CPOOC
OS INTELECTUAIS E A POlÍTICA CULTURAL
DO
ESTADO NOVO
Mônica Pimenta Velloso
FUNOIÇIO GETULIO VaRGaS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE
HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL
CPDOC
OS INTELECTUAIS E A POLíT ICA CULTURAL
DO
ESTADO NOVO
Mônica Pimenta Velloso
FUNOlçaO GETULIO 'IRSIS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENT AçAO DE
HISTÓRIA CONTEMPORANEA DO BRASIL
Coordenação editorial: Cristina Mary Paes da Cunha Revisão de texto: Elizabeth Xavier de Araújo
Datilografia: Márcia de Azevedo Rodrigues
Nota:
•
Documento de traba lho rea l izado em 1 983 .
V44 l i
VELLOSO , Mônica Pimenta.
Os inte lectua is e a po l ítica cultura l do Estado Novo / Mônica Pimenta Velloso . Rio de Jane iro : Centro de Pe squi sa e Docu mentação de H i stória Contemporânea do Bra
sil , 1987 . 50 p .
1 . política cul tura l Brasil 19 37-1945 . 2 . Intelectuais e pO l í tica - Bra s i l - 19 3 7 - 194 5 . 3 . Nac ionalismo Brasil 1 9 3 7 - 19 4 5 . 4 . Bra s i l. Departamento de Imprensa e Propaganda . I . Centro de Pes quisa e Documentação de Hi stória Contempo rânea do Bra s i l . 11. Título .
SUMÁRIO
A construção d a nac iona l id ade : os inte l ectuais e o poder 0 1
D a " torre d e marfim" à arena pOl í t ic a 0 7
A pol í t ic a nao e ma is a " madrasta da inte ligincia " ; surge
Get�lio Varga s o " pa i dos intelec tua is" 13
D I P : a entidade onipre sente
As ra ízes da bras i l idade: o Estado Novo
Observações finais
os intelectuais modernistas e
19
4 2
A re lação dos intelectuais com o sistema de poder tem si
do extremamente imbricada e compl exa , uma vez que , ao longo da
h istória , eles freqüentemente se atribuíram a função de agentes
da consc iênc ia e do discurso . l No Bra s i l, a nossa estrutura pa
triarc a l e autoritária e a própria cond ição de pa í s peri férico
-de gran-de contingente -de ana lfabetos - acabaram por reforçar ao
extremo este t ipo de prá t ica . Assim, o idea l da representação,
o falar em nome dos destituídos de capacidade de discernimento e
expressa0, foi faci lmente absorvido pelo intelectual bra s i l e iro . Sentindo-se consciência privil egiada do "naciona l " , ele
constan-temente re ivindicou para si o pape l de guia , condutor e arauto .
Ba s ta conferir a nossa l iteratura soc ial, cujos exemplos sao pródigos neste sentido .
Nos momentos de crise e mudanças históricas profundas instauração do Império, Proc lamação da Repúbl ica , Revolução de 30 e Es tado Novo - a s e l ites intel ectua i s marcaram sua presença
1 FOUCAULT , M . e DELEUZE, Gilles . Os inte lectua is
2
no cenário pol ít ic o , de fendendo o d ire ito de interferirem no processo de organização naciona l . Logo após a Independênc ia ,
quando estava em curso o processo de construção da j ovem naçao ,
os intelectua i s portaram-se como verdadeiros guia s , s entindo - s e
particularmente inspirados pela idéia nac iona l . Assim, os escri
tores românt icos acreditavam ter uma missão sagrada : a de criar um temário nac ional i sta , destinado a autova lorização do país 2
Na pas sagem do regime imperial para a Repúbl ica , os int�
lectuais vo ltam a atr ibuir-se o papel de guia na condução do pro
cesso de modernização da sociedade bra sileira . Eles aparecem
como verdadeiros " mosqueteiros intelectua i s " que , munidos do inA
trumenta l cientifici s ta buscam remodelar o Estado , lutando con
tra a incapac idade técnica e admini stra tiva dos po líticos 3
Na década de 20 , quando se fazem sentir os efe i tos críti
,
cos do pos-guerra , com a derrocada do mito cientificista , o
ide-aI cosmopo l ita de desenvolvimento cede lugar ao credo nac iona liA
ta . A busca de nossas ra ízes , o ideal de bra s i l idad e , passam, então , a construir o foco das preocupações intelectua i s .
Agru-pados no movimento modern ista , os intelectua i s se j ulgam os indi víduos ma i s capacitados para conhecer o Brasil . E é através da arte que eles pretendem atingi� a realidade brasileira , apresen tando a l terna tivas para o desenvolvimento da naçã04
2 CÂNDIDO, Antônio .
na l , 1 96 5 . p . 7 . Litera tura e sociedade . são Paulo ,
Nacio-3
4
SEVCENKO, Nicolau .
criação cultural na s e , 1983 .
Literatura como missão; tensões sociais e Primeira República . são Paulo , Bra s i l
ien-VELLOSO, Mônica Pimenta . ° mito da original idade bras ile ira ;
a tra j e tória intelectual de Ca s s iano Ricardo ( dos· _ anos 20 ao
Estado Novo ) Rio de Janeiro , PUC , 1983 .
[.
dissertaçao de mesFica c lara , portanto , a constituição da identidade desse grupo , que , historicamente , sempre buscou distinguir-se do
con-junto da soc iedade . S e j a através dos idea i s da c iência ou da racionalidade ( geração de 1870 ) , da arte ou intuição ( geração de 1 9 2 0 ) ; imbuídos de vocação me ssiânica , senso de missão ou dever social , os intelectua i s se auto-elegeram sucessivamente consciên
cia iluminada do naciona l .
É a partir da década de 3 0 que eles passam sis tema
tica-mente a direc ionar a sua atuação para o âmbito do Estado , tenden
do a ident ificá-lo como a representação superior da idéia de na-çao. Percebendo a soc iedade civil como corpo conflituos o , inde-feso e fragmentado , os intelectua i s corporificam no Estado a
idéia de ordem, organizaçã o , unidade . Assim, ele e o ttcérebro "
capaz de coordenar e fazer funcionar harmonicamente todo o
orga-nismo sociaIS . Ape sar das d iferentes propostas de organização
apresentadas pelos inte lec tuai s ao longo das décadas de 20 e 3 0
- jurídica ( Franc isco Campos ) .. econômica (Azevedo Amara l ) ,
espi-ritua l ( Jackson de Figueiredo ) - , todas convergem para um mesmo ponto : a solução autoritária e a desmobilização socia 16
No Estado Novo ( 1 9 3 7-4 5 ) esta matriz autoritária de pen-sarnento , que confere ao Estado o poder máximo da organização
so-cial va i adquirir contornos ma is defin idos . As. el ites
intelec-5 Esta concepção da organização política , vigente entre os inte lectuais da década de 3 0 , é denominada de " ideologia de Esta do" , segundo Bol ivar Lamounier . Consultar a prop6sito do as sunto : LAMOUN I ER , Bolivar . Formação de um pensamento pO lítico autoritário na prime ira Repúbl ica ; uma interpretação , em Boris Fausto ( org . ) O Brasil Republicano ; sociedade e instituições .
( 1889 - 1 9 3 0 ) t. I Il , v . 2 ( são Paulo, Dife l , 1 9 7 1 ) . p . 3 4 3 - 7 3.
6 SADECK , Maria Teresa . �M�a�c�h� �e� ,�m� �v�é�i�s� l� a� : c�h�i�a i�a�v
ota-4
tuais , das mais diversas correntes de pensamento , passam a iden
tificar o Estado como o cerne da nacionalidade bras ileira . Se
historicamente a construção do nacionalismo vinha s e
constituin-do em uma das preocupações fundamentais constituin-dos intelectuais , agora eles passariam a s ituar a sua tarefa nos domínios do Estado . Ve
rifica- s e , então , a união das el ites intelectuais e pO líticas que
se pre tendem, as verdadeiras expressões de uma pOlítica superio r .
O período do Estado Novo é particularmente rico para a
análise da relação entre os intelectuais e Estado , já que neste
mesmo período se revela a profunda inserção deste grupo soc ial
na organização pOl ítico-ideológica do regime . Neste s entido , ao longo do texto , temos a preocupação de enfocar os inte lectuais
na qualidade de partic ipantes de um " pro j e to pOl í tico-pedagógi co" , destinado a popularizar e difund ir a ideologia do regime .
Destacar o vínculo dos intelectuais com este pro j eto , s ignifica evidenciar a relação entre propaganda po lít ica e educação no Es tado Novo . Apresentando-se como o grupo mais esclarecido da so
ciedade , os intelectuais buscam "educar" a coletividade de acor do com os ideais doutrinários do regime .
orienta-çao na pOl ítica cul tura l transparece na própria composição dosirr
te l ectuai s nos referidos organi smos .
o
ministério Capanema reu-nia um grupo de intelectuais l igado à vanguarda do movimentomo-dernista : Carlos Drumrond de Andrade ( chefe de g abinete ) , Lúc io
Costa , Oscar Niemeyer , Portinari , Mário de Andrade7 . Bem dife-rente era a compo s ição em torno de Lourival Fontes , que inc luía
nomes como o de Cassiano Ricardo , Menotti Del picchia e
Cândi-do Motta F i lho . Intelectua i s estes conhecidos pelo pensamento
centra l ista e autoritário, que viria a imprimir um rígido contro
le nos meios de comunicação . t este grupo que vai dar a s l inha�
me stras da pol ítica cultura l direcionada às camadas populares . Interessa-no s , sobretudo , neste traba lho , destacar a açao do
D I P na montagem desta pol ítica , demonstrar a atuação desta
enti-dade no seio da socieenti-dade sem privilegiar o pensamento de inte-lectuais e spec í f icos . Assim, não nos importa que mui tos deles tenham pouca pro j eção ou s e j am anônimos . Importa -nos , ante s , a�
s inalar como o regime autoritário procurou " socia l izar" a sua
doutrina , trazendo-a para o cotidiano popular .
O texto se articula em torno de três idéias . A prime ira
é a de mostrar como se constrói a argumentação dos intelectua is em re lação ao pape l de vanguarda social que eles mesmos se pro-poem a exercer . Em nome de que idéias e princípios , eles se
autoconfiguram os pa l ad inos da nac iona l idade bra s i l e ira? Num
s egundo momento , a idéia é evidenc iar a atuação prática desse
grupo : sua inserção na vida po lític a através da e laboração de
7
"
6
um pro j eto cultural . De nossa part e , a análise deste pro j eto;
merece atenção espec ial , quando deixa transparecer os efe itos
concretos da absorção da ideologia política pelas camadas populª
res . Finalizand o , é nosso propósito apresentar a s idéias que
vão fundamentar o pro j eto cultural do E stado Novo , analisando a
vinculação dos intelectua i s modernistas com o regime . Esta vin
culação é de extrema importânci a , uma vez que dá a conhecer um dos núcleos organizatórios ma i s sólidos do regime : a cultura .
Este núcleo permite explicar a integração dos vários grupos de
intelectua is ao regime , a s s im também como a própria organização
Da " torre de marfim" A arena Dolítica
" ( . . . ) a Academia Bra sileira de Le tras t em que ser o que são a s ins tituições análoga s : uma torre de
f . " 8 mar l.m . . . .
( Machado de Assis 1 89 7 )
" a primeira fase de vossa ilustre instituição ( ABL ) decorreu A margem das a tividades gerais . . . Só no te6 ceiro decênio deste século operou se a simbiose entre homens de
pen-- 9 sarnento e de acao" .
( Getúlio Vargas 29/12/4 3 )
Através dos textos acima é pos s ível começar a e stabe
le-cer um confronto entre o pape l dos inte lectuais no final do
sé-cu lo passado e no regime do Estado Novo ( 1 9 3 7 - 45 ) . Embora a s
8
9
CAMPOS , Humberto de . AntoloGia da Academia Bra sileira de
Le-tra s ; trinta anos de discursos acadêmicos ( 1 89 7 -1927 ) . Rio de Janeiro , José Ol ímpio , 1 9 35 . p . 5 .
BRAS IL . Presidente , 1 951-54 ( Varga s ) Discurso pronunciado na Academia Brasil eira de Letras em 29/12/4 3 . In : A nova pol í
8
perspectivas dos autores s e j am opostas , a problemát ica que
abor-dam é comum . Ambos falam da re lação entre a l iteratura e a pol í
tica e do pape l da Academia n a construção d a naciona l idade . Ma
-chado de Assis se refere à Academia como uma " torre de marfim" ,
onde os inte lectua i s se refugiariam no mundo das idéias , tendo
como único ob j et ivo a preocupação literária . Qo a l to de sua
torre , eles contemplariam o mundo , refletiriam sobre e l e , sem,
no entanto , terem um envolvimento direto com a s lutas sociais .
o
papel do intel ec tua l está c laramente f ixado : eles " podem e scr�, , , , 10 ,
ver paginas de his toria mas a his toria faz-se la fora" . A ideia
, ,
e a de que e preciso se retirar, se distanciar para melhor
re-fletir sobre a realidade : ver "claro e �uieto" .
, 1 1
No inl.c io do século , conforme lembra N ic·olau Sevcenko , a intelectual idade sofria uma situação de margina l idade por par-te do Estado , princ ipalmenpar-te o grupo que se co locava numa pers-pectiva ma i s crítica em relação à sociedade , ,
como e o caso de
Euc lides da Cunha e Lima Barreto . Para estes intelectua i s que se recusavam a ver a litera tura s imple smente como o "sorriso da sociedade", percebendo-a antes como uma missã o , como instrumento de trans formação soc ia l , os caminhos não seriam fác eis . Os obs
-táculos de uma sociedade tradic ional vetariam prontamente os seus pro jetos de atuação pÚblica , restringindo e demarcando o
lugar do intelectua l para fora da arena polít ica . Ao intel ect},! al caberia , portanto , a reflexão , a quietude e o saber puramente
1 0 1 1
CAMPOS , Humberto de .
SEVCENKO , Nicolau . criação cultura l na s e , 1983 .
Op . cit o p . 5 .
erudito . D is tante das misérias do mundo, e l e deveria ser o "cri
ador das i lus6e s " capaz de reve lar o encanto , o lado feliz e
leve da vida . Dentro deste quadro , pol ítica e l it eratura apa-rec iam como coisas tota lmente distinta s : a primeira d i z ia
res-peito aos a spectos materiais da v ida ; enquanto a segunda falava do espírito , enfim dos valores t idos como superiores .
Pro ferido na ocasião da fundação da Academia Bra s i l e ira
de Letra s , o d iscurso de Machado oferece um interes sante con-fronto com a ideologia do Estado Novo , no que se refere ao
pa-pel do inte l ectua l na sociedade . Neste sentido , é interessante perceber como a doutrina do regime vai incorporar e repensar
esta s idéi a s , na perspectiva de criticar a atitude isolac ionista
dos inte lectuai s . A metáfora da " torre de marfim" é
incessante-mente reproduzida como s ímbo lo da a l ienação pO l ít ica em que
vi-viam a s nossas e l ites cultura i s .
o
ideal estetic ista da litera-tura , o intelectual erud ito e o academicismo são obj eto de críti ca violenta por parte do regime, que passa a defender a função social do inte lectua l , chamando-o a participar dos destinos da naciona l idade .É curioso como um dos ideólogos do Es tado Novo - .Ca s s i.a
-no Ricardo
des da Cunha .
efetua o confronto entre Machado de Assis e Euc l i A obra de Machado é criticada pe lo seu
"cosmopo-l itismo di s so"cosmopo-lvente " . Isto porque tomaria como inspiração
ape-nas o l itora l , visto como o lado falso do Brasil , onde
predomi-naria a inf luência de valores a l ienígena s . Sua arte , para Cas-siano Ricardo , seria , portanto , ba seada no mimetismo . Já Euc l i
-des da Cunha aparece como aquele que "pensa brasileiramente " ; sua
obra representa a " força origina l da terra " , porque falaria a
10
Cassiano Ricard o , estaria retratada toda a violincia e força de 1 2
um mundo novo . No Estado Novo , a obra de Euc lides é
recupe-rada pe l a sua d imensão regionali sta , que traduziria a preocupa-ção do autor com os destinos da nac ional idade .
A doutrina do regime constrói todo um sistema de valores em função do qual resgata ou nega o valor do intelectual na
so-c iedade . Assim , na obra de Euc l ides , a que stão da bras i l idade é
a instânc ia máx ima de sua consagração . A idéia do inte lectua l
como membro do grupo em comunhão com o naciona l , está , então , f irmada .
Antes de aprofundar a aná l ise sobre a concepçao de
inte-lectua l construída pelo regime , cons ideramos importante reter a�
gumas idéias anteriores . Retomando o d i scurso de Machado de
Assis e o de Varga s , vemos que ambos tra tam de uma questão
co-mum : o lugar de destaque conferido ao inte lectua l . S e j a
isola-do na sua torre de ma r fim, c�ianisola-do as " i lus5es" necessárias ao
bom andamento da ordem soc i a l ( tempo de Machado de Ass is ) , s e j a
envo lvido na s lutas nac iona i s ( período d o E stado Novo ) , o inte-l ectuainte-l é caracteri zado peinte-lo est igma da diferença . Fabricante de ilus5es ou consc iinc ia da naciona l idade , ele foge ao padrão do homem comum . Assim , o inte lectual é sempre des ignado para o
exercício de a l guma função e/ou missão e special" que varia de acordo com a conj untura hi stórica .
1 2 A
RICARDO, Cassiano . Ma rcha para Oes t e ; a inf luencia da "ba
n-deira " na formação social e po lítica do Bra s i l . Rio de Ja
ne iro , José Olímpio , 194 0 . p . 546 .
Poster iormente a aná l ise As sis e Euc lides da Cunha foi ratura como espe lho da Nacão; Novo . Rio de Janeiro , CPDOC ,
sobre o perfil de aprofundada por mim a crítica l iterária 1987 . 38 p .
Machado de em : A lite
No Estado Novo o intelectual responde à chamada do
regi-me que o incumbe de umà mis são : a de ser o repre sentante da consc iência nacional. Reedita- se , portanto , uma idéia j á enra iza
da historicamente no campo intelectual.
o
que varia é adelimi-tação do espaço de atuação deste grupo da torre de marfim
para a arena pol ítica - , permanecendo o seu papel de vanguarda
social .
o
trabalho do intelectua l agora enga j ado nosdomí-nios do Estado deve traduzir as mudanças ocorridas no plano
pOlítico .
o
melhor exemplo que temos para i lustrar esta novaconcepçao de intelectual, é a entrada de Getúl io Vargas para a Aca
-demia Bra s i l eira d e Letra s , em dezembro d e 1943 . No s eu d
iscur-so de pos s e , Vargas criticaria o antigo papel d a Academia ,
condenando a "torre de marfim" que i solava o intelectua l do
con-junto da soc iedade . Argumentava que , por oca s ião de sua funda-çao, a Academia se const ituíra num "remanso", a lheio às trans fo!: maçoes soc iais. Assim , políticos e adminis tradores caminhavam
de um lado, e inte letua i s de outro, ocupando margens opostas na
torrente da vida social" . Segundo Vargas, o poeta seria o "
lu-nático, pe s soa ausente , habitando um mundo de fanta sias e
1ma-gens " , enquanto o literato era o "te6rico , ,
pes fora do solo ,
ca-beça nas nuvens , alh e io à s rea l idades cotidianas . . . "
predomi-nava , portanto , o " de sdém do espírito pela matéria , gerando a dispersão das energias socia is " . Vargas argumentava que somente
a partir da década de 30 é que teria sido operada a "simbiose n�
valo-1 2
res , imprimindo direcão construtiva à vida intelectual . 1 3
A entrada de Getúlio Vargas para a Academia vem , portanto, reforçar um dos postulados doutrinários mais enfatizados pe -los regimes repres entante s do regime : o da união entre o homem de Densamento e o homem de acão , entre a pOlítica e a
litera-tura , enfim, entre os intelectuais. e o Estado. Vargas personi-fica magistralmente e sta simbiose , reunindo em si os atributos do verbo e da ação , de idealismo e pragmatismo . Ele ,
e o
polí-tico competente , capaz de comandar o jogo polípolí-tico , mas também
é o intelectual capaz de refletir sobre os destinos da
naciona-lidade , na quanaciona-lidade de autor da "nova pOlítica do Brasil" .
Se-guindo esse enfoque , o discurso estado-novista constrói uma
"no-va concepção de intelectual" . Concepção e sta que busca diluir a s fronteira s entre o "homem de letras" e o " homem pOlítico " . 14
Realiza-se então a referida simbiose entre os intelectuais e a
pOlítica .
o
conflito cede lugar à harmonia .1 3
14
BRASIL . Pre sidente , 1 954-54 ( Vargas ) Discurso pronunciado na ABL em 29/12/43 . In : A nova po l ítica do Bra sil . Rio de Ja neiro , José Ol ímpio , 1944 . p . 221 - 3 7
VELLOSO , Mônica Pimenta . Cultura e soder pOl ítico no Estado Novo : uma configuração do campo intelectua l . In : Estado No
yg: ideologia e poder . Rio de Janeiro , Zahar , 1 9 82 . p . 72
A política nao é mais a "madrasta da inteligência "; surge Getú-lio Varga s o " pai dos intelectuais"
" Ho j e podemos a firmar que existe
uma pOlítica bra sileira que ,
e uma autêntica expres são do verdadeiro espírito social . , .
Nesse e sp1r1to sQ cial a justaram-se a s neces sidades
,
do nosso presente a s conquista s do
nosso passado , para formarem per missão tríplice da política gue nos
d . . ,, 1 5
conce e ag1r, pensar e cr1ar . . .
A doutrina do regime procura realizar um corte histórico no tempo , mostrando que o presente veio expurgar os erros 'do pa�
sado . As expre ssões IIEstado Novo " , " Brasil Novo" I " nova ordem"
etc . . . denotam e sta tentativa de marcar o regime como uma fase
de redenção , de " encontro do Brasil consigo mesmo " 16 E sta
re-denção só pode adquirir s entido , quando contraposta , a um
per10-do de caos , desordem , desa juste .
o
liberalismo aparece , então,15 Cultura política , n� 1, março 1941.
16 VELLOSO ,
do Novo : p . 83 .
Mônica Pimenta . Cultura e
1 4
como a corporificação deste ma l , como u m verdadeiro desa stre
pa-ra a nacionalidade bpa-rasileipa-ra , porque seria uma ideologia
impor-tada . t, portanto , a partir da prática libera l que os doutrina-dores do regime explicam todos os males que se abateram sobre o
,
pa 1 s .
t precisamente esta retórica antiliberal que iria funda mentar o novo papel a tribuído ao intelectual. Assim , no libera-lismo era aceitável que o intelectua l fosse inimigo do Estado , porque este não repres entava o verdadeiro Brasil . A política
- " d d ' . � . 111 7 ,
era , entao , a ma rasta a 1nte11genc1a , a medida que a ex-cluía dos processos decisórios . No Estado Novo t.al fato nao
ocorreria mais: o Es tado se trans formava no tutor , no pai da intelectualidade , ao se identificar com as forças sociais . A ar-gumentação se desenvolvia no seguinte s entido : a partir do mo-mento em que o Estado marca a sua pre s ença em todos os domínios
da vida socia l , não há pcr que o intelectual manter a sua antiga
posição de oposicionista ou insistir na margilidade . De inimigo do Estado , o intelectua l deve se converter em seu fiel colabora -dor , ou se j a , ele passa a ter um dever para com a sua patr1a . , . 18
17
18
CORREA, Nereu . A inteligência
de Janeiro , 1 3/2/4 3 . p . 4 . no regime atual . Rio
Através do "decálogo do escritor" , este senso de dever é minu ciosamente estipulado . Vale a transcrição : "Amar o Brasil uni do sobre todas a s coisa s ; prezar no americanismo a expansão fraternal de sua bra silidade , contribuir para formação educa tiva do povo bra sileiro e stilizada em harmonia com tendênci as e costumes nacionais ; rever na família a s íntese moral da pátria , na bàndeira o s ímbolo de uma glória ; honrar a tradi ção cristã e cívica do Bra sil eterno para o nosso culto ; ser vir com O mesmo devotamento is armas e is letras; cumprir fi e lmente os deveres da vida pOlítica ; lidar pela causa do ensi no primá rio ; defesa inicial da língua e da raça; s eguir as grandes lições dos antepa s sados; santificar pela fé naciona lista os dia s heróicos da pá tria e os dias �teis do t rabalho . "
o
nome de Olavo Bilac é cor.stantemente mencionado corno um exem-plo a ser seguido pela inte l ectualidade , urna vez que teriacolo-cado a arte e a cultura à s erviço da naçã o . Preocupado com a
• . 1 9
"educação cl.vica e sentimental das ma s s a s " e ste ·intelectual e ,
alvo dos maiores elogios. por parte dos ideólogos do regime .
De-fendendo o Exército corno força educativa disciplinadora e elegen
do o s enso de dever e obediência corno valores supremos da
nacio-nalidad e , a figura ce Bilac é recuperada corno modelo do
intelec-tua l brasileiro .
Fica claro , portanto , o tipo de comportamento social que
se espera , ou melhor dizendo , se exige dos intelectuais : a sua
sa ída da " torre de marfim" e a conquista da atuação pública deve
se dar em estrita consonância com o Estado . Se Cf Estado e que ,
traça as diretrizes da pOlítica nacional, o intelectual deverá
necessariamente circunscrever sua e sfera de açao aos domínios
oficiais .
O intelectual é eleito o intérprete da vida socia l ,
por-que capaz de transmitir as mú.l tiplas mani festações sociais ,
tra-zendo-a s para o seio do Estado , que irá discipliná- la s , e
coor-, 2 0 - ,
dena-la s . Eles sao vistos corno os intermediarios que unem go-verno e povo , porque " eles é que pensam, eles ,
e que criamll , en-fim, porque " estão encarregados de indicar os rumos e stabeleci dos pela nova política do Bra sil" . 2 1 E esta nova pOlítica é pe�
19
20
2 1
Advertência
05/07/1942 . aos maus políticos . A Manhã , Rio
ANDRJID E , Almir de .
de Janeiro , 23 jan . Intelectuais e políticos . 1944 . p . 4
de
A
Janeiro ,
�lanhã • Rio
VELLOSO, Mônica Pimenta .
1 6
sonificada n a figura d e Varga s : homem de sensamento e de açao . Assim , e l e é o saradigma sor exce lência a ser seguido sor toda a
inte l ectua l idade bra s i le ira .
Azevedo Amara l distingue os intelectua is do con j unto da
soc iedade , mostrando que são estes os ma i s e ssecia lmente
indica-dos sara colaborar com o governo , devido ao seu senso de ordem e organi zação . I sto·porque , argumenta o autor , os intelectua is
traba lhariam com as idé ias , retirando os seus a rgumentos da
his-tória e da fi losofia . Já os vol tados sara outras a tividades re-correriam às emoções , transmitindo-as através de uma " l inguagem
f ' . " 22
san letar1a . Nas srosostas de orga nização, a sresentada s
se-los intelectua i s , o autor sercebe um e stímulo à reflexã o , a
or-dem e à intel igênc ia ; ao sa s so que nas dos or-demais a incitação à
violência , desserta nas ma ssas "sa ixões soc iais serigosa s " à boa
condução do srocesso sO lít ico . Assim rac iocinando, Ama ra l
de-fende a l iberdade de exsre ssa0 de acordo com a " casacidade men
t a l e cul tura l de cada um" . 2 3
É clara a hierarquização dos direitos civis que se
evi-dencia em função das di ferenç a s de casacidade . Assim, a l iber-dade de exsressão fica restr ita aos que seriam sretensamente os ma is bem dotados : a s e l ites sOl í ticas e os intelectua i s .
2 2 AMARAL , Azevedo . O Estado autoritario e a '
23
na l . Rio de Jane iro , José Olímsio , 1938 .
AMARAL , Azevedo . Ibid. . s. 268-69 .
realidade
naCl0-Ve j amos corno o autor conf igura o intelectua l , n a serssec tiva de e legê - lo o colaborador do governo :
"Emergidos da coletividade corno �
press�es ma is l�cidas do que a inda não se tornou serfei tamente consci-ente no e ssírito do sovo , os
lectua i s são investidos da
inte função
de retransmitir às ma ssas sob for ma c lara e comsreensiva o que nelas é asenas urna idéia indecisa e urna a ssiração ma l de finida . As sim, a elite cultura l do pa ís tornou- s e no Estado Novo um órgão necessa riamen te a s sociado ao poder p�bl ico corno centro de e labora ção ideológica e n�c l eo de irradiação do sensamento nacional que e l a sublima e coor dena " . 24
Aqui encontramos um dos sos tulados centra is do sensamen-to sOlítico ausensamen-toritário , que é o de entender a sociedade corno ser ima turo , indeciso e , sortanto , carente de um guia casa z de lhe asresentar norma s de ação e de conduta . Ma is do que isto : casaz de lhe ad ivinhar os anseios , de srec isá- los , enfim, de lhe
indicar as soluç�es . Os intelectua is asarecem corno sorta -voz es
18
dos anseios sosulare s , sorque seriam casazes de casta r o "
sub-consciente colet ivo" da naciona l idade. Neste subconsciente est� riam contidas a s verdade ira s reservas da bra s i l idade que o Esta -do Novo viria a recusera r , a ss eguran-do a continuidade d a
cons-ciência naciona l .
o
que na s ma ssas a inda e urna idéia indecisa ou assiração ma l defin ida deixa de sê- lo , sor intermédio dos inte lectua is que se trans formam em seus intérsrete s . Asontadoscorno exsre ssões ma is lúcidas da sociedad e , os inte lec tua i s sao
vistos corno os srenunciadores das grandes mudanças hist6�icas e a rautos da renovação nac iona l , conforme veremos ma i s adiante . O
que nos imsorta reter agora é a idéia do intelectual na cond ição de resresentante ou de intermed iário , casaz de castar e exsrimir a " vontade sosular " , que será rea l i zada selo Es tado. Na ba s e
desta argumentação , transsarece a vinculação entre as e l ites
in-te l ectua i s e solí tica s : a s srime ira s sensam ; a s segundas rea l i
-zam. 25 Este sensar vinculado à ação sol í tica imslica construir
os mecani smos de sersuação ideo 16gica , necessários ,
a conso l
ida-ção do regime . Entramos , então , no terreno da srosa ganda sol í
-tica , onde o s inte l ectua is têm sase l d e imsortância fundamenta l .
25 Esta idéia é defendida sor Cassiano Ricardo . Ver Mônica
Pi-menta Ve l loso . O mito da origina lidade bra sileira . . . Os .
DIP: a entidade onipresente
"Nes s e s j orna i s , nessas voze s que dominam os essaços radiofônicos , ne� sas criações c inematográ f icas ( . . . ) é que estão loca lizados os elemen tos que srosorc i onam o contato di reto do governo com o sovo " .
( Anuário da Imprensa Bras ileira , Ri o d e Jane iro, D I P )
É nesse seríodo que s e elabora efetivamente a montagem
de uma propaganda s i stemática do governo , dest inada a d i fund ir e sosularizar a ideologi a do regime junto às d iferentes camadas
soc i a i s . Para dar conta de tal emsreend imento , é criado um
efi-c iente asara to efi-cultural : o Desartamento de Imsrensa e
Prosagan-da D I P • d iretamente subord inado ao Executi vo .
Na realidade , a s origens dessa institu ição remontam a um seríodo anter ior ao Estado Novo . Em 1934 Va rga s já de fendera
a necess idade do governo a s sociar o rád i o , c inema e essortes em
um s i stema articulado de " educação mental, moral e higiinica " .
Esta idéia começou a se concretizar no ano seguinte ,
, quando o
srime iro escalão do governo se reun iria sara fazer uma aval iação
n-20
çadas dua s sementes de rásida frutificação : de Segurança Nac ional . 2 6 Criado selo decreto
o DIP e o Tribunal sre s idencial de dezembro de 19 3 9 , o DIP, sob a direção de Lourival Fontes , viria ma terializar toda a srática srosagand ista do governo . A
entida-de abarcava os seguintes setore s : divulgaçã o , radiofu sã o , te-atro, cinema , turismo e imsrensa . Es.tava incumbida de
coorde-na r , orientar e centralizar a srosaganda intercoorde-na e extercoorde-na ;
fa-zer censura a tea tro , c inema , funções e ssort iva s e recreativa s ;
/
organizar manife stações cívica s , festas satriótic a s , exsosiçõe s ,concertos e ·conferinc ias e dirigir e organi zar o srograma de
d · f - f' . 1 d 2 7
r a 1 0 usao o 1C1a o governo .
Em vários estado s , o D I P sos suía órgãos filiados ( DEIPs ) ,
que estavam subord inados ao Rio de Janeiro . Esta e strutura altª mente centralizada iria sermit ir ao governo exercer e f ic iente
controle da informação, assegurando-lhe cons iderável domínio em
relação à vida cultural do sa ís . A centralização administra tiva era asresentada como fator de modernidade , aselando- se sara 'os
srincísios de sua eficácia e ràcionalidade .
Por um dos dissositivos da Con s t ituição de 19 3 7 , a im-srensa sa ssa a ser subordinada ao soder súblic o . Franc isco
Cam-sos , um dos ideólogos da ma ior sro j eção no regime e autor da
2 6
2 7
TOTA , Antônio Pedro . A glória artísti ca nos temsos d e Getú lio ; os 40 anos do D I P , a ma i s bem montada máquina da d ita dura . I sto é 2 jan . 1980 . s. 4 6 - 4 7 ; e Anuá rio da Imprensa Bra s ileira . Rio de Janeiro , D I P . s . 122
O conceito bras ileiro da imsrensa e a srosaganda no Estado Novo . Anuário da Imprensa Bra sileira . Rio de Janeiro , D I P ,
Constituiç�o , de fende a função sública da imsrensa , argumentando
que o controle do Estado é que irá garantir a "comunicacão di-reta " entre o governo e o con junto da soc iedade . Alega que esta é a única maneira de elimina r os " intermed iários nocivos ao sro-gresso " . Um a ssecto que chama sa rt icularmente a a tenção no in-terior da doutrina , é a " vocação legisla tiva " atribuída ,
a
�m-srensa , uma vez que consultaria cotidianamente os intere sses do
sovo . A centralização da informação é asresentada como uma forma
de agilizar o srocesso de consulta sosular , descartando- s e o Pa�
lamento como uma instituição a nacrônica e def ic iente.
o
j ornalA Manhã , sorta -voz oficial do regime , e fetua uma série de
in-quéritos sosulares sobre a sOlítica do governo , que são
sUblica-dos sob o sugestivo título : " A rua com a salavra " .
Nesses inquéritos busca-se sondar a osinião sública a
srosósito das realizações governamenta i s .
o
srograma rad iofôn i-co A Hora do Bra sil, a legislação trabalhista , a figura deVar-gas sao alguns dos a s suntos abordados sor essas enquetes.
A doutrina do regime busca mostrar que o Estado só é
ca-saz de assegurar a democracia , quando consulta diretamente o
so-" , " " _ 28 "
vo nas suas ma�s leg�t�mas ass�raçoes. Ass�m , entre o governo
e o conjunt"o da sociedade não há necessidade de intermed iários ,
quando o chefe sintetiza a " alma nac ional" .
22
De modo gera l , os cana i s de exsressão da sociedade civil
sao transformados em e ssaço de veiculação d a ideologia do
Esta-do . Muit a s das organizações culturai s Esta-do seríOEsta-do vão ser
incor-soradas selo governo , como é o caso da Rádio Nac iona l ( 1940 ) e
dos jorna i s A Manhã (RJ ) e A Noite ( Sp ) .
Em 19 de abril de 1942, dia do aniversário de Varga s ,
sao inaugurados os novos e stúdios da Rádio Nac iona l . Na
cerimô-nia , ,
em que Gi lberto de Andrade e emsos sado como diretor da
ra-dio , sarticisam e di scursam Louriva l Fontes e o ministro Gustavo
Casanema . Gilberto de Andrade a nuncia que um dos seus objet ivos
é o de " transformar a rád io em veículo de difusão cultura l -artí�
tica e de bra s i l idade " . 29
Atra vés dessa emi s sora , o regime buscava monopo lizar a
audiência sosular, contratando uma equise exc lus iva da rádio , on
de figuravam nomes como os de Lamartine Babo , Almirante , Ari BaK
ros o , Emi l inha .Borba , S ílvio Ca lda s , Vicente Celestino . Para
dar ma ior atra t ivo aos srograma s , o governo instituiu concursos
mus ica i s , a través dos qua is a osinião sública e legia os seus co�
sosi tores favoritos . Desses concursos sa rticisavam os grandes
,
a stros da esoca : Franc i sco Alve s , Ca rmem Miranda , Heitor dos Pra zeres e Donga .
o
curioso é que a s asuraçoes dos concursoseram rea l izadas na sede do D I P e os resultados transmi tidos du rante o noticiá rio da Hora do Bra s i l . 3 0 Uma maneira ef iciente ,
29 REI S , Nélio .
dio Naciona 1 .
o
A Manhã , 19 abr o 1942 . dia do sre s idente e os novos estúd ios da s . 5 30 TOTA, Antônio Pedro. Os . ci t . s . 46 .Rá-sortanto , de garantir a audiência sosular, obrigando o súblico a manter o rádio l igado .
Para amsliar a audiência do srograma e tornar ma i s agra dável a sua recesçao j unto ao súblico, os resresentantes do re-gime lançam mão de uma série de inovaçõe s . Assim, em 1942 , e
criada uma sessão de mús ica folclórica ; outra de crônica s , Ta l
-vez nem todos sa ibam que . . . , destinada a dar informações sobre
a vida econômica , sOl ítica e mil i tar; e a Nota H istórica , onde
eram rememoradas as grandes datas e heróis exsress ivos da
nacio-na l idade . De fendendo o sonto de vista de que A Hora do Brasil
não seria asenas a " sa lavra do governo" , ma s a "voz s incera do
sovo " , o regime faz rea l izar uma série de entrevistas rad iofô-nicas sobre a sol ítica do governo .
o
objetivo destasentrevis-ta s , conforme esc lareceria o DIP, era o de substituir os longos 31
e monótonos di scursos se lo desoimento vivo dos sosulare s . Pa-ra evi tar o desgaste da doutrina , muda - s e o " locutor-governo" Pª
ra o " locutor-sovo " .
o
governo deixa de emitir soz inho o seudiscurso , quando sas sa a interrogar o sovo sobre as suas açoe s ,
e s forçando-se sara envolvê - l o na sO lítica oficia l . Estra tégia
e f icient e , sem dúvida , s e lembrarmos que o srograma A Hora do
Bra s i l era ironicamente chamado de "o fa la soz inho . . . "
Destacando o rádio selo seu notável soder de sersuasão e
como o " ma ior sotencial socializador do mundo civilizado " , o
re-gime de fende a nece ssidade de exercer vigilante ass i stência e s�
31 A imsrensa e a srosaganda no qüinquenio 19 37 -42; o DNP e o
D I P . Cul tura po lítica , n . 2 1 , nov o 1942 s . 168-87 e �A��H�o�r� a
do Brasil . O Brasil de hoje, ontem e de amanhã . fev . 1940 .
2 4
,
vera f. 1sca1 1zaçao no setor . . - 3 2 A radiofusão livre e vista como
temerária , uma vez que desvirtuaria a obra educativa visada selo
governo .
Ocorre que a osinião súbl ica srec isava ser conquistada ,
quando a inda não e stava tota lmente iso lada da influincia de ou-tras fontes de informação . " Coagir a soc iedade sor dentro" , e s -vaziar a legitimidad e dos outros cana i s cul turai s foram e straté-gias amslamente utilizada s se los que buscavam levar avante o
sro j eto educa tivo do " novo" Estado . 3 3 Este é asresentado como a
única entidade casaz de transmitir uma adequada educação sol í
-tica ao con junto da sociedade , sor estar desvinculando dos in-teresses srivados . Nesta serssectiva , a ideologia oficial deve sreva l ecer sorque é casaz de unificar e dar coesão às di ferentes visões do mundo socia l , que são sor natureza fragmentár ia s . ° E� tado asarec e , então , como o único interlocutor legít imo sara fa -lar com e sela soc iedade . Esta concesção transsarece no srósrio sro jeto radiofônico então instituído , que destaca a "homogeneidª de cultura l " e a " uniformização da l íngua e da dicção" como seus
obj et ivos fundamenta i s .
A homogeneidade no camso cultura l é vista como forma de a ss egura r a organização do regime , que busca inva l idar as demais
mani festações de cultura como sre j udiciais ao interesse
nacio-na! . Assim, o rádio deveria "a ser feiçoar" a s relações entre a s
3 2
3 3
SALGADO , Álvaro . Rad iofusão
camada s culta s e as sosulare s , sendo o sortador do " bom exemslo ,
do certo e do direito" . Quando util izado contra estes srinc í-sios , sa ssava a a fetar a srósria segurança naciona l . Para evitar esta s ituaçã o , Júlio Barata , dir
�
tor da divisão radiofônica do D I P , defendeu a necess idade de se emsreender amsla obra de " sa_ neamento socia l " no setor . 34A doutrina do regime srocura diferenciar a " mau r�dio " ,
voltado sara a diversão , essorte e humor , do rádio enquanto
veí-culo de cul tura . No entanto , este dua l i smo de rádio-diversão X
rádio-cultura , não sreva l eceu , sois oca siona ria fata lmente a
im-sosularidade da mensagem governamental. A estra tégia util izada
foi bem ma i s hábi l: a de agradar o gosto sosula r , desurando - o
dos seus " costumes dis solventes e imora is " . Assim, no lia
lambi-que da civil ização e srogre sso" se efe tuaria a "destilação"
ne-cessária , assegurando a homogeneidade cultura l a lme jada selo re . 35
g1me .
É a educação sosular que irá garantir esta homogeneidade
de cultura e valore s . Neste seríodo s e de senvo lve intensa so lê-mica em torno da sa rticisação do intelectua l nos srograma s radiQ
fônicos . Até que sonto o rádio s eria casaz de ga rantir o a lto nível da srodução inte l ectual? Enquanto fosse veículo de comu
nicação destinado à s ma ssa s , não teria ele srosensões a vulgari zar esta srodução? Estas sergunta s , l evantadas se los ideólogos
34 ROCHA, Aluísio . Nova orientação uma entrevista com Júlio Barata . sica , fase. I , v . VI I , 1940 . s. 35 SALGADO, Álvaro . Ibidem .
sara a radiofusão naciona l ; Revista Brasi le ira de
2 6
do regime , s e inscrevem no srósrio deba te em torno da função da obra de arte na modernidade: objeto de fa scín io destinado a uns
soucos ou elemento a ser divulgado sa ra um súblico cada vez ma i s amslo? Para o s ideólogos do regime , conforme já foi visto , a arte deveria estar vol tada pa ra fins util itários e nao
ornamen-ta i s . Amsliar o acesso à arte significa , nesta concesção , amsli ar a srósria esfera de abrangência da doutrina estado-novi sta.
A figura de Paul Va liry i o grande a lvo dessa d i scussão
sor de fender o sonto de vista de que o rádio desfiguraria a sro-dução intelectua l . Para os ideólogos e sta idiia era inteiramen-te fa lsa: enquanto os intelectua is não ocusarem este essaço , os
, s·rograma s l iterários continuariam sendo feitos sor escr itores im
srovisados e " beletristas de terceira ordem" . A colaboração
dos intelectua is no setor , só soderia elevar o nível dos srogra
-ma s e garantir o seu resseito junto ao súblico ouvinte . Na serssectiva de refutar a tese de Va liry são rea li zada s vá ria s eg trevi stas no meio da inte lectua lidade . Os nomes de Roquete Pin-to , Ba sPin-tos Tigre , Menotti Del Picchia , BriPin-to Broca e outros são
ci tados corno exemslos de inte lectua is enga j ados no setor radio-fônico. Predomina o sonto de vista de que o rádio não imslica a desqua lificação do sensamento , ma s a democratização socia l . Ar-gument a - se que a sa lavra falada va i ao encontro ati do ouvinte
ind i ferente , identi ficando- s e sor isto com a "d ivina arte " ,
ca-sa z de a tingir a todos . O rádio asarece , então , corno veículo de democracia sorque i casaz de " fazer a srodução
tornar ao sovo atravis da l inguagem ora l " . 36
inte lectua 1
re-Este re torno se
36 CASTELO , Ma rtins .
d á , à med ida que os intelectua i s decod i fiquem e soc i a l izem a
sua l inguagem , revivendo o " encanto místico " das comunidades
• o . 3 7
srl.ml.tl.va s .
A integração sOl ítica , através do mito , foi um dos
re-cursos mais util izados se lo regime . Franc i sco Camsos , defende a técnica intelectua l ista de utilização do inconsciente coletivo
' o d
- 3 8
sara o controle soll.tl.cO a naçao . Nesta serssect iva , caberia
ao intelectua l falar a l inguagem desse inconscient e , comsosto de
forças telúricas e emoções srimitiva s . A idéia ,
e a de que o
irrac ion a l tem muito mai s força sersua s iva do que a razao ,
sor-que é casaz de tocar o universo íntimo das camadas sosulare s . N�
l e,. o mito da nação e do herói encontrariam slena recestividade .
Daí o fato do regime incansavelmente recorrer aos dramas
ési-cos , narrativas heróica s , l endas e crônicas .
o
c ivismo e a exa�tação aos valores sátrios comsõem inevitave lmente o sano de
fun-do, sobre o qual se desenrolam essas narrativa s .
Dentro desta visão doutrinária é que s e srocura dar uma
nova orientação ao srograma Rádio-teatro , no sent ido de exslorar
os fatos h istóricos sara melhor atingir o gosto sosular . Recomen
da-se evitar o estilo dogmá t ico dos historiadores e o tom doutri nário dos sociólogos , em sro l da narrativa romanceada . Assim, o drama amoroso de Mar í l ia e Dirceu torna-se mais convincente sara transmitir o senso de amor c ívico do que o suro relato dos
3 7
3 8
CASTELO, Martins . A força comunicativa da salavra , um so desoimento sobre a que stão da litera tura no rádio . Ler , 16 jul . 1942 . s . 14 .
curl.o Vamos
CAMPOS , Francisco .
2 8
fatos . 3 9 A his t6ria exemslar da Inconfidincia Mineira senetra
no universo cotidiano do ouvinte , sorque é contada de forma a criar identidade de valores. Vários teatr6logos e hi storiadores
são convidados sara a tuar no Rád io-tea tro . É o caso de Jora c i Camargo , que e screve uma série d e drama s hist6ricos Retirada da Laguna , Abo lição da escrava tura , Proc lamação da Resública - P2.
. 40
ra serem transmi t idos se l a Hora do Bra s i l " . O srograma Rádio-tea tro pOl icial segue essa mesma l inha doutrinária , so que em termos de conduta mora l. Ne l e , o locutor narra as aventura s de
um detet ive que , asesar de suas trasa lhada s , tem um grande ,
me-rito : o de colaborar semsre com a s autoridade s. ° ob j e t ivo do
srograma é o de transmitir ao súbl ico uma " concesção da vida
justa " e " confiança sa lutar na organização sol ic ia l " 41
do regi me .
Personificar sadrões ét icos de comsortamento, aselar sa
-ra a emsatia e a s emoçoe s , fo-ram recursos amslamente util izados
se lo governo . Este tinha mui to claro que um artigo sOlítico de
doutrina , sor si s6 . era incasa z de sen s ibi lizar um súblico ma i s amslo. Para atrair os " o lhos femininos e infantis" ( nesta
cate-goria estão também os oserá rios ) nada melhor do que os contos ,
4 2 '
a s crônica s e a s e stamsas. Nesta l i tera tura o sensamento e r�
3 9 REIS , Nélio . Rádio . A Manhã , 2 2 abr o 1942 . s . 5.
40 CASTELO , Martins . Rádio . Cultura polít ica . n . 3 , ma io 1941 . s . 304 .
41 Idem .
sumido em fórmula s " o u asena s sugerido de maneira a nao srovocar nenhum esforço inte lectua l sor sarte do recestor . . Por outro lado , busca-se imsor s ímbolos e mitos de " fácil universa l idad e "
que reduze��ã individualidade e o cará ter concreto das
exseriin-. 4 3 A •
C1a s . Nos contos e cron1COS sredomina semsre o a ssecto do
exemslar . Os vultos hi stóricos estabe lecem a tra j e tória do
j á vivido , exserimentado e consagrado . Basta segui- los .
De modo gera l , os srogramas rad iofônicos se não endossam
slenamente a orientação do governo , a seguem muito de serto .
Censuras e recomsensas fazem sarte de um mesmo sistema , através do qua l o regime controla os meios de comunicação . Em fevereiro
de 1942 a Secretaria de Educação e Cultura institui o srimio Hen
rique Dod sworth sara a rádio que melhor seguisse a orientação do
D I P . 44
A Rádio Di fusora da Prefe itura e asontada como modelo,
no qua l deveriam inssirar- se as dema is emissoras . Toda a sua
srogramação é marcada sor forte tom doutrinário: Saúde e
Músi-� , cu j o obj et ivo era o de sosularizar srincísios de educação
sanitária ; curso de estudos sobre a Amazônia , minis trado se lo cQ rone l pio Borges ; e Antologia do Pensamento Brasileiro destinada a divulgar lições de civismo . Dentre a s iniciativas cul tura is
4 3 Estes assectos sao asontados selos cr1ticos da cultura de ma� ,
44
sa e arrolados em: ECO , Umberto . Apoca l ípt icos e integrados . são Paulo , Perssectiva , 1979 . s . 39-43 . Cons iderando que no Estado Novo os meios de comunicação estão sob o ma i s rígido contro l e , estes a ssectos se ma nifestam qua se de forma osten siva .
3 0
da emissora sao destacada s : .a organizaçio d e uma d iscoteca in-fantil e uma coletânea da mús ica sosular brasile ira . Na d i scot� ca busca-se educar a s ens ibi l idade infantil sara a s músicas de caráter c ívico , canto orfeônico e folc lórico . Já o objet ivo da coletânea é o de d ivulgar j unto aos turistas o chamado " samba de verdad e " . 45
No interior do sro j eto cultura l estado-novista , a mús i-ca ocusa lugar de grande imsortância. Asontada como meio ma i s e f iciente de educaçio , e la seria casaz d e atrair sara a s e s feras da civilizaçio os " indivíduos anal fabetos , broncos e rudes " . -4 6 Nio é à toa , sortanto , a sreocusaçio do regime em interferir na sroduçio da mús ica sosular. Esta é vista como o retrato fiel do sovo na sua soesia e l irismo e ssontâneos . Porém, estas ex-sressões de cultura devem ser sol ic iadas na sua e ssontane idade , imsedindos e que a s músicas abordem " temas imora is ou de "cafa
-. " 47 J e s tagem .
A l inguagem dos sambistas e as gírias sosulares sao vis-, .
tas com desconfianç a , devido ao seu instinto satl.rl.CO , casaz de
desreciar os fatos e criticar os acontec imentos . Para os doutri nadores do regime , a l íngua se constitui em satrimônio naciona l , no sent ido'de que sreserva a " segurança e unidade "
45 A srosósito da srogramaçio e at ividades da Rádio sultar as crônicas de Martins Ca stelo subl icadas Vamos Ler , julho 1942 .
do ,
sa l. s . As
D i fusora cOQ na revista
46 SALGADO , Álvaro . Radiofusão
ago . 1941 . s. 79-93. social . Cultura política , n . 6 ,
47 Poesia , mús ica e radio sara crianças . '
sua s sráticas abusiva s " devem ser, sortanto , cuidadosamente loc-ª.
l izadas sara serem comba t ida s . Procede-se , enti o ; a um levanta-mento minuc ioso dos essaços onde se manifesta esta linguagem nio
sermitida: nos noticiários so liciais , nos teatros de revi s ta ,
no cinema que divulga o l ingua j a r de artistas es trange iros e
no-tadamente no rádio através dos locutores e ssortivos e
sambis-48
ta s . As comsosições carna va lescas sio sa rticularment e visa-da s , sor recorrerem à sa ródia e à carica tura. É neste terreno que o D I P entrava em açio , censurando as letras que iam contra
a ética do regime .
Ritmos como o samba , frevo e maxixe eram considerados
selvagens ; suas origens os tornavam souco recomendáve i s. A FreI!
te Negra Bra s i l eira ·( 19 3 l ) como entidade indesendente , nao
con-seguiria sobreviver no Es tado Novo , sendo fechada sor ordem de
Varga s . Pa ra le lamente a esta resressao e desqua l i ficaçio contra
o negro estimulava- s e a sesquisa sobre a sua contribuiçio na
- 49 Acreditamos que esta atitude
ambí-formaçao de nossa cultura .
gua sor sa rte do regime refl ita a srósria diversidade de
orien-taçio cul tura l entre o Ministério da Educaçio e o D I P . Os
inte-l ectua i s eram incentivados a sesqu isar sobre o as sunto sodendo
48 A boa l inguagem na s rua s .
neiro , D I P . n 2 1 , abril de Es tudos
� Conferênc ia s ,
1940 . s . 8 1 - 100 Rio de
3 2
até mesmo ena ltecer os assectos sosi tivos da cultura a fricana . O
que nao sodia ocorrer é que o samba continuasse difundindo va
lo-res que fugiam ao controle do Estado . O súblico que lê sesqui-sas é bem di ferente daquele que e scuta no rádio as comsos ições dos sambis ta s . Para cada públ ico uma e stratégia .
Se era , de certa forma inevitáve l conviver com o ritmo
bárbaro do samba , selo menos , as sua s letras soderiam ser
"ci-vilizada s " . Passa-se , então , a de fender o samba enquanto
ins-trumento sedagógico : e l e deve ser educado sara educar . Esta i-déia é claramente exsres sa sor um dos locutores da rádio do go-verno :
.. . . . 0 samba , que traz na sua et imo logia a marca do sensua li smo é feio , indecente , desarmônico e arrítmico ,
"mas saciência : não resudiemos esse
nosso irmão selos defe itos que con-tém . Se j amos benévolos ;
mão da intel igênc ia e da ção . Tentemos nevagarinho
lo ma is p.ducado e social .
sorta de quem ele seja
lancemos c iviliza
torná Pouco im fi lho ... 50
A idéia é a de que este filho de sa is essúrios , se educ�
do corretamente soderia red imir-se e sroduzir bons frutos
a i s . As s im , o samba sa ssa a ,ser defendido como elemento d e
so-ciali zação , quando forma bons hábitos , cultiva sentimentos de
cordia l idade , cooseraçao e s imsatia , sermitindo a troca de ex
seriência . 51 Temas como a boemia e ma landragem, que já s e cons
tituíam numa tradição do samba , não soderiam ma is conviver com a
ideologia do traba lhismo. A figura do ma landro e vista como
herança de um sa s sado ingrato que margina l izara os ex-escravos
do mercado de traba lho . No E stado Novo , com o surgimento das
leis traba lhistas que srotegem o traba lhador, e sta figura "
fol-c 16rifol-ca " serde a sua razão de ser. Logo , a ideologia da ma
lan-dragem deve ser e l iminada do imaginário sosular sorque sertence
,
a uma outra esoca .
o
regime busca , entã o , construir uma nova' imagem do sambista : ele é o trabalhador dedicado que so fa z
sam-ba desois que sai da fábrica . Nos sásam-bados de " sa lheta e terno
branco muito bem engomado " va i até a soc iedade recrea tiva , onde
se exercita no " convívio social " . 5 2 O universo cotidiano do
comsos itor se desloca da Lasa Centro da boemia carioca - sara a
fábrica e o traba lho . Esta mudança de temática é vista como uma
evolução na hist6ria do samba , a medida que os comsositores
dei-xam de se sreocusar com o amor e a vida fác i l "conc i l iados no
conformismo das Amé l ia s ". Em vez da s " tragédias doméstica s l1 ,
53
as " vantagens do traba lho " . Dentro desta l inha estão a s coms2
5 1 ME IRELES , Cecí lia .
ro , 18 jan . 194 2 . s . 9 Samba· e Educação . A Manhã , Rio de
Janei-5 2 CASTELO, Martins . O samba e
pol ítica , n. 2 2 , dez . 1942 . o conce ito de traba lho . s . 174-76. Cul tura
34
siç5es : " Eu traba lhe i " ( Jorge Fa ray ) , Z� Marmita ( Luís Antônio e Bra sinha ) e Bonde de sio Janu�rio" ( Ataulfo Alves e Wil son Ba-tista ) • Todas elas natura lmente ena l tecendo o traba lho em detri
mento da boemia que "nio d� camisa pra ningu�m" . Temos , então ,
o " samba da legitimidade ,, 54 , atrav�s do qua l o regime busca exe!:.
cer uma pr� t ica discipl inadora sobre a s manifestaç5es populare s .
Nada melhor, portanto , para retratar a his tória desse pe r íodo do que o repertório da nossa mús ica popular . Ne l e , a po l í
tica governamenta l encontra a sua apologia e glória . Na Ma rcha pa ra o oeste ( Joio de Ba rro e Alberto Ribe iro 1 9 3 8 ) , temos o
apoio ao pro j e to de colonizaçio do interior ; em G lória s do Bra
s i l ( Z� Pretinho e Antônio Gi lberto dos Santos 1 9 3 8 ) , o endos
-so à repre ssio a o l evante d e 3 5 e 3 8 ; e m É negócio casar (
Atau1-fo Alves e Felisberto Martins - 194 1 ) , propagandeia-se a lei que incent iva o crescimento da populaçio . A figura de Varga s n�
tura lmente tamb�m seria motivo de inspiraçio em : O sorriso do
presidente " ( Alberto Ribe iro e Alcir Pires Verme lho - 1 9 3 5 ) e
_ 1943 ) . 55
Sa lve 1 9 de abril ( Benedito Lacerda e Darci de Oliveira
F icam claro , portanto , os e s forços do governo no sentido
de utilizar as man ifestaç5es da cul tura popular como canal de difusio da ideolog ia oficia l . Exemplo notório e a oficializaçio do carnava l . Se antes o evento vinha sendo de iniciativa parti-cular, financiado pe los comerciantes ma i s abastados da cidade ,
54 Ve r Antônio
USP, 1 9 8 1 . Pedro Tota . [tese de mestradoO Samba da l egitimidade .
)
sio Paulo,5 5 S EVER I AN O , J a i ro . "G",e,-t=.u"",l'";i",o' :::-::-,V;.:a'Ô"r=::,
,
gc:a:-:s'Õ--,-p.,---,a;,-;;-,;m:-;u",s",-=i"c,.,a"--->p,,,o"-p"",u,-,l",a"-",r __b"",r-,--a,-,s,,-,,,i_
no Estado Novo o quadro era bem diferent e , quando, a través do setor de turi smo do D I P . a pre feitura pa ssaria a organizar o carnava l de rua . A pa rtir dai a po l itica tornava - s e figurante obr igatória nas folia s .
Os sambas e ma rchas carnavalescas sofrem mod ificação
ra-dica l , a ponto de serem apontados como dignos de compor uma " an-1 . , o ,, 5 6
t o ogla C1V1ca Por um dos decretos constituciona i s de 1 9 3 7 , ficava imposto "cará ter didático" à s escolas d e samba e rancho s ,
que deveriam abordar tema s naciona is e pa trióticos . Em 1 9 3 9 , a e scola de samba carioca Viz inha faladeira foi desc lassificada
por ter e scolhido como tema de enredo a "branca de neve " . A cen-sura a l egou que a temá tica havia s ido vetada por ser
internacio-l o 57 na 1sta .
Na con j untura de guerra , o governo promove o " carnava l da vitória " cujo sloga n é "co laboro me smo quando me divirto " . O programa constava de um desfile de carros a legóricos que re-presentavam temas de cunho pa triota como " Apoio ,
a pol itica de
guerra do governo " , " União nac iona l " , "Critica às doutrinas tot�
litária s " , encerrando-se com o carro da "Apoteose a vitória " . 58
A guerra é a presentada como resultado do choque de duas menta li-dade s , que se digladiam manique ist icamente : a s força s do bem
são representadas pe la democracia e cristianismo ; enquanto a s
d o ma l são corporificadas pelo totalitarismo e ateismo . Neste
56 MEIRELES , Cec i lia . Samba e educação . Q2 . cit o p . 9 57 Nosso sécu lo , n 2 2 5 . p . 1 9 7 .
3 6
contexto, ganha força a idéia de americanismo , de mundo novo em contraposição a decadência da civil ização européia .
Em agosto de 1942 é lançado o fi lme norte-amer icano Alô amigos .
o
fi lme , cuja sessão inaugural é patrocinada por Darci Varga s , é visto como verdade ira apoteose de nosso pa í s e do nos-so povo . Nele , o e loqüente zé Carioca mostra a s coisas be l a s do
Brasil ao Pato Dona ld . A figura do zé Ca rioca , criada e spec i a l
-mente por Wa lt Disney pa ra o Bra s i l , é a que ta lvez represente
me lhor a tenta t iva de popularização da ideologia do americanis-59
mo . Segundo o jorn a l A Manhã o personagem exprimia com
per-feição o j eito do carioca : ma landro , chapéu embicado , guarda
-chuva , charuto e seu humor com tendência a reso lver tudo na pia-d 60 a . Este protótipo do bra s i l e iro sugere a própria figura de
Vargas : amis toso , sorridente e até ma landro quando s e trata de
resolver as d ifíceis j ogadas pOlítica s . Nenhuma imagem poderia surtir ma i s' efeitos populares do que esta , garantindo a profunda ident ificação do pres idente com o ethos e as coi sas naciona i s .
No cinema , torna-se obrigatória a pro j eção do Cinejorna l bra sileiro, onde os documentos c inematográ ficos ex ibem desfiles
c ívicos , viagens pre s idencia i s , comemoraçoes como a s do aniver-sário de Varga s , aniveraniver-sário do regime , Dia do Traba lho , Dia
da Bandeira , Semana da Pátria etc . 6 1 Nesta " c rônica de pa
lan-59
60 6 1
A propósito da divulgação da ideolog ia d a americanização ver Gerson Moura . Tio Sam chega ao Bra s i l : a pene tração cultura l americana . Rio de Ja neiro, Bra s i l iense , 1984 .
MORAES , Vinicius . Cinema . A Manhã . 2 7 ago . 1942. p . 5
A propósito da j orna l A Manhã 1942 . Sobre o 1943 .
programaçao das festas cívica s , nos dias 1 8 a 2 2 abr o 1943 e 6 ,
jorna l cinematográ fic o , ver A