o
ESTADO NOVO E A NACIONALIZAÇÃO·
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
HELGA I. LANDGRAF PICCOLO··
Na apresentação
da obra
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
E s ta d o N o v o . Id e o lo g iae
P o d e r ,Lúcia
Lippi de Oliveira (1982:9)
afirma:
Entre
os formuladores
de princípios
e idéias
destacou-se
Góes
Monteiro. Sua fala é de 1933 e foi reunida no clássico
A R e v o lu ç ã o d e30 e
a
fin a lid a d e p o lític a d o E x é r c ito .---• Comunicação apresentada no Seminário sobre o Pensamento Filosófico e Teológico na Ibero.América. São Leopoldo, Unisinos, 2 a 4 de setembro de 1992.
"Professora do Curso de Pós-Graduação em História - UFRGS. Doutora em História. RESUMO
O artigo objetiva mostrar como diferentes agentes sociais e/ou "intelectuais orgânicos" a serviço do Estado Novo e com ele identificados discorreram sobre questões como nação, nacionalidade, nacionalismo, organização nacional, identidade nacional. Foram recuperadas falas anteriores a 10 de novembro de 1937, querendo-se com isso mostrar que há uma certa continuidade no pensar tais questões. Ao resgatar essas falas, que, no nosso entender, identificam-se com o processo de
nacionalização levado a cabo pelo Estado Novo e o justificam,
procuramos evidenciar que uma análise dessas falas não pode prescindir
da conjuntura em que foram produzidas (não esquecendo que,
historicamente, o nacionalismo brasileiro tem um suporte cultural
lusitano).
O
E s ta d o N o v o ( . . .) te v e u m a p r e o c u p a ç ã o n ítid aem
fa z e r p r o d u z ir , o u a p r o v e ita r p a r as e u u s o , u m c o n ju n to d e p r in c fp io s
e
id é ia s , p e lo s q u a isse
a u to - in te r p r e ta v ae
ju s tific a v as e u p a p e l n a s o c ie d a d e
e
n a h is tó r ia b r a s ile ir a s . T a is p r in c íp io s n ã o fo r a mfo r m u la d o s
em
1937,
m a s r e c e b e r a m a í u m a r o u p a g e m o fic ia le
fo r a m u tiliz a d o s c o m o in s tr u m e n to d e p o d e r .~I
I,I
ji"Segundo
Edmundo
Coelho Campos (1976:105),
referindo-se
à
fala
de Góes Monteiro,
... é
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
s u fic ie n te le m b r a r q u e n a h is tó r ia d o p e n s a m e n to m ilita r b r a s ile ir o n ã o e r ap o s s ív e l e n c o n tr a r , a té a q u e la é p o c a , u m a
c o n c e p ç ã o tã o c o e r e n te
e
g lo b a l d a sr e la ç õ e s e n tr e E x é r c ito
e
s o c ie d a d e c iv ile
q u e fo s s e in te g r a lm e n te m ilita r .Acompanhemos
algumas idéias formuladas
por Góes Monteiro, que
seria
um dos condestáveis
do Estado
Novo, em cuja implantação
foram
fundamentais
e decisivas
as articulações
por ele feitas.
Para ele, o espírito
do liberalismo
era "fonte
de todos os males
sociais
e pátrios - forjado
para que a todos
se permita
a liberdade
de se
encarniçarem
na prática do mal contra o bem, aumentando
o babelismo e as
complicações
do problema
da organização
nacional".
A questão
era vital
para o futuro do Brasil, mas a solução "não é normalmente
da competência
do poder
militar,
que não pode intrometer-se
na matéria, sem falsear a sua
própria finalidade,
pois ele não é mais do que o instrumento
de força
do
poder
civil"
(ob. cit., p,132).
Criticando
aqueles
que pregavam
que o Exército
não devia ser
político, dizia que
o
E x é r c itoé
u m ó r g ã o e s s e n c ia lm e n te p o lític o ;e a
e le in te r e s s a , fu n d a m e n ta l-m e n te , s o b to d o sos
a s p e c to s ,a
p o lític av e r d a d e ir a m e n te n a c io n a l, d e q u e e m a n a m ,
a té c e r to p o n to ,
a
d o u tr in ae o
p o te n c ia l d eg u e r r a .
A
p o lític a g e r a l,a
p o lític a e c o n 6 m ic a ,a
p o lític a in d u s tr ia le
a g r íc o la ,o
s is te m a d e c o m u n ic a ç õ e s ,a
p o lític a in te r n a c io n a l, to d o sos
r a m o s d a a tiv id a d e , d a p r o d u ç ã o e d a e x is tê n c ia c o le tiv a , in c lu s iv ea
in s tr u ç ã o ea
e d u c a ç ã o d o p o v o ,o
r e g im e p o lític o - s o c ia l, tu d o , e n fim , a fe taa
p o lític a m ilita r d e u m p a ís(ob. cit., p.133).
Portanto,
para Góes
Monteiro
havia uma política
militar que ele
defendia e que perpassa todo o seu pensamento.
Seu pensamento
a respeito
fica bem claro em outro trecho da obra citada como referencial.
Na página
163, lê-se:
224
BIBLOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995·( . . .) s e n d o
o
E x é r c ito u m in s tr u m e n to e s s e n c ia lm e n te p o lític o ,a
c o n s c iê n c iac o le tiv a d e v e - s e c r e a r n o s e n tid o d e
se
fa z e ra
p o lític a d o E x é r c itoe
n ã oa
p o lític a . n o E x é r c ito .A
p o lític a d o E x é r c itoé
a
p r e p a r a ç ã o p a r a
a
g u e r r a ,e
e s ta p r e p a r a ç ã oin te r e s s a e e n v o lv e to d a s
as
m a n ife s ta ç õ e se
a tiv id a d e s d a v id a n a c io n a l, n o c a m p o m a te r ia l, n o q u ese
r e fe r eà
e c o n o m ia ,à
p r o d u ç ã oe
a o s r e c u r s o s d e to d a n a tu r e z a _e
n o c a m p o m o r a l, s o b r e tu d o n o q u e c o n c e r n eã
e d u c a ç ã o d o p o v oe
à
fo r m a ç ã o d e u m a m e n ta lid a d e q u e s o b r e p o n h aa
tu d oos
in te r e s s e s d a P á tr ia .Mas
a preparação
para
a guerra
não interessava
apenas
para
situações criadas
por inimigos externos,
porque também
os havia dentro do
País. Antecipava-se
assim Góes Monteiro
à
Escola Superior de Guerra, ao
formular uma doutrina
de Segurança
Nacional reelaborada
a partir de 1949,
"em função de uma nova conjuntura".
São palavras de Góes Monteiro:
N ã o h a v e n d o
a
o p in iã o p ú b lic a d o p a ísse
o r g a n iz a d o
em
fo r ç a s n a c io n a is , r e s ta mas
fo r ç a s p a r tic u la r e s , q u e n ã o p o d e r ã o m a is
d is p o r
e
c o n c e n tr a rem
s u a s m ã o sos
in te r e s s e s d a n a c io n a lid a d e . F ic a m
só
o
E x é r c ito
e
a
M a r in h a c o m o in s titu iç õ e sn a c io n a is
e
ú n ic a s fo r ç a s c o m e s s e c a r á te re só
à
s o m b r a d e la sé
q u e , s e g u n d oa
n o s s a c a p a c id a d e d e o r g a n iz a ç ã o , p o d e r ã oo r g a n iz a r - s e
as
d e m a is fo r ç a s d an a c io n a lid a d e .
Para ele, as Forças
Armadas
(então
integradas
pelo Exército
e
Marinha) eram as responsáveis
"pela segurança
interna e externa da Nação",
e, por isso, precisavam
estar o mais fortes possível,
d e m o d o q u e n e n h u m o u tr o e le m e n to
a n ta g 6 n ic o
à
s u a fin a lid a d e p o s s a a m e a ç a ros
fu n d a m e n to s d a P á tr ia . N e s ta sBIBLOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.
c o n d iç õ e s ,
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
as
fo r ç a s m ilita r e s tê m d e s e r ,n a tu r a lm e n te , fo r ç a s c o n s tr u to r a s , a p o ia n d o
g o v e r n o s fo r te s , c a p a z e s d e m o v im e n ta r
e
d a r n o v a e s tr u tu r a
à
e x is tê n c ia n a c io n a l, p o r q u esó
c o ma
fo r ç aé
q u ese
P o d e c o n s tr u ir ...(ob. cit., p.156-7).
Colocava-se,
pois, como
uma das central idades
de sua fala, a
questão
da disciplina.
E o Exército só podia ser disciplinado
dentro de uma
nação disciplinada
(ob. cit., p.157). Para o Exército, o seu fortalecimento
era
uma
questão
de
vida
ou
de
morte.
Quanto
mais
forte,
mais
coeso
e
disciplinado
será. .. e "mais será uma garantia sólida de unidade e integridade
nacional" (ob. cit., p. 160). E falando sobre o poder do Estado, afirmava que
o Estado
devia
ter
poder
para
intervir
e regular
toda
a vida
coletiva
e
disciplinar
a nação (ob. cit., p.183).
Mas o fortalecimento
do Exército não passava apenas pela coesão
e disciplina;
passava também
pelo material bélico disponível.
Quanto a isso,
Góes Monteiro
dizia (ob. cit., p.175-6)
que o Brasil não tinha indústria de
guerra "senão rudimentar";
que as necessidades
de defesa exigiam material
avultado e dispendioso;
que era preciso renovar o material bélico e
acrescê-10, "porque
o de
que
dispomos
é verdadeiramente
ridículo";
que,
sem
recornpletar
o material das unidades do Exército, "elas estarão desprovidas
dos meios de ação que lhe são peculiares".
Assim,
to d a a te n ç ã o d o g o v e r n o
e
d a a d m in is tr a ç ã o m ilita r d e v e e s ta r v o lta d a p a r a e s te sp r o b le m a s , ta n to d e o r d e m m o r a l c o m o d e
o r d e m m a te r ia l. E s o m e n te q u a n d o
as
fo r ç a sm ilita r e s d o p a ís e s tiv e r e m c o m p le ta m e n te
in te g r a d a s n o s e u p a p e l
e
fo r e m r e a lm e n teu m in s tr u m e n to d e fo r ç a d o p o d e r c iv il,
p o d e r ã o d e s a p a r e c e r to ta lm e n te
as
a m e a ç a sc o n tr a
a
n o s s a s e g u r a n ç a in te r n ae
e x te r n ae
c o n tr aa
o r d e m " .A preocupação
com a segurança
nacional esteve sempre presente
no seu pensamento.
Ao formular ele mesmo a pergunta "Teremos,
por muito
tempo, regime constitucional?"
(lembrando
que sua fala é de 1933, ano
em
que foi convocada
a Assembléia
Constituinte
que promulgaria
a efêmera
Constituição
de 1934), dizia:
226
BIBLOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.A
p r e v is ã oé
d ifíc il.O
r e g im e q u e v a m o s in a u g u r a r d e v e r á r e s o lv e ra
c r is e e c o n ô m ic o -fin a n c e ir ae a
c r is e m o r a l. N ã o h á p e r ig o d em ilita r is m o n u m a N a ç ã o c o m o
a
n o s s a .O
m e io m a is r a c io n a l d e e s ta b e le c e r ,em
b a s e ss ó lid a s ,
a
s e g u r a n ç a n a c io n a l, c o mo
fims o b r e tu d o d e d is c ip lin a r
o
p o v oe
o b te ro
m á x im o d e r e n d im e n to
em
to d o sos
r a m o sd a a tiv id a d e p ú b lic a ,
é
ju s ta m e n te a d o ta ros
p r in c íp io s d e o r g a n iz a ç ã o m ilita r , c o n ta n toq u e s e ja is e n ta d o e s p fr ito m ilita r is ta , is to
é,
d a n d o
a
c o n s c iê n c ia d a n e c e s s id a d e d e d e fe n d e ra
s o c ie d a d e p e la o r g a n iz a ç ã oe
a q u is iç ã o d o s m e io s n e c e s s á r io s n o te r r e n op o lític o , e c o n ô m ic o , ju r íd ic o , m ilita r e tc . N ã o
é
o
m ilic ia n is m o n e mo
e s p ír ito d o c a u d ilh is m o :é
o
v e r d a d e ir o e s p ír ito m ilita r(ob. cit., p.201).
Essa fala é lapidar e a nossa leitura é de que nela está implícita
uma possível tutela militar sobre a Nação. Tudo dependia dos resultados
das
medidas tomadas
para o enfrentamento
e a solução
das crises apontadas.
Ao justificarem
o golpe de 10 de novembro de 1937, os principais atores nele
envolvidos
quiseram
demonstrar
ou
fazer
crer
à
Nação
que
o
regime
constitucional
inaugurado
em 1934 era, nas circunstâncias,
inviável. E Góes
Monteiro fizera o alerta.
O
"discurso"
militar
de
Góes
Monteiro
indica
a disposição
de
segmentos
da cúpula
militar - ao se apresentarem
como
porta-vozes
das
únicas instituições
que julgavam
nacionais - em serem "árbitros dos conflitos
políticos" que
se acentuaram
como
decorrência
da nova e heterogênea
composição do poder após a vitória do movimento
de 1930. A reivindicação
de um crescente
poder
de influência
militar
na política
nacional
teve,
na
década de trinta, seu auge no Estado
Novo (Ferreira,
1989:31-2),
quando
Objetivou não só a reorganização
do Estado e da sociedade
mas também
a
redefinição das relações
Estado/Sociedade.
O
primeiro
período
do governo
Vargas
(1930-1945)
foi decisivo
"para a consolidação
de um padrão autoritário
de interação
entre o Estado
e.a sociedade". A importância
do Estado "enquanto ator político relevante em
SI
e por si mesmo"
cresceu,
"atingindo
seu ponto
máximo
sob o Estado
Novo".
Imbricada
na construção
do "novo"
Estado, estava
a expansão
do
aparato burocrático
civil e militar,
o que apontava
"para
um processo
de
expansão e centralização
do poder público" (Reis, 1988: 194-5).
1
11
'11
11
As
"necessidades"
militares,
enfatizadas
por
Góes
Monteiro
estiveram
entre as prioridades
governamentais.
'
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A c o m p r a d e m o d e r n o s e q u ip a m e n to s
m ilita r e s
e a
m e lh o r ia d o s p r o g r a m a s d etr e in a m e n to c o n tr ib u fr a m s ig n ific a tiv a m e n te
p a r a
o
fo r ta le c im e n to d a s F o r ç a s A r m a d a s . R e s s a lte - s e a in d a q u e a lé m d o s a v a n ç o s n os e n tid o d e u m c o n tr o le m a is r íg id o s o b r e
os
m e io s d e v io lê n c ia ,
o
E x é r c itose
e n v o lv e ue fe tiv a m e n te n a s a tiv id a d e s p o lftic a s
(Reis,
1988: 195).
o
monopólio
do poder de coerção
e a inclusão
do crescimento
econômico
no conceito de segurança
nacional também
atendiam
demandas
militares.
O Estado Novo foi fundamental
no processo de institucionalização
de
um
aparelho
militar
autônomo,
organicamente
coeso,
socialmente
prestigiado
e politicamente
conservador
(Moraes,
1987: 11-3).
O
E s ta d o N o v o n ã o fo r a in s titu fd o p a r a fa v o r e c e r a s c la s s e s m ilita r e s , m a s p a r ao r g a n iz á - Ia s , liv r á - Ia s d a s in c u r s õ e s d o
p a r tid a r is m o p o lític o , a p a r e lh á - Ia s , d is c ip lin á
-Ia s e s p ir itu a lm e n te p a r a s e u im e n s o
e
á r d u o la b o r té c n ic o ;e
n e mé
c a b ív e l q u e , fa c ea
s itu a ç ã o in te r n a c io n a l,se
c r itiq u ea
m ilita r iz a ç ã o d o p a ís , p o is a i d e n o s s a p á tr ia
s e n ã o n o s m ilita r iz a r m o s 1 0 0 % ,
m e d u la r m e n te , n o e s p ír ito
e
n a c a r n e v iv a ...(De um discurso de Góes Monteiro de 19 de
abril de 1941, citado por Coelho, 1976: 102).
Foi a liderança
do Exército
(leia-se
Góes Monteiro
e Outra) que
avalizou a implantação
do Estado Novo, "um regime militar em sua essência"
(Coelho,
1976:97).
Em sendo avalistas
de um regime autoritário,
os líderes
militares, ao falar em nome do Exército, não podiam prescindir da garantia de
que seus
comandos
"seriam
obedecidos
com
um mínimo
de resistência"
possível. Para isso, o Exército tinha que demonstrar
um alto grau de disciplina,
com respeito à hierarquia.
Da perspectiva
militar, o regime político implanta~O
em 10 de novembro
de 1937 e a concepção de Estado nele incorporada
"veio
a ser indissociável
do papel que a liderança
projetara
para o Exército".
"Er11
228
BIBlOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.___
"
síntese a construção
do Estado Novo e a institucionalização
da identidade
do
Exército eram uma mesma e única empresa"
(Coelho,
1976:97-8).
A simbiose
Exército-Estado
se expressou
numa doutrina
militar de
efeitos duradouros.
Para issu foram fundamentais
três acontecimentos:
- a
Revolução
Constitucionalista
de
São
Paulo
em
1932,
que
mostrou a fragilidade
do Exército para enfrentar
revoltas internas, revelando
as suas deficiências
operacionais.
Sendo São Paulo o maior parque industrial
do Brasil, a revolução
paulista "constituiu
para a liderança
militar a evidência
mais
próxima
de
que
a
capacidade
industrial
é
condição
básica
da
capacidade
militar" (Coelho,
1976: 107);
- a Intentona
Comunista
de 1935, que, ao ter ramificações
dentro
do Exército, mostrou a falta de coesão e de disciplina. Com "sua deflagração,
os chefes
militares
adquiriram
consciência
de quanto
haviam
perdido
o
controle
da
situação"
(Coelho,
1976: 11
O).
As
discussões
ideológicas
perceptíveis
na
sociedade
civil
haviam
entrado
nas
Forças
Armadas,
quebrando o princípio
da hierarquia;
- a Segunda
Guerra Mundial, que, ao envolver o Brasil, obrigou ao
aceleramento da modernização
das Forças Armadas, com o seu conseqüente
fortalecimento.
Conforme
Edmundo
Campos
Coelho
(1976:111),
o
regime
do
Estado Novo
.
s 6
se
to r n o u p o s s ív e l p o r q u e a te n d ia a o sin te r e s s e s d o E x é r c ito ta l c o m o e r a m
in te r p r e ta d o s p e la lid e r a n ç a m ilita r q u e
o
g a r a n tiu . E m b o r a c o m u m a c h e fia c iv il n og o v e r n o
[Getúlio Vargas] o
E s ta d o N o v o fo i,d e fa to , u m a d ita d u r a d o s m ilita r e s : e le s
a
in s ta u r a r a m , im p u s e r a m q u a s e s e m p r e s e u sp o n to s d e v is ta , e le s
a
c a n c e la r a m . Q u a is q u e r q u e te n h a m s id o o s in te r e s s e sn a c io n a is a d u z id o s , e le s fo r a m in te r p r e ta d o s
p e lo p r is m a d o s in te r e s s e s d o
Exército,'
Os
anos
1937-45
foram
um
período
em
que
questões
como
Organização
nacional,
identidade
nacional,
nacionalidade,
nacionalismo
ganharam
uma
maior
relevância
(não
significando
isso
que
antes
não
houvesse
preocupação
com
essas
questões)
porque
o "Estado"
que
se
---1Na fala dos atores - e no caso, especificamente Goés Monteiro _ é usado preferencialmente o termo "militar" e este relacionado, especialmente, com "Exército".
BIBlOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.
constituía
era "Novo"
e, no discurso
oficial
(e de seus
intérpretes
e dos
"doutrinadores"
do regime),
Estado e Nação era uma coisa só, confundiam_
se. É nessas questões
que está imbricado
o "projeto" de nacionalização,
um
dos objetos deste Seminário.
Retomemos
a "fala" de Góes Monteiro na citada obra de referência
onde, à página
188, diz que "a História ensina que nenhum
povo pode s~
fortalecer
senão
dentro
da
idéia
do
nacionalismo".
Segundo
ele,
o
nacionalismo
deve ser praticado
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
m u d a n d o
o
r e g im e im p la n ta d o p e laC o n s titu iç ã o d e
91,
d e m o d oa,
p o r e ta p a s s u c e s s iv a s , ir p r o g r e s s iv a m e n te a u m e n ta n d oo
p o d e r d o E s ta d oe
tr a n s fo r m a n d oas suas
in s titu iç õ e s p a r a q u e e la s p o s s a m e x e r c e re fe tiv a m e n te
a
fu n ç ã o s o c ia l q u e Ih e s fo r d e s tin a d a n o a p a r e lh a m e n to d a o r g a n iz a ç ã on o m e s m o E s ta d o .
Portanto, Góes Monteiro privilegia, no seu conceito de nacionalismo,
o elemento
político, valorizando
a ação do legislador,
do homem de Estado
para a constituição
da Nação. Os partidos políticos existem e são
o r g a n iz a d o s p a r a a te n d e r q u a s e e x c lu s iv a
-m e n te
a
in te r e s s e s d e g r u p o s , d e fa c ç õ e s e . d e in d iv íd u o se
n u n c a . a o s in te r e s s e s d a c o le tiv id a d e[e]
c o m OS p r o g r a m a s ,o r g a n iz a ç ã o , e s tr u tu r a
e
fin a lid a d e s , q u e tin h a me
a in d a tê m , te n d e ma
d e s a p a r e c e r , p o r q u e , n a p r á tic a ,só
r e p r e s e n ta me
p r o m o v e m
a
d is c ó r d ia ,a
d e s u n iã o ,a
e x p lo r a ç ã oe a
in ju s tiç a .O
E s ta d o , te n d oo
fu n c io n a m e n to d o s s e u s ó r g ã o s s u je itoàs
o s c ila ç õ e s p a r tid á r ia s ,se
e n fr a q u e c e , tr a n s ig e , r e c u a
e
n ã o p o d e le v a ra
e fe itoa
s u a o b r aem
b e n e ffc io d a n a c io n a lid a d e "(ob. cit., p.180-1).
Advogando
o aumento
do poder do Estado, afirma:
O
e s ta d o d e v e te r p o d e r p a r a in te r v ire
r e g u la r to d aa
v id a c o le tiv ae
d is c ip lin a ra
N a ç ã o , c r ia n d o
os
ó r g ã o se
a p a r e lh o s230
BIBLOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.p r ó p r io s p a r a o r g a n iz a r
a
n o s s a e c o n o m ia , o b r ig a r to d o sao
tr a b a lh oe
s a tis fa z e ro
m fn im o d a s n e c e s s id a d e s m o r a is
e
m a te r ia is d e to d oo
c id a d ã o b r a s ile ir o q u e s ir v e , r e a lm e n te ,à
s u a p á tr ia .O
E s ta d o d e v e o r g a n iz a ros
e le m e n to s d e s u a d e fe s ain te r n a
e
e x te r n a d e u m a m a n e ir a s ó lid ae
e fic a z c o n tr a
as
s u r p r e s a se as
in v e s tid a sq u e p e r tu r b e m
a
s u a a ç ã o e p r o c u r e m la n ç a ra
d e s o r d e m n o p a ís . N e s te p a r tic u la r ,o
r e g im e p a s s a d o[refere-se
à
República
oligárquica,
pré-1930]
m o s tr o uà
e v id ê n c iao
q u a n to e le fo i in ó c u o p a r a r e a liz a r e s s as e g u r a n ç a . O u tr o p o n to r a d ic a l
é
a
e d u c a ç ã o d o p o v o , s o bo
tr íp lic e a s p e c to : d o d e s e n v o lv im e n to fís ic o , m o r a le
in te le c tu a l. T u d o is s o , c o mas
e x ig ê n c ia s d a v id ac o le tiv a c o n te m p o r â n e a , n o s d e m o n s tr a q u e
o
E s ta d o d e v e te r a u to r id a d ee
m e io s a d e q u a d o s p a r a r e s o lv e r . E , s e ma
o r g a n iz a ç ã o d a p r o d u ç ã o - b a s e m a te r ia l -e
a
fo r m a ç ã o d e u m a m e n ta lid a d e fo r te , c o n fia n te ,em
h a r m o n ia c o ma
n o s s ac o n tin u id a d e h is tó r ic a , q u e a c e ite
e
a p e r fe iç o eo
q u eé
b o me
s a ib a r e je ita ro
q u eé
m a u - b a s e m o r a l - n ã ose
p o d e r á v e n c e r fa c ilm e n tea
c r is e q u e e s ta m o s a tr a v e s s a n d o .Só
e s s e e s p ír ito n a c io n a l, q u ete m m a n tid o
a
n o s s aunidade de raça, de
religião, de língua
e
s o b r e tu d opolítica,
e
c o mas
c a r a c te r ís tic a s q u e lh e s ã op e c u lia r e s , p o d e r á d ir ig ir
a
e v o lu ç ã o d a n a c io n a lid a d e , d e n tr o d o im p e r a tiv o q u ese
te m c r ia d o n o tr a n s c u r s o d a e v o lu ç ã o d a
v id a h u m a n a
(p.183-4).
Embora
essa fala fosse de 1933, ela poderia se constituir
(e para
nós ela se constitui)
numa âncora para um projeto de nacionalização.
Comparemos
a "fala" de Góes Monteiro com a fala de intelectuais
que serviram ao Estado Novo, fazendo também, numa pequena retrospectiva,
referência
a idéias
esposadas
antes
de 1930, com
as quais,
a título
de
ilustração,
queremos
mostrar uma certa continuidade
no pensá-Ias.
Na sua obra clássica, escrita nos inícios da República,
por ocasião
do IV Centenário
do Descobrimento
do Brasil,
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
P o r q u eme
u fa n o d o m e up a ís ,
Afonso
Celso pretendeu
"reabilitar
o passado
nacional,
defendendo
a
excelência
da raça portuguesa
e do catolicismo
da colonização
brasileira"
(Oliveira,
1990:131).
Álvaro Bomilcar, em sua obra
A
p o lític a n o B r a s il o uo
n a c io n a lis m o r a d ic a l,escrita em 1920, aponta "desvios do pensar sob o rótulo nacionalista".
Entre os nacionalismos
mais equivocados
ou mais suspeitos,
destacava
"o
nacionalismo
germanófilo,
anticatólico,
baseado
na ciência dos pensadores
alemães,
na admirável
organização
político-comercial
alemã
de antes
da
guerra
e
nas
vantagens
oferecidas
pela
colonização
alemã"
(Oliveira,
1990: 136).
Considerava,
porém,
essa
colonização
"aceitável,
porque
os
colonos
alemães
eram
agricultores
e podiam
ser assimilados,
desde
que
obrigados
ao estudo da língua e das coisas brasileiras",
e afirmava que o
g e r m a n ó filo e r r a , e n tr e ta n to , q u a n d o
d e s p r e z a
os
e le m e n to s n a c io n a ise
n o s s a s tr a d iç õ e s , s u b o r d in a n d oo
s e u p o n to d e v is taao
c r ité r io d o s G r a ç a A r a n h ae
d o s Ih e r in g , a d m itin d oo
c o n c e ito m a ls ã o d a s r a ç a s in fe r io r e s , c o lo c a n d o - n o s p o r ta n toa
to d o s n ó s , m e s tiç o s d e s ta s r a ç a s , n a e x p e c ta tiv ad e u m a a b s o r ç ã o
em
n o m e d a E s té tic a , d oP r o g r e s s o
e
d a C iv iliz a ç ã o(Oliveira,
1990:137).
Entre os chamados
"doutrinadores"
e intérpretes
da nova ordem
política
instituída
em
1937
está
Almir
de
Andrade,
que,
como
outros
intelectuais,
procurou
"traduzir
os pronunciamentos
do presidente
(Getúlio
Vargas)
em palavras
de ordem,
em linhas de conduta".
A respeito
de seu
pensamento,
leia-se o capítulo "Tradição
e Política" de autoria de Lúcia Lippi
Oliveira,
no livro
E s ta d o N o v o . Id e o lo g iae
P o d e r .Almir
de Andrade
"foi
durante o Estado Novo, e principalmente
no período em que dirigiu a revista
C u ltu r a P o lític a
(1941-1945),
um dos principais
ideólogos do regime de 37".
Formulou
um "projeto
ideológico
à base de uma proposta
eminentemente
cultural. A ênfase constante
em sua obra é a de relacionar a ação política do
governo
às
tradições
culturais
brasileiras"
(Oliveira,
1982:31).
Entre
as
tradições
brasileiras
recuperadas,
"a
primeira
se
refere
às
qualidades
excepcionais
da
colonização
portuguesa
no
Brasil".
Reforça
os
"traços
psicológicos
(tolerância
e plasticidade)
do português,
que o fizeram o melhor
colonizador,
capaz
de se adaptar
às condições
de um país tropical
e aos
elementos
das culturas
negra e indígena".
Essa "colonização
teria gerada
uma
mentalidade
política
original.
A
autoridade
política
e
social
fora
232
BIBLOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.deslocada
das mãos
do Estado
para a família,
para o senhor patriarcal".
Entre as conseqüências
advindas
dessa
mentalidade
estava a de que "o
brasileiro se tornara
refratário às leis e princípios que não se corporificassem
na
figura
concreta
de
um
chefe".
Essa
mentalidade
política
"teria
permanecido,
e seu traço predominante,
o 'espírito cordial',
marcado toda a
vida do homem
brasileiro".
Almir de Almeida
é
o tim is taem
r e la ç ã oao
p o s s ív e l a p r o v e ita -m e n to r a c io n a l d o s tr a ç o s p s ic o ló g ic o s d oh o m e m b r a s ile ir o , d e s d e q u e u s a d o s
em
u m a o r ie n ta ç ã o c o n s c ie n te . S u a p r e te n s ã o
é
u s e - to s c o m o fu n d a m e n to d e u m a d o u tr in a p o lític a p a r ao
E s ta d o N o v oe
c o m o b a s e d a s r e la ç õ e s e n tr e g o v e r n a n te se
g o v e r n a d o s , to r n a d a s p e s s o a is p e lo e s tilod e V a r g a s
(Oliveira,
1982:41-2).
Ao analisar
a história
política do Brasil, Almir de Andrade
analisa
positivamente
o período
imperial.
O
Im p é r io s e m p r e fo r a r e a lis tae
b r a s ile ir o :a
te n d ê n c ia lo c a lis tae
r e g io n a lis ta q u e e x is tia e r a c o n tr a b a la n ç a d a p e lo p o d e rc e n tr a l.
As
p r o v ín c ia se
m u n ic íp io s e r a m r e s p e ita d o s , m a so
p r e s tíg ioe a
a u to r id a d e im p e r ia l u n ific a v a me
c o r r ig ia mos
e x c e s s o s .A República,
os homens
que fizeram
a "Revolução
de 1889" não
teriam mantido as qualidades
do regime imperial,
n ã o tin h a m a p r e s e n ta d o u m a v e r d a d e ir a
c o m p r e e n s ã o d a r e a lid a d e n a c io n a l
[porque]
s o fr ia m in flu ê n c ia s d a lite r a tu r a p o lític a
fr a n c e s a
e
n o r te - a m e r ic a n ae
le v a r a ma
lib e r a l- d e m o c r a c ia
às
s u a s ú ltim a s c o n s e-q ü ê n c ia s :
a
d e s c e n tr a liz a ç ã o fe d e r a lis ta r a d ic a l,A
R e p ú b lic a s o fr ia d o s m a le s d e r a iz , p e r d iao
c o n ta to c o mas
tr a d iç õ e s d a p o lftic a c o lo n ia le
im p e r ia l; [1 9 3 7 ] r e p r e s e n ta r iaa
v o ltaàs
o r ig e n s ,à
tr a d iç ã od a p o lític a b r a s ile ir a , b a s e a d a n o e q u ilíb r io
e n tr e
a
to le r â n c iae
a
fo r ç a ...(Oliveira,
1982:42-3).
Para Almir de Andrade,
as justificativas
da nova política inaugurada
com o Estado
Novo são buscadas
"em algumas dimensões
do passado,
ou
seja, na tradição".
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A v id a p o lític a b r a s ile ir a ,
a
h is tó r ia d a s r e la ç õ e s e n tr e g o v e r n a n te se
g o v e r n a d o s te r ia m c r ia d o u m tip o e s p e c r fic o d e r e la ç õ e ss o c ia is b a s e a d a s n a " c o r d ia lid a d e " ,
e
é
este
tr a ç o q u e e le v a i r e c u p e r a r , to r n a n d o - o
p a s s ív e l d e s e r m o b iliz a d o p a r a
a
c o n s tr u ç ã o d e u m a s o c ie d a d e m e lh o r(Oliveira,
1982:45).
Portanto, Almir de Andrade "recorta" do passado aqueles elementos
com
os quais
pudesse
embasar
o seu projeto
ideológico.
Ao "buscar
no
passado
aquilo
que de mais pertinente
caracterizaria
o espírito
brasileiro"
(Oliveira,
1982:41), seu pensamento
tem uma conotação étnica que exclui os
povoadores
(imigrantes)
não-lusos.
Outro doutrinador
foi Azevedo Amaral, analisado também por Lúcia
Lippi Oliveira
no capítulo "Autoridade
e Política" do livro citado. Para ele, "a
legitimidade
do regime de 1937 seria decorrente
do próprio ato de fundação,
que
obedeceria
a
razões
de
Estado,
tendo
como
objetivo
organizar
a
sociedade
brasileira"
(Oliveira,
1982:55).
O Estado "deve ter todo o poder
necessário
para
assegurar,
por
meios
políticos,
a
coesão
nacional"
(id., ibidem).
Retomando
o conceito
de autoridade,
"propõe
a centralização
do poder. Só o governo é soberano;
portanto, é ele que deve corporificar toda
a autoridade"
(Oliveira,
1982:56).
"A autoridade
do Estado,
que encarna a
vontade nacional, deve criar uma consciência
cívica que possa realizar o bem
comum,
pela sincronização
entre a ação individual
e o interesse
coletivo"
(Oliveira,
1982:59).
Qualifica
o regime do Estado Novo de democrático,
p o r q u e s u a s fin a lid a d e s c o in c id e m c o m
o
b e m d o p o v o , n ã o v is a n d o p r o te g e ros
in te r e s s e s d e u m a c la s s e
em
d e tr im e n to d eo u tr a .
O
r e c o n h e c im e n to d e q u e OSp o s tu la d o s d o r e g im e e s tã o im p lic ita m e n te
c o n tid o s n a d o u tr in a d e u n iã o p e r m a n e n te
e n tr e E s ta d o
e
neçêo
fa z .c o m q u ese
~ c e i~ ~ c o m o c o n s e q ü ê n c ia ló g ic a ,o
c o n c e d o q u eo
e x e r c íc io d a c id a d a n ia im p õ e u ~ ~ a titu d e d e s o lid a r ie d a d e p a r a c o mo
E s tae o
s e u c h e fe .Os
p e r ig o s q u e c e r c a mo
B r a s il n a s c o n d iç õ e s q u eo
m u n d o a tr a v e s s a(11
Guerra)
r e c la m a m d e to d o sos
c id a d ã o so
d e v e r d ese
to m a r e m e le m e n to s a tiv o s d e a p o ioao
p o d e r p ú b lic oe
d e p r e s tíg ioao
c h e fe d a n a ç ã o(Oliveira,
1982:60).
Para Azevedo
Amaral,
a
o r ig e m d a a u to r id a d e d o E s ta d o e s ta r ia r e la c io n a d aao
p r ó p r io a to d e fu n d a ç ã o ,e
s u a le g itim id a d e r e s u lta r ia d a e fic á c iad e m o n s tr a d a n a ta r e fa d e c o n s tr u ç ã o d a
n a c io n a lid a d e . E s ta n o v a a u to r id a d e ,
a d v in d a d a fu n d a ç ã o d o E s ta d o N o v o ,
o b je ta r ia
o
p r o g r e s s oe o
d e s e n v o lv im e n toin d u s tr ia l, v a lo r e s to m a d o s c o m o
in d is c u tfv e is
e
r e p r e s e n ta tiv o s d e u m e s tá g io s u p e r io r d e c iv iliz a ç ã o(Oliveira,
1982:68).
Outro intelectual a destacar é Deodato de Morais, citado por Angela
Maria Castro Gomes (Cap. V, intitulado "A Construção
do Homem Novo" do
livro
E s ta d o N o v o . Id e o lo g iae
P o d e r ) .Deodato
de Morais
dava
ênfase
especial
à
educação:
Só
p e lo e n s in ose
p o d e r ia c o n s tr u ir u m p o v o in te g r a l, a d a p ta d oà
r e a lid a d e s o c ia l d e s e up a ís
e
p r e p a r a d o p a r aservi-to.
A in te r v e n ç ã o d o E s ta d o N o v o , fix a n d oos
p o s tu la d o s p e d a g ó g ic o s fu n d a m e n ta is
à
e d u c a ç ã o d o s b r a s ile ir o s , tin h a
em
v is tau m a s é r ie d e v a lo r e s , d e n tr e
os
q u a iso
c u lto
à
n a c io n a lid a d e ,à
d is c ip lin a ,à
m o r a le
ta m b é mao
tr a b a lh o(Gomes,
1982: 158).
Num artigo intitulado
"Escola do trabalho,
escola nacionalizadora",
d
PUblicadona revista
e
Morais:
C u ltu r a P o lític an."
24, de fevereiro de 1943, diz Deodato
A E s c o la B r a s ile ir a N a c io n a liz a d o r a ,
a d a p ta n d o - s e
às
n e c e s s id a d e s d e c o r r e n te sd a é p o c a
e
r e s p e ita n d oos
p r in c íp io s234
fu n d a m e n ta is d o E s ta d o N a c io n a l, to r n o u - s e
zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
a
E s c o la d o T r a b a lh o , d a in ic ia tiv ae
d a fo r ta le z a m o r a l. E la n ã osó
a d e s tr aa mão
d o fu tu r o o p e r á r io , c o m o lh e e d u c a
°
c é r e b r oe
fo r ta le c eo
c o r p o ...(citado
por
Gomes,
1982: 158).
Uma
política
de
valorização
do
trabalho
tinha
também
que
preocupar-se
com a mão-de-obra.
No caso do Estado Novo, houve uma nova
orientação
no sentido de "nacionalização
do trabalho
e da propriedade,
isto
é,
a execução
de
políticas
que
fornecessem
e
resguardassem
para o
trabalhador
nacional
um
número
significativo
de
empregos
e
que
lhe
possibilitassem
o
acesso
à
propriedade
de
bens
materiais".
A
polltica
nacionalizadora
de proteção
ao trabalho
atingiu a imigração
estrangeira.
O
próprio Getúlio Vargas,
como chefe do Governo
Provisório
após a vitória da
"Revolução"
de 30, alertara
a nação sobre os
p e r ig o s , p a r a
à
n a c io n a lid a d e , d a e n tr a d a d e e s tr a n g e ir o s q u e , n u m m u n d o o n d eas
q u e s tõ e s s o c ia is p r o v o c a v a m u m a
fe r m e n ta ç ã o e x p lo s iv a , p o d e r ia m d e s e ja r
tr a n s p o r ta r p a r a
o
n o v o p a fs s u a s id e o lo g ia se x ó tic a s , in a d a p tá v e is
ao
n o v o m e io s o bto d o s
os
p o n to s d e v is ta(citado por Gomes,
1982:161).
A imigração
estrangeira
provocara
uma "ocupação
heterogênea"
que acentuara
ainda mais os desequilíbrios
regionais.
R. P. Castelo Branco,
escrevendo
sobre
"Imigração
e Nacionalismo"
na revista
C u ltu r a P o lític an." 15, de maio de 1942, chamava
a atenção
para o fato de o Nordeste ter
permanecido
afastado
do processo
de imigração
intensiva sofrido pelo sul,
( ...) o n d e fo r a m u ltr a p a s s a d o s
os
lim ite s d ap r u d ê n c ia , o c o r r e n d o p o v o a m e n to
e
n ~ o -c o lo n iz a ç ã o , m a n te n d o e le[o
nordeste]
o" g r a n d e p a p e l d e g u a r d iã o d a u n id a d e
b r a s ile ir a " , d e " r e s e r v a tó r io d a n a c io n a lid a d e " ,
d e r e g iã o q u e p o d ia v e r d a d e ir a m e n te r e a v iv ar
o
e s p fr ito d e b r a s ilid a d e d o S u l d e s n a c ío -n a liz a d o(citado por Gomes, 1982:161).
236
BIBLOS, Rio Grande, 7:223-239, 1gg5.Não se pode esquecer que, implícito nessa nova política imigratória,
estava
o
receio
com
uma
possível
"importação"
de
idéias
exóticas
(comunistas,
anarquistas,
nacional-socialistas,
etc.) que poderiam
pôr em
xeque
O
projeto nacionalista
do Estado Novo.
Comparando
a fala de Góes Monteiro com as falas dos intelectuais
que serviram
ao Estado Novo, percebe-se
que há uma diferença
essencial:
G6es Monteiro
articula
seu
pensamento,
suas
idéias
com
o objetivo
de
enfatizar
a
função
política
do
Exército,
o
que
não
é
objetivo
desses
intelectuais.
Mas,
nos textos
usados
como
referência
neste
artigo,
vê-se
claramente
que certas
questões
são comuns
tanto na fala do líder militar
como na dos intelectuais.
E uma dessas questões articulava a construção
do
Estado
Nacional
brasileiro
com
conceitos
de
nação,
nacionalidade,
nacionalismo
(embora
estes
conceitos,
no
pensamento
social
brasileiro,
fossem distintos). A gestação de um projeto de nacionalização
foi decorrência
dessas questões.
Toda
fala
pode
ter
diversas
leituras.
Influem
o
contexto,
as
circunstâncias,
os
princípios,
os
objetivos,
os
interesses
em
jogo.
Exemplifiquemos,
para o caso do Rio Grande do Sul, com a "fala" do pastor
Dohms analisada
por Martin Oreher por ocasião do Simpósio
comemorativo
do centenário
do antigo Sínodo Rio-Grandense.
D o h m s
é
lu te r a n oe o
lu te r a n is m o s u r g iu n o s e io d o p o v o a le m ã o , u m p o v o n o q u a l,s e g u n d o
a
s u a o p in iã o ,"o
E v a n g e lh op e n e tr o u d e fo r m a in ig u a /á v e l"
e ao
q u a l fo ia b e r ta
a
c o m p r e e n s ã o p u r a d o E v a n g e lh o .C a s o v ie r
a
o c o r r e ra
fu s ã o d o g r u p o é tn ic o te u to c o m o u tr o s g r u p o s é tn ic o s n o B r a s il,is s o s ig n ific a r á
a
in c lu s ã o n u m p o v o q u ea in d a e s tá
em
fo r m a ç ã oe
q u e , a lé m d is s o ,é
c a tó lic o r o m a n o . A q u i, e n tã o ,a
Ig r e ja e v a n g é lic a lu te r a n a n ã o m a is s e r ia u m aIg r e ja d o p o v o , p o is lh e fa lta r ia
o
p o v o ; e la s e r ia a p e n a s m a is u m a s e ita(Oreher,
1986:41 ).
O o h m s q u e r
e
e x ig e ( . . .) q u ea
Ig r e ja d o sim ig r a n te s a le m ã e s n o B r a s il s e ja u m a Ig r e ja
q u e te n h a s u a s b a s e s c o m p le ta m e n te n o
B r a s il
e
q u ese
a te n h aàs
p e c u lia r id a d e sc u ltu r a is d o g r u p o é tn ic o te u to - b r a s ile ir o
(Dreher,
1986:42)
BIBLQS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.
Conforme
Dreher,
por trás do programa
de Dohms
encontra-se
"uma
concepção
teológica
claramente
definida,
[que]
é
movida
constantemente,
pela pergunta
concernente
ao correto
relacionamento
d~
Igreja e Germanidade,
de Igreja e comunidade
étnica, de Igreja e o povo do
qual ela se compõe ..." (1986:39).
Que
leitura
teria
a fala de Dohms
numa conjuntura
como
a do
Estado
Novo, onde os interventores
que governavam
o Rio Grande
do Sul
(Rio
Grande
do Sul que era
um estado
poliétnico)
eram
militares
(e os
militares, no Brasil, estavam empenhados
na luta pela organização
da Nação
e defesa do Estado) e um militar - o Tenente-Coronel
Aurélio da Silva Py _
era Chefe
de Polícia?
No livro
ihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA
A5.
a C o lu n a n o B r a s il,o Chefe de PoHcia
deixou
muito explicitamente
definidos
seus pontos de vista em relação ao
"perigo
alemão".
A
campanha
de
nacionalização
que
empreendeu
era
decorrente
desses pontos de vista.
Não estamos
aqui
para defender
essa campanha,
porque
seria
defender
a violência
praticada,
as injustiças
cometidas.
Quisemos
apenas
mostrar que as condições
concretas
do momento
histórico e a interpretação
ou
avaliação
que
desse
momento
histórico
fizeram
lideranças
políticas,
especialmente
militares,
têm que ser tomadas
em conta
para explicar
(e
entender)
a nacionalização
e a(s) ideologia(s)
subjacentes(s).
.
Como escreve
Robert Levine (1980:238),
os
m ilita r e s , q u e e r a m c la r a m e n tea
in flu ê n c ia m a is fo r te p o rtrás
d oe s ta b e le c im e n to d o E s ta d o N o v o ,
d e s e n v o lv e r a m s e u p r ó p r io n a c io n a lis m o
a g r e s s iv o c o m o r e a ç ã o
a
c o n d iç õ e s p r e v a le c e n te s n a d é c a d a d e V a r g a s ...E
como
não
dissociamos
a
nacionalização
de
nacionalismo,
concluímos
valendo-nos
mais uma vez de Lúcia Lippi Oliveira:
N ã o a s s u m im o s
a
p e r s p e c tiv a q u e v êo
n a c io n a lis m o c o m o u m c o n c e ito a b s tr a to
q u e s e r v e p a r a e s c a m o te a r
as
c o n tr a d iç õ e se n tr e
as
c la s s e s . S a b e m o s , p o r u m la d o ,q u e
o
n a c io n a lis m o é u m a c a te g o r ia q u e p r iv ile g ia u m a to ta lid a d ee,
conseoüet"
te m e n te , n ã o e n fa tiz a
as
d ife r e n ç a s in te r n a s ,n e m tr a b a lh a c o m a q u ilo q u e d is tin g u e O S
h o m e n s n o e s p a ç o s o c ia l ( 1 9 9 0 :1 2 ) .
238
BIBlOS, Rio Grande, 7:223-239, 1995.Q u e r e m o s d e ix a r c la r o q u e
a
id é ia d e n a c io n a lis m o n ã ose
r e fe r ea
u m c o n c e itoe s tá tic o ,
mas, ao
c o n tr á r io , to m o u d ife r e n te sc o n fig u r a ç õ e s . E la s e fu n d iu c o m d iv e r s a s
c o r r e n te s d e p e n s a m e n to
e
e m c a d a u m a d e la s a s s u m iu u m c o n to r n o e s p e c ífic o(1990:43).
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