidade. (ESPINOZA, 2004)

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