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Mana vol.8 número2

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Academic year: 2018

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RESENHAS 209

MONOD-BECQUELIN, Aurore e ERIK-SON, Philippe (orgs.). 2000. Les Rituels du Dialogue: Promenades Ethnolinguis-tiques en Terres Amérindiennes. Nan-terre: Société d’Ethnologie. 608 pp.

Juan Alvaro Echeverri Professor, Instituto Amazónico de Investigaciones IMANI, Universidad Nacional de Colombia

O conceito de “diálogo” relaciona-se ao problema geral da comunicação, apa-recendo, portanto, como uma preocu-pação daquelas disciplinas lingüísticas que se ocupam dos contextos pragmá-ticos de uso da língua e da construção de sentido na interação comunicativa. Se os lingüistas abordam o “diálogo” no sentido mais empírico de “conver-sação”, para os antropólogos, o diálogo é o fundamento mesmo de sua discipli-na. Em poucas palavras: o conhecimen-to antropológico constrói-se dialogica-mente – tanto no sentido literal (os “da-dos” surgem de conversações), quanto em sentidos mais complexos e metafó-ricos, em que o diálogo se impõe como encontro e negociação de diferenças. Os antropólogos, assim como os etnolin-güistas, têm acesso a muitas modalida-des de diálogo e interação que contras-tam com as percepções “ocidentais” do diálogo, do discurso e de suas funções. Esses registros constituem um poten-cial crítico para as teorias gerais da co-municação, pretensamente universais.

O livro organizado por Aurore Mo-nod-Becquelin e Philippe Erikson, re-sultado de um simpósio realizado no 49o

Congresso Internacional dos America-nistas (1997), é uma tentativa valiosa de abordar esses temas. Destacarei aqui três de suas características gerais: a sua intenção e relevância teórica; a combi-nação que faz de ferramentas e

pers-pectivas lingüísticas e antropológicas; e a sua contribuição para o enriqueci-mento da noção de “diálogo”.

Primeiro, o livro não pretende nem fornecer um panorama dos campos e disciplinas que se apropriam da noção de diálogo, nem traçar sua história. Não é um livro “teórico”, mas empírico, que apresenta dados de pesquisas de cam-po originais da Mesoamérica e da Amé-rica do Sul. Sem pretender mapear ou mesmo delimitar esse campo teórico, propõe porém uma crítica efetiva de conceitos da pragmática, da teoria da comunicação, da sociolingüística e da etnografia. Pode-se reconhecer um “diá-logo intertextual” com uma rede de au-tores (Bahktin, Grice, Austin…), mas o autor mais citado é Greg Urban e seu artigo de 1986 em American Anthropo-logist(“Ceremonial Dialogues in South America”). Isto é apenas um sinal (a que se somam referências a outros ameri-canistas: Sherzer, Tedlock, Rivière…) da grande originalidade do livro: um esforço para construir empiricamente um entendimento das formas dialógicas na América indígena. Os discursos ce-rimoniais, com suas características pro-sódicas, retóricas e semânticas alta-mente formalizadas, são como o para-digma que permeia todo o campo co-municativo ameríndio. O livro, não obs-tante, transborda amplamente essa in-tenção, e não pode também evitar abor-dar, de modo deliberado ou casual, a questão do diálogo intercultural e das relações de hierarquia e dominação (não apenas comunicação e solidarie-dade) manifestas em toda interação dialógica.

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de-monstram competência ou nas línguas ou nas práticas lingüísticas daqueles que estudam, e os lingüistas esforçam-se para evitar o excesso de jargão técni-co, incorporar uma aproximação etno-gráfica e aventurar-se em interpretações antropológicas. Alguns são bem-suce-didos (é difícil inferir a afiliação disci-plinar dos autores apenas a partir de seus textos). Destaco aqui dois exem-plos particularmente felizes: o de M. Gnerre, estudioso da língua achuar, que enfrenta a difícil e elusiva tarefa de en-tender a “comicidade” de um diálogo (uma representação de jovens índios em um internato religioso), combinan-do uma fina análise combinan-dos índices lingüís-ticos, decisões lexicais etc. e a interpre-tação da ideologia da identidade shuar, das relações de gênero e das ativida-des de subsistência. O outro exemplo é o artigo de A. Monod-Becquelin, antro-póloga, que aborda a etnografia da fala tzeltal, em uma espécie de tipologia complexa de gêneros verbais, em cuja identificação intervêm critérios prosódi-cos, retóricos e sociolingüísticos cuida-dosamente documentados.

Embora esse sucesso se revele, em diferentes graus, em vários outros tex-tos, fraturas são encontradas na estrutu-ra geestrutu-ral da obestrutu-ra. Sublinho duas evidên-cias. O livro é aberto com três artigos introdutórios: uma introdução geral dos organizadores, um artigo de dois an-tropólogos e um de dois lingüistas. Os dois últimos – segundo os organizado-res, exemplos polares da reflexão so-bre o exercício da palavra (:21) – são efetivamente polares: não “dialogam” e estão escritos em modalidades muito contrastantes. O primeiro (Mannheim e van Vleet), sobre o dialogismo em que-chua, utiliza ricos (e divertidos) mate-riais etnográficos com fineza lingüísti-ca, discute as implicações teóricas e conclui com um chamado “a formar

et-nógrafos preocupados em colocar a for-ma lingüística no centro de seu enten-dimento da vida social e, simultanea-mente, preparar os lingüistas para com-preender a linguagem em uma pers-pectiva etnográfica” (:69). Já o segun-do (Desclés e Guentchéva) desafia a ca-pacidade de compreensão de qualquer leitor não-especialista; sua linguagem parece, usando uma expressão de Fran-chetto, fora de contexto (mas válida co-mo instância de “diálogo intertextual”), “palavra de chefes”, “típica de um re-gistro extraordinário restringido a al-guns especialistas, chefes e velhos” (:486).

Outra fratura formal da obra se per-cebe na estrutura de quatro seções que divorcia das demais e confina as con-tribuições mais lingüisticamente incli-nadas. As quatro partes intitulam-se: I. Trocas cerimoniais: diálogos do encon-tro; II. Diálogos interculturais: período colonial; III. Diálogos interculturais: exemplos contemporâneos; IV. Marcas lingüísticas, interações rituais e diálogos xamânicos. Segundo os organizadores, esta última “encontra sua coerência em uma vontade comum de decodificar os discursos rituais e xamânicos perscru-tando meticulosamente os fatos da lín-gua, mais do que suscitando e glosan-do discursos esotéricos” (:21). Trata-se de um volume complexo e difícil de re-cortar, mas não me parece feliz a segre-gação da parte IV sob um critério, de fa-to, disciplinar. Os melhores exemplos de “trocas cerimoniais”, tema da parte I, encontram-se aqui, e alguns dos artigos das duas partes apresentam contrastes e parentescos evidentes (por exemplo, os de Basso e Franchetto). Não obstan-te, trata-se apenas de uma questão de forma, pois os temas e abordagens estão entrelaçados por uma rede complexa, como bem assinalam os organizadores: “São esses ecos, de um artigo a outro,

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que constituem a contribuição maior desses textos” (:22).

Uma terceira característica do livro é a noção mesma de “diálogo”, que se po-de inferir do conjunto das contribuições. Como não se está partindo de um con-ceito predefinido, de um campo concei-tual instigante, a tarefa da obra é a de documentar, construir e enriquecer esse campo. O livro é bem-sucedido em des-centrar o projeto pós-moderno de colo-car o diálogo no coração da empresa an-tropológica, como uma panacéia ao soli-lóquio autoritário do monologismo colo-nialista. Estes artigos, diante de tal pro-jeto, levantam as perguntas: “qual diá-logo? diálogo para quem?”. Um exem-plo magnífico de como se realiza o pre-tenso “diálogo” entre partes que conce-bem o “dialogar” cada uma à sua ma-neira, lê-se no artigo de Dehouve, inti-tulado precisamente “Um Diálogo de Surdos”. Trata dos “Colóquios de Saha-gún”, um encontro entre doze francis-canos e um grupo de sacerdotes e se-nhores mexicanos, no início do século XVI, para conversar sobre os temas da fé e do Deus verdadeiro. É um encontro de dois conjuntos de regras retóricas que conduz a qüiproquós e mal-enten-didos: “Os encontros correspondem pa-ra os espanhóis a um ‘diálogo didático’, bem conhecido na literatura ocidental; para os índios, ao contrário, suas inter-venções pertencem ao gênero dos ‘diá-logos cerimoniais’” (:202). Para os anti-gos mexicanos não se trata de um in-tercâmbio de palavras com o fim de ar-gumentar e convencer; o principal para eles consiste em trocar as palavras, con-cebidas como jóias guardadas em “um cofre” e conjurar o perigo dessas inte-rações.

Mas se encontramos situações for-malmente dialógicas onde não há diá-logos, em vários outros casos vemos diálogos “virtuais”, discursos que,

em-bora formalmente monólogos, estão “dialogando”, interagindo ou tendo em conta outras “entidades” – que podem ser textos ou memórias (cf. Mannheim e van Vleet), deidades ou espíritos (cf. Haviland; Monod-Becquelin), auditó-rios (discursos políticos, cf. Cuturi).

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quem dialoga com quem.Por esta razão, uma das ferramentas analíticas da lin-güística de mais bem-sucedida aplica-ção no livro é a das marcas de indexi-calidade: os índices (morfemas, gramá-tica, léxico) que permitem identificar os mundos que o diálogo põe em movi-mento. Por isso, Descola pode tratar um dicionário espanhol-shuar como um diálogo (de visões de mundo); Erikson, ler nas saudações chacobo as tensões entre o mundo doméstico e o da flores-ta, os vivos e os mortos; Lizot, ver nos diálogos yanomami uma imensa alego-ria que não transmite nada; Journet, re-conhecer nos diálogos cantados por ho-mens e mulheres curripaco ao repartir masato as tensões entre os sexos e o de-safio secreto nas relações entre afins. c) Solidariedade/hierarquia (assime-tria): Greg Urban escreveu que os diá-logos cerimoniais são empregados “em situações onde a coesão social está em questão, isto é, em interações que en-volvem participantes maximamente dis-tantes em termos sociais” (citado por Vapnarsky, p. 431, entre outros autores do volume). A negociação das diferen-ças e a produção da solidariedade é um aspecto crucial do diálogo. A agonística parece ser a modalidade mais caracte-rística daqueles aqui exemplificados: tensão entre grupos afins, humanidade vs. natureza, curandeiros vs. espíritos, rivalidades, competições etc. Mas onde a função do diálogo deixa mais clara-mente de ser a afirmação da solidarie-dade para estabelecer ou reafirmar a hierarquia, é no que o livro denomina “diálogos interculturais” (partes II e III). Poderiam ser mais bem chamados diálogos “assimétricos”. Na maioria dos exemplos, a assimetria é a favor dos não-índios; apenas em um caso, no teatro indígena da morte de Atahualpa (Husson), ela pende a favor dos Incas. Há diálogos “de surdos” (Dehouve);

diálogos com ninguém, como os cate-cismos de perguntas e respostas anali-sados por Hanks; diálogos intergeracio-nais entre um padre shuar e seu filho (Gnerre); diálogos carregados de ten-são e ocultamento, como a própria rela-ção da antropóloga Petrich com seu in-formante maya; e, enfim, diálogos entre léxicos, um diálogo de fantasmas (Des-cola).

Desses temas trata o livro. Os arti-gos estão escritos em tons bem distintos e em três idiomas (espanhol, francês e inglês), mas todos incluem textos nas línguas originais com tradução (em al-guns casos, interlinear). Doze dos auto-res são franceses, quatro norte-ameri-canos, três italianos (uma radicada no Brasil) e uma argentina. É um livro den-so e rico – cobrindo Meden-soamérica (Zina-canteca, Huave, Maya-yucateca, Txel-tal, México colonial), a zona andina (Quechuas da Bolívia e do Peru), Ama-zônia ocidental (Yanomami, Curripaco, Shuar, Matis, Kaxinawa, Chacobo, Wi-chi) e central (Kalapalo e Kuikuru) – que demonstra o imenso potencial da Ame-ríndia, e em particular da Amazônia, para o entendimento da comunicação humana.

THOMAZ DE ALMEIDA, Rubem Ferrei-ra. 2001. Do Desenvolvimento Comuni-tário à Mobilização Política: O Projeto Kaiowa-Ñandeva como Experiência An-tropológica.Rio de Janeiro: Contra Ca-pa Livraria. 226 pp.

Fabio Mura

Doutorando, PPGAS-MN-UFRJ

Do Desenvolvimento Comunitário à Mo-bilização Política é a publicação de par-te substantiva da dissertação de mes-trado apresentada pelo autor ao

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