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A perversão e o social: reflexões acerca do sintoma social contemporâneo

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Academic year: 2021

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UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

RAQUEL MAJOLO PESSINA

A PERVERSÃO E O SOCIAL: REFLEXÕES ACERCA DO SINTOMA

SOCIAL CONTEMPORÂNEO

Santa Rosa 2013

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UNIJUI – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO

DO RIO GRANDE DO SUL

DHE – DEPARTAMENTO DE HUMANIDADES E EDUCAÇÃO

CURSO DE PSICOLOGIA

A PERVERSÃO E O SOCIAL: REFLEXÕES ACERCA DO SINTOMA

SOCIAL CONTEMPORÂNEO

RAQUEL MAJOLO PESSINA

ORIENTADORA: IRIS FATIMA ALVES CAMPOS

Trabalho de conclusão de curso de graduação apresentado ao curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

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A PERVERSÃO E O SOCIAL: REFLEXÕES ACERCA DO SINTOMA SOCIAL CONTEMPORÂNEO

Raquel Majolo Pessina

Orientadora: Iris Fátima Alves Campos

RESUMO

Para além de uma estrutura clínica, acreditamos ser possível pensar numa articulação entre perversão e laço social, é o que nos propomos nesta pesquisa. Na contemporaneidade, encontramos modalidades de vinculação subjetiva que nos permitem pensar num enlaçamento social por essa via. Ademais, é possível visualizar os efeitos e desdobramentos que essa articulação traz aos sujeitos na sociedade pós-moderna. No primeiro capítulo, retomamos o conceito de sintoma dentro da teoria psicanalítica; no segundo capítulo tratamos do conceito de sintoma social e de perversão; e então, no terceiro e último capítulo falamos sobre as possibilidades de pensar a perversão como sintoma social.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………..……05

Capítulo I: O SINTOMA ……….……….…09

Capítulo II: O SOCIAL E A PERVERSÃO………...………16

1.1 Sintoma social………...………..16

1.2 As versões da perversão………..….22

CAPÍTULO III: SINTOMA SOCIAL CONTEMPORÂNEO……….…27

CONSIDERAÇÕES FINAIS……….…………34

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INTRODUÇÃO

As investigações desta pesquisa, essencialmente bibliográfica, destacam os conceitos da teoria psicanalítica (principalmente da obra de Freud) que visam construir uma possível articulação entre sintoma social e perversão. Mais especificamente, elaborando a ideia de que o sintoma social da contemporaneidade pode ser a perversão.

Inicialmente, no capítulo I, trataremos do conceito base para esse trabalho, que é o conceito de sintoma. Para isso, retomaremos principalmente os textos freudianos, desde os primórdios da psicanálise, e também algumas contribuições de Lacan. Esse primeiro capítulo, ao retomar as idéias sobre sintoma, menciona os principais aspectos da teoria psicanalítica, marcos importantes ao longo da evolução do trabalho de Freud.

No capítulo II, que está dividido em duas seções, trataremos em específico o sintoma social e a perversão. Na primeira seção, retomamos, além dos autores já mencionados no capítulo I, também Enriquez, Melmann e Calligaris, para falar sobre o sintoma social. Na segunda seção, falaremos sobre a perversão e como ela aparece na obra de Freud.

E por fim, chegaremos ao capítulo III, que trata da questão fundamental de nossa pesquisa: a relação entre a perversão e o sintoma social. Destacamos esse último capítulo da pesquisa, pois tentamos estabelecer a diferença entre a perversão enquanto estrutura clínica e a perversão enquanto sintoma social, para, em seguida, trabalhar com as argumentações que buscamos em diversos psicanalistas da atualidade e suas leituras do social: Calligaris, Melmann, Peixoto Júnior, Khell, Roudinesco. Com o intuito de compreender o alcance possível, que até então os estudos desses autores nos mostram, sobre essa leitura do social, ou, em outras palavras, sobre a hipótese de que o sintoma social contemporâneo esteja se organizando dentro de uma lógica perversa.

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Para além de uma estrutura clínica, acreditamos ser possível pensar numa articulação entre perversão e laço social. Na contemporaneidade, encontramos modalidades de vinculação subjetiva que nos permitem pensar num enlaçamento social por essa via. Ademais, é possível visualizar os efeitos e desdobramentos que essa articulação traz aos sujeitos na sociedade pós-moderna. É refletindo sobre essas questões que nos propomos a investigar esse tema, e trazer, por intermédio desta pesquisa, considerações, possibilidades e reflexões sobre o sintoma social e os sujeitos contemporâneos.

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As pedras falam

Maria Alberta Menéres As pedras falam? pois falam

mas não à nossa maneira, que todas as coisas sabem uma história que não calam.

Debaixo dos nossos pés ou dentro da nossa mão o que pensarão de nós? O que de nós pensarão?

As pedras cantam nos lagos choram no meio da rua tremem de frio e de medo quando a noite é fria e escura.

Riem nos muros ao sol,

no fundo do mar se esquecem. Umas partem como aves e nem mais tarde regressam.

Brilham quando a chuva cai. Vestem-se de musgo verde em casa velha ou em fonte que saiba matar a sede.

Foi de duas pedras duras que a faísca rebentou: uma germinou em flor e a outra nos céus voou.

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As pedras falam? pois falam. Só as entende quem quer, que todas as coisas têm um coisa para dizer.

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1. O SINTOMA

“As portas são inumeráveis, a saída é uma só, mas as possibilidades de saída são tão inumeráveis quanto as portas. Há um propósito e nenhum caminho: o que denominamos caminho não passa de vacilação.” (Franz Kafka).

Neste capítulo trataremos do conceito de sintoma pelo viés teórico da psicanálise. Aliás, base teórica na qual fundamentamos todo o nosso trabalho. Consideramos imprescindível, num primeiro momento, retomar o conceito de sintoma desde os primórdios da psicanálise, numa tentativa de delinear a evolução teórica do conceito que dá sustentação ao nosso trabalho.

O sintoma é um conceito importante na Teoria Psicanalítica, tão fundamental quanto são os próprios quatro conceitos fundamentais da psicanálise: inconsciente, pulsão, transferência e repetição, dos quais Lacan (1964) nos fala no Seminário XI.

As reflexões sobre o sintoma aparecem desde o início da psicanálise, surgem junto a ela. Podemos pensar no sintoma como o fenômeno que desperta Freud para escutar um sentido, onde antes o saber instituído, médico, nada considerava. O ato de Freud lançará as bases para a prática psicanalítica, de escutar o sujeito em sua singularidade.

O que a psicanálise vai encontrar é o sintoma como uma manifestação dotada de sentido. Expressando-se de maneira a ser tomado como uma mensagem enigmática, desconhecida do sujeito, mas que pode ser interpretada. Algum conteúdo inconsciente, significativo na constituição psíquica do sujeito, encontra-o como caminho ou saída, pois não consegue fazê-lo de outra maneira.

Quando Freud (1917a) nos apresenta a ideia de que há uma determinação inconsciente, que o sujeito não é mais “o senhor em sua própria casa”, está nos dizendo que existe um lugar, a princípio, interno em cada um, que é autônomo, atemporal, dinâmico e repleto de contradições, que faz com que esse sujeito não seja o mesmo do ideal proposto por Descartes, ou seja, plenamente

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racional. Esse sujeito, conforme Lacan anuncia no Seminário XI, não corresponde ao cogito cartesiano, “penso, logo existo”, ele nos diz mais sobre “existo, logo onde não penso”.

“Este momento, Lacan denominou como momento fantasmático, como „o salto no Real‟. Fica clara a divisão do sujeito entre saber e ser, enunciado na famosa inversão da frase cartesiana que dizia „penso logo existo‟ para „penso onde não existo e existo onde não penso‟.” (FORBES, 1985 – formatação sem paginação).

Freud, ao se deparar com as pacientes histéricas, vai forjar todo o conjunto conceitual da psicanálise, e é neste primeiro tempo que trabalhará o conceito de sintoma, percurso que traremos a seguir.

No século XIX, a ideia vigente sobre a etiologia da histeria era de que seus sintomas decorriam de uma lesão neurológica. Então, os sintomas, ditos nervosos, tinham uma origem anatômica. A sintomatologia histérica começa a questionar essa ideia de uma origem anatômica. Freud, então, propõe que a manifestação clínica da histeria se estrutura de forma diferente.São sintomas que abarcam uma complexa dimensão simbólica - “Consiste apenas no que se poderia denominar uma relação „simbólica‟ entre a causa precipitante e o fenômeno patológico – uma relação do tipo que as pessoas saudáveis formam nos sonhos.” (FREUD e BREUER, 1893, p. 41) – e encontram-se à nível de representação e não da anatomia.

“No fim do século XIX, particularmente sobre a influência de Charcot1, o problema colocado pela histeria ao pensamento médico e ao método anatômico-clínico reinante estava na ordem do dia. Muito esquematicamente, podemos dizer que a solução era procurada em duas direções: ou, na ausência de qualquer lesão orgânica,

1 Charcot: Jean-Martin Charcot foi um médico e cientista francês. Foi professor de Freud

no Hospital Salpêtrière, em Paris. Concluiu que a hipnose era um método que permitia tratar

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referir os sintomas histéricos à sugestão, à auto-sugestão e mesmo à simulação (linha de pensamento que será retomada e sintetizada por Babinski), ou dar à histeria a dignidade de uma doença como as outras, com sintomas tão definidos e precisos quanto, por exemplo, uma afecção neurológica (trabalhos de Charcot). O caminho seguido por Breuer e Freud (e, em outra perspectiva por Janet) levou-os a ultrapassar essa oposição. Freud, como Charcot – cujo ensinamento, como sabemos, tanto o marcou – considera a histeria como uma doença psíquica bem definida, que exige uma etiologia específica. Por outro lado, procurando estabelecer o „mecanismo psíquico‟, ligou-se a toda uma corrente que considera a histeria uma „doença por representação‟.” (LAPLANCHE e PONTALIS, 2004, p. 211, 212)

Freud formulará uma teoria para explicar a estruturação dos sintomas, dando um passo inédito ao propor que, na etiologia dos sintomas histéricos, reside uma motivação de ordem sexual. O que para a época foi extremamente ousado, especialmente porque essa motivação residia na infância, tal como Freud trabalhará mais detalhadamente em seu texto Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, publicado em 1926.

No início de nossos estudos sobre a teoria psicanalítica, vimos que Freud abandonou a prática da hipnose e se deparou com o fenômeno clínico da resistência2, que o conceito de recalque3 começou a se delinear. “A teoria da repressão é a pedra angular sobre a qual repousa toda a estrutura da psicanálise” (FREUD, 1914, p. 26). E sendo assim, os sintomas são efeitos do mecanismo do

2 Resistência: “Chama-se resistência a tudo que nos atos e palavras do analisando, durante

o tratamento psicanalítico, se põe ao acesso deste ao seu inconsciente.” (LAPLANCHE e PONTALIS, p. 458).

3 Recalque: “Operação pela qual o sujeito procura repelir ou manter no inconsciente

representações (pensamentos, imagens, recordações) ligadas a uma pulsão. O recalque produz-se nos casos em que a satisfação de uma pulsão – suscetível de proporcionar prazer por si mesma – ameaçaria provocar desprazer relativamente a outras exigências.”(idem, p. 430).

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recalque, que é propriamente o que institui a dimensão inconsciente. Freud abandona o método catártico e introduz a associação livre; abandona a teoria da sedução e incorpora dois importantes conceitos psicanalíticos: fantasia4 e realidade psíquica5, conceitos fundamentais para a compreensão do sintoma.

Em seu texto de 1917(b),Freud delineia interpretações sobre o significado dos sintomas e de que forma se relacionam e se articulam à vida do sujeito, a partir de extratos de seus casos clínicos. O primeiro caso se refere a uma mulher de 30 anos de idade que executava atos obsessivos diversas vezes durante o dia.

“Ela corria desde seu quarto até um outro quarto contíguo, assumia determinada posição ali, ao lado de uma mesa colocada no meio do aposento, soava a campainha chamando a empregada, dava-lhe algum recado ou dispensava-a sem maiores explicações, e, depois, corria de volta para seu quarto.” (p.269)

O outro extrato clínico se refere a uma jovem de 19 anos, que, então, havia desenvolvido um ritual obsessivo no momento de dormir, composto de diversos atos executados com extrema minúcia.

“…necessitava de silêncio para dormir e devia abolir qualquer fonte de ruído. Com este fim em vista, fazia dois tipos de coisas. Parava o relógio em seu quarto, todos os outros relógios eram removidos do quarto… Vasos de flores e outros vasos eram agrupados na escrivaninha de modo que não pudessem cair… a porta entre seu quarto e o quarto dos pais devesse permanecer entreaberta – exigência que ela fazia colocando

4 Fantasia: “Roteiro imaginário em que o sujeito imaginário está presente, de modo mais ou

menos deformado pelos processos defensivos, a realização de um desejo e, em última análise, de um desejo inconsciente.” (idem, p. 169).

5 Realidade psíquica: “Expressão utilizada muitas vezes por Freud para designar aquilo que

no psiquismo do sujeito apresenta uma coerência e uma resistência comparáveis às da realidade material; trata-se fundamentalmente do desejo inconsciente e das fantasias conexas.” (idem, p. 426).

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diversos objetos no vão da porta… O travesseiro, na parte superior da cama, não devia tocar o encosto de madeira da cabeceira. O travesseiro pequeno devia repousar sobre o travesseiro grande, somente numa posição específica – ou seja, de modo a configurar a forma de um diamante. A cabeça devia repousar, então, exatamente no sentido do diâmetro maior do diamante. O edredon… tinha que ser, antes de colocado sobre a cama, sacudido de tal maneira, que a parte inferior ficasse muito volumosa; depois, no entanto, ela jamais deixava de aplainar esse acúmulo de penas, comprimindo-o para os lados.” (p. 272 e 273). No texto onde expôs os casos acima referidos, Freud vai costurando suas proposições a respeito dos sintomas que se apresentam na forma de rituais obsessivos, e que, embora não pareçam ter um propósito, têm um sentido implícito a eles. O que Freud nos diz é que os sintomas não são meras formações mentais sem propósito, derivadas de mentes „degeneradas‟, como ele entendia ser a posição da psiquiatria da época; mas sim formações que tem um sentido implícito, derivado de ideias inconscientes que dominam o sujeito, e que estes sintomas se relacionam com as experiências desse sujeito, que estão em conexão com sua vida. “Mostrei-lhes, portanto, como base em dois exemplos escolhidos, como as parapraxias e os sonhos, possuem um sentido e têm íntima conexão com as experiências do paciente.” (p. 276).

Entramos então no que Freud define como economia psíquica. O sintoma está a serviço de uma economia cujo objetivo é evitar ao máximo o desprazer, e ter a garantia de uma parcela de prazer, que se nomeia como gozo. Esta economia está em permanente reedição do gozo primordial, que em determinado momento da estruturação psíquica do sujeito é barrado, castrado. Esse ato levará o sujeito a uma negociação, em que haja possibilidade de acesso ao gozo, mesmo que de forma parcial.

O sintoma vem a partir de uma formação de compromisso entre a possibilidade da satisfação pulsional e o recalque que barra essa satisfação. É uma formação substituta, que de forma distorcida, a exemplo do mecanismo dos sonhos,

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vem possibilitar o acesso ao gozo, sempre de forma parcial, pela ação dos mecanismos de condensação e deslocamento.

Há uma rede de significantes que se interligam e que estão expressos no sintoma, nesse sentido é que pensamos a condensação que Freud falava. Assim como o deslocamento aparece em função da desfiguração do conteúdo inconsciente, que por vezes aparece como o seu oposto.

O sintoma é o retorno do recalcado. Como Garcia Rosa (1995) escreve, o retorno do recalcado se faz de forma deformada, distorcida, desfigurada e não como retorno do mesmo, idêntico. O que retorna o faz sob forma de compromisso de tal modo que o desejo recalcado encontre uma expressão consciente, mas que ao mesmo tempo não produza desprazer. Há uma falha no recalque que possibilita que algo desse conteúdo inconsciente, os impulsos de satisfação e o desejo reprimido escapem, proporcionando o acesso ao gozo de forma descomprometida e modificada pela ação da censura.

A repetição do sintoma busca uma satisfação. É na própria repetição que o sintoma traz o gozo. Pela falha no recalque há sempre a possibilidade de algum retorno. Algo escapa, e é nesse momento que o sujeito tem acesso ao gozo. No entanto, esse gozo nunca é completo, não satisfaz inteiramente. O sujeito se depara então com o fracasso, com a falta, justamente o que movimenta o mecanismo da repetição, trabalhado por Freud em texto de 1920.

Na economia psíquica neurótica a falha no recalque permite que o conteúdo inconsciente emerja. No entanto, a censura o modifica, o desfigura, a fim de possibilitar a realização das fantasias sem o comprometimento do Eu, protegendo o Eu da angústia que o próprio desejo causa ao sujeito. Para o neurótico, se deparar com o próprio desejo é algo extremamente angustiante.

Retomando algumas contribuições de Lacan para pensar o sintoma, inicialmente com um retorno a Freud, nos deparamos com o inconsciente estruturado como linguagem. O sintoma é então um significante, uma metáfora. E como nos diz Iordan Gurgel (2005) em O Sintoma – acontecimento do corpo, o

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sintoma é “uma expressão subjetiva do poder da palavra sobre o corpo; é uma mensagem enigmática que o sujeito toma como vinda do real e não dele próprio.” (formatação sem paginação).

O sintoma como metáfora constrói-se a partir de um significante recalcado que é substituído por outro significante. Esse outro significante é o próprio sintoma, que mantém uma ligação com o significante que está recalcado. Em outras palavras, o sintoma diz de um significante sexual, lugar de um saber que é recalcado. Como Freud já nos dizia, o sintoma está relacionado ao sexual, e é substituto desse conteúdo que é afastado pelo recalque. Como diz Lacan: “O sintoma resolve-se inteiramente numa análise de linguagem, porque ele próprio está estruturado como linguagem, porque é linguagem cuja palavra deve ser liberada.” (1978, p. 133).

Freud (1921) em seu texto Psicologia de Grupo e Análise do Ego nos diz que “…a psicologia individual, nesse sentido ampliado mas inteiramente justificável das palavras, é, ao mesmo tempo, também psicologia social” (p. 81). O que nos faz pensar que o sintoma, além de ser organizador do sujeito enquanto verdade estrutural é também organizador das relações sociais, o que podemos denominar de sintoma social. É nesta perspectiva que trabalharemos o próximo capítulo, dividido em duas seções. A primeira é uma tentativa de articular concepções sobre o sintoma social, e a segunda, é onde começamos a tecer as possibilidades de relacionar a perversão com o que é da ordem do social.

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2. O SOCIAL E A PERVERSÃO

2.1 - Sintoma Social

Alain Vanier (2002) nos questiona, se do ponto de vista da psicanálise, podemos falar em sintoma social. Então ele nos diz que “Para pensar a questão do sintoma social convém interrogar não apenas a noção de sintoma como também nossas concepções do social para tentar encontrar o lugar em que se entrelaçam.” (p. 205)

Freud (1921) logo no início de seu texto nos mostra que é muito tênue a diferença entre o que é da ordem do individual e o que é da ordem do social na psicologia. Entendemos que são como faces da mesma moeda na constituição psíquica do sujeito. O que surge clinicamente como sintoma individual é o „a posteriori‟ dos fenômenos sociais que Freud menciona, por isso não é possível traçar uma diferenciação rígida.

“As relações de um indivíduo com os pais, com os irmãos e irmãs, com o objeto de seu amor e com seu médico, na realidade, todas as relações que até o presente constituíram o principal tema da pesquisa psicanalítica, podem reivindicar serem consideradas como fenômenos sociais…” (p. 81)

No texto acima referido Freud nos fala da ligação entre os sujeitos num grupo social que ocorre por um vínculo libidinal. O sujeito constitui-se psiquicamente através do outro, que é a primeira imagem que ele tem de si mesmo, como um espelho. É o outro que devolve ao sujeito a imagem com a qual ele irá se identificar, na medida em que vai havendo reconhecimento, interação, alteridade;

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através do toque, do olhar, das palavras. É Lacan (1966) que irá nos falar sobre o “O estádio do espelho como formador da função do eu”.

“Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem – cuja predestinação para esse efeito de fase é suficientemente indicada pelo uso, na teoria, do antigo termo imago.” (p.97)

Constituímos com o outro, desde o início de nossa existência, na relação com o outro primordial que faz a função materna, um vínculo libidinal, que é essencialmente sustentado pelo investimento afetivo, na relação mãe-bebê. Por essa perspectiva o vínculo, a relação com o outro é anterior a existência individual do sujeito. Na obra já referida encontramos:

“Assunção jubilatória de sua imagem especular por esse ser ainda mergulhado na impotência motora e na dependência da amamentação que é o filhote do homem nesse estágio de infans Parecer-nos-á pois manifestar, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o [eu] se precipita numa forma primordial, antes de se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito.” (p.97)

De acordo com Enriquez (1990) “Esta presença recíproca testemunha uma relação anterior. É a relação (o vínculo libidinal) que permite a construção dos seres, e não o inverso.” (pg. 53). O que nos remete a proposição de Freud bem no início de seu texto Psicologia de Grupo e Análise do Ego sobre a relação intrínseca entre o que individual e o social.

Para compreender o sintoma social, inicialmente precisamos pensá-lo em nível do discurso. Trata-se de um discurso que se torna predominante em uma determinada cultura, numa determinada época. Melmann (1992) em sua obra „Alcoolismo, delinqüência, toxicomania: uma outra forma de gozar‟ nos diz que “Não basta que um grande número de indivíduos em uma comunidade seja atingido por algo para que isso se transforme em um sintoma social.” (p. 09)

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O discurso é a nível lingüístico, de enunciação, do lugar de onde o sujeito fala, é o que regula os vínculos sociais. Melmann (1992) mencionando a toxicomania na especificidade de sua inscrição como sintoma social, nos situa esse lugar discursivo.

“Mas pode-se falar em sintoma social a partir do momento em que a toxicomania é, de certo modo, inscrita, mesmo que seja nas entrelinhas, (…) no discurso que é o discurso dominante de uma sociedade em uma época dada.” (p. 09) Em outras palavras, é o modo como os sujeitos estão se representando, de que lugar nos falam. Assim como o sintoma estrutural, o sintoma social também objetiva tamponar o que é da ordem do Real. Calligaris (1991) elabora um espécie de metáfora a partir de um episódio pessoal, que nos auxilia a compreender o sintoma social. Seguem suas palavras.

“Quando acabei alugando o meu primeiro verdadeiro apartamento em Paris, ele tinha um defeito: havia sido o consultório de um dentista, e, no que ia ser para mim a sala, o dentista instalara sua cadeira. Como se sabe, uma cadeira de dentista nesta época era fixada no chão, para que não se mexesse. Agora, o chão da sala era parquê, um parquê então com um furo aparente relevante. Eu não tinha condições financeiras de recorrer a um marceneiro competente, nem de acarpetar a sala. Então tomei a única decisão possível: que aí fosse o lugar da mesa e coloquei a mesa em cima do buraco. Só que, uma vez a mesa colocada, de repente a organização toda da peça estava comprometida, os outros móveis necessários só poderiam estar em lugares determinados; a escolha ia se limitando de um jeito que era tanto mais constrangedor que, a posição da mesa se juntando à circulação de portas que a sala oferecia, automaticamente o meu percurso na sala virara incômodo, tortuoso. Comecei a entender assim que meus percursos eram da ordem da repetição do constrangimento simbólico, do sintoma, e que este constrangimento era organizado por um buraco que eu tentava tapar. Cada vez que, neste percurso, inevitavelmente eu batia na mesa, aí o real insistia, o real do buraco que estava organizando todos os meus percursos entre os móveis e a porta da sala, apesar de ser de uma outra ordem (de não ser nem um móvel nem uma porta)…. Imaginemos primeiro que este buraco fosse propriamente inconsertável, não no sentido de uma impotência (falta de dinheiro), mas de uma impossibilidade, como se fosse um elemento de estrutura de qualquer edifício. Imaginemos que eu tivesse decidido,por conseqüência, cravar a mesa em cima do buraco, de tal maneira que ela não pudesse mais ser mexida. E, terceiro, imaginemos que eu, saindo para umas férias, decidisse alugar o apartamento mobiliado a um grupo de pessoas. Estas pessoas estariam na ignorância total da razão desta mesa inamovível e extremamente incômoda. Os efeitos disso seriam uma verdadeira intolerância ao sintoma, quer dizer, intolerância às circulações obrigatórias e logo uma série de conseqüências relacionais. Pois acontece, por exemplo, que um dos quartos era completamente sacrificado, porque a sua porta nem conseguia se abrir inteiramente por causa da mesa; então, quem tivesse que aceitar este quarto, ficaria desfavorecido. Imaginem o que poderia ser a distribuição das cadeiras ao redor da mesa, e por

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conseqüência a importância da distribuição dos lugares; enfim, um clima coletivo que poderia se tornar perfeitamente infernal. A briga faria do sistema algo cada vez mais intolerável, mais duro e mais pesado: por exemplo, num certo momento, as facções diferentes, segundo os quartos, poderiam decidir não se encontrar mais, e, de repente, o constrangimento do percurso se somaria a um constrangimento do horário de circulação, uso do banheiro etc. Agora, nesta situação assim descrita, a de um sintoma tanto mais intolerável que se funda numa necessidade desconhecida, que tipo de intervenção seria possível? Há várias: desde, por exemplo, mandar todo mundo acreditar num Papai Noel marceneiro, ou mesmo num corretor que acharia um outro milagroso apartamento sem buraco (digo um Papai Noel, porque o nosso pressuposto era que o buraco fosse impossível de consertar, um elemento de estrutura próprio a qualquer edifício); até, eventualmente, promover a conflitualidade numa guerra para a expulsão da facção oposta, ou então, por exemplo, organizar uma troca de quartos regulares e em turnos para inserir um mínimo de justiça e acalmar um pouco os ânimos. Nesse quadro, a originalidade da intervenção do analista seria só mostrar o buraco embaixo da mesa, com a ideia que o sintoma não tem saída porque o buraco não tem conserto. E que só é possível fazer algo que valha, algo diferente do pesadelo da co-habitação do nosso grupo de inquilinos imaginários, para quem consente encarar o impossível, quer dizer, o buraco que organiza o sintoma….o buraco, embora parecendo em cada apartamento num lugar diferente, e embora cada grupo de inquilinos se organizando segundo uma camuflagem diferente do buraco – é interapartamental, por estar em todos os apartamentos e testemunhar de um impossível arquitetônico própria a uma cultura e a uma época.” (p. 13, 14 e 15)

Freud não separa cultura e civilização. Pierre Kaufmann apud Enriquez (1990) que nos diz sobre como Freud entende a cultura.

“Por cultura humana”, diz Freud, “entendo tudo o que a vida humana construiu acima de sua condição animal, é o que a distingue da vida dos animais – recuso-me a separar civilização e cultura… Ela (a cultura) compreende, por um lado, todo o saber e o poder que os homens adquiriram para dominar as forças da natureza e adquirir os bens para a satisfação das necessidades humanas; por outro lado, ela comporta todas as organizações necessárias para regulamentar as relações dos homens entre si e, em particular, a repartição dos bens que eles podem obter.” (p. 70)

Na obra de 1913, Freud irá melhor desenvolver sua teoria sobre como se funda o social, a cultura. Para Enriquez (1990), é nessa obra que Freud vai buscar compreender e explorar o que são e como se dão os vínculos sociais.

“…essa obra marca não apenas uma descentralização do olhar do analista (até então centrado no indivíduo), em direção ao „socius‟,

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mas principalmente o aparecimento de uma teoria radicalmente pessimista, fazendo a humanidade nascer de um crime cometido em conjunto, crime do qual a humanidade não pode jamais se liberar.”. (p. 29)

Segundo Freud (1913), o que possibilita a vida em sociedade, a construção do laço social é a interdição do incesto. “Os desejos sexuais não unem os homens, mas os dividem.” (pg. 147). É nessa obra que Freud relata o mito da horda primeva, a partir do que ele menciona como sendo uma hipótese de Charles Darwin “…sobre o estado social dos homens primitivos.” (p. 131). É após a morte do pai/chefe da horda, que os irmãos vêem sua condição de sobrevivência atrelada a instauração da lei de interdição do incesto, que é a interdição do gozo, de um gozo total, completo. Só haveria possibilidade de sobrevivência se cada irmão renunciasse ao gozo ilimitado.

“Embora os irmãos se tivessem reunido em grupo para derrotar o pai, todos eram rivais uns dos outros em relação às mulheres. Cada um quereria, como o pai, ter todas as mulheres para si. A nova organização terminaria numa luta de todos contra todos, pois nenhum deles tinha força tão predominante a ponto de ser capaz de assumir o lugar do pai com êxito. Assim, os irmãos não tiveram outra alternativa, se queriam viver juntos – talvez somente depois de terem passado por muitas crises perigosas – do que instituir a lei contra o incesto, pela qual todos, de igual modo, renunciavam às mulheres que desejam e que tinham sido o motivo principal para se livrarem do pai. ”.(p. 147)

É essa renuncia que funda o laço social. Porém, algo deve vir em troca da renuncia, e é então que podemos falar em sintoma social. Enriquez (1990) vai nos dizer que, além da interdição do incesto ser elemento fundamental para a organização social, “…Freud acrescenta a necessidade de uma instância interditora visando impedir a satisfação da pulsão no imediato e permitir a ligação durável e inevitável do desejo e da lei, tanto no indivíduo quanto no corpo social.” (p. 35)

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Essa instância repressora é decisiva na constituição do social. “A civilização nasce com e pela repressão.” (p. 36)

Nas reflexões de Calligaris (1999) o social é o sintoma próprio da sociedade moderna. Quando ocorre a passagem da sociedade tradicional para a moderna, o sujeito se encontra desamparado, pois perde o lugar que tinha na tradição, um lugar que lhe era garantido. O sujeito estava seguro, não precisava buscar um lugar, pois este já estava dado de antemão. Porém, na modernidade, o sujeito precisa buscar um lugar para se fazer valer, nada está dado, não há segurança para o sujeito, nesse sentido. Precisa garimpar um espaço e um lugar.

A sociedade tradicional era a sociedade do „ser‟. Era o sobrenome, a herança familiar em nível histórico e cultural, não financeiro, que dizia quem era o sujeito, e o lugar que deveria ocupar na sociedade. Na modernidade, o sujeito encontra-se um tanto perdido. É com a modernidade que surge a sociedade do „ter‟ e do „aparecer‟. O sujeito acredita que encontra um lugar e se faz valer a partir de suas possibilidades de acumular objetos e também de poder exibi-los aos outros. O que complica a condição do sujeito são as conseqüências que a sociedade do „ter‟ vem manifestando na contemporaneidade, com relação aos sintomas sociais que está produzindo…

É a partir dessas reflexões sobre a sociedade contemporânea, ou pós-moderna, que nos deparamos com uma hipótese sobre o social em articulação com a perversão. Se o social já é em sim mesmo sintoma, que como mencionamos no capítulo I,visa dar conta de uma falta estruturante, é através desse social/sintoma que os sujeitos se vinculam e produzem uma organização que compreendemos como sociedade ou cultura.

A partir desse momento, nossas reflexões visam compreender quais são as possibilidades de relacionar a perversão com o sintoma social, e de que maneira essa hipótese pode ser fundamentada. Mas primeiramente, precisamos compreender a perversão, especialmente a partir da metapsicologia freudiana.

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2.2 - As versões da Perversão

Freud, ao nos dizer que “…a neurose é, por assim dizer, o negativo da perversão.” (1905, p. 157) traz a ideia de que o que no neurótico se manifesta somente como fantasias inconscientes, na perversão está ao alcance da consciência e possivelmente da passagem ao ato.

Falar sobre a perversão é algo bastante complexo. Como termo, carrega um tom pejorativo, já desde o século XIX. Refere-se a desvios do comportamento sexual, a práticas sexuais consideradas „anormais‟.

“Na segunda metade do século XIX, com o desenvolvimento das teorias sexuais, ele passou a ser empregado, pela medicina, como sinônimo de distúrbio psicossocial. Os desvios passaram a ser entendidos como aberrações que deveriam ser tratadas, pois atingiam todos os aspectos da vida da pessoa e, conseqüentemente, a sociedade.” (SEQUEIRA, 2009, p.223)

Para Freud, considerar a perversão como sendo exclusivamente uma manifestação patológica é impróprio. Nas Considerações Gerais Sobre a Perversão (1905) Freud nos diz ser bastante comum haver „transgressões‟ na vida sexual de pessoas sadias, e que é com certo cuidado e atenção que pode-se considerar um desvio sexual de seu destino „normal‟ (genitalidade) como sendo uma manifestação de ordem patológica. Para Freud (1905), quando a perversão “…suplanta e substitui o normal em todas as circunstâncias, ou seja, quando há nela as características de exclusividade e fixação, então nos vemos autorizados, na maioria das vezes, a julgá-la como um sintoma patológico.” (p.153). Nos diz também sobre a perversão como sintoma patológico que

“Ainda assim, em muitas dessas perversões a qualidade do novo alvo sexual é de tal ordem que requer uma apreciação especial. Algumas delas afastam-se tanto do normal em seu

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conteúdo que não podemos deixar de declará-las „patológicas‟…” (p. 152)

Mas o conceito de perversão vai além, atingindo um estatuto de estrutura psíquica, assim como são a neurose e a psicose. “Freud começa seus estudos sobre a perversão e caminha de uma descrição das perversões sexuais para uma teorização do mecanismo geral da perversão.” (SEQUEIRA, 2009, p.223).

É ao longo de nossos estudos da teoria freudiana que encontramos as primeiras considerações de Freud acerca da perversão. Inicialmente o autor nos diz que a perversão se refere ao desvio da pulsão sexual de seu caminho dito „normal‟, a genitalidade, para direcionar-se a outros objetos, o fetiche, do qual falaremos mais adiante e sobre o qual Freud dedica um texto específico sobre o tema em 1927.

Nesse mesmo texto de 1905(b), Freud conceitua a pulsão, justamente para tentar nos explicar de que maneira ocorre esse desvio do destino „normal‟ da pulsão sexual, que ocorre na perversão.

“Por „pulsão‟ podemos entender, a princípio, apenas o representante psíquico de uma fonte endossomática de estimulação que flui continuamente, para diferenciá-la do „estímulo‟, que é produzido por excitações isoladas vindas de fora. Pulsão, portanto, é um dos conceitos da delimitação entre o anímico e o físico.” (p. 159) Porém, em se tratando da perversão, o mais importante, quando Freud fala em pulsão, é sua fonte e seu alvo. Ou seja, o órgão ao qual se relaciona, e que constituirá o que entendemos por zona erógena (pulsão parcial). “A fonte da pulsão é um processo excitatório num órgão, e seu alvo imediato consiste na supressão desse estímulo orgânico.” (p. 159).

Ainda na seqüencia, Freud nos diz que as zonas erógenas são substitutas da genitália, e essa função aparece especialmente nos sintomas da neurose histérica, embora também estejam presentes nos sintomas da neurose obsessiva e da paranóia(psicose), que são as formações delirantes.

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Mas é especificamente quando Freud irá nos falar da sexualidade infantil que seu desdobramento teórico vai nos situar diante de uma nova perspectiva sobre a perversão. Que num determinado momento da infância, durante o desenvolvimento da sexualidade, há um período onde a criança demonstra disposição à perversão. O que então se apresenta como manifestação natural no processo de constituição psíquica. É a disposição perversa polimorfa.

“É instrutivo que a criança, sob a influência da sedução, possa tornar-se perversa polimorfa e ser induzida a todas as transgressões possíveis. Isso mostra que traz em sua disposição a aptidão para elas; por isso sua execução encontra pouca resistência, já que, conforme a idade da criança, os diques anímicos contra os excessos sexuais – a vergonha, o asco e a moral – ainda não foram erigidos ou estão em processo de construção.” (p.180)

Em seu texto de 1927, Freud é bem direto em nos afirmar que o fetiche é um substituto do pênis. De um pênis imaginário, que se refere à primeira infância e cujo objetivo é proteger a criança da angústia da castração, e que depois será perdido. É o pênis que a criança supõe na mãe.

O fetiche é uma possibilidade do sujeito não abandonar o pênis imaginário que outrora lhe protegeu da angústia da castração. “…não é um substituto para qualquer pênis ocasional, e sim para um pênis específico e muito especial, que foi extremamente importante na primeira infância, mas posteriormente perdido.” (p. 155).

Freud nos diz que o fato em questão é que a criança recusa a castração materna. Seguindo a lógica de que se a mãe não tem pênis é porque um dia teve, mas o perdeu, foi castrada, e sendo assim, isso também pode acontecer com a própria criança. A angústia diante dessa possibilidade é insuportável para a criança.

Então surge o fetiche, como substituto. “No conflito entre o peso da percepção desagradável e a força de seu contra-desejo, chegou-se a um compromisso…” (p. 156). Por meio desse compromisso, outra coisa ocupará o lugar

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e o interesse antes dirigido ao pênis materno, e agora com maior intensidade, na contramão da própria intensidade da angústia da castração.

É a partir dessas considerações sobre o fetiche que Freud menciona o que vem a ser fundamental para pensarmos a perversão enquanto estrutura: a recusa da castração; o que Freud (1927) diz no texto como sendo uma saída outra além da neurose e da psicose.

A estruturação psíquica do sujeito depende da resolução de seu Complexo de Édipo, ou, em outras palavras, do processo de simbolização da Lei, a função paterna.

“É a metáfora paterna que estrutura o sujeito, pois possibilita o recalque originário e o processo de simbolização da Lei. A mãe não tem o falo; logo, seu bebê o é. Ser o falo para preencher a falta da mãe causa angústia, a mesma de ser engolido por ela. A resposta a essa angústia é uma ilusão; cria-se um falo para a mãe e ela, tendo o falo, deixa o sujeito respirar.” (SEQUEIRA, 2009, pg. 223).

Sequeira (2009) nos diz que no caso da perversão, o bebê ocupa o lugar fálico, retira o pai desse lugar, com autorização da mãe. Nesse caso, o sujeito estaria mais colado ao desejo da mãe do que o neurótico. A autora nos diz que na concepção lacaniana trata-se de uma alienação. Ela nos remete a Lacan (1957), no Seminário V: as formações do inconsciente, que nos diz que a perversão se localiza na fase pré-edípica, fase onde a mãe é o objeto privilegiado do amor do menino e da menina, onde a criança imagina satisfazer o desejo da mãe.

“A identificação pré-genital é fálica, relacionada diretamente ao falo materno; a criança está presa no desejo do Outro e se insere na ilusão de ser ela o falo da mãe. Há uma recusa em saber a diferença sexual; o fetiche é o símbolo que dribla, engana. Nessa recusa, o sujeito não se submete à lei paterna (simbólica), desafiando-a. Há uma insistência na transgressão que não anula a angústia da castração. O perverso recusa a castração em forma de ato:

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transgredindo a lei, ele descumpre o pacto edípico.” (SEQUEIRA, 2009, pg. 223 e 224).

O perverso então, se esforça o tempo todo para se distanciar da castração, da enorme angústia que ela causa. Age de forma a não transparecer a falta, então encena, inventa lugares de onipotência, para manter essa imagem. Então é que o neurótico entre nessa história, pois o perverso faz dele o lugar da falta e do fracasso, que quer afastar de si, e o neurótico responde a isso.

Para Sequeira (2009), o perverso é escravo do desejo da mãe, da posição edípica de ser o falo materno. É desse lugar que fala o perverso, o lugar daquele que detém o saber sobre o desejo do Outro, que faz o Outro gozar.

“…podemos compreender o perverso preso a esse lugar de sustentação do falo, desafiando a Lei, o que abre as portas para a transgressão, o desafio à lei, para a postura perversa, desafiadora, provocadora, de quem se comporta como detentor do falo.” (p. 224)

Nessa perspectiva, o fetiche não necessariamente é um objeto ou uma fantasia. Pode ser mais complexo que isso, seu falo pode ser o poder e a palavra.

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3. SINTOMA SOCIAL CONTEMPORÂNEO

É a partir da leitura das obras de Calligaris que nos deparamos com a possibilidade de pensar a perversão como laço social. Em 1986 ele se pergunta se a perversão não é um laço social; melhor dito, o laço social por excelência. Então, surgiu a necessidade de compreender algumas diferenças entre aquela estrutura e a neurose.

O neurótico se defende da demanda do Outro se reportando ao saber do pai. É em função dessa demanda de ser o objeto do Outro, para se proteger dela que o neurótico constrói o fantasma. Para haver sexualidade tem que haver fantasma, “e todo o fantasma funda-se sobre o objeto parcial” (COSTA,1991, p.61), por isso o gozo do neurótico é o gozo fálico. No caso do perverso, ele constrói um falo imaginário; transforma o objeto em instrumento. “…converter o objeto em instrumento significa apropriar-se do saber atribuído ao pai, saber este que implica poder „domar o gozo do Outro‟.” (COSTA,1991, p.61).

Calligaris (1991) nos diz que se o saber do pai pudesse ser sabido e então compartilhado, seria possível constituir um mesmo fantasma. É o que ele chama de saída perversa da neurose.

“Sendo impossível chegar a conhecer o saber paterno suposto, a opção é abdicar a própria singularidade de sujeito, aliená-la, construindo – de preferência coletivamente – um semblante de saber paterno que por isso mesmo seja sabido e compartilhado. Que isso nos garanta a certeza nos atos e a prática possível de uma fantasia comum é o prêmio da operação.” (p.112)

Costa (1991) retoma o trabalho de Calligaris e diz que esse se questiona sobre “a facilidade com a qual o neurótico entra em formações ou montagens perversas”. (p.62). Calligaris entende que nessas montagens o sujeito abandona sua singularidade para seguir o gozo do Outro. Que é o gozo da própria

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montagem, onde cada um é instrumento e saber ao mesmo tempo. O sujeito então, alienado na montagem, se torna instrumento do saber que supõe deter.

Os autores referidos tomam como exemplo de montagem perversa o nazismo, pensando que toda a forma de totalitarismo já é por si só uma perversão, por pressupor um saber total. Costa (1991) baseia-se em Hanna Arendt, que escreve da ausência de implicação que percebe nas respostas dos criminosos nazistas quando indagados sobre os crimes que cometeram em nome do Estado Nazista. Respondiam que aqueles atos foram feitos porque se propuseram a ser funcionários exemplares. Costa retoma Calligaris (1986), onde esse coloca as frases dos criminosos no sentido intrínseco a elas:

“Vocês estão enganados, o meu gozo não era pelo fato de matar milhões de pessoas, meu gozo era de estar numa montagem perversa com outros do meu partido, e para ter esse gozo estive pronto a pagar qualquer preço, evidentemente.” (CALIIGARIS 1986, apud COSTA, pg. 63).

A leitura dos autores acima referidos nos instigou à leitura da filósofa Hanna Arendt; e dessa leitura ficou a questão de que não se tratava de uma situação clínica individual. A partir da leitura de Hanna Arendt, Costa (1991) nos fala de um funcionário nazista responsável direto pela morte de inúmeros judeus durante a Segunda Guerra Mundial. O que nos questiona e ao mesmo tempo nos assombra, nesse relato, é que fica constatado que não se tratava de um psicopata ou de um sádico, ou ainda de um doente mental. Era um homem „normal‟, que estava falando do lugar que ocupava, o lugar de um funcionário exemplar. Eichmann sentia-se culpado somente quando não cumpria as ordens que recebia. Podemos pensar numa alienação, o sujeito estava alienado a função que desempenhava. O sujeito se apaga em detrimento da função. Então, o Outro não é mais Outro, é objeto, objeto de trabalho como no caso de Eichmann, assim como o seriam papéis sobre sua mesa. Estava imerso numa montagem perversa.

Quando Hanna Arendt (2000) nos fala sobre a banalidade do mal, pensamos sobre o que significa o mal se tornando banal; e se podemos pensar

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nisso quando olhamos para a sociedade pós-moderna em que vivemos. Então, Costa (1991) vai nos dizer que

“O risco da „banalidade do mal‟ está inscrito na disponibilidade da neurose em deixar-se captar pela „montagem perversa‟ e na exigência do social, que para funcionar eficazmente tende a reificar „um Outro‟, heterônomo às „leis humanas‟ e dissolutor da singularidade do sujeito e de seu desejo. Sob este aspecto, a perversão como laço social renova a equação do Mal-estar na Cultura, mostrando que a destruição passa pela ilusão do gozo do Outro.” (p.66)

É interessante quando Calligaris (1991) nos diz que uma saída da neurose pela via da perversão é “uma tentação irresistível” (p.114) para o neurótico. Ele se refere a uma “paixão pela instrumentalidade” (p.114). Ou seja, ele nos diz que a maioria dos neuróticos estaria disposta a pagar o preço e as exigências, sejam quais forem, para estar na montagem. O que o autor considera inaceitável, “que, para conseguir uma saída do sofrimento neurótico banal através de um semblante perverso, o neurótico possa considerar que qualquer preço é bom.” (p.115). Para o neurótico:

“…antes um universo totalitário do que combater em nome de valores fálicos (a liberdade, por exemplo). É muito mais fácil para o neurótico entrar numa montagem perversa desse tipo do que permanecer no conflito neurótico.” (CALLIGARIS, 1986, p. 15).

Essa tentativa de sair do conflito é própria do neurótico. Assumir o conflito é tentar de alguma maneira lidar com a angústia da castração e assumir seu desejo, se implicar com o que é seu, com sua verdade. Mas trata-se de uma posição incômoda, que exige trabalho constante e flexibilidade por parte do sujeito. Então o neurótico prefere encontrar uma zona de conforto e ali permanecer. O que significa se desimplicar de suas próprias questões, sair do conflito, negá-lo através da instrumentalização que apaga o Outro e é própria de uma posição de perversão.

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Já mencionamos no capítulo anterior, ao falar sobre o sintoma social, das mudanças ocorridas na sociedade a partir do capitalismo. Se antes, tratava-se de uma sociedade do „ser‟, depois do capitalismo se tornou a sociedade do „ter‟. Calligaris (1991) nos diz que existe uma diferença entre um modo de valor e outro, que tem implicações e interferem no sintoma social de nossa época.

Na sociedade do „ser‟ não há respostas certas, nem certezas, apenas questionamentos, “nos movemos num campo de constituições e questionamentos constantes de ideais onde uma conformidade certa nunca é possível.” (p.117). Porém, na sociedade do „ter‟ “pode haver respostas certas, pode haver um saber sabido e compartilhado…” (p.117).

Então, Calligaris (1991) nos diz, que nessa hipótese, o sintoma social dominante deixaria de ser um sintoma social neurótico e se tornaria um sintoma social perverso. “Quero dizer, com perverso, um sintoma no qual o saber paterno não é mais um saber suposto, mas é culturalmente um saber sabido e compartilhado.” (p.117) Saber que se refere ao „ter‟, a um objeto, que designado, então sabido.

“Um horizonte que introduz a promessa de um gozo satisfatório no semblante ao prometer o acesso a um saber comum sobre o que queremos, promessa tanto mais fácil na medida em que o que queremos esteja do lado do ter.” (p.118)

Peixoto Junior (1999) nos fala da relevância que tem para nossa época que a psicanálise pense as questões da perversão dentro da estrutura social. Indo além do que a teoria aponta como as perversões sexuais, das quais se fala já antes de Freud. Então, com o objetivo de “…detectar a montagem social perversa de discriminação, manipulação ou humilhação que daí possam advir.” (p.255). Para este autor, é a grande contribuição que a psicanálise e os analistas podem trazer para esta questão, “…no sentido de levantar aspectos das formações sociais que incidem sobre os sujeitos, apagando diferenças e impedindo a plena manifestação de suas múltiplas subjetividades.” (p.255).

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Peixoto Junior (1999) vai retomar diversas vezes em sua obra a relação entre a psicanálise e o social, ou entre a clínica e o social, e a importância dessa relação para a própria consolidação da psicanálise como disciplina. Então o autor menciona um artigo de 1982 de Marcel Czermark, que fala sobre perversões e grupos. O autor nos diz então que do ponto de vista de Czermark:

“…as perversões podem se situar justamente a meio caminho entre o social e a clínica, no que elas tocam diretamente à ética psicanalítica. Basta um mínimo de instrumentalização dos sujeitos, com a conseqüente redução de suas possibilidades simbólicas, para que a relação perversa se instale, na medida em que eles passam a emprestar seus bens (seus corpos e seus nomes) para o gozo de um outro.” (p.270) Em sua obra, Peixoto Junior (1999) também irá retomar Calligaris para falar sobre a perversão no social, e sobre a função da montagem perversa. Para o autor, trata-se de uma „falsa‟ saída da neurose a qualquer preço, mesmo que esse preço seja sua singularidade, pois acredita que a montagem perversa lhe satisfaça.

“A partir daí, surge no horizonte a suposição de que a sociedade estivesse encontrando uma solução fictícia para seu mal-estar num bem-estar aparente, proporcionado por esta saída criada pela perversão; ela ofereceria um saber universal, disponível para todos, aliviando com isso as pressões superegóicas.” (p.275)

Então Peixoto Junior (1999) chega na questão do capitalismo. Como já mencionamos anteriormente, Calligaris (1988) situa que é a partir do capitalismo que se inicia uma inversão de valores na sociedade, do „ser‟ para o „ter‟. Peixoto Junior nos diz que o capitalismo recalcou as relações de dominação que existiam antes, no sistema feudal (mestre e escravo)6, e que apareciam de forma clara.

“As relações sociais entre pessoas, em vez de se afirmarem como relações sociais que são, disfarçam-se em relações sociais entre coisas,

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permitindo uma dominação disfarçada que, caso se radicalize, dará origem a um tipo de capitalismo que poderíamos chamar perverso.” (p.277)

Essa também é uma leitura possível do sintoma social perverso, a partir, então, do capitalismo, no tocante às leis de mercado e das relações de consumo. Indubitavelmente, questões contemporâneas, que se desdobram na sustentação do laço social. Sobre a questão da perversão, o que nos parece estar em destaque no social, é essa tentativa, „falsa‟, de construir um saber sobre o gozo do Outro, que sempre se refere a um lugar vazio. Peixoto Junior (1999) nos diz que:

“Os objetos, os fetiches, as mercadorias, cujo consumo é cada vez mais incentivado e recomendado pela publicidade, acabam por constituir uma realidade que tem a mesma substância da fantasia, representando o mesmo papel de encobrir o real como telas diante da Coisa, interditada pela Lei que procura sustentar o desejo.” (p.284 e 285)

O que nos remete à questão da impossibilidade de um gozo completo, absoluto. E nesse sentido, o cuidado de não cairmos em falsas promessas de que um gozo absoluto é possível (a não ser sob forma de alienação). Ou como o autor diz “…que devemos compreender o engodo básico…” (p.285), e então, aceitar a condição de insatisfação permanente e da presença do mal-estar. Em troca disso, ganhamos nossa subjetividade, que nos diferencia uns dos outros, e que nos dá inúmeras possibilidades de ser.

Pensando a partir de uma lógica de consumo que ilude os sujeitos com a perspectiva de uma obturação da falta constitutiva, com diferentes objetos de consumo, através de propagandas nas mídias; o desejo e a frustração ficam atrelados a tais objetos. Trata-se de uma falsa promessa de satisfação, sempre implícita a um novo produto que surge no mercado, e que coloca os sujeitos num processo de repetição.

De acordo com Sequeira (2009) “…temos o desmentido da castração, pelo imperativo do gozo, promessa do mundo atual, oriunda do capitalismo… o imperativo do gozo leva a um laço perverso.”(p. 226). Se a sociedade capitalista em que vivemos oferece seus objetos de consumo como

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fetiches, como ocorre na lógica perversa, essa relação com os objetos promoveria uma negação da castração e negação à lei simbólica. “O sujeito, na atualidade, está desenraizado, acredita ser livre, sem prestar contas a ninguém, deve gozar tudo que puder, sendo esse gozo permeado pelo consumismo, fenômeno relacionado ao fim das tradições.” (p.227)

Interessante o que Sequeira(2009) nos diz sobre os objetos de consumo, que eles vendem subjetividade, já que são eles que dizem quem somos. A mídia e todos os seus esforços transformam os objetos em signos e os inflam de simbolizações. Então, é como se a subjetividade fosse transformada em mercadoria.

“Esse modo de laço social cria a ilusão de que a satisfação se dá com objetos, degradando as relações. As relações sociais não estão mais centradas nos laços com outros homens, mas em bens recheados de valores simbólicos, exatamente onde faltam estruturais sociais simbólicas.” (p. 227)

Nessa perspectiva de Sequeira (2009), o sentido das relações é perverso. Pois o objetivo do social é atingir o gozo absoluto e negar o Outro e a castração. Optar pela lógica da exclusão e da exceção, e não pelo contrato social, que é o que garantiria um lugar de filiação e de pertencimento aos sujeitos.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar o sintoma a partir de uma dimensão social é algo complexo, já que em geral o sintoma é tomado como uma marca individual. É a partir da Psicanálise de Freud que o sintoma adquire uma nova dimensão, que vai além de uma manifestação fisiológica e passa a ser tomado como uma manifestação do sujeito, repleta de sentido e passível de ser interpretada, afinal, as pedras falam.

Pensar o sintoma enquanto sintoma social nos propõe, num primeiro momento, questionar o conceito de sintoma, e vai mais além, nos propõe questionar nossas concepções sobre o social, para então, encontramos as possibilidades de relacioná-los e encontrar o lugar onde se entrelaçam.

Freud nos propõe a idéia de que o sujeito se estrutura a nível psíquico a partir do que a cultura lhe dispõe, e por isso então, mesmo aquilo que se caracteriza no sujeito enquanto singular, individual, não se articula fora do social, mas sim em função do laço social. E é pensando o laço social na contemporaneidade que buscamos as possibilidades de articular laço social e perversão.

Dadas as devidas diferenças entre a perversão enquanto estrutura clínica e a perversão como discurso que faz laço social, buscamos as configurações do social que nos sugerem pensar essa possibilidade de enlaçamento pela via da perversão. E ainda mais, a partir dessa possibilidade, poderíamos estar já vivendo, como sujeitos contemporâneos, as conseqüências dessa modalidade de vínculo.

Pensar no social que desesperadamente tenta negar a castração, fazer calar as pedras do caminho, assim como também nos faz questionar sobre os

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sujeitos na atualidade. Trata-se de um tema amplamente discutido na atualidade, por vários autores psicanalistas. O tema aparece com muita relevância na contemporaneidade, especialmente quando pensamos nas toxicomanias, depressões e nos psicofármacos.

Falar sobre a dimensão social do sintoma é relevante, pois nos possibilita realizar uma leitura de como está funcionando nossa sociedade. Especialmente, para tentar compreender as diversas manifestações subjetivas e comportamentais que os sujeitos contemporâneos esboçam, em virtude da modalidade de laço social no qual se articulam.

Pensando na sociedade pós-moderna, e o que através de sua organização manifesta como articulação social, nos deparamos com inúmeras demandas. Ao pensarmos a perversão como sintoma social, nos deparamos de imediato com as tentativas dos sujeitos pós-modernos em obturar a castração a todo o custo. Para isso, nem é preciso ir muito longe, basta ligar a televisão que encontraremos as mais diversas tentativas de sedução do sujeito; a mais certa das promessas de que um gozo ilimitado está ao seu alcance, no mais breve tempo possível. Os comerciais tão belos e cativantes são muito eficientes ao propagar, nas suas entrelinhas, a similaridade entre sujeitos e objetos. E então, todos iguais.

Nunca se falou tanto em diferenças como em nossa sociedade atual, e ao mesmo tempo nunca se quis apagá-las tanto como agora. A perspectiva é inflar os sujeitos com a oferta de objetos infindáveis, de psicofármacos cada vez mais eficazes em manter todos contentes e consumindo. O tempo acelerado causa quase uma ilusão de ótica sobre o que a imagem no espelho revela, e já não revela mais, porque o sujeito se apaga em meio às infinitas ofertas de uma „pseudo‟ felicidade imediata.

Os toxicômanos reagem a isso à sua maneira, se isolam num mundo fictício de prazer infindável, mas de onde sempre retornam, e pra onde logo voltam, até atingir a única dimensão de desejo que lhes resta, a morte. Os depressivos, em seu silêncio e quietude mortais, são os que emitem os gritos mais fervorosos contra a ditadura da pseudo felicidade que lhes é imposta diariamente e a qual não aderem. Tornam-se o resto do que é por prerrogativa falho, castrado e limitado.

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Os vínculos se tornam objetais, as relações se dão com as mercadorias, os tóxicos ilícitos e os lícitos. As pessoas não se suportam, e não toleram relacionamentos que não lhes satisfaçam de acordo com o ideal. Então, tudo se torna superficial, rápido, momentâneo. Os filhos provêm dos laboratórios, pois assim é possível abrir mão da parte incômoda de suportar o outro numa relação conjugal que não fornece a satisfação plena na promessa. Agora que lugar ocupará esses filhos é uma questão mais complexa ainda.

Acreditamos que são inúmeras as reflexões que o social nos possibilita, e de certa forma, podemos pensar que os sujeitos, de diferentes formas, estão se enveredando por enlaçamentos perversos. Mas essa é apenas a ponta do iceberg, ainda temos muito a avançar em nossos estudos e em nossa escuta do social. É um campo que se abre, mais e mais, e fica impossível acessar o sujeito sem acessar o contexto em que está imerso.

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Metrópole Legião Urbana

"É sangue mesmo, não é mertiolate" E todos querem ver

E comentar a novidade.

"É tão emocionante um acidente de verdade" Estão todos satisfeitos

Com o sucesso do desastre: Vai passar na televisão

"Por gentileza, aguarde um momento. Sem carteirinha não tem atendimento - Carteira de trabalho assinada, sim senhor. Olha o tumulto: façam fila por favor.

Todos com a documentação.

Quem não tem senha não tem lugar marcado. Eu sinto muito mas já passa do horário.

Entendo seu problema mas não posso resolver: É contra o regulamento, está bem aqui, pode ver. Ordens são ordens.

Em todo caso já temos sua ficha.

Só falta o recibo comprovando residência.

Pra limpar todo esse sangue, chamei a faxineira - E agora eu já vou indo senão perco a novela E eu não quero ficar na mão.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FREUD, Sigmund; BREUR, Josef. Estudos sobre a histeria (1893). In:FREUD,Sigmund. Obras psicológicas completas da Ed Standard Brasileira. RJ: Imago Editora, 1996. Volume II.

________________. Fragmento da Análise de um Caso de Histeria (1905a). In: FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas completas da Ed Standard Brasileira. RJ: Imago Editora, 1996. Volume VII.

_______________.Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (1905b). In: FREUD, Sigmund. Obras Psicológicas completas da Ed Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. Volume VII.

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______________. A história do movimento psicanalítico (1914). Obras Psicológicas completas da Ed Standard Brasileira. RJ: Imago Editora, 1996.

Referências

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