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O POPULISMO LATINO-AMERICANO EM DISCUSSÃO. O populismo e sua história.

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Academic year: 2021

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Evelyn Grumach ^ C & t f • ? 2,

PROJETO GRÁFICO

Evelyn Grumach e João de Souza Leite

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

P868 ® populismo e sua história: debate e crítica / organização, j Jorge Ferreira. - 2a ed. - Rio de Janeiro: Civilização Brasilei-6 ' ra, 2 0 1 0 .

ISBN 9 7 8 - 8 5 - 2 0 0 - 0 5 7 7 - 4

1. Populismo Brasil. 2. Brasil Política e governo -1930- . I. Ferreira, Jorge.

CDD 3 2 0 . 9 8 1 0 1 - 0 9 6 4 CDU 32(81)

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, armazenamento ou transmissão de partes deste livro, através de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.

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UFRN SISTEMA O S BIBLIOTECAS I N T E G R A D A S 2010070959

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Populismo latino-americano

em discussão

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A redemocratização ocorrida em vários países da América Lati-na após a queda de regimes militares (fiLati-nal da década de 1970 e início de 1980) colocou como problema para essas sociedades a convivência e/ou confronto entre culturas políticas democráti-cas e autoritárias. As dificuldades econômidemocráti-cas e sociais, a enor-me desigualdade na distribuição de renda, os enor-mecanismos de exclusão social e política criavam obstáculos à consolidação da democracia. A conquista dos direitos sociais e da cidadania ple-na implicava a destruição de um legado autoritário que fora reforçado com a introdução de novas formas de controle social a partir de 1930.

A crise do liberalismo e da democracia, após a Primeira Guerra Mundial, abriu caminho para as correntes de pensa-mento antiliberais que defendiam a necessidade da presença de um Estado forte, intervencionista, capaz de promover o progresso dentro da ordem. A Revolução Russa de 1917 pro-duziu o fantasma do comunismo, que circulou pelo mundo todo. Na América Latina, o temor de sublevação das cama-das populares se fez presente desde o processo de Indepen-dência e, no século X X , tornou-se mais agudo a partir da experiência comunista: os setores dominantes aventavam a

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possibilidade de que a "Revolução" encontrasse terreno fér-til nestas plagas. A questão social passou a ser considerada como grande problema a partir dos anos 1920-30, e as cor-rentes nacionalistas de direita, que se fortaleceram em países como Argentina, Brasil e outros, acusavam o liberalismo e a democracia como responsáveis pela desordem e atraso rei-nantes nesta parte do Continente. As idéias liberais, impor-tadas dos Estados Unidos e Europa, eram vistas como inade-quadas à realidade latino-americana. A extrema direita colo-cou-se contra as "oligarquias liberais", tidas como aliadas do imperialismo e incapazes de realizar a independência econô-mica e controlar a ordem social. Nesse contexto, o antili-beralismo ganhou terreno, e a integração política das massas foi indicada como solução capaz de evitar a revolução popu-lar. A extrema direita era favorável a um regime autoritário comandado por um líder forte, capaz de evitar o avanço do comunismo.

Nos anos 1930, as teses favoráveis à construção de um Es-tado com capacidade para planejar/organizar/dirigir o desenvol-vimento econômico e intervir nos conflitos sociais e políticos ganharam terreno, e os regimes fascista italiano e nazista ale-mão passaram a ser indicados como alternativas de sucesso aos regimes liberais em descrédito. Mesmo governantes contrários ao nazi-fascismo procuraram introduzir em seus países um Es-tado forte, promotor da legislação social e mediador dos confli-tos sociais, tendo à sua frente um líder carismático em contato direto com as massas. Alguns regimes da América Latina do pós-30 adotaram essa política, denominada populista por muitos autores.

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O varguismo, o cardenismo e o peronismo, analisados em conjunto ou separadamente, foram considerados como expres-sões mais típicas do populismo. O populismo latino-americano é o tema desta exposição, que pretende discutir duas questões fundamentais:

1) A caracterização dos regimes denominados populistas é alvo de inúmeras polêmicas que persistem até os dias de hoje. Indago em que medida essas experiências que apresentam como traço comum a introdução de uma cultura política baseada na intervenção do Estado e novas formas de controle social podem ser consideradas democráticas porque voltadas para os interes-ses populares ou autoritárias porque introduziram instrumen-tos mais eficazes de controle das classes trabalhadoras. Os estu-dos mais recentes realizaestu-dos no Brasil, México e Argentina so-bre o período demonstram o interesse atual soso-bre o tema. A maioria dos autores justificam essa escolha pela tentativa de compreensão mais apurada do legado populista.

2) O recente debate em torno do populismo é muito rico, porque apresenta uma grande variedade de interpretações. Al-guns autores reafirmam a validade das análises mais tradicio-nais sobre o tema, outros referem-se ao "neopopulismo"1, e

'Alguns autores se referem à emergência do neopopulismo. Zermeno (1989), analisando o caso mexicano, considera que o fenômeno da globalização favo-receu o regresso ao líder e à possibilidade de manipulação da população; Alberti (1995) considera que a fusão entre Estado, sistema político e socieda-de civil numa tendência totalitária socieda-desnaturaliza os três, seja pela repressão do sistema político, seja pela desarticulação da sociedade civil. Isto provoca a progressiva expansão da arena política e a proliferação de rivais pelo poder. Lazarte (1992), analisando o caso boliviano, afirma que o surgimento rápido

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outros, ainda, negam a operacionalidade do conceito. Preten-do, inicialmente, apresentar alguns aspectos desse debate para, a seguir, voltar à primeira questão referente à natureza demo-crática ou autoritária dos regimes denominados populistas.

Dada a amplitude e complexidade deste problema e os limi-tes desta exposição optei por fixar-me nas experiências mexicana e argentina já que os demais artigos da coletânea estarão

anali-de novas lianali-deranças com forte apoio social (sobretudo no setor informal) se explica como uma resposta funcional a determinadas demandas sociais não atendidas, dentre elas as que provêm das falhas no sistema de representação e as de serviço e de bem-estar para uma população afetada profundamente por essa crise. Esses autores chamam a atenção para problemas relacionados com o debilitamento das ordens intermediárias, a lógica antiinstitucional e os pro-blemas da função mediadora dos partidos. Kennet Roberts ("El neoliberalismo y la transformación dei populismo en America Latina. El caso peruano". In Mackinnon, Maria Moira e Petrone, Mario Alberto. Populismo y neopopulismo

en America Latina. El problema de la cenicienta. Buenos Aires, Eudeba, 1998)

acrescenta que, apesar de muitas análises sustentarem a oposição entre populismo e neoliberalismo, porque o primeiro, contrariamente ao primeiro, se associa com políticas estatistas, redistributivistas e com o esbanjamento fiscal, neoliberalismo e populismo têm surpreendentes simetrias e afinidades. Através da apresentação do caso peruano, ele afirma que a emergência de novas formas de populismo pode complementar e reforçar o neoliberalismo em certos contextos, ainda que adote uma forma diferente do populismo clássico de Perón, Vargas e Haya de la Torre. Esta nova variante do populismo (em oposição à forma estatista) está associada à desintegração das formas institucionalizadas de representação política, que ocorre com freqüência du-rante períodos de transtornos sociais e econômicos. Para este autor, o populismo, que deve desvincular-se de qualquer fase do modelo de desenvol-vimento sócio-econômico, é um traço recorrente da política na América Lati-na, atribuível à fragilidade da organização política autônoma entre os setores populares e à debilidade das instituições intermediárias que articulam e cana-lizam as demandas sociais dentro da arena política. Roberts afirma que, em última instância, os dois fenômenos — populismo e neoliberalismo — se reforçam mutuamente.

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sando aspectos do "populismo" brasileiro. Cabe esclarecer, tam-bém, que pretendo restringir a discussão a um problema de gran-de relevância em torno do qual há muitas divergências que se estendem até os dias de hoje: as relações do cardenismo e peronismo com as classes trabalhadoras. Esta questão apresenta elementos importantes para a abordagem da problemática cen-tral do artigo, ou seja, a natureza democrática ou autoritária des-ses regimes. E evidente que uma análise mais apurada deste tema envolveria uma abordagem mais ampla e aprofundada das socie-dades em foco. Mas o objetivo do texto que apresento aos leito-res é bem mais modesto e pretende apenas indicar a posição de alguns autores que têm participado do debate atual.

A grande maioria das referências de autores aqui invocados foi retirada de uma coletânea recentemente organizada por Ma-ria Moira Machinnon e Mario Alberto Petrone sobre Populismo

e neopopulismo en América Latina. El problema de la cinicienta.1

Considero que os leitores brasileiros se beneficiarão do trabalho realizado por esses autores argentinos, que prestaram valiosa con-tribuição para a retomada da discussão sobre o tema.

AS INTERPRETAÇÕES SOBRE O POPULISMO NA AMÉRICA LATINA: A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO

O Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino apresenta um verbete sobre Populismo. O texto indica que as definições de populismo

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são imprecisas, ambíguas, e que os modelos e tipologias são con-fusos e contraditórios. Além disso, o termo se presta à denomi-nação de fenômenos históricos muito diversos, perdendo, em decorrência disso, sua força explicativa.

Os críticos do conceito salientam a imprecisão do vocábulo e a multiplicidade heterogênea de fenômenos que ele abarca. Consi-dero que os modelos e tipologias construídos por cientistas sociais (sociólogos e cientistas políticos especialmente) para caracterizar o populismo latino-americano trouxeram grande contribuição para o estudo do problema, mas não levaram devidamente em conta as particularidades nacionais nem as especificidades conjunturais. O enfoque genérico impossibilita a recuperação do evento na sua plena historicidade. Mesmo quando analisadas como casos isolados, as grandes sínteses abarcam períodos muito extensos.

Esta última observação é válida, sobretudo, para o caso do Brasil: algumas análises caracterizam o populismo brasileiro como um todo indiferenciado cujos marcos cronológicos situam-se en-tre 1930-1964; outras se referem ao populismo varguista (1930-54); outras ainda consideram que apenas o segundo período Vargas (1951-54) pode ser definido como populista; há também as que periodizam o populismo brasileiro entre 1945-54. A periodização no caso do cardenismo e do peronismo é mais pre-cisa: a primeira (1934-1940), corresponde ao período em que Lázaro Cárdenas ocupou a presidência do México, e a segunda (1946-1955) corresponde aos dois mandatos presidenciais de Juan

Domingo Perón, o último interrompido com sua queda em 1955.3

3Muitos autores apresentam, além dos casos "clássicos" já mencionados, uma

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A ampla lista de líderes, movimentos e governos definidos como populistas, ou a divisão do populismo por tempos dis-tintos, permite constatar como é problemática a aplicação desse

(1952-56) e Hernán Siles Zuazo (1956-60) na Bolívia; José Maria Velasco Ibarra ( 1 9 3 4 - 3 5 / 1 9 4 4 - 4 7 / 1 9 5 2 - 5 6 / 1 9 6 1 e 1968-72) no Equador; Arevalo (1944-50) e Arbenz (1950-54) na Guatemala; Ibanez (1927-31) no Chile; Rojas Pinilla (1953-57) na Colômbia; Belaunde Terry (1962-68) no Peru; Bosch (1962-63) na República Dominicana. Também são considerados como populistas alguns movimentos políticos que não chegaram ao poder: aprismo (APRA-Peru, liderado por Victor Raul Haya de la Torre) e gaitanismo (Co-lômbia, liderado por Jorge E. Gaitán). Nos últimos anos esse elenco foi am-pliado com as propostas de caracterização do neopopulismo a partir de per-sonalidades políticas como Fujimori no Peru, Menen na Argentina, Fernando Collor de Mello no Brasil e Cuauhtémoc Cárdenas (filho de Lázaro Cárdenas) no México. Paul D. Drake sugeriu a seguinte classificação do populismo: "precoce", "clássico" e "tardio". Na categoria de populismo precoce ou libe-ral, situa governantes como Yrigiyen na Argentina e Alessandri no Chile, que limitaram suas promessas reformistas à democratização legalista destinada às maiorias alfabetizadas. Os populistas clássicos, que, segundo o autor, apare-ceram durante os anos 30 e 40, eram líderes como Haya de la Torre, Grove, Cárdenas, Betancourt, Gaitán e Perón. Eles mobilizaram amplos setores das massas urbanas através de programas animados por certos slogans e idéias socialistas, prometeram medidas de bem-estar e crescimento industrial prote-gido. Nos anos 5 0 / 6 0 as perspectivas do populismo policlassista declinaram, mas importantes populistas continuaram aparecendo em cena, como Paz Estensoro na Bolívia, Vargas, Quadros, Brizola e Goulart no Brasil, Ibánez no Chile e Velasco Ibarra no Equador. Eles enfrentaram graves crises econômi-cas. Já os populistas tardios nos anos 70 incluem Echeverria no México e Perón na Argentina. Foi muito difícil para eles revitalizar as alianças e progra-mas populistas das épocas anteriores, porque as elites perceberam que o pre-ço da inclusão das massas (aumento de salários, inflação, transferências de recursos, além dos fantasmas de Cuba e Chile) agora parecia ser maior do que os riscos de uma exclusão social forçada. Em conseqüência, até meados de 1970, sob severas pressões econômicas e sociais, as forças armadas proscre-veram o populismo na maioria dos países da América Latina. (Drake, Paul. "Conclusion réquien for populism?" In Michael Connif (org.). Latin American

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conceito para situações históricas bem diversas. Dos anos 20 aos 70, a conjuntura latino-americana passou por transforma-ções significativas que não se reduzem às questões indicadas para classificar os três momentos. Além disso, os problemas

populism in comparative perspective. Albuquerque, New México University

Press,1982, apud Mackinnon e Petrone. Op. cit., pp.21-3.) Com relação ao "populismo clássico", há um elenco muito grande de interpretações, que os autores ordenaram em quatro grupos: 1) a interpretação que tem como chave de explicação o processo de modernização, tributária do funcionalismo, que pensa o populismo como fenômeno típico dos países "subdesenvolvidos" em transição da sociedade tradicional para a moderna (Gino Germani, T. Di Telia, S. Stein). 2) interpretação histórico-estrutural, que vincula o populismo ao estágio de desenvolvimento do capitalismo latino-americano surgido com a crise do modelo agroexportador e do estado oligárquico. Os autores desta-cam o rol interventor do estado. Com diferentes ênfase, agrupam-se nesse bloco autores como Cardoso e Faletto (teoria da dependência), Murmis, Portantiero, Weffort e Torre (crise de hegemonia), e Touraine (política desin-tegração nacional). 3) o grupo dos conjunturalistas (Adelman, 1992, James, French, Doyon, Horowitz, Matsushita, Tamarin, Bóris Fausto, Murilo de Carvalho), também heterogêneo como o segundo, caracteriza-se pelos estu-dos monográficos. Questionam as explicações que remetem as origens do populismo ao passado pré-populista da América Latina, mas há distintas cor-rentes nesse grupo, como, por exemplo, a de Daniel James, que destaca a cultura social e política da classe trabalhadora, a constituição dos sujeitos e os sentidos que têm para os atores sociais as experiências vividas, e a de John D. French, que centra seu estudo na complexa rede de alianças relacionada com processos sócio-econômicos que criaram distintas dinâmicas e possibili-dades de alianças entre as classes. 4) compreende as análises que enfocam a especificidade do populismo no plano do discurso ideológico (Laclau, e Ipola, Taguieff, Worsley). Enquanto Laclau sustenta que o que transforma um dis-curso ideológico em populista é a articulação das interpelações popular-de-mocráticas como conjunto sintético-antagônico em relação à ideologia domi-nante, e que existe uma relação de continuidade entre populismo e socialis-mo, De Ipola e Portantiero argumentam, a partir de uma noção gramsciana de construção de uma vontade nacional e popular, que a relação entre socia-lismo e popusocia-lismo significa, sobretudo, uma ruptura.

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enfrentados pelo conjunto dos países encontraram soluções similares, mas também específicas, que dificultam a aproxima-ção de certos casos. Agrupar os diferentes personagens e mo-vimentos e defini-los a partir de um mesmo conceito implica a homogeneização de políticas muito distintas, como, por exem-plo, a de Vargas no Brasil, Cárdenas no México e Perón na Argentina.

Seria impossível apontar, nos limites deste texto, as diferen-ças existentes entre os casos mencionados (alguns deles são tão díspares, que seria difícil encontrar aspectos comuns) para ques-tionar a validade ou não do uso do conceito de populismo. Pre-tendo apresentar essa discussão a partir de um outro caminho, ou seja, o posicionamento de autores que, no passado e no pre-sente, alimentam a polêmica em torno do tema.

A publicação da coletânea referida linhas atrás demonstra bem o interesse atual sobre a questão. O subtítulo, "el problema de la cenicienta", é significativo e está associado a uma expres-são com a qual o Prof. Isaah Berlin (em conferência pronuncia-da em Londres, em 1967) batizou o populismo: "o complexo de borralheira". Na apresentação da obra, os autores invertem as palavras, colocando a indagação: "Uma borralheira sem com-plexo"? Pretendem mostrar que, diferentemente do conto po-pular, a busca do príncipe não terminou ainda, e provavelmen-te muito provavelmen-tempo passará anprovavelmen-tes que isso ocorra.

Mackinnon e Petrone apresentam, como introdução ao li-vro, um panorama da literatura geral sobre o tema e identifi-cam alguns eixos de análise, colocando problemas epistemoló-gicos da construção do conceito para sua discussão e debate. Vários autores de diferentes nacionalidades apresentaram

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arti-gos sobre o assunto. Meu interesse está voltado para aqueles que abordaram problemáticas relacionadas ao cardenismo e ao peronismo.

Antes, porém, de abordar a primeira questão proposta no início, considero oportuno recuperar alguns elementos das in-terpretações mais conhecidas e consagradas em torno do populismo, para, a seguir, indicar as análises sobre as referidas experiências numa perspectiva histórica.

Além das críticas relacionadas à imprecisão do termo e à multiplicidade heterogênea de fenômenos que ele abarca, ques-tionam-se as teorias que serviram de base à construção do con-ceito.

A teoria da modernização do sociólogo argentino Gino Ger-mani, que fundamenta a reflexão do autor sobre o populismo (peronista), teve enorme repercussão na América Latina, além de ter servido como referência às interpretações do italiano Renzo de Felice sobre o fascismo.

Na perspectiva da sociologia da modernização, o po-pulismo foi caracterizado como um momento de transição de uma sociedade tradicional para a moderna (o que implica um deslocamento do campo para a cidade, do agrário para o industrial). No que se refere ao político, a teoria explica o populismo como uma etapa do desenvolvimento de socieda-des latino-americanas que não conseguiram consolidar uma organização e ideologia autônomas. A ideologia de classes deveria substituir a ideologia populista quando o desenvol-vimento capitalista tivesse se completado na região. A política populista (mescla de valores tradicionais e modernos) correspondia ao momento de transição da sociedade

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tradici-onal para a moderna. Nesse sentido, o populismo foi visto como etapa necessária de passagem para uma sociedade de-senvolvida e democrática.

Guita Grin Debert, em sua análise sobre o discurso populista no Brasil, questiona a teoria da modernização em seus pressu-postos fundamentais. Segundo a autora, Germani concebe o sis-tema social como algo que se apresenta em equilíbrio estável e explica as transformações sociais como resultados dos efeitos acumulados de suas disfunções. Nessa perspectiva, o conflito de classes surge como resultado de disfunções do sistema e não como chave para a compreensão dos processos de mudanças sociais e políticas; ao explicar a participação das classes popula-res a partir de razões psicossociais provocadas pelo processo de mudança (transição do tradicional para o moderno), elas apare-cem como conseqüência e não como agentes do processo histó-rico.4

As teses do Partido Comunista sobre o período não se identificavam com o modelo funcionalista de Germani, mas a perspectiva evolucionista e etapista que caracterizava o marxismo da Internacional Comunista no período conduziu à interpretação do populismo como um momento de transi-ção que possibilitaria a superatransi-ção do atraso e afirmatransi-ção do capitalismo, considerado como fase necessária à passagem para o socialismo.

O capitalismo constitui referencial de análise nessas inter-pretações, mas a distinção proposta entre países "atrasados" e

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"países desenvolvidos" indica uma relação de exterioridade en-tre esses dois mundos. Dessa forma, o sistema capitalista é visto de forma desintegrada pela dissociação das partes em relação ao todo. A sociedade capitalista "moderna", apresentada como modelo a ser seguido pelas sociedades "tradicionais", e a divi-são entre as duas partes indicam o lugar onde se localiza o mo-delo ou caminho a ser seguido pela história na sua evolução por etapas. Essa concepção progressista foi questionada nas revi-sões sobre o período.

Numa perspectiva diversa da anterior, que entende o capi-talismo em termos de totalidade não dissociada, é possível pen-sar o mundo capitalista se reproduzindo contraditoriamente no tempo e no espaço. Considerando o "moderno" e o "tradicio-nal" como partes constitutivas de um mesmo todo onde elas se integram de forma contraditória, o período pode ser entendido como um momento específico da conjuntura histórica mundial (o período entre guerras) em que novas formas de controle so-cial foram engendradas com vistas à preservação da ordem ameaçada por conflitos sociais. Num movimento simultâneo e internacional, as sociedades européias e americanas buscaram soluções específicas, adequadas a suas realidades históricas.

Partindo do princípio de que as diferentes realidades não se mantêm isoladas, havendo entre elas um movimento constante de circulação de mercadorias, experiências e idéias, cabe inda-gar de que forma as experiências externas foram interpretadas e reproduzidas em países da América Latina.

Ao se colocar essa problemática da relação entre o todo e as partes, podemos propor um outro caminho para a compreen-são dos chamados regimes populistas que transite entre o geral

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e o particular, buscando entender as conexões e contradições ocorridas nesse percurso histórico. Constata-se, no entanto, que a maioria das análises sobre o populismo, das tradicionais às atuais, divide-se em dois grupos: a dos generalistas e a dos particularistas. Dos dois lados, nota-se uma dificuldade de integração entre o geral e o particular.

A propósito desta questão, Mackinnon e Petrone apresentam a seguinte questão: o assim chamado "populismo" é um fenôme-no histórico singular que se manifesta num tempo e espaço de-terminados que representam uma etapa particular do desenvol-vimento de uma sociedade? ou é uma categoria analítica que pode se aplicar a um fenômeno "populista" mais amplo que se mani-festa em diferentes sociedades e épocas? ou é um fenômeno his-tórico e uma categoria analítica ao mesmo tempo?

Citando A. J. Hexter, que identifica duas grandes tendências nas análises dos historiadores em relação ao problema, os autores referem-se a um grupo que tende a agregar os fenômenos e outro que procura singularizá-los. Os primeiros buscam um elo comum entre fenômenos aparentemente diversos e ordenam os casos particulares dentro de categorias mais amplas, e os segundos ten-dem a detectar as diferenças, os contrastes, os atributos singula-res entre fenômenos aparentemente similasingula-res. Um dos perigos desta última tendência é atomizar os processos históricos, tor-nando-os fragmentados e contingentes, impedindo a captação de seu sentido e direção mais amplos; o perigo da primeira é a pos-sibilidade de distorcer a informação empírica para forçá-la a en-caixar-se nas suas categorias de sua análise conceituai.5

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Em relação a esses dois tipos de historiadores, Mackinnon e Petrone afirmam que os agrupadores tendem a estar de acordo com a necessidade de construção de tipos ideais e da busca de configuração de regularidades causais capazes de dar conta de certos processos históricos importantes para evitar os extremos da particularização versus universalização. Por outro lado, os singularizadores, que valorizam e realçam os contrastes, os atri-butos singulares e defendem a idéia da desconstrução dos concei-tos e aprofundamento das investigações empíricas para evitar o perigo de simplificação da realidade e de reificação dos padrões e dicotomias, tendem a argumentar a favor do populismo como

fenômeno histórico, espacial e temporalmente delimitado.6

6Op. cit., p. 43. Essas diferenças de perspectiva epistemológica estão

presen-tes nos debapresen-tes entre os autores que consideram o conceito de populismo como tipo ideal impróprio para pensar certos fenômenos e processos históri-cos da América Latina, e aqueles que consideram possível e recomendável conformar um modelo teórico geral e contrastá-lo com os casos concretos. Ian Roxborough ("The analisys of labour movements in Latin America: typologies and theories", In Bulletin of Latina America Research, vol. 1, n° 1, outubro, 1981) manifesta-se contrário ao uso do conceito de populismo, por considerá-lo inadequado para a realidade econômica, social e política que o conceito pretende ordenar e explicar. Manifesta-se, também, contra a cons-trução de modelos e tipos ideais ante o perigo de simplificação da realidade e de reificação dos padrões e dicotomias que, com freqüência, implicam. Margaret Canovam (Populism. Nova York e Londres, Harcour Brace Jovanovich, 1981) também afirma que não se podem reduzir todos os casos de populismo a uma simples definição nem encontrar uma só essência por trás de todos os usos do termo. Ele é usado para descrever tantas coisas, que alguém pode perguntar se tem algum significado. N o entanto, não sugere o abandono do conceito, mas seu uso definido com maior precisão. De la Torre critica os que propõem a eliminação do uso do conceito e afirma que, para além do mau uso e abusos do termo, vale a pena preservá-lo e redefini-lo. Mackinnon e Petrone. Op. cit., pp. 41-2.

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Como se pode notar, a construção do conceito de populismo passou por inúmeras e divergentes formulações, além das dis-cussões em torno da sua operacionalidade ou não. Nos últimos tempos, o termo populismo deslizou do campo acadêmico para o terreno político, apresentando, então, conotação dicotômica e maniqueísta. Dessa forma, ganha sentido positivo ou pejorati-vo, dependendo do grupo que o mobiliza no debate público. Usado como arma de luta a favor do neoliberalismo, o ataque ao populismo contribuiu para a construção de imaginários po-líticos que serviam aos interesses de novos grupos de poder. O populismo tornou-se símbolo das forças responsáveis pelo atra-so, contrastando com a modernização apregoada pelos defen-sores de uma concepção de Estado de caráter neoliberal. Nessa luta de imagens, os opositores do chamado neoliberalismo ten-dem a recuperar o populismo como experiência positiva, genui-namente democrática e popular. As invocações do populismo e neoliberalismo produzidas no calor da hora e no interior da luta política, como diz Francisco C. Falcon a propósito do fas-cismo, são eficazes para a prática político-ideológica, mas de pequena ou nenhuma valia para o conhecimento intelectual.

As análises que, nas últimas décadas, retomaram o estudo do chamado populismo estão trilhando um caminho inverso ao percorrido na elaboração das interpretações generalizantes: pri-vilegiam as particularidades nacionais e os recortes mais especí-ficos, sem, contudo, perder de vista a totalidade na qual se inse-rem. A reconstituição histórica em perspectiva comparada de vários "populismos" pode contribuir para a compreensão dos aspectos comuns, bem como das especificidades. Esta aborda-gem, a meu ver, não deve prescindir da interpretação teórica,

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pois não se trata da mera descrição das experiências pesquisadas, mas de sua compreensão num sentido mais verticalizado.

O autor argentino Alberto Ciria, referindo-se à conceituação do peronismo como populismo, afirma que o termo populismo foi utilizado para definir distintas tendências políticas no espa-ço e no tempo. Faz um balanespa-ço das interpretações que se vale-ram desse conceito para estudar as realidades latino-america-nos e conclui que, antes de submeter o peronismo e outros po-pulismos em marcos teóricos demasiadamente abstratos, seria necessário aprofundar a análise dos casos específicos.7 Para ele,

as comparações entre as diferentes experiências indicam um caminho frutífero de análise.8 Esta é a proposta a ser explorada,

ainda que de forma restrita, na segunda parte deste texto.

O POPULISMO NO CONTEXTO HISTÓRICO: CARDENISMO E PERONISMO

O método explicativo mais amplo e genérico, como já foi dito antes, não permite a colocação de questões específicas sobre o cardenismo e o peronismo; corre-se, então, o risco de estabelecer, ainda que de forma implícita, comparações que não se sustentam a partir de uma análise mais detalhada desses fenômenos. E o que pretendo apresentar como pro-blema aos leitores.

7AIberto Ciria. Política y cultura popular. La Argentina peronista. 1946-1955.

Buenos Aires, Ed. de la Flor, 1983, p. 52.

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A discussão sobre o cardenismo e peronismo tem, portanto, o objetivo de indicar pontos problemáticos das análises generalizantes. Parto do princípio de que, embora tenha havido questões comuns a serem resolvidas pelas sociedades mexicana e argentina nos referidos períodos (1934-40 e 1946-55), essas experiências, quando analisadas a partir do conceito genérico de populismo, deixam na sombra elementos que as diferenciam profundamente.

Um dos aspectos apontados pelos modelos e tipologias construídos para caracterizar o populismo diz respeito aos mo-vimentos sociais e políticos entendidos como reflexos mecâni-cos e imediatos de variáveis sócio-econômicas. Nessa perspecti-va, explica-se o comportamento político das classes a partir de determinantes estruturais (processo de industrialização, origem rural da classe trabalhadora). A adesão das classes trabalhado-ras ao populismo é interpretada a partir da estrutura social.

Na década de 1980, passaram a ser questionadas as teses que apontavam para a fragilidade e inconsciência das classes trabalhadoras. Tomando como ponto central de análise a rela-ção do cardenismo e peronismo com as classes trabalhadoras, pretendo indicar a posição de alguns autores sobre esta ques-tão, que é fundamental para a compreensão desses regimes.

Ian Roxborough questiona o conceito de populismo para explicar o cardenismo e peronismo nos seguintes termos: para se demonstrar que esta definição (populismo) tem alguma utili-dade, caberia levar em conta que estamos analisando situações onde as classes e estratos subordinados são incorporados à coa-lizão populista de forma heterônoma. Se este não é o caso, ar-gumenta o autor, então o que existe são alianças de classe mais

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do que populismo. A evidência disponível sugere que tanto Perón como Cárdenas foram apoiados por instituições autônomas da classe operária, ou seja, sindicatos relativamente independen-tes. Portanto, estes movimentos podem ser analisados em ter-mos de alianças mais ou menos explícitas e deliberadas entre a classe trabalhadora e indivíduos que detêm o poder do Estado. Para explicar estas realidades, ele afirma que não seria necessá-ria nenhuma referência ao conceito de populismo, pois ele não agregaria nada à análise. O autor argumenta que somente num momento posterior os sindicatos perdem autonomia e a classe trabalhadora se subordina ao Estado. Afirma que, a partir de uma análise empírica, é possível demonstrar que nem o primei-ro peprimei-ronismo nem o governo Cárdenas se adequam à definição clássica de populismo, na qual as noções de classe mobilizável e classe trabalhadora heterônoma são cruciais.9

Segundo o autor, seria possível compreender melhor os go-vernos Cárdenas e Perón estudando as relações entre a classe trabalhadora, o Estado e as classes dominantes.

a) classe trabalhadora e peronismo

No que se refere à situação da classe trabalhadora argenti-na, cabe esclarecer que, depois da crise de 29, a produção

in-9Vargas tampouco seria populista, segundo o autor, porque não apelava ao

povo e porque mantinha um regime conservador, autoritário e desmobilizador. Somente depois de 1945, com o advento da política eleitoral, é que Vargas apelou de forma mais sistemática ao povo. O autor indaga: "Quanta falta de nitidez com relação aos limites de um paradigma é suficiente para justificar seu abandono?" Veja Ian Roxborough, apud Macckinnon e Petrone. Op. cit. pp. 40-1.

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dustrial cresceu na Argentina. Entre 1930-35 e 1945-49, essa produção mais do que duplicou, e as importações de produtos industrializados caíram de uma quarta parte do produto inter-no bruto, em 1925-30, para 6 % entre 1940/44. O número de operários duplicou entre 1935 e 1946. Os sindicatos, em 1943, representavam 2 0 % dos trabalhadores urbanos; os comunistas tinham algum êxito entre os setores de construção e alimenta-ção. Em 1948, a taxa de sindicalização havia subido para 30,5%, e, em 1954, para 42%. Entre 1946 e 1951, o número de sindi-calizados passou de 520.000 para 2.334.000. Esses números são muito significativos para a compreensão da política peronista.

Juan Domingo Perón, na Secretaria do Trabalho e Previdência, entre 1943 e 1945, e depois na presidência da República, entre 1946-1955, estimulou a organização sindical: em outubro de 1945, foi decretada a Lei das Associações Profissionais, que propunha a sindicalização em novos moldes, baseando-se na unidade de ativi-dade econômica e não no ofício ou empresa particular. Cada setor tinha apenas um sindicato de reconhecimento oficial, que lhe per-mitia negociar com os patrões dessa atividade, e estes estavam obri-gados, por lei, a negociar com o sindicato reconhecido. Havia os ramos locais, as federações nacionais e a central única CGT. O Estado articulava e supervisionava essa estrutura, e o Ministério do Trabalho outorgava os reconhecimentos. Nessa estrutura cen-tralizada e unificada, os funcionários sindicais tinham proteção do Estado, direito à negociação, e os trabalhadores tinham a garantia da aplicação das leis sociais e planos de bem-estar social oferecidos pela Fundação Eva Perón e outros organismos.

A condição econômica do país era muito favorável no perío-do, o que permitiu significativa melhoria no nível de vida dos

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seto-res populaseto-res. Entre 1946 e 1949, os salários reais dos trabalhado-res industriais ctrabalhado-resceram 53%. A contrapartida dessa mudança fo-ram a gradual subordinação dos sindicatos ao Estado e o impedi-mento de todas as formas de oposição dentro ou fora do peronismo.

Nesse contexto, é de se supor que a adesão dos trabalhado-res ao peronismo se explica a partir dos benefícios materiais. No entanto, como indicam alguns autores, dentre eles Gareth Stedman Jones, um movimento político não significa simples-mente manifestação de miséria e dor; sua existência se caracte-riza por uma convicção, comum a muitos, que articula solução política da miséria e diagnóstico político de suas causas. Nesta perspectiva, é importante pensar no atrativo político e ideoló-gico de Perón a partir da análise da natureza do seu discurso e compará-lo com o de outras lideranças que disputavam a ade-são da classe trabalhadora. Referindo-se à credibilidade do dis-curso, o autor argumenta que um vocabulário político particu-lar deve propor uma alternativa geral capaz de inspirar uma esperança em algo que seja possível de se realizar e propor, ao mesmo tempo, os meios para realizar as promessas: o vocabulá-rio peronista era visionávocabulá-rio e crível, porque continha propostas de alcance imediato. Os temas prosaicos do dia-a-dia, a lingua-gem simples e direta eram facilmente captados pelas "massas". Perón reconhecia a desigualdade social como algo natural, mas propunha melhoras. Esse realismo conseguia maior credibilidade do que as insígnias abstratas dos socialistas e comunistas.10

Carlos de la Torre também aborda a relação dos

trabalhado-10Gareth Stedman Jones. Languages of class: studies in English working class

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res com o peronismo e diverge das análises anteriores, sobretu-do no que se refere à relação entre os líderes e as classes traba-lhadoras. Para ele, o desafio central desses estudos reside em explicar o poder de convocatória dos líderes para seus seguido-res, sem reduzir o comportamento destes últimos seja, à mani-pulação ou à ação irracional ou anêmica, seja a um racionalismo utilitário que supostamente tudo explica. Ele valoriza, sobretu-do, o enfoque de Daniel James, que, embora reconheça o poder explicativo dos trabalhos que enfatizam a racionalidade instru-mental dos trabalhadores, questiona a validez da visão eco-nomicista da história comum a essas perspectivas.11

"Carlos De la Torre. "The ambiguous meanings of Latin American populism".

In Social Research, vol. 59, n° 2, Summer, 1992, apud Mackinnon e Petrone. Op. cit., p. 42. Retomando a teoria da modernização em relação à

problemá-tica do apoio das classes trabalhadoras aos regimes populistas, constata-se que, segundo seus adeptos, a transição nos países de desenvolvimento tardio, em comparação com o processo europeu, apresenta características particula-res marcadas pela assincronia entre os processos de passagem de um tipo de sociedade para outra. Enquanto na Europa a transição de uma democracia com participação limitada para uma democracia com participação ampliada se fez sem grandes rupturas do ponto de vista político, ocorrendo uma integração das massas através de canais políticos legalizados pelo sistema vi-gente (sindicatos, legislação social, partidos políticos, sufrágio, consumo de massas) capazes de absorver os sucessivos grupos e proporcionar-lhes meios de expressão adequados ao nível econômico, social e político, na América Latina a rápida industrialização, a urbanização e a massiva migração interna, que se acelerou depois de 1930, levaram à precoce intervenção das massas na política, excedendo os canais institucionais existentes, onde os trabalhadores puderam expressar suas demandas crescentes sem valorizar o sistema demo-crático. A mobilização prematura das massas, gerando pressões sobre o apa-relho político, não encontrou amadurecidos os canais de participação políti-ca exigidos, como partidos operários ou liberais. Assim, a integração das massas se deu pela coexistência de traços tradicionais e modernos em sua constitui-ção. Idem, p. 25.

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Vários autores questionaram as explicações de Germani sobre a adesão dos trabalhadores urbanos ao peronismo. Se-gundo o sociólogo, essa adesão se explica pela origem agrária dos operários que migraram do campo para a cidade a partir da crise de 1929; tal fenômeno explicaria a incapacidade polí-tica e falta de consciência de classe desse setor que apoiou Perón. Através de pesquisa empírica sobre a classe operária

argentina no período, Murmis e Portantiero12 enfatizaram a

importância de se levarem em conta os interesses dos traba-lhadores, mostrando que as medidas tomadas por Perón na Secretaria do Trabalho e da Previdência, a partir de 1943, vi-nham ao encontro das reivindicações de grande parte do setor operário, que via no sindicalismo a solução para os problemas da classe. Diferentemente do que indicam as análises de Germani e outros sobre a incapacidade da classe trabalhadora de perceber seus reais interesses e necessidades, os autores afir-mam que a classe operária argentina era organizada, politizada e capaz de fazer escolhas: os setores que apoiaram Perón assim o fizeram por reconhecer afinidade entre suas reivindicações e as realizações do Secretário.

Na década de 80 foram publicados outros trabalhos que ques-tionaram o enfoque "desenvolvimentista", próprio tanto da te-oria da modernização como das correntes de viés marxista que buscaram explicações nas estruturas econômicas e sociais para analisar as origens do populismo.13

12Miguel Murmis e Juan Carlos Portantiero. Estúdios sobre los origines dei

peronismo. Buenos Aires, Siglo XXI, 1971.

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O autor argentino Ricardo Sidicaro estudou a relação entre o peronismo e a classe trabalhadora entre 1943-55,14

abordan-do três problemáticas centrais: as causas pelas quais a classe operária argentina apoiou, antes de 1946, os setores políticos responsáveis pela criação do peronismo; os vínculos mais ge-rais que se estabeleceram entre o Estado e a classe operária en-tre 1946-55, com ênfase na politização dos conflitos sociais, vista como elemento explicativo da continuidade da adesão dessa classe ao governo peronista; as modalidades de relações entre o Estado e as organizações sindicais no período citado. A partir de uma perspectiva teórica que assume o conceito de classe explicitado na obra de E. P. Thompson, The making ofthe English

working class, ele considera a classe social como um ator social integrado às relações sociais e políticas, nas quais realmente participa. Contestando as análises que insistem na eficácia da manipulação do líder populista em relação aos trabalhadores e as que explicam a atuação da classe operária a partir de um tipo de necessidade histórica que transcende suas práticas efetivas, entende essa classe como ator histórico da sociedade de seu tem-po, e não como suposto portador da sociedade futura. Em vez de interpretar seu comportamento a partir de dimensões valorativas que julgam a ação social em termos de processos supostamente desviados com respeito a um dever tido como

1 40 trabalho foi apresentado, inicialmente (1980), como tese de doutorado

na França sob orientação de Alain Touraine, com o título O Estado Peronista. O artigo "Consideraciónes sociológicas sobre las relaciones entre el peronismo y la clase obrera en la Argentina, 1943-1955", segundo o autor, reproduz, com algumas modificações, um dos capítulos da referida tese. In Mackinnon e Petrone. Op. cit., pp. 153-172.

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"normal", apresenta outras razões do apoio da classe operária ao peronismo e indica os limites da adesão. Argumenta que a classe operária, "embora não militasse no interior do sindicato, via nessa instituição um veículo orgânico através do qual podia receber, eventualmente, as orientações. Foi por meio dos sindi-catos que a classe operária realizou suas mobilizações políticas nas distintas situações em que o governo convocava o seu apoio. Foram os sindicatos, e não o peronismo como partido político, que impulsionaram as distintas iniciativas de apoio e defesa ati-va do governo". Na interpretação de Sidicaro, em meados do período peronista, os líderes sindicais, ao mesmo tempo em que perderam sua independência frente ao governo, ganharam au-tonomia com relação a suas bases. A consolidação interna dos aparatos sindicais foi, em parte, o efeito de sua política de boas relações com o governo, o que permitiu o desenvolvimento de suas respectivas infra-estruturas. A consolidação e a legitimação das estruturas sindicais abriram possibilidades de que seus diri-gentes mantivessem suas posições frente a um eventual desloca-mento dos peronistas do controle do Estado, como ocorreu no final do governo de Perón e sua queda.15

É importante frisar que muitos dos estudos que reviram as teses sobre o "populismo clássico" (tanto no Brasil, como na Argentina e no México) incorporaram a perspectiva dos histo-riadores ingleses responsáveis pelas novas interpretações sobre os movimentos sociais, sobretudo no que se refere ao

"Ricardo Sidicaro. "Consideraciónes sociológicas sobre las relaciones entre el peronismo y la clase obrera en Argentina". In Mackinnon e Petrone. Op.

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questionamento da incapacidade da classe trabalhadora de es-colher seu próprio caminho.16

Daniel James também retoma essa problemática do pe-ronismo, repensando o significado das opções dos trabalhado-ras em face do regime. Questionando a teoria funcionalista, que considera o populismo como um fenômeno patológico e disfuncional, resultante do desvio do caminho normal da mo-dernização, analisa o "fenômeno" a partir de uma perspectiva que procura entender as condições subjetivas do movimento social, a constituição dos sujeitos, os sentidos que têm para os atores sociais as experiências vividas. Salienta a necessidade de se estudar a classe operária argentina a partir da ótica dos ato-res envolvidos num processo crucial de participação e atuação no sistema político, momento em que decidem construir suas próprias alternativas.17

Afirma que o movimento peronista redefiniu a noção de cidadania dentro de um contexto mais amplo, essencialmente social. Denunciou a hipocrisia do sistema democrático formal vigente na Argentina nos anos 30 (denominada "década infa-me"), salientando o escasso conteúdo democrático real. O êxi-to de Perón residiu na sua capacidade de refundir o problema da cidadania em geral num novo molde de caráter social. A ên-fase na necessidade de reformas sociais colocava em questão

16Angela Castro Gomes, em suas investigações sobre o trabalhismo no Brasil,

partiu de premissas similares e, a partir de uma análise aprofundada do pro-blema, propôs uma revisão historiográfica sobre o tema que teve enorme repercussão entre os estudiosos do período. As teses sobre o populismo fo-ram postas em xeque pela autora.

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uma democracia que limitava o indivíduo ao usufruto de direi-tos políticos formais. O autor transcreve frases de Perón e de um líder operário para demonstrar essa idéia. Perón disse: "Se alguns pedem a liberdade, nós também a pedimos (...) mas não a liberdade da fraude (...) Nem tampouco a liberdade de vender o país nem de explorar o povo trabalhador." Mariano Tedesco, líder têxtil, afirmou: "A gente de 45 já estava cansada. Durante anos e anos haviam enganado sua fome com canções sobre a liberdade..."18 O autor considera que o peronismo

institucio-nalizou e controlou o desafio representado pelos trabalhado-res ao sistema, absorvendo essa atitude de contestação no seio de uma ortodoxia patrocinada pelo Estado. Perón referia-se ao perigo das massas desorganizadas. Os sindicatos deveriam atuar como instrumentos do Estado, e a harmonização dos interesses entre capital e trabalho deveria ocorrer dentro da estrutura do Estado benévolo, em nome da nação e de seu desenvolvimento econômico. Nesse sentido, declarou: "Bus-camos suprimir a luta de classes suplantando-a por um acordo entre trabalhadores e patrões ao amparo da justiça que emana do Estado."19 Com essa política, o líder teve pleno êxito no

controle das classes trabalhadores, tanto social como politica-mente.

A análise de Daniel James demonstra a convivência contra-ditória de uma política autoritária, que introduziu uma nova forma de controle social e ao mesmo tempo trouxe benefícios reais e ganhos subjetivos aos trabalhadores. Além da melhoria

nApud, idem, p. 31. l9Apud, idem, p. 51.

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das condições de vida, eles foram tratados como cidadãos e su-jeitos de sua própria história ao aparecerem de forma privilegi-ada na configuração dessa política. Neste tipo de interpretação, as explicações para a adesão das classes trabalhadoras ao peronismo se distanciam bastante daquelas propostas pelos modelos de análise sobre o "populismo clássico", que indica-vam a debilidade política e social dos trabalhadores como res-ponsáveis pela possibilidade de sua manipulação por líderes populistas. O apoio dos trabalhadores a Perón é aqui entendido como uma opção da própria classe em função de seus interesses materiais e subjetivos.

b) classe trabalhadora e cardenismo

O cardenismo, também definido como uma experiência tí-pica de "populismo clássico", apresenta alguns aspectos comuns em relação ao peronismo, mas outros que se diferenciam muito da experiência argentina. Tomando novamente como referên-cia central a relação do cardenismo com os trabalhadores, pre-tendo mostrar em que medida o conceito de populismo dá con-ta de explicar a experiência mexicana.

Cabe lembrar, inicialmente, que o México viveu a experiên-cia de uma Revolução que se iniciou em 1910, prolongando-se, enquanto luta armada, até 1917. A consolidação de uma nova política esbarrou em dificuldades distintas e só se concretizou, segundo alguns autores, com o cardenismo. Arnaldo Córdova, um dos principais estudiosos do cardenismo, considera que o governo Cárdenas (1934-40) representou a consolidação dos ideais da revolução, ou seja, a legislação trabalhista e a reforma agrária. Na obra Política de masas dei cardenismo, o autor

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afir-ma que Cárdenas foi, ao mesmo tempo, consciência crítica da revolução iniciada em 1910 e impulsionador das instituições que até hoje regem e definem a vida política do país. Os confli-tos políticos dos anos 20 impediram a concretização das refor-mas indicadas na Constituição de 1917. Cárdenas no poder procurou apaziguar os conflitos religiosos, políticos e sociais que criavam obstáculos à estabilidade política. Segundo o au-tor, que adota o conceito de populismo para explicar o cardenismo, o líder mexicano procurou, como Vargas e poste-riormente Perón, seguir um caminho nem capitalista nem comu-nista, realizando reformas que visavam atender às reivindica-ções de diversos grupos sociais não atendidas pelos vencedores da Revolução.20

Ilán Semo, em "El cardenismo revisitado: a ter cera via y otras utopias inciertas",21 apresenta uma visão bem diversa do

cardenismo. Desenvolve a tese de que Cárdenas teve uma atua-ção ambígua: promoveu liberdades políticas e direitos civis, mas criou as bases sociais e institucionais do autoritarismo presiden-cial no México. Distribuiu terras entre pueblos e "comunida-des" de camponeses marginalizados e criou condições que pos-sibilitaram a concentração de riquezas e de seus produtos em poucas mãos. Ainda que tenha fomentado as organizações de assalariados e operários, não lhes garantiu autonomia política e orgânica. Impulsionou um programa para criar uma "terceira

20Arnaldo Córdova. La politica de masas dei cardenismo. México, Ediciones

Era, 1974.

21Ilán Semo. "El cardernismo revisitado: a tercera via y otras utopias inciertas".

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via" (inspirando-se em Otto Bauer, do Partido Socialista Austrí-aco, e no legado de Jean Jaurès, do Partido Socialista Francês) de desenvolvimento social e político, e concluiu admitindo a corporativização das relações entre Estado e sociedade. Procu-rou fixar uma posição autônoma do país frente às potências estrangeiras, mas acabou se curvando ao predomínio esta-dunidense na economia nacional.

Alguns de seus assessores haviam estudado diretamente com Keynes, outros na Escola de Economia de Harvard, e um com Shumpeter, na Áustria. Mas, para além de todas essas influênci-as da época, destacou-se de seus inspiradores e influênci-assessores pela crítica à propriedade individual. Em seu programa de reformas, pretendeu promover redes sociais e institucionais que permitis-sem transformar o "capitalismo liberal" em um "capitalismo social" baseado em princípios globais de regulação econômica, que significa: conjugar o mundo da tradição com o da técnica, da planificação e do espírito profissional.

O programa de Cárdenas, segundo Ilán Semo, propunha a transformação da natureza social do Estado. Nas esferas econô-mica e educacional, a reforma social do Estado inspirou-se na doutrina da terceira via que previa a transformação do Estado tradicional (liberal) em um Estado regulador da produção e dis-tribuição de riquezas. O líder mexicano defendeu formas não individuais de propriedade, gestionadas por seus membros com ajuda de sistemas regulados de financiamento e distribuição; introduziu uma nova cultura política, que inverteu a ordem li-beral entre o público e o privado, entre o social e o civil, e uma transformação do sistema de representação de interesses no Estado e no governo. Vista por este ângulo, a reforma agrária

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impulsionada entre 1935-39 ganha sentido mais global do que comumente se atribui a ela.22

O autor defende a idéia de que a meta fundamental da reforma agrária era a destruição sistemática, massiva e global da grande propriedade rural; tal propósito estava relacionado com a cultura política da expropriação desenvolvida no de-correr da luta armada de 1910-1917. As expropriações reali-zadas por Emiliano Zapata, em Morelos, e Francisco Múgica, em Tamaulipas, sob perseguição do exército federal, acaba-ram forjando uma das práticas principais que distinguiria a estabilidade política e a fragilidade econômica do "sistema político mexicano". O regime de propriedade se transformou num espaço indefinido sujeito a relações e mudanças de for-ças. A política tomou o lugar da economia, e a gestão da pro-priedade, e não a propriedade em si, colocou-se no centro da

racionalidade econômica.23

A política no campo teve seu correlato na cidade: a reforma industrial. Com a legitimação das redes sindicais e assistência social, a política industrial compartilhou da mesma lógica que a

22Ilán Semo mostra que a reforma agrária não foi realizada da mesma maneira

em toda parte. Tanto em Puebla como em Michoacán, a distribuição se reali-zou sob intervenção da máquina estatal federal; nos dois casos, houve confli-tos de pueblos contra "peões", "peões" contra "peões" e pueblos contra

pueblos, lutando pelas melhores terras. Em outros locais, como Sinaloa, as

repartições se efetuaram sem violência. Como as divisões sob a forma de

ejidos familiares e minifúndios resultou em conflitos graves, a solução foi o "ejido coletivo". Yucatán, Baixa Califórnia, Michoacán e Coahuila foram palco

dessas experiências, que também apresentaram problemas. Em 1938, Cárdenas distribuiu armas a componeses para que defendessem suas posições frente às

guardias blancas. Idem, pp. 231-255. ^Idem, p. 250.

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iniciativa rural: a expropriação. As empresas expropriadas fo-ram destinadas às administrações dos operários (no setor ferro-viário e petroleiro sobretudo). Tanto no setor rural como no urbano, as novas formas de propriedade foram concebidas como partes componentes de uma economia mista. Cárdenas prote-geu e fomentou as empresas privadas que não eram filiais de consórcios estrangeiros.

Os últimos meses de 1938 marcam o declínio dos impulsos da reforma social. Por pressões internas e externas, Cárdenas passou do boicote aos interesses estrangeiros à conciliação. Ao final do governo, os descontentamentos eram múltiplos: cam-poneses que não haviam recebido dotações, operários em desa-cordo com a sindicalização compulsória promovida pela Cen-tral de Trabalhadores Mexicana (CTM), círculos confessionais da classe média urbana.

No que se refere à reforma do Partido Nacional Revolucio-nário, criado na década de 1920, cabe esclarecer que, entre 1935 e 1938, foram constituídas as principais organizações sociais que permitiriam ao poder executivo organizar e dirigir, a partir do centro, a reforma agrária e a reforma industrial. Todas elas — a CTM, os sindicatos nacionais, as ligas agrárias locais, os agrupa-mentos cívico-militares etc. — se originaram e se consolidaram fora do PNR. Sua relação com o regime se dava através de redes do nascente presidencialismo, e não como organizações filiadas ao partido oficial. Cárdenas reservava para si um enorme espaço de manobra frente aos emergentes poderes sociais, espaço esse que aumentou com a separação das organizações operárias das camponesas. A fundação do Partido Revolucionário Mexicano em 1938 pretendeu institucionalizar uma nova forma de

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repre-sentação no Estado, mas seus efeitos foram muito diferentes. Ser-viu para deter os impulsos das reformas sociais através de um grande controle sobre os novos protagonistas sociais: as organi-zações sociais. O partido reformado por Cárdenas legitimou, após sua substituição no poder, uma nascente burocracia política que persiste até os dias atuais. Em 1946, foi criado o Partido Revolu-cionário Institucional, que alterou as bases de sustentação do antigo PRM: em lugar dos quatro setores (camponês, operário, popular e militar), foi criado, tendo como base a Confederação de Organizações Populares, um setor que não existia no anterior ao PRI. Uma elite de políticos que se transformariam em empre-sários através da gestão estatal dominou o Partido desde então. Alan Knight, no artigo "Cardenismo: coloso o catramina",24

coloca outras questões relacionadas às análises sobre o cardenismo. Apresenta, no início, a visão oficial do PRI, que situa Cárdenas dentro do contexto do progresso teleológico da Revolução Mexi-cana e enfatiza a continuidade e as contribuições acumulativas dos sucessivos governos; esta visão enfatiza o caráter democráti-co e popular do cardenismo, e da Revolução na sua totalidade. Segundo o autor, a imagem oposta da visão oficial é a que expres-sam numerosos acadêmicos denominados revisionistas. Também eles enfatizam a continuidade do cardenismo, mas a partir de um ponto de vista crítico. Há dois grupos de revisionistas: o primei-ro, inclinado ao marxismo, conceitualiza a revolução institucional como um motor do desenvolvimento capitalista e da acumula-ção do capital, e nessa perspectiva entende que o regime Cárdenas

24Alan Knight. "Cardenismo: coloso o catramina". In Mackinnon e Petrone.

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não representa uma exceção. Suas políticas serviram para cooptar os movimentos populares a fim de subordiná-los ao Estado e para desenvolver o mercado interno em benefício do capital e da burguesia nacional. A segunda variante das teses revisionistas, que insistem na idéia de continuidade, está centrada no Estado (e pode implicar ou não uma análise de classe). Arnaldo Córdova, situando-se no campo marxista, enfatiza o surgimento do Esta-do; para ele, o cardenismo representa a culminância da revolu-cionária política de massas, a subordinação das classes popula-res ao poderoso Estado revolucionário. Enquanto a primeira perspectiva considera que o Estado atua como o protagonista do capital, as interpretações estatistas supõem que o Estado tem um grau considerável de autonomia frente às forças econômi-cas dominantes.

Em oposição às idéias da continuidade, aparece uma opinião que sustenta o caráter distinto do cardenismo, seu conteúdo ra-dical, suas metas e conquistas transformadoras. Alguns autores (David Raby, Fernando Benitez, Nora Hamilton, Anatol Shulgovski, Tzvi Medin), para os quais o cardenismo é a negação do "callismo", enfatizam a descontinuidade, o radicalismo e a especificidade do cardenismo. Alan Knight afirma identificar-se com a posição dos autores que acentuam o genuíno radicalismo do projeto cardenista. Mas acredita que esse radicalismo deve ser analisado de forma comparativa ao que sucedeu antes e depois no México e também em relação a outros regimes da época.

O autor descarta o uso do conceito de populismo, alegando que englobar Cárdenas com Vargas, Perón e outros pode apre-sentar resultados mais problemáticos do que úteis. Salientando o radicalismo da política de Cárdenas, refere-se à reforma agrária,

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"que foi extensa, rápida e, em certos aspectos, inovadora" (por exemplo, o "ejido coletivo"). Refere-se também ao movimento operário e à indústria, argumentando que o cardenismo favore-ceu a industrialização e o desenvolvimento econômico, mas tam-bém realizou uma intervenção estatal na economia num plano muito maior do que os empresários estavam dispostos a aceitar.25

25O autor afirma que o poderoso grupo de Monterrey via Cárdenas como um

"arauto pró-comunista de um regime socialista" e fez oposição cerrada ao presidente. Esclarece: ainda que a oposição exagerasse nas ameaças represen-tadas pela política cardenista, é fato que o governo fazia uma distinção entre empresas progressistas e parasitárias e as que se negavam a colaborar com o regime e recorriam a greves patronais; estas ficavam sujeitas à expropriação. No que se refere à política trabalhista, Cárdenas necessitava do apoio do movimento operário para enfrentar o "callismo", e nesse campo conseguiu aliados muito fortes. Mas na prática havia problemas nessa aliança, porque as diferenças entre o governo e a CTM eram importantes, sobretudo no que se referia à questão do recrutamento dos camponeses. Mesmo na sua fase mais radical, o governo negou apoio total a grupos como os ferroviários; a partir de 1938, com o início da fase mais moderada, Cárdenas começou a se chocar com os petroleiros, ferroviários e outros trabalhadores. Apesar disso, o autor considera que Cárdenas foi radical (até 1938) quando comparado com os governos anteriores (Calles havia dizimado os ferroviários em 1929) e com o que estava sucedendo em outros lugares durante a década de 30 (Itália, Ale-manha, Argentina). Os capitalistas falavam do "caos comunista", e um ban-queiro norte-americano expressou seu temor em relação às tendências "ultra-socialistas" que solapavam o México. Knight lembra que, ao assumir o gover-no, Cárdenas enfrentou uma "explosão sindical": em um mês, só no Distrito Federal, ocorreram mais de sessenta greves, e durante a metade de 1935 hou-ve 2.295 interrupções de surpresa. Ainda que nos últimos anos do gohou-verno tenha havido diminuição da atividade grevista e da simpatia oficial em rela-ção aos sindicatos, isto não apaziguou os medos dos empresários. Este setor recusava as medidas antiinflacionárias, os contínuos esforços organizativos da CTM e a política de melhoramento das condições do proletariado, consi-derando esta política como unilateral. O compromisso do governo com a educação socialista também despertou muita polêmica e oposição.

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No que se refere à política externa, Cárdenas apresentou resistência ao fascismo, à frente popular, à guerra civil austría-ca, à invasão italiana na Abissínia, à agressão japonesa contra a China, e sobretudo à Guerra Civil Espanhola, recebendo mui-tos refugiados republicanos, festejados como heróis pela esquer-da mexicana.

Ao tratar da questão mais espinhosa no que se refere à cha-mada política populista, Knight coloca a seguinte indagação: a origem da política cardenista foi popular ou elitista? A seguir, destaca quatro pontos sobre a mobilização popular da década de 30: 1) a mobilização popular poderia ter assumido uma for-ma conservadora e católica, dada a importância da oposição católica naquele momento; 2) a mobilização popular, seja de direita ou esquerda, não teve precedentes em termos de magni-tude; 3) o papel do Estado cresceu em importância. As organi-zações populares se converteram num capital importante do regime na construção de um Estado forte e ajudaram o governo a derrubar os caudilhos, a domesticar o Exército, a enfrentar os interesses estrangeiros e a potencializar seu próprio poder. Mas disso não se pode, segundo o autor, deduzir que essas organiza-ções foram dóceis títeres de um regime maquiavélico. Em rela-ção às afirmações de que Cárdenas impôs uma política de cima para baixo, afirma que em alguns pontos isto ocorreu, mas não na maioria dos casos, porque as pressões populares foram deci-sivas em muitas situações. A reforma agrária ocorreu após mui-tos anos de protesto, de repressão, de luta. Se em alguns casos, Cárdenas impulsionou a reforma de cima para baixo, destruin-do as comunidades rurais, isto foi exceção. Na maioria destruin-dos ca-sos, a reforma foi precedida por uma importante luta agrária,

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que o autor menciona em detalhes para confirmar sua afirma-ção. No final do texto, apresenta um certo balanço da política cardenista, concluindo que esse regime produziu mudanças sideráveis: a reforma agrária e a trabalhista (para as quais con-tou com o decisivo apoio popular), a nacionalização da indús-tria petrolífera; a reorganização do partido governante. Mas o resultado final dessas política esteve longe de alcançar as metas buscadas pelos que a idealizaram. Na década de 40, as institui-ções-chaves do cardenismo — o ejido e a escola socialista, a CIN, a CNC e o PRM, o PEMEX (petróleo mexicano) e as ferro-vias estatais — apenas satisfizeram a grande esperança radical da década de 30. O esqueleto institucional do cardenismo per-maneceu, mas sua dinâmica interna se perdeu. Novos conduto-res se apoderaram da catramina, voltaram a ligar o motor, car-regaram novos passageiros e logo a conduziram numa direção bem diferente."26

A extensa exposição de análises sobre o peronismo e cardenismo teve o intuito de mostrar os problemas complexos que envolvem a compreensão dessas políticas. O movimento dinâmico e contraditório que caracteriza a relação das classes trabalhadoras com os referidos regimes pressupõe análise: dos antecedentes históricos de cada um dos regimes; das reivindicações anteriores feitas pelos setores populares, de seus anseios e necessidades; da identificação de correntes políticas diversas existentes entre os trabalhadores, bem como dos conflitos entre os diferentes grupos, movimentos e lideranças que os representavam; da

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amplitude dos conflitos sociais e políticos vividos na sociedade da época; da situação econômica do período; dos objetivos e possibilidades das reformas levadas a cabo pelos governos reformistas e dos obstáculos enfrentados para sua concretização; das diferentes conjunturas internas e externas que se sucederam na vigência desses governos; das alianças realizadas pelos líderes em diferentes momentos; da natureza da relação que conseguem estabelecer com os liderados.

A maioria destas questões foram abordadas, implícita ou explicitamente, pelos autores aqui mencionados, e, pelo expos-to, é possível concluir que o conceito de populismo nos termos em que foi exposto neste texto não possibilita a compreensão da complexa relação das classes trabalhadoras com o cardenismo e peronismo. A indicação de alguns elementos históricos que marcaram essas duas sociedades naquela época serve de pista para se pensar as especificidades. A meu ver, elas são de tal or-dem, que comprometem o uso do mesmo conceito para a com-preensão dos dois fenômenos. Com isso, não pretendo negar a existência de problemas similares enfrentados no México e Ar-gentina. Uma análise comparada dos dois regimes permitiria mostrar as respostas comuns e específicas que foram dadas a questões vividas nesses dois planos.

No que se refere à primeira questão proposta no início, acre-dito que os novos estudos sobre os referidos governos denomi-nados populistas permitem afirmar que um traço comum os caracteriza: a introdução de uma nova cultura política baseada no papel interventor do Estado nas relações sociais, o que re-presentou, ao mesmo tempo, atendimento de reivindicações de natureza social (melhoria salarial, legislação trabalhista,

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