FACULDADE DE DIREITO CURSO DE DIREITO
CAMILA MEDEIROS RÊGO
A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE
LIBERDADE
Monografia submetida à Coordenação do Curso de Gradução em Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral.
FORTALEZA
Universidade Federal do Ceará Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
R267m Rêgo, Camila Medeiros.
A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE / Camila Medeiros Rêgo. – 2017.
56 f.
Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2017.
Orientação: Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral.
1. Lei nº 7.210/84. 2. Execução Penal. 3. Mulheres. 4. Cárcere feminino. 5. Regras de Bangkok. I. Título.
A MULHER ENCARCERADA E A EXECUÇÃO DE PENAS PRIVATIVAS DE
LIBERDADE
Monografia submetida à Coordenação do Curso de Direito, da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito.
Aprovada em _____/_____/________.
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________ Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
______________________________________________ Prof. Dr. Newton de Menezes Albuquerque
Universidade Federal do Ceará (UFC)
____________________________________________ Mestranda Vanessa de Lima Marques Santiago
Em primeiro lugar, agradeço aos meus pais, Karina e Adriano, pelo amor,
atenção e estímulo que me oferecem diariamente. Obrigada pelo suporte que
possibilitou cada passo na minha formação.
Agradeço às minhas avós, Hilda e Aurélia, pelo carinho, os conselhos e os
bons momentos.
Agradeço aos meus avôs, Castro e Francisco, pela confiança e o apoio.
Agradeço ao meu companheiro Cardoso, que acompanha diariamente
cada momento da minha jornada, sempre me incentivando e proporcionando os
melhores momentos.
Agradeço a toda a minha família, pelo carinho e a constante torcida.
Agradeço ao Núcleo Especilizado em Execuções Penais (NUDEP), por
possibilitar o contato com a execução penal e pelo auxílio na produção do trabalho.
Agradeço ao Núcleo de Assessoria Jurídica Comunitária (NAJUC) e ao
Coletivo Conteste, que proporcionaram grande parte da minha formação e me
encorajaram a continuar nessa caminhada. Também agradeço às pessoas mais
próximas que eles me trouxeram: Carol, Gláucia, José Maria, Eduardo, Melka e
Breno.
Agradeço às amigas Camilla e Gabriellen, que me acompanham desde os
primeiros anos de vida até hoje; aos amigos Fernando, Filipe, Rebecca, Hiro e André
pelos momentos de diversão, pump e conversas sérias; e também a todos os
amigos que fazem ou já fizeram parte da minha vida.
Agradeço ao Professor Gustavo Cabral, pela orientação neste trabalho.
Agradeço ao Professor Newton Albuquerque e à Mestranda Vanessa, por
aceitarem o convite de compor a banca.
Por fim, agradeço a todos que contribuíram de alguma forma para que
O objetivo da presente monografia consiste em analisar os direitos das mulheres
presas na Lei nº 7.210/84 - Lei de Execução Penal, observando sua aplicação, as
previsões específicas para elas e outros institutos pertinentes à execução de penas
privativas de liberdade para as mulheres, o indulto e a Lei nº 13.434/17. A realidade
do cárcere feminino possui diversas especificidades: além de compartilharem muitos
dos problemas enfrentados pelos homens presos, também encaram as suas
próprias dificuldades. Assim sendo, por meio de pesquisa bibliográfica e documental,
além da análise da legislação pertinente, buscou-se verificar quais são essas
especificidades e como o direito nacional e internacional as tratam. Como resultado,
percebe-se, pelas Regras de Bangkok, criadas em 2010, uma preocupação
internacional com o desencarceramento de mulheres e com a garantia de melhores
condições de cumprimento de penas privativas de liberdade para elas. Em âmbito
interno, poucas foram as previsões específicas para as mulheres encarceradas
encontradas, sendo a maioria delas relacionada à maternidade. Conclui-se que a
legislação brasileira relativa à execução penal ainda relaciona a mulher apenas à
maternidade, deixando de observar as diversas singularidades e a luta das mulheres
por igualdade.
The objective of the study is to analyze the imprisoned women's rights provided by
Law No. 7.210/84 - Penal Execution Law, being observed its application, the
especific predictions for them and other relevant institutes to the execution of
custodial sentences for women, the act of grace and the Law No. 13.434/17. The
reality of female jail is composed by many specificities: besides the incarcerated
men's problems that they also face, they have their own difficulties. Therefore, per
bibliographic and documentary research, beyond the analysis of the pertinent law, it
was sought to verify which are the specificities and how does the law manages them.
As a result, it's perceived through Bangkok Rules that there's an international worry
about desincarceration of women and about the existence of better conditions for the
women serving prision sentences. In domestic law, there are few specific provisions
for women, and most of them are related to maternity. It is concluded that brazilian
penal execution legislation still connects women just to maternity, and doesn't
observe other specificities and women's struggle for equality.
1 INTRODUÇÃO...9
2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ACERCA DA EXECUÇÃO PENAL...11
2.1 Objeto e natureza...11
2.2 Princípios da execução penal...12
1.2.1 Princípio da humanidade...13
1.2.2 Princípio da legalidade...14
1.2.3 Princípio da proporcionalidade...15
1.2.4 Princípio da individualização da pena...16
3 CÁRCERE FEMININO...18
3.1 Sociedade patriarcal e trajetória de marginalização e violência das mulheres antes do cárcere...19
3.2 Encarceramento de mulheres...23
3.2.1 Crescimento da população carcerária feminina...23
3.2.2 Superlotação e violação de direitos...24
3.3 Quem são as mulheres presas no Brasil?...25
3.3.1 Motivo da prisão...25
3.3.2 Raça/cor/etnia...26
3.3.3 Faixa etária...26
3.3.4 Escolaridade...27
3.4 Especifidades das mulheres...27
3.4.1 Dupla estigmatização...27
3.4.2 Visitas íntimas e de familiares...29
3.4.3 Mães encarceradas...30
3.5 Regras de Bangkok...31
4 A EXECUÇÃO PENAL PARA AS MULHERES ENCARCERADAS...34
4.1 Tratamento destinado às mulheres pelas ciências criminais...34
4.2 Direitos previstos na LEP para todos os presos e presas...36
4.3 Previsões específicas para mulheres na Lei de Execução Penal...42
4.3.1 Estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal...42
4.3.2 Assistência à saúde...43
4.3.3 Ensino profissional adequado à sua condição...43
4.3.6 Unidade dotada de seção para gestante e parturiente e de creche....46
4.4 Outras previsões...47
4.4.1 Uso de algemas...47
4.4.2 Indulto e comutação de penas por ocasião do Dia das Mães...47
1 INTRODUÇÃO
A partir de experiência de estágio em execução penal na Defensoria
Pública Geral do Ceará, observando a enorme demanda em relação aos homens e o
pouco acompanhamento pelos familiares dos processos das mulheres presas, viu-se
a necessidade de estudar a realidade das mulheres que cumprem penas em
unidades prisionais.
A Constituição Federal (CF) em seu art. 24, inciso I, determina que
compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre
direito penitenciário (ou de execução penal), estando em vigor atualmente a Lei nº
7.210/84. Nos termos do art. 1º da Lei, "a execução penal tem por objetivo efetivar
as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a
harmônica integração social do condenado e do internado".
A execução penal, conforme Zaffaroni (2011), se diferencia dos demais
ramos do direito, pois:
As sanções que correspondem a outros ramos do direito, devido a seu caráter reparador, são de fácil execução. Assim, uma indenização civil se faz efetiva mediante uma ação de indenização e/ou de execução que o próprio direito processual civil prevê, e que é levada a cabo por funcionários que dependem, administrativamente, do próprio Poder Judiciário. A execução da pena, ao contrário, devido à sua intenção punitiva, apresenta uma enorme complexidade, particularmente quando se trata de penas privativas de liberdade, o que tem motivado um grande desenvolvimento de seu regramento legal.
Apesar de toda a sua extensão e complexidade, a execução da pena
ainda é um tema pouco debatido, não sendo inclusive abordado como matéria em
graduações de direito reconhecidas no país. Nesse sentido, Buglione (2007)
observou que
Tomando por base a vasta literatura acadêmica sobre temas de direito penal e processual penal, principalmente no que diz respeito à entrada de um novo sujeito no sistema punitivo, a execução penal é um tema ainda pouco debatido e explorado, principalmente quando observado sob a perspectiva de gênero.
Assim, se pouca é a atenção dada aos homens presos, menor ainda é
para as mulheres em tais condições, que enfrentam violações de direitos
diariamente. As presas sofrem dupla estigmatização em uma sociedade patriarcal:
Historicamente, o homem dominou o espaço público, sempre colocando
as mulheres em uma posição inferior. Então, "essa segregação se fixou histórica,
econômica e politicamente, formando-se diferentes papeis sociais para homens e
mulheres", o que consiste na discriminação de gênero e na permanência dos
homens no poder (LOPES; ANDRADE, 2010).
Nesse contexto, “gênero é uma categoria de análise social que serve para
determinar 1. os papéis sociais historicamente construídos e 2. os valores
agregados a cada papel, resultando em desigualdade”. (BUGLIONE, 2007).
Assim, nota-se a importância de se estudar os direitos das mulheres que
cumprem penas privativas de liberdade, afinal, Buglione (2007), lembrando os
ensinamentos de Zaffaroni, observa que a falta ou insuficiência de estudos sobre
determinado aspecto do poder punitivo contribuem para as perversidades que
ocorrem diariamente no âmbito do sistema penal.
O objetivo do trabalho consiste em analisar os direitos das mulheres
presas na LEP, as previsões específicas para elas e outros institutos pertinentes à
execução de penas privativas de liberdade para as mulheres, por meio de pesquisa
bibliográfica, legislativa e documental.
No capítulo um do trabalho, serão observadas algumas disposições
constitucionais acerca da execução penal, o conceito, a natureza e os princípios.
No capítulo dois do trabalho, será realizada uma breve análise da
realidade carcerária feminina, observando-se o perfil socioeconômico das mulheres
presas e suas especificidades. Além disso, serão exploradas as Regras das Nações
Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de
Liberdade para Mulheres Infratoras, também chamadas Regras de Bangkok.
No capítulo três, serão analisadas as previsões específicas para as
mulheres encarceradas na Lei de Execução Penal (LEP). Ademais, será destacada
também a importância da Lei nº 13.434 para as mulheres grávidas e do Decreto de
12 de abril de 2017, que concede indulto especial e comutação de penas às
2 DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS ACERCA DA EXECUÇÃO PENAL
2.1 Conceito e natureza
Execução penal é a fase do processo penal na qual há o cumprimento do
estabelecido na sentença condenatória penal, que é um título executivo judicial. É
imposta, então, ao condenado, a pena privativa de liberdade, a restritiva de direitos
ou a pecuniária (NUCCI, 2013).
Difere de outros processos de execução, pois nele se efetiva a pretensão
punitiva do Estado. Normalmente é iniciado de ofício pelo juiz e não há necessidade
de nova citação, haja vista que o réu já foi intimado da sentença condenatória,
momento em que pôde exercer o direito de recorrer (NUCCI, 2013).
A natureza da execução penal, em sua origem, era classificada pela
doutrina como administrativa, com base na separação de poderes de Montesquieu.
Com o passar dos anos e com a tendência jurisdicionalizante pós-Segunda Guerra,
foi-se abandonando tal concepção (ROIG, 2017). Na Itália, essa tendência de
abandono de se considerar como administrativa a natureza da execução penal se
evidencia com o Código de Processo Penal de 1988; em Portugal, com a previsão
de intervenção direta da magistratura; em diversos países, com muitas outras
manifestações e projetos, como Código de Execução das Penas polonês de 1969 e
a Lei Penitenciária Nacional argentina, de 1958. (MIRABETE, 2007)
Atualmente a doutrina divide-se em duas concepções: uma delas
considera como mista a natureza da execução penal, sendo esta, ao mesmo tempo,
administrativa e jurídica; a outra considera apenas como jurisdicional a natureza do
ramo.
Para a corrente mista, apesar de o processo de execução se desenvolver
em âmbito judicial, muitos aspectos dependem da esfera administrativa (ROIG,
2017). Rodrigo Duque Estrada Roig cita posicionamento de Ada Pellegrini Grinover
nesse sentido: "não se nega que a execução penal é atividade complexa, que se
desenvolve entrosadamente nos planos jurisdicional e administrativo. Nem se
desconhece que dessa atividade participam dois Poderes estatais: o Judiciário e o
Executivo". Ainda nesse sentido, Júlio Fabbrini Mirabete (2007): "a natureza jurídica
da execução penal não se confina no terreno do direito administrativo e a matéria é
penal e o direito processual".
A outra concepção considera que a execução penal possui natureza
apenas jurisdicional. Conforme Rodrigo Roig, essa posição está em maior harmonia
com a Constituição Federal de 1988. Segundo ele, atos de administração tem
relação com interesse do Estado e com a satisfação de suas pretensões; já os atos
de jurisdição são caracterizados por composição de conflito de pretensões. Dessa
forma,
Pensar a execução como atividade administrativa significa dar margem à imposição do interesse estatal sobre o individual, pretensão esta inclinada à satisfação de pretensões retributivo-preventivas. Por outro lado, enxergar a execução penal como atividade de natureza jurisdicional significa em primeiro lugar assumir que não pode haver prevalência do interesse estatal sobre o individual, mas polos distintos de interesse (Estado e indivíduo), cada qual refletindo suas próprias pretensões (retributivo-preventiva e libertária, respectivamente). Em segundo lugar, significa reconhecer que todos os atos executivos, mesmo aqueles administrativos de origem, sempre serão sindicáveis pela Jurisdição (ato de justiça formal e substancial, não de administração). (ROIG, 2017, p.116-117)
No próprio texto da Lei de Execução Penal, há previsão de que o
procedimento será judicial (art. 194), bem como que "a execução penal competirá ao
Juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da
sentença", previsão do art. 65. Assim, a mera existência de atividades de natureza
administrativa durante a execução da pena não altera sua natureza jurisdicional
(ROIG, 2017).
De qualquer forma, é indiscutível que deve existir
Um conjunto de normas positivas que se referem aos diferentes sistemas de penas; aos procedimentos de aplicação, execução ou cumprimento das mesmas; à custódia e tratamento; à organização e direção das instituições e estabelecimentos que cumprem com os fins da prevenção, repressão e habilitação do delinquente. inclusive aqueles organismos de ajuda social para os internados e liberados (PETTINATO apud ZAFFARONI; PIERANGELI, 2009).
2.2 Princípios constitucionais na execução penal
O Direito Penal, após a propagação das ideias de igualdade e liberdade,
características do Iluminismo, recebeu um tratamento formal menos cruel do que no
Estado Absolutista, com a integração de princípios limitadores do poder punitivo
estatal nos ordenamentos jurídicos. Estes podem ser chamados de Princípios
estão amparados pela Constituição Federal de 88. (BITENCOURT, 2013).
A execução da pena no Brasil é norteada por princípios previstos na
Constituição Federal de 1988, no Código de Processo Penal, no Código Penal, na
Lei de Execução Penal e nos Tratados e Convenções internacionais. Rodrigo Duque
Estrada Roig (2017), por meio de uma visão penal-constitucional moderna, explica
que os princípios não possuem mais caráter meramente programático, sendo
compostos por força normativa, tornando inválida qualquer norma que viole os
princípios que compõem nosso ordenamento jurídico.
Os princípios que regem a execução penal são verdadeiros limitadores do
poder punitivo estatal sobre as pessoas. Dessa forma, por serem uma garantia de
proteção do indivíduo, não podem ser utilizados para restringir direitos das pessoas
presas, muito menos para justificar maior punição. Além disso, a interpretação dos
princípios no caso concreto de execução da penal deve sempre ser em benefício do
condenado, ampliando o exercício de direito, liberdade ou garantia, em consonância
com preceito contido no art. 29, itens 2, da Convenção Americana de Direitos
Humanos e no art. 5º do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (ROIG,
2017).
Conforme Bitencourt (2013), "toda a atividade estatal é sempre vinculada
axiomaticamente pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos".
A seguir serão explorados alguns princípios relativos à execução penal
que se consideram mais pertinentes para o presente trabalho, sem que signifique
menor importância de outros, como devido processo legal, contraditório, duplo grau
de jurisdição etc, que também são muito caros para a aplicação da pena.
2.2.1 Princípio da Humanidade
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito trazidos pela Constituição da República Federativa do Brasil
de 1988, constituindo uma das principais bases do princípio da humanidade, reflexo
do movimento expansionista dos direitos humanos iniciados no pós-Segunda
Guerra. Conforme Bitencourt (2013), para Maria Garcia, dignidade da pessoa
humana é a "compreensão do ser humano na sua integridade física e psíquica,
como auto-determinação consciente, garantida moral e juridicamente".
constitucionais e de execução penal e serve como base para que todos os direitos
individuais sejam erguidos e sustentados. (NUCCI, 2017).
Há dois prismas para o princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana: objetivo e subjetivo. Sob o aspecto objetivo, significa a garantia de um mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, nos moldes fixados pelo art. 7.º, IV, da CF. Sob o aspecto subjetivo, trata-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano, desde o nascimento, em relação aos quais não cabe qualquer espécie de renúncia ou desistência. (NUCCI, 2017).
Esse é o princípio que torna inconstitucional qualquer possibilidade de
prisão perpétua ou pena de morte, além de firmar que o poder punitivo do estado
não possa aplicar penas que atinjam a dignidade da pessoa humana (ZAFFARONI;
PIERANGELI, 2009).
Contudo, a pena pode não ser desumana em abstrato, mas ser cruel no
caso concreto, dependendo da situação da pessoa. Questiona-se se é possível que
o juiz ajuste a pena no caso concreto para que seja observado o princípio da
humanidade. Zaffaroni e Pierangeli (2009) entendem que, nesse caso, tal princípio
"tem vigência absoluta e que não deve ser violado nos casos concretos, isto é, que
deve reger tanto a ação legislativa - o geral - como a ação judicial - particular -, o
que indicaria que o juiz deve ter o cuidado de não violá-lo [...]."
O princípio da humanização da pena, na Constituição Federal, pode ser
encontrado no art 5º, XLVII, que dispõe que: "não haverá penas: a) de morte, salvo
em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c)
de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis."
2.2.2 Princípio da legalidade
No âmbito penal, o princípio da legalidade, previsto no art 5º, XXXIX, da
CF, e no art. 1º do Código Penal (CP), determina que "não há crime sem lei anterior
que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal".
O princípio geral da legalidade, também chamado de princípio de reserva
legal, está disposto no art. 5º, II, da CF, segundo o qual "ninguém será obrigado a
fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei", e completa a
habilitem o poder punitivo, mas isso não é uma presunção de que "a jurisprudência
não pode limitar o poder punitivo, ao reduzir a termos racionais o alcance
meramente semântico da lei, ou de que a doutrina não pode propor às agências
judiciais essa redução". (ZAFFARONI, 2011).
Uma das garantias jurídicas que decorrem do princípio da legalidade é a
garantia executiva, que, na doutrina, é chamada de princípio de legalidade da
execução penal. Esta decorre do princípio nulla poena sine lege (nula a pena sem
lei) e consiste no ajustamento da atividade penitenciária ao estabelecido na lei, nos
regulamentos e nas sentenças judiciais, não sendo admitido que o condenado seja
submetido a restrições não contidas na lei. (MIRABETE, 2007).
Assim, conforme leciona Bitencourt (2013), "o princípio da legalidade e de
reserva legal representam a garantia política de que nenhuma pessoa poderá ser
submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis formais que sejam
fruto do consenso democrático".
Ademais, na execução penal, o art. 45 da LEP estabelece o princípio da
legalidade, determinando que "não haverá falta nem sanção disciplinar sem
expressa e anterior previsão legal ou regulamentar". Isso deve garantir que, além da
existência da previsão legal das faltas e sanções, estas devem ser estritamente
interpretadas, apesar de que, muitas vezes, a aplicação de sanções disciplinares
permanece apenas no âmbito administrativo da unidade penal e é feita conforme a
discricionariedade dos agentes, sem observância de tal princípio.
O princípio da legalidade está previsto também na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento
de Presos, no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, na
Convenção Americana de Direitos Humanos e no Conjunto de Princípios da ONU
para a Proteção de Todas as Pessoas Sujeitas a Qualquer Forma de Detenção ou
Prisão, mostrando sua importância na contenção do discricionarismo na execução
da pena (ROIG, 2017).
2.2.3 Princípio da proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade pode ser depreendido na Constituição
Federal por diversos dispositivos, como a individualização da pena (art. 5º, XLVI), a
para infrações mais graves. O exame de seu respeito ou violação é feito com a
observação da necessidade e adequação da providência legislativa: a necessidade
diz respeito a atingir um determinado fim com meio menos gravosos; já a adequação
relaciona-se à possibilidade de atingir determinado fim por meio da providência
adotada (BITENCOURT, 2013).
No âmbito da execução penal, a proporcionalidade é um corretor de
iniquidades e, junto com a razoabilidade, evita excessos, por meio de institutos do
Direito Penal e Processual Penal. Um exemplo de aplicação do princípio na prática é
o uso de algemas, que deve ser medida excepcional, utilizada apenas quando
realmente necessário. Ademais, encontra-se uma violação do princípio no parágrafo
único do art. 49 da LEP, segundo o qual "pune-se a tentativa com a sanção
correspondente à falta consumada". É desproporcional punir tentativa de falta como
se consumada fosse, considerando a diferenciação que o próprio direito penal faz
em relação à tentativa e consumação (ROIG, 2017).
2.2.4 Princípio da individualização da pena
O princípio da individualização da pena procura levar em consideração as
especificidades da pessoa condenada, observando o crime cometido, a fim de
adequar o cumprimento da pena para cada um. "Por individualização se entende
aqui especialmente a individualização judicial, ou seja, a exigência de que a pena
aplicada considere aquela pessoa concreta à qual se destina". (BATISTA, 2002).
A CF traz em seu art. 5º, inciso XLVI, que "a lei regulará a individualização
da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação da liberdade; b) perda dos
bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão e interdição de direitos".
Além disso, o mesmo artigo, no inciso XLVIII, aduz que "a pena será
cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a
idade e o sexo do apenado", configurando também expressão do princípio da
individualização da pena.
Conforme Nilo Batista (2002), em observância ao princípio, examina a
co-culpabilidade, que consiste em levar em consideração a concreta experiência social
do preso, as oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi
ministrada, "correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade
A individualização da pena é observada em diversos momentos, sendo
um deles a execução da pena. Nessa fase, "as autoridades responsáveis pela
execução penal possuem a obrigação de enxergar o preso como verdadeiro
indivíduo, na acepção humana do termo, considerando suas reais necessidades
como sujeito de direitos" (ROIG, 2017).
Observando que o art. 5º, L, da CF, preceitua que "às presidiárias serão
asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o
período da amamentação", nota-se a importância que o princípio da individualização
da pena possui para as mulheres presas, que possuem experiência social e
3 CÁRCERE FEMININO
Desde a criação da instituição da prisão, considerou-se necessária a
separação entre homens e mulheres para que lhes fosse oferecido um tratamento
diferenciado: para os homens, seria oferecida uma perspectiva de legalidade e
trabalho; para as mulheres, de "pudor" (ESPINOZA, 2004).
Atualmente, a previsão de estabelecimento penal próprio para mulheres
encontra-se no art. 82 da Lei de Execução Penal:
Art. 82. Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso.
§ 1° A mulher e o maior de sessenta anos, separadamente, serão recolhidos a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal
§ 2º - O mesmo conjunto arquitetônico poderá abrigar estabelecimentos de destinação diversa desde que devidamente isolados.
Mesmo assim, no Brasil, ainda há mais estabelecimentos mistos, que
perfazem o total de 17%, do que exclusivamente femininos, que são apenas 7% do
total. (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2014)
A manutenção de mulheres em estabelecimentos mistos, além de gerar
maior possibilidade de violências sexuais e maior deficiência de políticas públicas
específicas para elas, dificulta a realização de pesquisas e de promoção de
visibilidade das presas.
Ainda são insuficientes as pesquisas e dados em relação às presas.
Apesar de poderem ser utilizados para análise do panorama geral da realidade
carcerária no Brasil, é indispensável apontar as limitações dos dados oficiais de
criminalidade, principalmente em relação às mulheres, sempre atingidas por uma
ainda maior marginalização do que a população carcerária masculina.
As mulheres, mesmo representando uma parcela pequena em relação à população carcerária masculina, são tratadas com certa indiferença, para não dizer com inferioridade, uma vez que, no ambiente penitenciário, elas não usufruem equitativamente do atendimento que é dispensado aos homens, que, por sua vez, já é muito precário. A impressão que se tem é de que, no cárcere feminino, o processo de ressocialização parece ser ainda mais complexo. (FRANÇA, 2014)
Conforme observa-se em diversas pesquisas em unidades prisionais pelo
Brasil, poucas são as violências denunciadas pelas mulheres que se encontram
presídios femininos do Rio de Janeiro, observaram certa resistência de algumas
presas em dar entrevistas por causa de um boato de que a diretora da unidade teria
percorrido os corredores para advertir as presas de que não falassem mal do
ambiente.
Contudo, sabe-se que muitos são os contrangimentos e as agressões
sofridos por elas dentro das unidades, tanto causados por funcionárias quanto por
outras detentas, além das violações de direitos decorrentes da estrutura física do
local e da falta de materiais necessários para o mínimo de dignidade humana.
Além disso, os números e porcentagens relativos às pessoas presas não
abordam o histórico de violências e abusos sofridos na vida anterior ao cárcere,
fatores que, pelo menos para as mulheres, influenciam diretamente no cometimento
de crimes, no seu comportamento na unidade prisional e na vida após a privação de
liberdade. São fatores relevantes na observância do cárcere feminino, apesar de não
constarem nos levantamentos e censos penitenciários existentes.
Ainda assim, os dados oficiais podem ser utilizados para traçar o tipo de
crime mais perseguido pelo sistema e o perfil de pessoas que mais se prende no
Brasil, bem como para observar algumas especificidades das mulheres
encarceradas em relação aos homens em mesma situação.
3.1 Sociedade patriarcal e trajetória de marginalização e violência das mulheres antes do cárcere
A violência é o uso da força física, psicológica ou intelectual para coagir
ou submeter outra pessoa a seu domínio, reprimindo-a física e/ou moralmente e
restringindo sua liberdade. A violência pode ser adjetivada de acordo com o agente
que a pratica, como a policial, social e estatal, ou de acordo com a população que
atinge, como a étnico-racial e a de gênero (TELES, MELO, 2002).
Como o gênero é uma classificação que observa as desigualdades
sociais, culturais e econômicas entre homens e mulheres causadas pela
discriminação histórica das mulheres (TELES, MELO, 2002), a violência de gênero
diz respeito à manutenção da posição de submissão das mulheres gerada pela
sociedade patriarcal. Heleieth Saffioti ensina:
mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos. No exercício da função patriarcal, os homens detêm o poder de determinar a conduta das categorias sociais nomeadas, recebendo autorização ou, pelo menos, tolerância da sociedade para punir o que se lhes apresenta como desvio. Ainda que não haja nenhuma tentativa, por parte das vítimas potenciais, de trilhar caminhos diversos do prescrito pelas normas sociais, a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência. Com efeito, a ideologia de gênero é insuficiente para garantir a obediência das vítimas potenciais aos ditames do patriarca, tendo este necessidade de fazer uso da violência (SAFFIOTI, 2001).
No Brasil, um caso paradigmático de violência doméstica sofrido por uma
mulher, Maria da Penha Fernandes, deu origem a inúmeras discussões e à Lei nº
11.340/2006, também chamada de Lei Maria da Penha, que busca prevenir, punir e
erradicar a violência doméstica no país, nos termos do § 8º do art. 226 da CF, da
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a
Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do
Brasil, conforme seu art. 1º.
A Lei Maria da Penha elencou, em seu art. 7º, algumas formas de
violência doméstica e familiar contra a mulher, o que foi importante para que se
observe que violência não é apenas física, mas também pode ser psicológica,
sexual, patrimonial, moral, entre outras:
Art. 7o São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça,
constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos,
instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Todas essas formas de violência contra a mulher ocorrem
majoritariamente dentro dos lares e causam enormes impactos em relação à sua
autoestima, o que comprova a importância de combatê-la. Conforme Alice Bianchini
(2014),
[...] as mulheres são assassinadas primordialmente no ambiente familiar, isto é, em suas casas (no domicílio), ao passo que os homens, em regra, são mortos na rua, ou seja, em razão da violência perpetrada por pessoas estranhas ao lar, sem vínculo afetivo (Mapa da Violência, 2012); ao todo, 68% das mulheres que procuraram o Sistema Único de Saúde em 2011 para tratar ferimentos disseram que o agressor estava dentro de casa. Em 60% dos casos, quem espanca ou mata é o namorado, o marido ou ex-marido.
Muitas das mulheres que estão presas cresceram em famílias
desordenadas e vivenciaram por muito tempo de suas vidas intensas violências,
tanto contra elas mesmas quanto contra outros. Conforme relatos escritos por
Drauzio Varella em seu livro "Prisioneiras" e por Aline Moura e Bárbara Almeida, em
seu livro intitulado "Auri, a anfitriã" sobre a penitenciária feminina do Ceará, também
são muito frequentes as histórias de vida de mulheres presas que envolvem abusos
sexuais e uso de drogas.
É certo que os homens presos também estão, na grande maioria, em uma situação de vulnerabilidade social anterior à prisão. Porém, no caso das mulheres, além de tal vulnerabilidade, muitas delas têm um histórico de violações perpetradas por seus pais, maridos e por uma sociedade cujo machismo latente as julga a partir daquilo que seria o “papel da mulher”. (PONTE, 2015).
A violência contra a mulher pode se manifestar também fora do lar. A
violência doméstica sempre foi a mais conhecida e debatida delas, mas, conforme
Saffioti, "a violência contra a mulher constitui fenômeno, de certo ângulo, mais amplo
que o da violência doméstica".
Assim, além da violência sofrida dentro do lar, mulheres também podem
sofrer violência simbólica pela mídia, que mostra um padrão de beleza ideal a ser
conquistado e objetifica as mulheres de diversas formas, como em propagandas que
as sexualizam.
É possível também que as violências físicas e sexuais ocorram fora do
sofrem abusos diariamente, tanto em suas casas quanto na rua.
A opressão de gênero quando somada à de classe e à racial pode causar
violências profundas, pois intensificam as já citadas anteriormente. Isso fica muito
evidente em relação ao mercado de trabalho, pois são maiores e inúmeras as
dificuldades de inserção para as mulheres, principalmente as não-brancas e pobres,
que compõem a maior parte do universo prisional feminino: elas ocupam cargos
mais precarizados, recebem menores remunerações, sofrem discriminação estética
e assédios sexuais.
Sobre as mulheres negras no mercado de trabalho, ressaltam Lúcia
Xavier e Jurema Werneck (2013) que "nossa representação está associada a
modalidades inferiorizadas de trabalho, especialmente nas categoriais do setor de
serviços, com ocupações braçais, sexuais ou reprodutivas especialmente" e que "no
que se refere ao rendimento médio dos ocupados, segundo cor/raça e sexo, a
disparidade é grande entre a mulher negra (R$ 760,27), o homem negro (R$
1.025,44), a mulher branca (R$ 1.437,64) e o homem branco (R$ 2.027,58)".
Essa é a realidade de violência que a maioria - senão todas - as mulheres
presas vivenciou antes do cárcere e continua vivenciando no cumprimento de suas
penas.
Conforme pesquisa de Bárbara Musumeci Soares e de Iara Ilgenfritz
(2002), “mais de 95% sofreram violência em pelo menos um destas três ocasiões:
na infância/adolescência, no casamento ou nas mãos da polícia; 75% foram
vitimadas em pelo menos duas dessas ocasiões; e 35% em todas as três ocasiões”.
Apesar de não haver nas pesquisas oficiais dados sobre a quantidade de
mulheres presas que já sofreram violências durante sua vida anterior ao cárcere,
pode-se observar, por meio de outros dados que serão aprofundados em tópico a
seguir, que a maioria dessas mulheres vem de uma realidade de marginalização da
sociedade, possuem baixa escolaridade, dificuldades financeiras, cresceram em
famílias desordenadas, são mães solteiras e vivenciaram inúmeras violências contra
a mulher. Nesse sentido, observou-se, no Levantamento Nacional de Informações
Penitenciárias - Infopen Mulheres de 2014, que
"O cárcere feminino exprime e revela as desigualdades de gênero
presente nos diferentes espaços sociais, mas que ganha maior proporção, se
considerarmos as desigualdades sociais, econômicas e étnico-raciais." (FRANÇA,
2014).
Assim, composto por mulheres provenientes de exclusão social e da
violência do patriarcado, o cárcere feminino possui uma enorme quantidade de
especificidades e diferenças de necessidades básicas a serem observadas pela
legislação, pelos juízes e autoridades políticas.
3.2 Encarceramento de mulheres
3.2.1 Crescimento da população carcerária feminina
Até a década de 80, no contexto do Brasil e de outros países da América
Latina, as prisões femininas eram tuteladas por instituições religiosas, que agiam a
fim de aplicar castigos e correção nas mulheres (DAROQUI; RANGUGNI apud
WOLFF; MORAES, 2010).
Com o passar dos anos, as mulheres começaram a ser inseridas no
sistema criminal e, em 2004, conforme Olga Espinoza, a porcentagem de presas
representava apenas 4,33% da população carcerária total. Com isso, sempre foi
grande o desinteresse, por parte de pesquisadores e de autoridades, em observar
as necessidades femininas, ocorrendo normalmente um mero ajuste das políticas
penitenciárias masculinas a elas. Assim, "o problema carcerário tem sido enfocado
pelos homens e para os homens privados de liberdade" (ANTONY apud ESPINOZA,
2004, p. 123).
No decorrer dos anos, a população carcerária feminina continuou
crescendo, tendo um aumento de 567% ao longo de 15 anos. Pode-se observar no
Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN Mulheres - que,
em 2000, o número de mulheres presas era de 5.601, enquanto que em 2014 esse
número chegou aos 37.380.
O crescimento da população carcerária feminina nos últimos anos ocorreu
de forma muito mais rápida do que a masculina, que cresceu 220% no mesmo
estabelecimentos penais brasileiros.
Conforme visto anteriormente, a maioria das mulheres presas responde
pelo delito de tráfico. As mudanças ocorridas no campo da política criminal de
drogas nos últimos anos estão diretamente relacionadas ao encarceramento
feminino: ao mesmo tempo que o tratamento de usuários e portadores de pequenas
quantidades de drogas foi amenizado, com possibilidades de aplicação de medidas
alternativas à prisão, a penalização do tráfico ficou mais severa após o advento da
Lei 11.343/06, com o aumento da pena mínima de três para cinco anos, em
comparação com a Lei 6.368/1976, que anteriormente regia o assunto. Além disso, o
tratamento do tráfico de drogas é equiparado ao de crimes hediondos, o que dificulta
o acesso a diversos benefícios jurídicos, como progressão de regime, livramento
condicional e indulto, contribuindo também para o aumento do aprisionamento de
mulheres (WOLFF; MORAES, 2010).
Conforme Levantamento do Conselho Nacional de Justiça - CNJ -, junto
aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, o número de presos no Brasil é de
654.372. O País ocupa um dos primeiros lugares no ranking de países com maior
população carcerária do mundo. Em 2014, conforme INFOPEN, o Brasil já ocupava
o 4º lugar, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia.
Percebemos, assim, uma política de encarceramento em massa tanto de
homens quanto de mulheres, sendo a porcentagem de crescimento em relação a
estas muito mais elevada.
3.2.2 Superlotação e violação de direitos
Internacionalmente ocorrem discussões sobre as superlotações nos
sistemas penitenciários de diversos países. Nesse contexto, em janeiro de 2013, a
Corte Europeia de Direitos Humanos condenou a Itália por tratamento desumano e
degradante dos presos, em razão do pouco espaço destinado a cada um deles nas
celas. (ROIG, 2017)
Pela sentença da Corte de Strasburgo, foi considerado que a
superlotação na Itália possui natureza estrutural e sistêmica, explicando Rodrigo
Roig que:
excepcional, emergencial ou sazonal, que resulta porém do mau funcionamento crônico do sistema penitenciário, que não oferece uma medida efetiva para impedir a continuação daquela e, assim, assegurar aos presos o melhoramento das suas condições materiais de encarceramento. Já por natureza sistêmica da superlotação, é possível considerar aquela não pontual ou local, mas que na verdade permeia todo o sistema penitenciário.
No Brasil, a superlotação carcerária acompanha a história do país há
décadas, e não em apenas alguns Estados, mas em todo o território nacional,
configurando a natureza estrutural e sistêmica presente na referida decisão da Corte
Europeia de Direitos Humanos. Inclusive, conforme entendimento do Plenário do
Supremo Tribunal Federal - STF, na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamento - ADPF 347, o país encontra-se em um "Estado de Coisas
Inconstitucional", situação de violações generalizadas, contínuas e sistemáticas de
direitos fundamentais. (ROIG, 2017)
Mesmo com essa realidade, políticas que buscam ampliar cada vez mais
a punição e o encarceramento ganham força, proclamando tolerância zero
independentemente de se assegurar a liberdade, a legalidade e a segurança.
(ROIG, 2017)
Mesmo que a situação de superlotação nas unidades femininas seja
menor do que a média nacional, conforme Infopen Mulheres de 2014, mais de 50%
das vagas disponíveis está ocupada por mais de 1 pessoa, o que já configura
violação aos direitos das presas.
3.3 Quem são as mulheres presas no brasil?
3.3.1 Motivo da prisão
Em decorrência do que é veiculado pela comunicação social, há na
sociedade a suposição de que a maior parte das unidades prisionais é composta por
autores de delitos contra a pessoa ou contra a dignidade sexual. Contudo, na
verdade, a maior parte das pessoas encontra-se presa por tráfico de drogas ou por
crimes contra o patrimônio (ZAFFARONI et al, 2011).
Essa realidade fica mais evidente quando observada a população
carcerária feminina, que é, em sua maioria, composta por mulheres que respondem
por tráfico. Conforme INFOPEN (2014), de um total de 11.297 de crimes cometidos
63% do total.
A grande participação feminina no tráfico de entorpecentes ocorre
principalmente em decorrência da abertura de novas oportunidades econômicas.
Muitas vezes, é uma atividade que pode ser exercida dentro do próprio lar, sem
prejuízo das atividades normalmente impostas às mulheres, tarefas domésticas e
relacionadas à maternidade (WOLFF; MORAES, 2010). São muitos também os
casos das que são flagradas tentando adentrar unidades prisionais masculinas com
drogas para seus companheiros.
3.3.2 Perfil racial
Em relação à raça, em 2004, a maior parte das presas no Estado de São
Paulo era formada por mulheres não brancas (negra, mulata, amarela, vermelha),
mais especificamente 61,4% (ESPINOZA, 2004).
Em pesquisa realizada no Centro de Ressocialização Júlia Maranhão, em
João Pessoa - PB, no período de março a outubro de 2012, Marlene Helena de
Oliveira França constatou que as investigadas eram "mulheres jovens, pobres,
negras e pardas, pessoas com histórias de vida marcadas pela miséria, pela
violência e pelo descaso estatal".
Também no Ceará, conforme Censo Penitenciário do Estado de 2014, a
maioria das mulheres é não-branca, pois apenas 15,6% delas se reconheciam como
brancas.
Conforme relatório INFOPEN Mulheres de 2014, destaca-se a
porcentagem de mulheres negras presas, que compõem 68% das unidades
prisionais no país.
Ao longo dos anos, o perfil racial das mulheres presas não mudou muito,
sempre sendo sua maioria composta por mulheres não-brancas.
3.3.3 Faixa etária
Em relação à faixa etária, o relatório nacional mostra que 50% das presas
é jovem, com idades entre 18 e 29 anos. Ainda, apenas 11% das mulheres presas
concluiu o ensino médio, e 50% delas não concluiu o ensino fundamental. Tudo isso
a mulher reclusa integra as estatísticas da marginalidade e exclusão: a maioria é não branca, tem filhos, apresenta escolaridade incipiente e conduta delitiva que se caracteriza pela menor gravidade, vinculação com o patrimônio e reduzida participação na distribuição de poder, salvo contadas exceções. Esse quadro sustenta a associação da prisão à desigualdade social, à discriminação e à seletividade do sistema de justiça penal, que acaba punindo os mais vulneráveis, sob categorias de raça, renda e gênero (ESPINOZA, 2004)
3.3.4 Escolaridade
O nível de escolaridade das mulheres no cárcere se apresenta baixo, com
50% de mulheres que não concluíram o ensino fundamental. Apenas 11% das
mulheres possui ensino médio completo. (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO
NACIONAL, 2014)
Dentro da unidade prisional, as perspectivas de estudos para elas são
ainda mais raras. Conforme relato retirado de pesquisa realizada na penitenciária
feminina do Ceará, "muitas delas viam a universidade como algo tão distante de
suas realidades enquanto estavam lá fora, imagine estando reclusas dentro de meus
muros. Cresceram com a certeza de que jamais teriam acesso ao ensino superior".
3.4 Especificidades das mulheres presas
3.4.1 Dupla estigmatização
A não-previsibilidade de mulheres no direito penal não é aleatória, é fruto
de um processo histórico de formação social, no qual a criminalidade e a prisão são
próprias do "masculino", não do "feminino". As mulheres que invadem essa seara
são duplamente transgressoras, pois, além do crime cometido, adentram um espaço
pertencente exclusivamente aos homens. (BUGLIONE, 2007)
A mulher criminosa é duplamente discriminada, por ser mulher e por ter rompido com o modelo inferiorizado que a sociedade impôs a ela historicamente. Quando comete um crime ela assume um lugar, aparentemente, reservado ao homem: o lugar de violadora da ordem estabelecida, uma agressora. Assim, a resposta social às mulheres que cometeram crimes tem se revelado sutilmente desprezível e excludente, sobretudo, por parte do Estado, isto é, por mais que se discuta a necessidade de diferenciação, tudo continua como se essas necessidades não existissem. (FRANÇA, 2014)
minimizar tal inserção de mulheres no universo masculino da criminalidade. São os
delitos como infanticídio (art. 123, CP), exposição ou abandono de recém nascido
para ocultar desonra própria (art. 134, CP), aborto (124, CP) e homicídios passionais
(art. 121, CP). (BUGLIONE, 2007)
Contudo, observa-se, no Brasil, que a maioria das detenções de mulheres
é motivada pelo delito de tráfico, ficando em segundo lugar crimes contra o
patrimônio (DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL, 2014), crimes
considerados "próprios de homens". Poucas ou, em alguns casos, inexistentes são
as detenções de mulheres causadas pelas delitos considerados femininos, restando
à tal classificação ser uma mera manifestação de discriminação.
Ao mesmo tempo em que as detentas, ao adentrarem o caminho da criminalidade e da prisão, conseguindo entre seus pares um reconhecimento, são excluídas pelo resto da sociedade, que impõe regras, valores e condutas morais à vida dessas mulheres. Assim, elas são vistas como piores que os homens que cometem crimes, pois não seria da “natureza” feminina, na qual a sociedade acredita e que foi legitimado pelos discursos científicos, o cometimento de crimes. (FRANÇA, 2014)
Há um enorme julgamento moral quando mulheres rompem com o que é
socialmente exigido dela. É comum se ouvir que, se a mulher está presa, ela é uma
má mãe, o que reforça os papeis de gênero, além de não condizer com a realidade
de muitas mulheres que são as únicas a sustentar o lar.
Importante destacar que, para as mulheres negras, o papel da
maternidade não foi imposto historicamente. Na época da escravidão, muitas
escravas abortavam seus filhos como forma de resistência, tanto para não terem
filhos originados de abusos sexuais quanto para evitar a reposição da mão-de-obra
escravizada. (IPÓLITO, 2014).
Angela Davis propõe algumas hipóteses para reexaminar a história das
mulheres negras e a escravidão: inicialmente, ela discorre sobre o trabalho externo
ao lar, que sempre foi exercido proporcionalmente em maior quantidade por
mulheres negras do que por brancas. Observa Davis que enquanto às mulheres
brancas era imposto o papel de cuidados do lar e do marido, às negras era
estabelecido o trabalho compulsório, que ofuscava todo o resto da sua vida. Tal
padrão se reproduz atualmente, considerando a enorme quantidade de tempo que o
trabalho ocupa na vida dessas mulheres.
mercadorias no sistema escravista. Tanto homens quanto mulheres eram vistos
como mão-de-obra e lucro pelos proprietários. Nesse sentido, Kenneth M. Stampp,
conforme citado por Davis, "a mulher escrava era, antes de tudo, uma trabalhadora
em tempo integral para seu proprietário, e apenas ocasionalmente esposa, mãe e
dona de casa."
Não por acaso, o estigma de má mãe se mostra mais violento ainda em
relação às mulheres negras, que historicamente tiveram a maternidade negada para
dar lugar à função de trabalhadora.
Por isso, "as prisões, além de não atenderem a necessidades específicas
do sexo feminino, exercem controle e punem pelo descumprimento de um papel de
gênero." (PONTE, 2015).
3.4.2 Visitas íntimas e de familiares
Não apenas na classificação dos crimes ocorrem as discriminações e
violências de gênero, a prática da execução penal também traz inúmeras formas de
penalizar duplamente as mulheres, como na repressão à sexualidade feminina, que
se manifesta na dificuldade de recebimento de visitas íntimas. Diferentemente da
realidade masculina, a visita íntima para mulheres é considerada privilégio.
(BUGLIONE, 2007).
Nota-se, conforme o Censo Penitenciário do Ceará de 2014, que,
enquanto 10,8% dos homens recebia visitas íntimas na frequência de uma a duas
vezes por mês, apenas 3,1% das mulheres as recebiam na mesma frequência.
52,6% dos homens presos não recebem visitas íntimas enquanto em relação às
mulheres esse valor é de 89,7%.
Conforme observa Emmanuel Ponte, Angotti constatou que a visita para
as mulheres fica muitas vezes sujeita à arbitrariedade da gestão prisional: "algumas
diretorias permitem a visita apenas quando a mulher é casada, outras permitem
também a solteiras e algumas chega a negar esse direito completamente".
A realidade das mulheres presas, além de dificultadas pela própria prática
do sistema penal, também é dificultada pelo abandono por parte de seus
companheiros, em consequência dessa dupla estigmatização.
Outro problema enfrentado é o abandono da mulher presa pela própria
femininos existentes. O baixo número de presídios é um reflexo da pouca
importância dada às mulheres, que são obrigadas a afastarem-se de suas regiões,
bem como de sua família (BUGLIONE, 2007).
Dados do Censo Penitenciário do Ceará de 2014 demonstram que 69%
das mulheres não recebem visitas da própria mãe.
3.4.3 Mães encarceradas
Muitos são os problemas relacionados à maternidade e ao cárcere.
Conforme se depreende do Censo Penitenciário do Ceará, em 2014, apenas 3,2%
das mulheres não possuía filhos. Todas as outras mulheres possuíam pelo menos
um filho, ou seja, ao serem presas, são separadas de seus filhos.
Além disso, muitas mulheres dão à luz na prisão. O perfil dessas
mulheres, conforme pesquisa "Saúde materno-infantil nas prisões", é composto
predominantemente por jovens e negras. A pesquisa constatou também muitas
violências sofridas por essas grávidas, como algumas terem sido algemadas
enquanto davam à luz ou poucas terem recebido acompanhamento médico
adequado.
A pesquisa "Dar à luz na sombra: condições atuais e possibilidades
futuras para o exercício da maternidade por mulheres em situação de prisão”,
coordenada por Ana Gabriela Mendes Braga e Bruna Angotti, constatou que há falta
de acesso à justiça, descumprimento de previsões legais, negligência em relação às
especificidades da mulher e violações no que tange à convivência entre a mãe presa
e suas crianças.
Ainda conforme a pesquisa, não é consenso entre as presas a escolha
entre institucionalização da criança e separação da mãe: algumas defendem
fortemente que prisão não é um local adequado para crianças, sendo totalmente
contrárias à institucionalização; outras consideram importante a permanência com o
recém-nascido. Contudo, é consenso entre elas que a prisão não é local adequado
para as crianças e que o modelo de creche externa à unidade prisional é a melhor
solução para mães presas.
De qualquer modo, o processo de separação da mãe e da criança é muito
As mulheres, ao darem à luz, ficam em um ambiente separado das demais detentas e exercem o papel de mãe 24 horas por dia. “Não há o exercício livre da maternidade”, comentou a antropóloga. A mãe deixa o convívio com outras pessoas e tem que ser somente mãe. Nas prisões, o período mínimo de permanência de recém-nascidos com suas mães é de seis meses, mas esse acaba tornando-se o máximo concedido. Após esse prazo de maternidade intensa, o bebê é retirado e a mãe se vê subitamente sem ele em um espaço em que está rodeada por outros bebês até que seja mandada de volta ao antigo pavilhão. A defensora Verônica Sionti acrescenta que esse tende a ser um período profundamente traumático, não apenas psicologicamente, mas também fisicamente, já que a mulher que até então amamentava regularmente passa a não extrair o leite produzido – o que causa febres e dores no corpo. (PONTE, 2015)
3.5 Regras de Bangkok
Nesse contexto de desconsideração das especificidades das mulheres e
de violações de direitos, que não se restringe apenas ao Brasil, surgiram em 2010
as Regras das Nações Unidas Para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas
Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras, também chamadas de Regras
de Bangkok.
Reconhecendo a necessidade de se observar as necessidades das
mulheres presas, as Regras de Bangkok vêm complementar outras regras das
Nações Unidas já existentes sobre justiça criminal, como as Regras Mínimas para
Tratamento de Reclusos (Regras de Mandela), que na época de seu
estabelecimento não considerou a realidade específica das mulheres presas, e as
Regras Mínimas das Nações Unidas Sobre Medidas Não Privativas de
Liberdade (Regras de Tóquio). (OLIVEIRA, 2017).
A Regra 1 das Regras de Bangkok traz a questão da não discriminação e
a busca de uma igualdade substancial:
A fim de que o princípio de não discriminação, incorporado na regra 6 das Regras mínimas para o tratamento de reclusos, seja posto em prática, deve-se ter em consideração as distintas necessidades das mulheres presas na aplicação das Regras. A atenção a essas necessidades para atingir igualdade material entre os gêneros não deverá ser considerada discriminatória.
O Brasil participou ativamente da elaboração e aprovação das Regras de
Bangkok, assumindo um compromisso internacional de cumpri-las. É imprescindível
que o país adeque o ordenamento jurídico interno a elas. Ainda assim, a aplicação
das regras pelas cortes superiores brasileiras ainda é insatisfatória, além de que
diretrizes. (OLIVEIRA, 2017).
As Regras de Bangkok, entre muitas outras considerações, contemplam a
realidade das mães presas, das estrangeiras e das pertencentes a minorias ou
povos indígenas; a questão das drogas; o cuidado com higiene pessoal; os cuidados
com a saúde e o contato da presa com sua família.
Embora prevejam diversas políticas públicas para as mulheres presas, as
Regras de Bangkok priorizam o uso de alternativas penais ao encarceramento.
Em relação às mães, a regra 2 prevê que antes ou no momento de
ingresso de mulher responsável pela guarda de crianças na unidade prisional, ela
possa tomar as providências necessárias em relação aos filhos, e que, se
necessário, a medida privativa de liberdade pode seja suspensa por um período
razoável para garantir o melhor interesse das crianças.
Durante o período de amamentação, é necessário que a mãe mantenha
uma alimentação equilibrada, sendo acertada a regra 48 quando prevê que:
1. Mulheres gestantes ou lactantes deverão receber orientação sobre dieta e saúde dentro de um programa a ser elaborado e supervisionado por um profissional da saúde qualificado. Deverão ser oferecidos gratuitamente alimentação adequada e pontual, um ambiente saudável e oportunidades regulares de exercícios físicos para gestantes, lactantes, bebês e crianças. 2. Mulheres presas não deverão ser desestimuladas a amamentar seus filhos/as, salvo se houver razões de saúde específicas para tal. 3. As necessidades médicas e nutricionais das mulheres presas que tenham recentemente dado à luz, mas cujos/as filhos/as não se encontram com elas na prisão, deverão ser incluídas em programas de tratamento.
Conforme a regra 24, "instrumentos de contenção jamais deverão ser
usados em mulheres em trabalho de parto, durante o parto e nem no período
imediatamente posterior", o que deve ser urgentemente observado na prática pelo
Brasil, pois o uso de algemas em mulheres no momento do parto ainda ocorre no
país e gera diversas consequências para elas.
Além dessas, as regras de 48 a 52 e 64 trazem inúmeras outras
pertinentes disposições em relação à realidade das mães presas.
Sobre o consumo de drogas, a regra 15 dispõe sobre o dever dos
serviços de saúde de prover ou facilitar programas de tratamento especializados a
mulheres usuárias de drogas.
As regras 6 à 18 tratam da questão da saúde, sempre levando em
possibilidade de vitimização antes do cárcere, entre outros.
A regra 5 trata da higiene pessoal, observando a necessidade de
fornecimento de absorventes higiênicos gratuitos e suprimento regular de água.
As previsões sobre medidas não restritivas de liberdade encontram-se
nas regras 57 a 62. Em todas essas regras, percebe-se o ânimo de
desencarceramento das mulheres e a ênfase em alternativas à prisão. Assim, prevê
a regra 57 que:
As provisões das Regras de Tóquio deverão orientar o desenvolvimento e a implementação de respostas adequadas às mulheres infratoras. Deverão ser desenvolvidas, dentro do sistema jurídico do Estado membro, opções específicas para mulheres de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão e à prisão cautelar, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado.
Por fim, as regras 67 a 70, considerando a pouca realização e divulgação
de pesquisas sobre mulheres encarceradas, dispõem sobre pesquisa, planejamento,
4 A LEI DE EXECUÇÃO PENAL E AS MULHERES ENCARCERADAS
4.1 Tratamento destinado às mulheres pelas ciências criminais
Assim como ocorre com o direito de forma geral, o direito penal também
traz desigualdades. O direito foi, e ainda é, construído com base na visão das raças
e classes historicamente dominantes, não sendo possível, portanto, a promoção da
igualdade para aquelas pessoas consideradas diferentes pela sociedade. Nos ramos
do direito que envolvem ciências criminais, tal realidade fica mais visível, pois seus
efeitos são mais contundentes. (BUGLIONE, 2007)
No direito penal moderno, não há previsão de questões de gênero. Na
verdade, muitas vezes, as leis reforçam tais modelos sociais de feminino e
masculino, por exemplo trazendo a maternidade como exclusividade feminina. Não
se encontra previsão de creches nos presídios masculinos, aos homens não recai o
papel de reprodução e de cuidado com os filhos, nunca se presume homens como
pais. (BUGLIONE, 2007)
Em análise à legislação penal brasileira, realmente percebe-se uma maior
preocupação com a mulher quando está grávida ou já possui filho. Assim, a atenção
é quase sempre voltada à maternidade, não apenas à mulher. Apesar da grande
importância de se tomar medidas para proteção das mães e dos filhos, que é uma
das situações especiais da mulher, ainda é pouca a previsão de especificidades das
mulheres, que necessitam de muitas outras medidas além das relacionadas à
maternidade. (ESPINOZA, 2004)
O que pretendemos é chamar a atenção para a identificação da mulher com um único papel, como se o universo feminino, composto por necessidades e recursos próprios e diversos, pudesse ser representado apenas pela função de mãe. Isso significa que a mulher merece destaque só como mãe? (ESPINOZA, 2004)
Em tópico a seguir, serão analisadas essas normas previstas
especificamente para mulheres na Lei de Execução Penal
De acordo com Samantha Buglione, o discurso jurídico e sua execução
não são imparciais, manifestando-se em uma postura paternalista ou rigorosa.