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A tutela externa do crédito através da teoria do terceiro cúmplice e análise de casos julgados

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

LUCAS RAFAEL DE OLIVEIRA

A TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO ATRAVÉS DA TEORIA DO TERCEIRO CÚMPLICE E ANÁLISE DE CASOS JULGADOS

Três Passos (RS) 2020

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LUCAS RAFAEL DE OLIVEIRA

A TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO ATRAVÉS DA TEORIA DO TERCEIRO CÚMPLICE E ANÁLISE DE CASOS JULGADOS

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. DCJS - Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais.

Orientadora: Msc. Lisiane Beatriz Wickert

Ijuí (RS) 2020

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RESUMO:

O presente trabalho explora a teoria do terceiro cúmplice. Teoria que confere

aos contratos à tutela externa do crédito. Tal linha de pensamento surgiu na doutrina e foi reconhecida na jurisprudência pátria. Através de sua aplicação tem-se em vista conferir aos contratos uma eficácia e proteção que excede a esfera inter partes e alcança terceiros que não respeitam o negócio jurídico alheio e acabam por ferir o credor do contrato. Baseia-se a referida teoria na boa-fé contratual, na função social dos contratos e na mitigação do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos. Dirigiu-se esta pesquisa na leitura de artigos científicos, livros, e decisões judiciais, com o intuito de se compreender como se legitima juridicamente esta teoria e como foi sua recepção pelo Poder Judiciário.

Palavras-chave: Contratos. Função social dos contratos. Boa-fé objetiva. Tutela externa do crédito. Teoria do terceiro cúmplice

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ABSTRACT:

This paper explores the theory of the third accomplice, a theory that gives contracts external credit protection. Such a line of thought appeared in the doctrine and was recognized in the domestic jurisprudence. Through its application, the aim is to give contracts an effectiveness and protection that goes beyond the inter-party sphere and reaches third parties that do not respect the legal business of others and end up hurting the contract creditor. This theory is based on contractual good faith, the social function of contracts and the mitigation of the principle of relativity of the effects of contracts. This research was conducted in the reading of scientific articles, books, and judicial decisions, in order to understand how this theory is legally legitimized and how it was received by the Judiciary.

Keywords: Contracts. Social function of contracts. Objective good faith. External credit protection. Third accomplice theory.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 6

1 NEOCONSTITUCIONALISMO E DIREITO PRIVADO: OS IMPACTOS DA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL NO DIREITO CONTRATUAL PÁTRIO ...8

1.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL ...8

1.2 PRINCÍPIOS ORIENTADORES DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 ...11

1.3 UMA BREVE ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE CONTRATO. ...14

1.4 PRINCÍPIOS CONTRATUAIS QUE GERAM A TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO: A BOA FÉ CONTRATUAL, FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS, RELATIVIDADE CONTRATUAL. ...16

2. TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO: A TEORIA DO TERCEIRO CÚMPLICE SUA APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E ANÁLISE DE CASOS JULGADOS. ...21

2.1 A MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE CONTRATUAL: UMA VISÃO POSTERIOR A PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988. ...21

2.2 CONCEITO DE PARTE DE TERCEIRO À LUZ DO CÓDIGO CIVIL. ...24

2.3 TEORIA DO TERCEIRO CÚMPLICE: FUNDAMENTOS EMBASADORES E APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. ...25

2.4 A TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO E SUA APLICABILIDADE: ANÁLISE DE CASOS JULGADOS. ...30 CONCLUSÃO. ...39 REFERÊNCIAS. ...41

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho estuda os impactos que a ordem constitucional derivada da promulgação da Constituição de 1988 trouxe ao Direito Privado. Com a entrada em vigor da nova Constituição o cenário jurídico ficou propício para grandes mudanças no Direito Civil, agora com uma perspectiva mais norteada para o bem social, a ordem privada teve que se adaptar. É o caso dos contratos, com a nova ordem constitucional somada com a publicação de um Código Civil mais moderno e alinhado com a Constituição, criou-se um campo fértil para se ter interpretações a seu respeito. Foi o caso do surgimento da teoria do terceiro cúmplice, que visa a tutela externa do crédito.

No que diz respeito aos contratos, o Código Civil de 2002 trouxe novos princípios norteadores da relação contratual. Estes princípios vieram com o intuito de quebrar a visão patrimonialista absoluta com que eram tratados os vínculos contratuais até então, tentando adequar a legislação privada com a ordem constitucional contemporânea trazida com a promulgação da CF/88. São, principalmente, exemplos desses novos princípios a função social dos contratos (art. 421 CC) e a boa-fé objetiva (art. 422 CC).

Em uma breve síntese, a teoria em questão tem como objetivo estudar a conduta de um terceiro que se associa com a parte devedora de uma obrigação para prejudicar a relação contratual trazendo prejuízos para o credor da obrigação e quais as hipóteses em que o mesmo (o terceiro) pode ser responsabilizado. A Teoria do Terceiro Cúmplice foi criada pela doutrina e cada vez mais está em debate nos Tribunais Nacionais, ocasionando grandes discussões jurisprudenciais e doutrinárias.

A presente pesquisa bibliográfica é alicerçada em livros e artigos, bem como em decisões judiciais, como meio de fundamentar e aprofundar os estudos no campo do Direito Contratual. Assim é salientada a importância da adequação da legislação infraconstitucional à Constituição, bem como a relevância e influência da doutrina e da jurisprudência no ordenamento jurídico brasileiro.

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No primeiro capítulo será aprofundado o cenário jurídico que possibilitou que esta teoria prosperasse em nosso ordenamento legal. Também será abordada a nova interpretação que se confere atualmente ao Direito privado, quais foram os princípios orientadores do Código Civil de 2002 e os princípios contratuais atuais, bem como a evolução do conceito conferido aos contratos.

No segundo capítulo será versado sobre a mitigação do princípio dos efeitos contratuais e sobre os conceitos de parte e de terceiro, bem como se adentrará no estudo da teoria do terceiro cúmplice propriamente dita. Também será feita uma análise de casos julgados que tem por base essa doutrina, a fim de se compreender o tratamento dado pelos julgadores ao referido tema.

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1. NEOCONSTITUCIONALISMO E DIREITO PRIVADO: OS IMPACTOS DA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL NO DIREITO CONTRATUAL PÁTRIO

O neoconstitucionalismo, oriundo da promulgação da Constituição Federal de 1988, trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro uma série de mudanças, dentre elas a maneira com que se opera o Direito Civil. Ocorreu, na verdade a despatrimonialização deste, que agora dá ênfase ao bem-estar coletivo quando entra em choque com os interesses sociais. Houve em consequência disso, uma transformação no direito contratual pátrio para adequá-lo a esta nova realidade social.

Neste capítulo será estudado o impacto causado pela nova ordem constitucional no direito privado pátrio. Emanando da promulgação da Constituição Federal de 1988, as mudanças causadas no direito civil trouxeram uma visão mais social às relações particulares. Como exemplo disso tem-se a inserção dos princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva na espinha dorsal do novo Código Civil de 2002, mostrando a preocupação do legislador de alinhar a legislação privada com o texto constitucional.

1.1 A Constitucionalização do Direito Civil

O Direto é uma ciência que passa por constantes mudanças, sejam elas influenciadas por alterações sociais, políticas, culturais ou religiosas. No caso do ordenamento jurídico brasileiro, a última grande mutação ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que trouxe junto com si um novo e extenso rol de princípios, direitos e garantias constitucionais que influenciaram todos os ramos do direito.

O Direito enquanto ciência, sempre foi dividido em dois ramos tratados como dicotômicos: o Direito Público e o Direito Privado, cada um tendo uma determinada área para regulamentar, ambos não se misturavam e nem se influenciavam significativamente.

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A expansão dos efeitos e das normas constitucionais nos levou ao que hoje chamamos de constitucionalização do direito civil, ou apenas de direito civil constitucional. Este fenômeno jurídico mostra a interação entre a norma civil e a norma constitucional, demonstrando que a legislação privada trabalha nos moldes e premissas constitucionais. Porém, vale ressaltar que não há uma fusão dos diplomas legais. Neste sentido

Deve ser feita a ressalva, que, por tal interação, o Direito Civil não deixará de ser Direito Civil; e o Direito Constitucional não deixará de ser Direito Constitucional. O Direito Civil Constitucional nada mais é do que um novo caminho metodológico, que procura analisar os institutos privados a partir da Constituição, e, eventualmente, os mecanismos constitucionais a partir do Código Civil e da legislação infraconstitucional, em uma análise em mão

dupla. (TARTUCE, 2019, p.52)

A constitucionalização do direito civil passou por três fases distintas até chegar ao que se conhece hoje. Na primeira fase, operava-se o direito constitucional e o direito civil como duas áreas que não se comunicavam, dois mundos distintos, a Constituição era vista como uma Carta Política que regulamentava as relações entre o Estado e os Cidadãos, sua força normativa era quase nula e não usufruía de aplicabilidade direta. Já o Código Civil era fruto da tradição oriunda do direito romano, onde protegia ao máximo os ideais de propriedade e de liberdade de contratar e se aplicava de maneira direta nas relações entre particulares.

A segunda fase, é marcada pela redução da dicotomia entre o direito público e direito privado, a visão patrimonialista pura e de autonomia da vontade absoluta que tomava os códigos civis cai em declínio, através da edição de normas de ordem pública editadas pelo Estado com o intuito de proteger o interesse público inclusive entre as relações particulares. (SWAROWSKI e outros 2014).

Na terceira fase, ocorre a verdadeira ruptura entre o Código Civil e a Constituição, sucede-se a passagem das Constituições para o centro da ordem jurídica, lendo-se o direito privado pela lente constitucional como se esclarece a seguir

Na 3ª fase, da Constitucionalização do Direito Civil, “Ontem os Códigos; hoje as Constituições. A revanche da Grécia contra Roma”. A fase atual é marcada pela passagem da Constituição para o centro do sistema jurídico, de onde passa a atuar como o filtro axiológico pelo qual se deve ler o direito civil. Há regras específicas na Constituição, impondo o fim da supremacia do

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marido no casamento, a plena igualdade entre os filhos, a função social da propriedade. E princípios que se difundem por todo o ordenamento, como a igualdade, a solidariedade social, a razoabilidade. [...] (CEDRO, 2017, P. 97).

Tendo como base o princípio da Supremacia da Constituição, o movimento de constitucionalização do direito civil no Brasil tomou grandes proporções após a promulgação da CF/88, sendo nutrido pelo novo viés de primazia do interesse social trazido com a mesma. Começando na doutrina e sendo posteriormente aceito pela jurisprudência, este movimento encontrou seu ápice com o advento do novo Código Civil em 2002, deixando para trás o já cansado código civil de 1916, e agora inserindo no texto da codificação privada o que já vinha sido consolidado pelos doutrinadores e pelo Poder Judiciário.

Dentro deste tema entra em debate a aplicabilidade dos direitos fundamentais nas relações privadas, surgindo aqui duas correntes doutrinárias, uma que defende a eficácia indireta e mediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, aqui ocorre a aplicação pelo legislador infraconstitucional através de cláusulas de sentido mais amplo. A segunda vertente sustenta a eficácia direta e imediata dos direitos fundamentais nas relações privadas, ocorrendo a ponderação dos princípios constitucionais da autonomia da vontade e da livre iniciativa com outros princípios constitucionais quando estes entrarem em choque nos casos concretos. A segunda vertente é a que predomina no Brasil atualmente, neste sentido

O ponto de vista da aplicabilidade direta e imediata afigura-se mais adequado para a realidade brasileira e tem prevalecido na doutrina. Na ponderação a ser empreendida, como na ponderação em geral, deverão ser levados em conta os elementos do caso concreto. Para esta específica ponderação entre autonomia da vontade versus outro direito fundamental em questão, merecem relevo os seguintes fatores: a) a igualdade ou desigualdade material entre as partes (e.g., se uma multinacional renúncia contratualmente a um direito, tal situação é diversa daquela em que um trabalhador humilde faça o mesmo); b) a manifesta injustiça ou falta de razoabilidade do critério (e.g., escola que não admite filhos de pais divorciados); c) preferência para valores existenciais sobre os patrimoniais; d) risco para a dignidade da pessoa humana (e.g., ninguém pode se sujeitar a sanções corporais). (BARROSO, 2006, p. 14).

Os reflexos mais diretos da constitucionalização do direito privado no ordenamento jurídico pátrio, foi a incorporação dos princípios da função social dos contratos e da boa fé objetiva na espinha dorsal do Código Civil de 2002. O novo código privado a partir de 2002 passou a ter um tom mais amigável com o social, pois

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agora era interpretado a partir da Constituição Federal de 1988. Outro impacto decorrente da nova ordem constitucional foi a relativização do princípio da relatividade contratual, passando este agora de orientador do Código Civil de 1916 para um coadjuvante no atual código privado.

1.2 Princípios Orientadores do Código Civil de 2002

Com o advento da nova ordem constitucional, marcado pela promulgação da Constituição Federal de 1988, tivemos o ser humano e o interesse social centralizados no nosso ordenamento jurídico, evidentemente, uma codificação privada que não se salvaguarda esses dois vultosos bens jurídicos não teria mais espaço no nosso sistema jurídico.

É justamente esta visão que dilapida o já obsoleto Código Civil de 1916 e dá espaço paro o afloramento do atual Código Civil, sendo promulgado, tardiamente, em 2002 após vinte e seis anos de estudos e análises, privilegiando em seu texto o interesse comum, o bem estar humano e social e principalmente, passando de um sistema de cláusulas fechadas que contemplava apenas a letra fria da lei para um sistema aberto e principiológico de cláusulas gerais que visam diminuir as lacunas legais dando ao julgador mais condições de ajustá-lo de maneira mais específica levando em consideração o caso concreto. São princípios elementares norteadores do atual Código Civil: o da sociabilidade, o da eticidade e o da operabilidade.

A sociabilidade é o princípio que marca o contraste entre a legislação de 1916 e a de 2002, é o individualismo dando espaço para o interesse social atuar no centro da codificação privada, nesta senda

O Novo Código Civil procura superar o caráter individualista que imperava na codificação anterior, valorizando a palavra “nós”, em detrimento da palavra “eu”. É traço marcante do Novo Código e divisor de águas entre duas culturas jurídicas: a precedente, individualista e a atual, de cunho predominantemente social. Nesse norte é a norma contida no adrede mencionado artigo 422, que expressamente dispõe: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (NASCIMENTO, 2004, p. 111)

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Tal princípio se encontra dissolvido em vários institutos jurídicos do Código Civil de 2002, não sendo disciplinado em um artigo de lei propriamente dito, mostrando mais uma vez o caráter principiológico do código.

Encontra-se tal o princípio da sociabilidade de maneira evidente no código civil, como se verifica a seguir

A socialidade encontra-se especialmente expressa nos arts. 421 (função social do contrato); 422 (interpretação mais favorável ao aderente nos contratos de adesão), assim como na função social da propriedade (art. 1228, parágrafo 1º) e nas normas referentes à usucapião, reduzindo os prazos estabelecidos pela anciã legislação (art. 1.238, 1.240 e 1.242). (RODRIGUES, 2012, P. 186).

A sociabilidade vem na tentativa de adequar a legislação privada à nova realidade social, pois é evidente que em tempos de mudanças sociais e políticas frenéticas uma legislação proveniente de experiências sociais de 1916 já não cumpria mais seu dever.

Como anteriormente dito, a antiga legislação privada primava pelo tecnicismo jurídico de maneira acentuada, sendo praticamente nulas as possibilidades de o julgador manipular a lei ao caso concreto tentando suprir lacunas legislativas. Para corrigir está falha que afrontava o Código de 1916, desabrocha junto com a atual legislação privada o princípio da eticidade. Neste sentido ensina o próprio Miguel Reale nas suas considerações sobre o novo diploma legal, que era concebido sobre sua orientação:

O Código atual peca por excessivo rigorismo formal, no sentido de que tudo se deve resolver através de preceitos normativos expressos, sendo pouquíssimas as referências à eqüidade, à boa-fé, à justa causa e demais critérios éticos. Esse espírito dogmático-formalista levou um grande mestre do porte de Pontes de Miranda a qualificar a boa-fé e a eqüidade como "abecenrragens jurídicas", entendendo ele que, no Direito Positivo, tudo deve ser resolvido técnica e cientificamente, através de normas expressas, sem apelo a princípios considerados metajurídicos. Não acreditamos na geral plenitude da norma jurídica positiva, sendo preferível, em certos casos, prever o recurso a critérios etico-jurídicos que permita chegar-se à "concreção jurídica", conferindo-se maior poder ao juiz para encontrar-se a solução mais justa ou equitativa. [...] ( REALE, 1998, p. 27).

Conforme Lisia Carla Vieira Rodrigues (2012, p.185), esbarra-se no princípio da eticidade dentro do atual código nos seguintes institutos jurídicos:

A título de exemplo, merecem ser citados o art. 113, que determina que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do

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lugar da sua celebração; o art. 187, que diz cometer ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, e o art. 128, que trata da eficácia da condição resolutiva.

Desse modo passam os julgadores a ter um considerável “espaço em branco” dentro da legislação, podendo adequar a codificação ao caso concreto de maneira a tentar proferir uma decisão que se aproxime muito mais da justiça.

Com o intuito de eliminar contradições e de tornar o atual código mais efetivo em sua aplicação, desenvolve-se a atual legislação privada norteada também pelo princípio da operabilidade.

O objetivo do legislador ao desenvolver o Código Civil de 2002 sobre o prisma deste princípio foi o de torná-lo mais efetivo, aplicável, não apenas por pessoas com capacidade técnica para isso, como Juízes e Advogados, mas também pelas pessoas em geral, pois são estas que o utilizam de maneira mais corriqueira. (ESCANE, 2013).

A característica predominante do atual código, a abstração de suas normas, nasce com o princípio da operabilidade, justamente com o propósito de deixá-lo mais eficiente e concretizável. Nesta mesma lógica seguiu a “Visão geral do projeto de Código Civil’’:

Isto posto, o princípio da operabilidade leva, também, a redigir certas normas jurídicas, que são normas abertas, e não normas cerradas, para que a atividade social mesma, na sua evolução, venha a alterar-lhe o conteúdo através daquilo que denomino "estrutura hermenêutica". Porque, no meu modo de entender, a estrutura hermenêutica é um complemento natural da estrutura normativa. [...] (REALE, 1998, p. 29).

O diploma antigo trazia em seu texto omissões e contradições que geravam grande celeuma doutrinária, que foram corrigidas no novo Código, neste sentido

Exemplo disto é a distinção que agora consta em relação aos institutos da prescrição e da decadência, tópico que trazia grandes dúvidas pela lei anterior. Atualmente, mais facilitadas as previsões legais desses institutos, poderá o estudioso do direito entender muito bem as distinções existentes e identificar com facilidade se determinado prazo é de prescrição ou de decadência. Também foram separadas na novel Codificação as associações das sociedades civis, bem como houve a divisão dos atos jurídicos dos negócios jurídicos. (NASCIMENTO, 2004, P. 112).

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Percebe-se a intenção do legislador ao criar a nova legislação privada disciplinada por estes princípios, o novo Código Civil vinha para corrigir as evidentes deficiências do diploma antigo, sendo o novo código uma legislação que respeita o interesse social colocando o individualismo para atuar como coadjuvante, permeado por cláusulas gerais e princípios que o tornam de aplicação aberta, suprindo lacunas que deixavam sua adequação ao caso concreto mais penosa, e um código que prima pela efetivação de suas normas, eliminando contradições e gerando uma aplicabilidade mais efetiva.

1.3. Uma breve análise da evolução do conceito de contrato

O direito de contratar é algo muito antigo na nossa sociedade, uma vez que para poder evoluir a humanidade necessitava que as relações entre indivíduos acontecessem de forma pacífica, surge então a conveniência de se utilizar os contratos como um meio adequado para se obter tal êxito. Inicialmente, os contratos se realizavam em sua grande magnitude na forma verbal, agora na contemporaneidade se processam na maioria esmagadora dos casos na forma escrita na modalidade de adesão.

O conceito de contratos trazido para a Modernidade pelos Códigos Civis Francês e Alemão, e baseados na codificação Romana, na sua essência inicial, os contratos geriam as relações entre indivíduos, ou seja, entre pessoas físicas, neste prisma tinha-se a ideia de que a autonomia da vontade era equânime, onde ambas as partes estavam em paridade de forças, e pactuavam entre cláusulas e obrigações em pé de igualdade. Nessa perspectiva

A idéia de um contrato com predominância da autonomia da vontade, em que as partes discutem livremente as suas condições em situação de igualdade, deve-se aos conceitos traçados para o contrato nos Códigos francês e alemão. (GONÇALVES, 2015, p. 24).

Porém como bem se sabe, a sociedade evolui constantemente e a legislação e o ordenamento jurídico devem se adaptar a ela. O corpo social da atualidade vive um momento de consumismo exacerbado, em que cada vez menos findamos

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contratos entre pessoas físicas, a imensa maioria dos contratos são fechados entre pessoas físicas e pessoas jurídicas, isso ocorre pois estamos incluídos em uma economia de massa. Nesse sentido

Como se nota, a atual dinâmica social relega ao plano secundário esse contrato. Cada vez mais raramente, contrata-se com uma pessoa física. A pessoa jurídica, a empresa, pequena, média ou grande, os grandes detentores de capital, enfim, e o próprio Estado são os que fornecem os bens e serviços para o consumidor final. Os contratos são negócios de massa. O mesmo contrato, com idênticas cláusulas, é imposto a número indeterminado de pessoas que necessitam de certos bens e serviços. Não há uma outra solução para economia de massa e para sociedade de consumo.(VENOSA, 2016, p. 416)

Como dito, o contrato em que ambas as partes estavam em pé de igualdade na hora de acordar sobre suas cláusulas e obrigações está ocorrendo de maneira muito ínfima, portanto cada vez mais as pessoas são obrigadas a contratar com empresas donas de grande poder econômico. Quando isso ocorre, o consumidor final fica exposto e nem sempre tem seus direitos resguardados.

Diante disto, ocorre a intervenção Estatal tentando proteger a parte mais fraca dos contratos, o consumidor pessoa física, criam-se legislações que na balança da justiça pendem para o lado mais fraco, ou seja, beneficiam o consumidor. No Brasil isso ocorre com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor em 1990, porém não foi esta a única alteração legislativa que o Estado trouxe visando equiparar as partes contratuais, o Novo Código Civil de 2002 trouxe em seu bojo novas cláusulas abertas tentando tirar dos contratos o enfoque puramente econômico, é o caso da Função Social dos Contratos (art. 421) e da Boa-Fé (art. 422). Nesta senda

Foi pensando nisso que o Estado muda esta concepção para a interferência, de certo modo, nesta questão. Pois as partes contratantes possuem o livre arbítrio para realizar o contrato com a pessoa que quiser, sob o objeto que deseja e a forma de pagamento que ficar convencionado. Porém, o Código Civil brasileiro e o Código do Consumidor protegem o lado mais fraco da relação contratual que é o consumidor, e em caso de qualquer outro problema em relação a qualquer uma das partes do contrato particular. (SANTOS et al. , 2018, p. 7)

Nota-se que os contratos evoluem da função de reger as ações entre pessoas que estão em total equilíbrio de poderes e assim gozando de uma autonomia da vontade absoluta, para se tornar o principal instrumento de transmissão de riquezas

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entre particulares e grandes empresas com um enorme domínio econômico. Modifica-se então o seu conceito básico que seria um instrumento onde tinha-se como pilar a autonomia da vontade e a possibilidade de negociações equânimes onde o poder público não poderia intervir, para se tornar um mecanismo pelo qual a parte economicamente avantajada impõem condições sobre a parte hipossuficiente sendo necessária a intervenção Estatal para se garantir a equivalência de suas disposições.

1.4 Princípios contratuais que geram a tutela externa do crédito: a boa fé contratual, função social dos contratos, relatividade contratual.

Com sua base agora deslocada para outras vertentes, mitigando a patrimonialidade e priorizando o social, surge espaço no Direito Civil pátrio para a disseminação da Tutela Externa do Crédito, teoria que se alicerça, essencialmente, em três princípios contratuais: a boa-fé contratual, a função social dos contratos, e a relatividade contratual.

O princípio da boa-fé contratual no direito civil brasileiro subdivide-se em duas espécies, à boa fé subjetiva e a boa-fé objetiva.

A boa fé subjetiva era considerada como a regra do Código Civil de 1916, por ela entende-se pela consciência ou desconhecimento da pessoa concernente a fatos que dizem respeito ao contrato em questão, o contratante ou o contratado pensam estar agindo em conformidade com a lei, sem saber que estão na verdade agindo em erro, refere-se então, a concepção psicológica da pessoa, sendo, portanto, de difícil tarefa probatória. (GONÇALVES, 2015).

A boa fé objetiva, que encontra respaldo legal no art. 422 do Código Civil de 2002, materializa-se na conduta adotada dos contratantes, tanto nas tratativas iniciais, quanto na execução do contrato, é um conjunto de deveres que guiam a relação contratual, tentando trazer ao contrato um ar de respeito e passividade. São exemplos de condutas dotadas de boa-fé objetiva o dever de cuidado em relação à outra parte contratual, o dever de respeito, o dever de colaboração e cooperação, o dever de agir com honestidade, dentre outros.

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A boa-fé objetiva é dotada de três funções, a interpretativa, restritiva e integrativa. A função interpretativa, compreende o sentido em que o contrato será entendido e executado, ou seja, a maneira em que as partes do contrato irão analisar o mesmo, a fim de se dar a ele a melhor interpretação possível sobre o crivo da boa-fé. Está função se encontra no art. 113 do Código Civil. Nesse escopo

A função interpretativa da boa-fé objetiva indica a forma como o intérprete irá pautar-se para buscar o sentido adequado de examinar-se o conteúdo contratual fundado na obexaminar-servância da boa-fé nas relações jurídicas contratuais. A boa-fé objetiva apresenta-se assim como cânone interpretativo, como referencial hermenêutico, pautado no paradigma da eticidade, que na teoria dos negócios jurídicos, possui papel essencial, na contemporaneidade. (MATOS, 2015, p. 1580).

Observa-se que a função interpretativa pretende apenas dar ao contrato a interpretação mais adequada, equilibrando-se entre a vontade dos contratantes e a boa-fé, tentando encontrar paridade entre os dois.

Ainda, tem-se a função integrativa, por esta compreende-se os ditames mínimos de atuação que cada parte do contrato deve adotar, tanto na fase pré-contratual, quanto na execução e na fase pós-contratual. Esta função encontra seu respaldo legal no art. 422 do Código Civil. Nesse entendimento

Em outras palavras, o dever geral da boa-fé é atendido quando as partes desempenham suas condutas de modo honesto, leal e correto, evitando causar danos ao outro (dever de proteção) e garantindo o conhecimento de todas as circunstâncias relevantes para a negociação (dever de informação) – comportamento que faz florescer laços de confiança entre os contratantes. A boa-fé, por conseguinte, exige a adoção de uma postura proativa, traduzida em esmero, dedicação e cooperação na relação obrigacional. Enfim, tudo o que se espera de uma fraterna convivência. (JÚNIOR, 2013, p. 557).

Nota-se que esta função se externa na conduta em que os contratantes adotam durante o contrato, devendo estes sempre se portarem perante o contrato visando a boa-fé para o melhor funcionamento do negócio jurídico.

Emergindo do art. 187 do Código Civil, a função restritiva ou de controle tem por objetivo coibir o abuso de direito por parte dos contratantes, visa dar respaldo

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para eventuais punições para quem cometer algum ato ilícito na esfera do contrato, bem como garantir a reparação do dano causado. Nessa senda

Nesse escopo, a referida função implica em limitação de direitos subjetivos das partes, as quais devem, necessariamente, observar os preceitos estabelecidos pela boa-fé objetiva no entabulamento dos negócios jurídicos, no intuito de que o contrato possa cumprir sua função social. A boa-fé objetiva caracteriza-se, assim, como “máxima de conduta ético-jurídica”64, que visa a coibir o abuso de direito subjetivo, qualificado pelo ordenamento jurídico como ato ilícito, conforme previsão legal do artigo 187 do Código Civil de 2002, de modo a garantir o adimplemento contratual. (MATOS, 2015, p. 1582).

Percebe-se que esta função pretende garantir que as partes do negócio jurídico exerçam suas funções de acordo com a boa-fé objetiva, garantindo, porém, que quando estas adotarem condutas que não estejam pautadas neste princípio sejam punidas.

Nota-se que este princípio se opera como uma cláusula geral, aberta, que se amolda ao caso concreto. A interpretação deste instituto deve sempre observar a realidade social atual e histórica para sua melhor aplicação. Sua aplicação se entrelaça desde as tratativas pré-contratuais, passando pela fase de execução do contrato e abrangendo também a relação pós-contratual. Neste sentido Venosa leciona que:

Tanto nas tratativas como na execução, bem como na fase posterior de rescaldo do contrato já cumprido (responsabilidade obrigacional ou pós-contratual), a boa-fé objetiva é fator basilar de interpretação. Dessa forma, avalia-se sob a boa-fé objetiva tanto a responsabilidade pré contratual, como a responsabilidade contratual e a pós-contratual.(VENOSA, 2016, p. 431).

Partindo para a análise de mais um princípio contratual, entra-se no estudo da função social dos contratos. Por função social dos contratos entende-se a interpretação das cláusulas contratuais conforme o contexto da sociedade (TARTUCE, 2019). Este princípio emana do art. 421 do novo Código Civil.

O contrato agora não é mais visto como um negócio jurídico que diz respeito apenas entre as partes, a partir de sua função social, ele é analisado e cumprido considerando sempre a melhor interpretação perante o social. É um instituto de ordem pública limitador da autonomia da vontade dos contratantes. A partir da entrada em

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vigor do princípio supracitado, as partes do contrato estão obrigados a encontrarem um ponto de equilíbrio entre o interesse econômico individual, e o bem-estar social. (GONÇALVES, 2015; VENOSA, 2016).

Este princípio é dotado de uma dupla eficácia, intrínseca e extrínseca. Na primeira, o contrato é vislumbrado como uma relação jurídica que se manifesta entre as partes, impondo a estas o dever de observação de boas condutas negociais e de acatamento do supracitado princípio da boa-fé objetiva, aqui, a função social se materializa com uma feição mais patrimonial. Na sua perspectiva extrínseca, o princípio da função social dos contratos traz uma utilidade social ao contrato, que passa a ser visto como um mecanismo de desenvolvimento social, e que por razão disto deve estar em total acordo com o interesse da sociedade. (STOLZE; PAMPLONA FILHO, 2017).

Não obstante, o exposto acima, deve sempre o julgador ter a mais rigorosa cautela para ao julgar o caso concreto não valer-se do princípio da função social dos contratos para desconfigurar o real objetivo que tem os contratos, que é o de ser um instrumento pelo qual as pessoas pactuam manipulando a autonomia da vontade para firmar compromissos e transmitir riquezas. Nesta perspectiva

Quer dizer, um contrato, no fundo, apesar dessas exceções que foram apostas ao princípio do pacta sunt servanda, é uma manifestação da vontade que deve levar a determinados resultados práticos, resultados práticos estes que são representativos da vontade de ambos os contratantes, tais como declarados e que se conjugam e se expressam na parte dispositiva do contrato. Nunca se poderia interpretar o valor da função social como valor destrutivo do instituto do contrato. Por isto é que tenho a impressão de que o grande espaço da função social, de certa maneira e em escala apreciável, já se encontra no próprio Código Civil, através exatamente desses institutos que amenizam, vamos dizer, a dureza da visão liberal do contrato, como também penso que rigorosamente, para dar um exemplo que possa até chocar, se um juiz decide numa relação contratual “pietatis causa” – porque ficou com pena do devedor –, perguntar-se-ia, então: esse juiz está cumprindo a função social do contrato? Ele, juiz, liberando o devedor total ou parcialmente, dá vida à função social do contrato, rompendo o contrato porque o devedor, por hipótese, possa ser digno de pena? Acho que isso é, também, agir contra a função social do contrato, ou uma das facetas da função social do contrato. O contrato é feito para ser cumprido, em suma; e o contrato, ademais disso, vive e deve realizar a sua função no ambiente em que está basicamente presente o princípio de dar a cada um o que é seu, do que o contrato é também um instrumento destinado à implementação desse princípio. Desta forma, o problema, vamos dizer, é de circunstâncias que podem incidir na medida do sistema positivo, mas nunca poder-se-ia, no meu entender, em nome da função social, provocar uma verdadeira disfunção e uma negativa da própria razão de ser do contrato. (ARRUDA, 2004, p. 70).

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Nota-se que o objetivo deste princípio não é de ser um limitador da autonomia da vontade a qualquer custo, mas sim em hipóteses que o bem-estar social esteja a ameaçado prejudicando a coletividade.

O princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, agora já atuando em segundo plano, era o fundamento soberano da antiga codificação privada. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2015, p. 47) “Funda-se tal princípio na ideia de que os efeitos do contrato só se produzem em relação às partes, àqueles que manifestarem a sua vontade, vinculando-os ao seu conteúdo, não afetando terceiros nem seu patrimônio”.

Este princípio tinha uma total conexão com o modelo tradicional de contrato, onde o único objetivo e interesse da relação contratual era alcançar a satisfação econômica das partes (VENOSA, 2016).

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e da entrada em vigor do Código Civil de 2002, este princípio teve sua aplicabilidade e efetividade mitigados, ficando agora como coadjuvante quando se trata das relações privadas.

Nada mais fez o código civil atual do que adequar as relações privadas a nova ordem constitucional, relativizando, mesmo que tacitamente tal princípio, é o que se extrai da passagem a seguir

Impossível, contudo, no estado das coisas atuais, aplicar de forma absoluta este princípio, afinal de contas, sabe-se que a irradiação dos efeitos contratuais pode em determinadas circunstâncias atingir a um número indeterminado de pessoas. Pense-se, por exemplo, num contrato de prestação de serviços de natureza ambiental. É certo afirmar que eventuais danos causados ambientais oriundos desta relação venham a prejudicar toda coletividade de pessoas. (COELHO, 2018, p. 3).

Estes três princípios visam nortear o contrato em três esferas distintas. A função social dos contratos diz respeito à maneira em que o contrato deve ser ajustado e executado, sempre tendo o propósito de respeitar a sociedade e o bem-estar coletivo. A boa fé objetiva por sua vez, refere-se a conduta das partes da relação contratual, exigindo que estas utilizem-se de condutas éticas e dotadas de probidade uma para com as outras, a fim de trazer ao contrato um feitio respeitoso e harmônico. A relatividade dos efeitos do contrato, tem por finalidade indicar contra quem o

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contrato produzirá efeitos, trazendo a regra geral de ter efeito apenas em relação a quem expôs sua vontade, mas tardiamente, tendo sido mitigado esse seu efeito.

Nota-se que estes princípios contratuais atuam como justificadores desta visão mais despatrimonializada com que se opera o Direito dos Contratos, corroborando para a legitimação da Teoria do Terceiro Cúmplice. No capítulo que vem à seguir, se entrará de maneira mais aprofundada no estudo da referida teoria a fim de compreender-se melhor este instituto.

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2. TUTELA EXTERNA DO CRÉDITO: A TEORIA DO TERCEIRO CÚMPLICE SUA APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E ANÁLISE DE CASOS JULGADOS.

Partindo de uma análise metodológica dos institutos da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e da quebra da supremacia do princípio da relatividade contratual, que emerge a teoria do Terceiro Cúmplice que visa trazer a tutela externa do crédito. Está teoria ainda é pouco explorada no ordenamento jurídico pátrio, porém cada vez mais vem sendo citada nos tribunais, o que resulta num crescente de jurisprudências que venham se consolidando nos últimos anos, com alguns casos famosos, como o do cantor Zeca Pagodinho e da cervejaria Brahma.

Com essa extensão da proteção que agora é conferida aos contratos, mostra-se de maneira clara que todos devem adotar uma conduta disciplinada pela boa-fé, mesmo aqueles que do contrato não fazem parte, que é o caso dos terceiros, sob pena de ser considerado cúmplice no inadimplemento do negócio jurídico de outrem. Nesse sentido este capítulo tem o objetivo de estudar essa teoria, bem como analisar o entendimento jurisprudencial que está sendo conferido à mesma.

2.1 A mitigação do princípio da relatividade contratual: uma visão posterior a promulgação da constituição de 1988.

A nova ordem constitucional advinda com a promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe inúmeros impactos ao nosso sistema jurídico. Um deles foi a modificação que sofreu o direito privado, o mesmo passou por um processo de despatrimonialização, dando ensejo, inclusive, para a publicação de outro Código Civil em 2002 agora em consonância com texto constitucional. Uma das mutações mais significativas foi a maneira como o princípio da relatividade dos efeitos dos contratos passou a ser empregado, de maneira que o mesmo passou por um processo de mitigação.

A concepção clássica do princípio supracitado, a qual era que o contrato produz efeitos somente contra quem nele expressou sua vontade, era trazida no Código Civil de 1916 de maneira soberana, vale ressaltar que o mesmo compartilha de grande intimidade com autonomia privada, sendo as partes capazes de expressar

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sua vontade de maneira livre e consciente, o contrato deveria ser executado e seus efeitos produzir-se-iam apenas entre elas. Nesta senda

Nesse contexto, a relatividade dos efeitos do contrato é corolário da primazia atribuída à autonomia da vontade, como garantia de intangibilidade da esfera jurídica individual e proteção ao “livre arbítrio no âmbito dos contratos” (MULHOLLAND, 2006, p. 259-260). Assim, se o contrato deve ser cumprido porque livremente querido pelas partes, não podem ter esse dever aqueles que não o quiseram. Os terceiros – aqueles que não manifestaram vontade para a criação da normativa contratual – seriam genuinamente indiferentes à existência daquele vínculo e imunes aos efeitos daquele negócio. (KONDER, 2019, p. 84).

Portanto, este princípio como todo e qualquer instituto jurídico, teve que se adaptar à realidade social para ter sua existência justificada e, portanto, sofreu grandes mudanças. O contrato na sua conjuntura contemporânea é pautado pela sua função social, mostrando que o mesmo deve estar de acordo com o interesse comum pois o mesmo pode vir a produzir efeitos que atinjam também terceiros. De acordo com isso

Essa visão, no entanto, foi abalada pelo atual Código Civil, que não concebe mais o contrato apenas como instrumento de satisfação de interesses pessoais dos contraentes, mas lhe reconhece uma função social, como já foi dito. Tal fato tem como consequência, por exemplo, possibilitar que terceiros que não são propriamente partes do contrato possam nele influir, em razão de serem direta ou indiretamente por ele atingidos. Não resta dúvida de que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato, embora ainda subsista, foi bastante atenuado pelo reconhecimento de que as cláusulas gerais, por conterem normas de ordem pública, não se destinam a proteger unicamente os direitos individuais das partes, mas tutelar o interesse da coletividade, que deve prevalecer em conflito com aqueles.(GONÇALVES, 2015, p. 48).

Também sendo objeto de debate em 2003, na I Jornadas de Direito Civil, dando ensejo à edição e publicação do enunciado n. 21, o qual diz:

Art. 421: a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral a impor a revisão do princípio da relatividade dos efeitos do contrato em relação a terceiros, implicando a tutela externa do crédito.

Mostra-se necessária uma distinção entre os efeitos internos e externos dos contratos. Os primeiros que dizem respeito aos direitos e obrigações fixados entre as partes, se mostram oponíveis somente entre elas, não gerando benefícios e nem responsabilidades perante terceiros, são efeitos internos, por exemplo, a obrigação do contratado de realizar serviços ao contraente, e a obrigação deste de realizar o pagamento, nesta hipótese pode-se falar que o princípio da relatividade dos efeitos

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contratuais se torna soberano. Por seu turno, os efeitos externos só existem quando os efeitos internos extravasam a relação contratual e atingem terceiros, aqui falamos na mitigação do referido princípio. (MAZZEI, 2008).

Percebe-se que a evolução que o princípio da relatividade dos efeitos do contrato só teve oportunidade de atingir nossa codificação privada com o advento, primeiramente da Constituição Federal de 1988 e mais tardar com a publicação do Código Civil de 2002, pois foram estes dois grandes divisores de água quando nos referimos ao modo com que interpretamos a legislação privada hoje em dia. A nova ordem constitucional trouxe para o nosso ordenamento jurídico a supervalorização do interesse comum, ficando em total desconformidade com o então vigente Código Civil de 1916, sendo necessária a edição de outro código para podermos adequar o Direito Constitucional e o Direito Civil.

A promulgação da Carta Magna de 1988 impactou de maneira muito significativa o ordenamento jurídico brasileiro, uma enxurrada de princípios e normas que visavam proteger o bem-estar social e por consequência quebrar a visão patrimonialista que predominava até então. A edição de um novo Código Civil que agora opera-se nos moldes constitucionais foi reflexo direto disso, agora toda a legislação privada era interpretada e executada através das matrizes estabelecidas pela Constituição. A função social dos contratos, a boa-fé objetiva e a mitigação do princípio da relatividade contratual comprovam a despatrimonialização que este ramo do direito sofreu.

Foi com base nesta perspectiva que agora se interpretava o direito civil que emergiu a Teoria do Terceiro Cúmplice, que visa trazer ao contrato a tutela externa do crédito. Este novo campo de proteção que agora vem se conferindo aos contratos será estudado de maneira mais aprofundada adiante.

2.2 Conceito de Parte de Terceiro à luz do Código Civil

Antes de se aprofundar na teoria do terceiro cúmplice, se fazem necessários alguns apontamentos sobre os conceitos de parte e de terceiro, para se clarear sobre a figura do terceiro que se tem por estudo.

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Parte em um contrato, como já se deve se esperar, é aquele que manifestou sua vontade dentro do negócio jurídico, ou seja, aquele que participou da formação do contrato, negociou cláusulas, consentiu, e por fim, exprimiu sua vontade. Neste sentido

Na concepção tradicional, a qualidade de parte é conferida àquele que manifesta a vontade no momento da conclusão do contrato e, portanto, irá sofrer os seus efeitos. Parte é o indivíduo que emite a declaração de vontade no sentido de vincular-se ao contrato, e por conseguinte, assumir os direitos e obrigações dele advindos. (FIGUEIREDO, 2008, p. 26).

Terceiros são aqueles que não participaram do contrato, aqui expressa-se de maneira muito clara o princípio da relatividade dos efeitos do contrato. Não pode o terceiro se beneficiar de um negócio jurídico do qual não fez parte, como também não pode ser prejudicado, terceiro então, é aquele que perante o negócio jurídico é neutro. Nesta senda

Terceiro é aquele que não participou do negócio jurídico, para quem a relação é absolutamente alheia. Nesse sentido, o contrato não pode prejudicar terceiros. Esses, sim, terceiros propriamente ditos. Aí reside a pureza do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos.(VENOSA, 2016, p. 553).

O que interessa para esse estudo é a figura do terceiro que apesar de não fazer parte da relação contratual, pode vir a intervir nela de forma negativa. Este terceiro atua de maneira a prejudicar a relação contratual, podendo se associar à parte devedora de um contrato a fim de lesar o credor, atua geralmente de forma sorrateira, tentando não ser percebido. Nessa senda

Como já dito no introito o terceiro que se amolda ao objeto do presente estudo é aquele totalmente estranho à relação contratual e que age em detrimento dos direitos da parte credora, auxiliando, induzindo ou instigando o devedor a inadimplir.

Tem-se, portanto, que o terceiro a ser classificado como cúmplice, é aquele que age em cumplicidade com o devedor de uma obrigação (crédito), estimulando o inadimplemento, a fim de celebrar negócio jurídico incompatível com aquele outrora firmado, dado que possuirá natureza semelhante ou conflitante. (ANDRADE, 2018, p. 26).

Nota-se então, que o terceiro cúmplice é aquele que deveria se manter neutro perante a relação contratual alheia, sem se beneficiar, sem ser prejudicado e também sem prejudicar o negócio jurídico. A partir do momento em que o terceiro toma partido

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em relação ao contrato que não faz parte, e decide atuar em conluio com o devedor para prejudicar o credor, passa a se ter caracterizada a figura do terceiro cúmplice a fim de gerar a tutela externa do crédito.

2.3 Teoria do Terceiro Cúmplice: Fundamentos Embasadores e Aplicabilidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Os fatos sociais sem dúvidas foram os personagens principais do século XX, com ênfase a partir de sua metade, fazendo com que os institutos jurídicos que eram vigentes à época fossem aos poucos ficando obsoletos até que se fizesse necessária sua transição para normas que se relacionavam de maneira mais adequada com o os fatos sociais da época, ou seja, as respostas legais já não eram mais suficientes para sanar os dilemas jurídicos daquele período.

Dentro deste novo paradigma jurídico social, a relatividade dos efeitos dos contratos foi um dos pontos que mais se mostrou em desfoque com a nova realidade, a sua interpretação já não agradava mais as partes dos contratos e nem mesmos aqueles externos a relação contratual, sendo necessária sua mudança. A inserção do princípio da função social dos contratos no texto constitucional em 1988, e posteriormente transformando este princípio um dos alicerces da coluna vertebral do código civil de 2002, juntamente com a boa-fé objetiva, com certeza foi o impulso inicial para a quebra da até então intangível relatividade dos contratos.

Justamente desta análise metodológica de princípios contratuais, da quebra de soberania do princípio da relatividade dos contratos, que emerge a Teoria do Terceiro cúmplice visando a tutela externa do crédito contratual.

Tendo como fundamentos basilares a boa-fé objetiva e a função social dos contratos, bem como a mitigação do princípio da relatividade contratual, visa a exteriorização dos efeitos contratuais, trazendo uma tutela ao pacto contratual que alcança além das partes, terceiros que visam lucrar com o inadimplemento do contrato alheio.

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Se o nosso ordenamento jurídico traz como exigências de condutas a boa-fé dos cidadãos, exige que os mesmos pactuem respeitando a função social dos contratos, deve também exigir que terceiros não atentem contra as relações contratuais alheias. É o que se extraí da passagem a seguir

Ora, se os cidadãos devem observar a boa-fé objetiva em seu atuar, mormente a eticidade, probidade e honestidade, não poderão jamais ferir individualmente o crédito alheio.

E, por conseguinte, se as avenças firmadas não podem violar os mesmos valores, caros aos cidadãos, mas também à sociedade, o crédito individual, pessoal, está resguardado não apenas na relação inter partes, mas sim em âmbito geral, erga omnes. (POSADA, 2016, p.11).

A tutela externa do crédito salvaguarda o contrato no sentido de que estabelece ao terceiro de má-fé o dever de respeitar o contrato mesmo ele não fazendo parte do mesmo, é a imposição do compromisso de uma conduta íntegra que não fere os direitos de ninguém. Neste sentindo

Na linha da função social do contrato e da prevalência da eticidade, propugna-se por uma “tutela externa do crédito”, pela qual o terceiro seja responsabilizado, não propriamente pela prestação convencionada, mas pela ofensa a dever de conduta nela consubstanciada. É inadmissível que a sociedade comporte-se como se o contrato não existisse, ou ,se existisse, fosse algo estranho a ela, a ponto de ser ignorado. (FARIAS e ROSENVALD, 2011, p. 127).

Na legislação pátria, teria a Teoria do Terceiro cúmplice encontrado respaldo legal no art. 421 do atual Código Civil, é o que se extrai da passagem a seguir

Assim, o art. 421 daria base para a recepção, no nosso ordenamento, de teoria que já tem curso no direito comparado, qual seja a indevida interferência de terceiros no contrato (...), conhecido, nos países de Civil Law como “eficácia externa das obrigações”, teoria que surge nos países de Commom Law [...] . (MARTINS, 2005, p. 11).

Diverge a doutrina sobre qual seria a natureza da responsabilização do terceiro, contratual ou extracontratual, sendo defendido pela grande maioria dos estudiosos do assunto que a responsabilidade extracontratual sereia à mais adequada para a hipótese, tendo em vista a forma com que o terceiro age, sempre externo ao contrato e levando em consideração a atipicidade dos contratos e de suas estipulações, pois como é cediço de todos, fica vedado aos contratantes apenas o que a lei proíbe. Neste sentido

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Sem dúvidas, responsabilizar um terceiro, ainda que cúmplice, por cláusulas contratuais por ele não pactuadas seria conferir ao crédito a super eficácia já rechaçadas linhas atrás, e não apenas atribuir-lhe a merecida oponibilidade. Haveria manifesta insegurança jurídica em se admitir a responsabilização de alguém por termos e cláusulas com as quais jamais e anuiu e mais, cujos teores lhe seria impossível conhecer dada a característica essencial da atipicidade dos contratos. (POSADA, 2016, p. 14).

Há três formas em que o terceiro pode interferir no normal cumprimento do contrato são elas: provocando o inadimplemento da obrigação contratual perante o credor; o cumprimento da obrigação, porém de maneira mais custosa ao credor; e o cumprimento da obrigação pelo devedor que gere ao credor uma margem de lucro menor.

O terceiro pode causar o descumprimento do negócio jurídico nas suas três formas, o descumprimento integral do contrato, a mora, e o rompimento positivo do contrato. Vejamos as hipóteses.

Essa interferência do terceiro pode ocorrer através de “contratos interferentes”. Isso ocorre quando o terceiro possui um contrato em que a outra parte é devedora em um outro contrato firmado anteriormente. Para se poder ter a imputação de ato ilícito ao terceiro, existe a necessidade de que ele haja com dolo ou culpa grave, portanto, que atue realmente como um cúmplice do inadimplemento contratual. Sua responsabilização emerge da aplicação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, enquanto a responsabilidade do devedor advém da observância dos arts. 389 e 402 a 420, também do Código Civil. (SILVESTRE, 2018).

Foi o que sucedeu no caso do Cantor Zeca Pagodinho e as cervejarias Brahma e Nova Schin. O cantor fechou contrato de publicidade com a Nova Schin, representada pela empresa de publicidade Fischer América, porém pouco tempo depois foi aliciado pela publicitária África, que representava a Brahma. Zeca Pagodinho se tornou garoto propaganda da Brahma/África poucas semanas após aparecer em campanhas publicitárias para a Nova Schin/Fischer América. As empresas lesadas levaram a situação ao judiciário, que prolatou decisão ao seu favor, inclusive sendo a teoria do terceiro cúmplice levada até o Superior Tribunal de Justiça, que endossou o entendimento do TJ/SP. O acórdão teve proferida a seguinte ementa:

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INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E À IMAGEM – Empresa autora que foi prejudicada pelo aliciamento do principal artista de sua campanha publicitária por parte da empresa ré – Improcedência de demanda – Inconformismo 0 Acolhimento parcial – Requerida que cooptou o cantor, na vigência do contrato existente entre este e a autora – Veiculação de posterior campanha publicitária pela ré com clara referência ao produto fabricado pela autora – Não observância do princípio da função social do contrato previsto no art. 421 do Código Civil – Concorrência Desleal caracterizada – Inteligência do art. 209 da Lei nº 9.279/96 – Danos materiais devidos – Abrangência de todos os gastos com materiais publicitários inutilizados (encartes e folders) e com espaços publicitários comprovadamente adquiridos e não utilizados pela recorrente, tudo a ser apurado em liquidação – Dano moral – Possibilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral - Súmula 227 do Colendo Superior Tribunal de Justiça – Ato ilícito da requerida que gerou patente dano moral e à imagem da requerente – Sentença reformada – Ação procedente em parte – Recurso parcialmente provido. (TJSP, 2007).

Em seu voto o Desembargador enfatizou a importância da função social dos contratos, que é encontrado no art. 421 do Código Civil, também ressaltou a falta de boa-fé com que agiram tanto o cantor como a agência publicitária da cervejaria Brahma.

Seguindo para o estudo da teoria em si, ainda é possível indagar ao terceiro outra forma de colaborar para o descumprimento do contrato, que seria a chamada “Indução interferente ilícita”. Esta possibilidade de interferência acontece quando o terceiro utilizando de dicas, sugestões ou informações, influencia para que o devedor não cumpra o contrato. Porém deve-se ter muito cuidado para não condenarmos qualquer atitude do terceiro neste aspecto, pois a todos é permitido dar conselhos e acautelar todos sobre a possibilidade de se ficarem atentos à riscos que estão expostos. Neste entendimento

O facto de se emitir uma mera declaração verdadeira sobre factos existentes não acarreta qualquer tipo de responsabilidade, tenha sido ou não a informação pedida e ainda que resulte num efeito persuasivo para o incumprimento. (TERRINHA apud SILVESTRE, 2018, p. 264).

Por tanto, para se responsabilizar o terceiro por condutas desse tipo deve-se ter como balizas para se conceber a indução interferente se às opiniões, informações ou conselhos prestados pelo terceiro foram feitas usando da má-fé ou de malícia, obscuridade, dubiedade etc. Neste sentido

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Sendo assim, pode-se determinar como indução interferente ilícita aquela recomendação dada pelo terceiro que: 1) não foi solicitada; 2) não cabia ao terceiro proferir; 3) não é verdadeira; 4) foi dada com adjetivos inverídicos (exageros); 5) extrapola os limites das informações solicitadas; e 6) ausência de “honest”, figura de common law que corresponde à boa-fé objetiva. Verificadas essas características no conselho interferente dado pelo terceiro, este carece de justificativa e legitimidade para emiti-lo. Se tal recomendação induz o devedor à quebra do contrato, o terceiro deve ser responsabilizado.(SILVESTRE, 2018, p. 265).

Com isso, encontra-se a base legal para esse tipo de interferência nos arts. 148 (dolo de terceiro), 154 e 155 (coação de terceiro), 667 (dolo mandato), todos do Código Civil. Além é claro do dever de que todos devem agir com boa-fé e lealdade, um dos esteios do nosso código civil.

Além disso, ainda pode o terceiro cúmplice ludibriar a normal execução do contrato recusando-se em contratar ou cumprir uma prestação. Esta maneira de prejudicar o credor ocorre nos contratos em que o devedor, para cumprir com sua obrigação, precisa pactuar com outra pessoa, um terceiro, que ao tomar conhecimento desta situação, decide que não irá contratar apenas para prejudicar o negócio precedente.

É necessário nesta ocasião que se tome um cuidado redobrado na hora de se esculpir o terceiro como um cúmplice de má fé que quer prejudicar o negócio jurídico alheio, afinal de contas, no nosso ordenamento primamos pela autonomia privada, o que acarreta na liberdade individual que todos detêm de não querer contratar se não for de seu interesse. Para se enquadrar então o terceiro cúmplice a fim de se conseguir a tutela externa do crédito, devemos analisar se o mesmo agiu de má-fé, com o intuito único de prejudicar o contrato de outrem, além de se verificar se o terceiro já tinha manifestado interesse em contratar o devedor, escusando de pactuar sem nenhum fundamento plausível. É o que pode se extrair da passagem a seguir

Trata-se de um caso muito específico e sutil, além de complexo, afinal, ninguém pode ser obrigado a contratar, pois se assim o fosse não haveria liberdade. Então, quando se configura essa situação? Quando estiverem presentes os seguintes requisitos cumulativos: 1) o contrato entre devedor e terceiro é condição resolutiva ou suspensiva para a eficácia do contrato entre o devedor e o credor; 2) o terceiro já havia sinalizado que contrataria, ou seja, havia pactuado um contrato preliminar assumindo o compromisso de celebrar o contrato definitivo; 3) o terceiro havia criado nas partes uma legítima expectativa, por meio de promessa ou proposta, de que celebraria o

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contrato com o devedor; e 4) a recusa do terceiro em contratar é sem justa causa. (SILVESTRE, 2018, p. 268).

Nota-se que não é tarefa fácil a comprovação de que o terceiro se recusou a firmar o contrato para prejudicar o credor do outro negócio jurídico, é necessária a cumulatividade de todos os requisitos acima elencados, não sendo suficiente a simples indagação de que o terceiro queria prejudicar o negócio alheio, ainda se faz indispensável a demonstração do dano sofrido pelo credor.

A tutela externa do crédito chegou no nosso ordenamento para punir aqueles que sob o argumento da relatividade dos contratos pensavam que podiam atentar e prejudicar o negócio jurídico alheio sem receber nenhum tipo de punição. Ao introduzir na nossa jurisprudência tal teoria, o julgador demonstra mais uma vez a importância dos contratos, não apenas no ordenamento jurídico, mas também na vida social das pessoas, pois o mesmo atua como o maior transmissor de riquezas entre as pessoas, tanto físicas, que realizam pequenos contratos de compra e venda no dia-a-dia, quanto jurídicas, que selam contratos muitas vezes multimilionários e se socorrem desde negócio jurídico para proteger seus direitos e interesses. Reafirma-se então à obrigatoriedade de todos agirem com boa-fé em relação aos contratos, respeitando-os mesmo quando não fazem parte do polo ativo ou passivo do mesmo.

2.4 A Tutela Externa do Crédito e sua aplicabilidade: análise de casos julgados

O Tribunal de Justiça de São Paulo proferiu, na data de 17 de julho de 2014, acórdão na Apelação Cível nº 9000097-52.2011.8.26.0100 decidindo sobre a aplicação da doutrina do Terceiro Cúmplice na relação jurídica existente entre Ipiranga Produtos De Petróleo S/A e Posto Luigi.

No caso em tela, existia entre Ipiranga e Posto Luigi contrato de exclusividade, ficando estabelecido que o último poderia vender apenas combustíveis fornecidos pela primeira. Ocorre que houve aliciamento do posto de combustíveis por parte de Aspen Distribuidora De Combustíveis LTDA, onde está passou a fornecer de maneira clandestina combustíveis ao posto que possuía bandeira Ipiranga. Tal fato fez com

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que a marca lesada buscasse o Poder Judiciário para fazer cessar a lesão aos seus direitos.

Destaca-se que a parte ré nem sequer é o Posto LUIGI e sim a distribuidora Aspen, demonstrando a força extracontratual da Teoria do Terceiro Cúmplice. No acordão em questão, foi proferida a seguinte ementa:

CONCORRÊNCIA DESLEAL. Distribuidoras de derivados de petróleo. Tutela externa do crédito. Autor que pretende seja a ré condenada a se abster da venda e distribuição de combustíveis a postos de gasolina estranhos à lide, porquanto firmou com estes últimos contratos de fornecimento com exclusividade. Doutrina e jurisprudência que consagram a “tutela externa do crédito” ou a “doutrina do terceiro cúmplice”, que veda a interferência danosa de terceiros estimulando o inadimplemento do contrato alheio. Manifesta intenção de usurpar nome e prestígio alheios, configurando abuso de direito. Desvio de clientela. Descrédito e obscurecimento da marca. Proteção conferida pela Lei n° 9.279/96. Danos materiais. Lucros cessantes. Liquidação de sentença. Conduta da ré que também ofendeu o rol de direitos extrapatrimoniais da apelante. Danos morais configurados. Quantificação. Funções punitiva e ressarcitória. Valor arbitrado levando em consideração a reprovabilidade da conduta da apelada. Recurso provido.

Em seu voto ressaltou o Relator Francisco Loureiro, que devido a função social dos contratos, estes são de interesse comum e não apenas das partes, devendo serem respeitados pelos terceiros, segue trecho do voto:

Um dos princípios cardeais do direito contemporâneo, a função social do contrato faz com que se insira a convenção como fenômeno que se instala no mundo da realidade jurídica, ao qual não mais são indiferentes terceiros. Na lição clássica de Jacques Ghestin, há uma tutela externa do crédito, que impõe ao terceiro uma obrigatoriedade de não violar obrigação contratual alheia que seja ou deva ser de seu conhecimento (cfr. Cláudio Luiz Bueno de Godoy, Função Social do Contrato, Saraiva, 2.004).

O Relator também colacionou voto do Ministro Humberto Martins do Superior Tribunal de Justiça, onde se reafirma a mitigação do princípio da relatividade dos efeitos dos contratos, demonstrando sua fragilidade atual em face da função social dos contratos, exprimindo-se mais uma vez que a Tutela Externa do Crédito se alicerça nestes dois requisitos. Nas palavras do supracitado Ministro:

O tradicional princípio da relatividade dos efeitos do contrato (res inter alios acta), que figurou por séculos como um dos primados clássicos do Direito das Obrigações, merece hoje ser mitigado por meio da admissão de que os negócios entre as partes eventualmente podem interferir na esfera jurídica de terceiros de modo positivo ou negativo , bem assim, tem

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aptidão para dilatar sua eficácia e atingir pessoas alheias à relação inter partes. As mitigações ocorrem por meio de figuras como a doutrina do terceiro cúmplice e a proteção do terceiro em face de contratos que lhes são prejudiciais, ou mediante a tutela externa do crédito. Em todos os casos, sobressaem a boafé objetiva e a função social do contrato. (...) (STJ Resp. 468.062-CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, J. 11/11/2008, DJ de 01.12.2008).

Por fim, foi reformada totalmente a sentença proferida em primeiro grau, condenando-se a Aspen a pagar indenização por danos tanto patrimoniais quanto morais, pela exposição que teve a marca Ipiranga, correndo o risco de ter sua reputação e boa imagem atingida, pois não se sabe da qualidade dos produtos fornecidos pela Ré.

Aspen deverá reparar os danos sofridos a título de lucro cessantes, valor que seria apurado em liquidação de sentença pois quando a Aspen vendia para o referido posto de combustíveis a Ipiranga deixava de vender e consequentemente de lucrar. Danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), pela exposição que Ipiranga sofreu em sua marca. Ainda ficou estabelecida multa R$ 100.000,00 (cem mil reais), para cada vez que a Aspen vender combustíveis a postos de bandeira Ipiranga.

Passando agora para análise de um julgado do Supremo Tribunal de Justiça, é uma decisão proferida no Recurso Especial nº 468.062 em 11 de novembro de 2008, em que eram partes a Caixa Econômica Federal E Antônio Osmar Teles Monteiro E Outro.

Em síntese o caso concreto se dá em torno de um contrato de mútuo habitacional que foi pactuado entre José Américo Sobrinho e Terra Companhia De Crédito Imobiliário - TERRA CCI, agente financeiro vinculado ao extinto Banco Nacional de Habitação - BNH, posteriormente ocorreu cessão da posição contratual entre José Américo e Antônio Osmar Teles Monteiro E Outro passou a corresponder na posição jurídica deste. O BNH foi extinto no ano de 1986, a Caixa Econômica Federal o sucedeu e todos os seus direitos e obrigações.

Os cessionários Antônio e Outro deram quitação antecipada do restante da dívida que recaia sobre o imóvel em 23.03.1991, TERRA CCI passou a estes uma

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