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O concerto para viola e orquestra de Marco Padilha : estudo técnico-interpretativo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

JESSÉ MÁXIMO PEREIRA

O CONCERTO PARA VIOLA E ORQUESTRA DE MARCO PADILHA: ESTUDO TÉCNICO-INTERPRETATIVO

THE CONCERT FOR VIOLA AND ORCHESTRA BY MARCO PADILHA:

TECHNICAL INTERPRETATIVE STUDY

CAMPINAS 2019

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O CONCERTO PARA VIOLA E ORQUESTRA DE MARCO PADILHA: ESTUDO TÉCNICO-INTERPRETATIVO

THE CONCERT FOR VIOLA AND ORCHESTRA BY MARCO PADILHA:

TECHNICAL INTERPRETATIVE STUDY

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Música, na área de Música: Teoria, Criação e Prática.

Thesis presented to the Institute of Arts of the University of Campinas in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor, in the area of Music: Theory, Criation and Practice.

ORIENTADOR: PROF. DR. EMERSON LUIZ DE BIAGGI

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO JESSÉ MÁXIMO PEREIRA E ORIENTADA PELO PROF. DR. EMERSON LUIZ DE BIAGGI.

CAMPINAS 2019

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Silvia Regina Shiroma - CRB 8/8180

Pereira, Jessé Máximo,

P414c PerO concerto para viola e orquestra de Marco Padilha : estudo técnico-interpretativo / Jessé Máximo Pereira. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

PerOrientador: Emerson Luiz de Biaggi.

PerTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

Per1. Padilha, Marco, 1955-. 2. Música - Séc. XX. 3. Viola. 4. Concertos. 5. Música - Interpretação (Fraseado, dinâmica, etc.). I. Biaggi, Emerson Luiz de, 1961-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: The concert for viola and orchestra by Marco Padilha :

technical-interpretative study Palavras-chave em inglês: Padilha, Marco, 1955-Music - 20th century Viola Concerts

Music - Interpretation (Phrasing, dynamics, etc.)

Área de concentração: Música: Teoria, Criação e Prática Titulação: Doutor em Música

Banca examinadora:

Emerson Luiz de Biaggi [Orientador] Esdras Rodrigues Silva

Carlos Fernando Fiorini Carlos Aleixo dos Reis Ricardo Lobo Kubala

Data de defesa: 19-02-2019

Programa de Pós-Graduação: Música

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a) - ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0003-4185-5921

- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/2511149617488001

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COMISSÃO EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

JESSÉ MÁXIMO PEREIRA

ORIENTADOR: PROF. DR. EMERSON LUIZ DE BIAGGI

MEMBROS:

1. PROF. DR. EMERSON LUIZ DE BIAGGI (ORIENTADOR) 2. PROF. DR. ESDRAS RODRIGUES SILVA

3. PROF. DR. CARLOS FERNANDO FIORINI 4. PROF. DR. CARLOS ALEIXO DOS REIS 5. PROF. DR. RICARDO LOBO KUBALA

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus por ter me concedido forças material e espiritual para a realização deste trabalho.

Aos meus pais pelo amor, zelo à minha educação e apoio à minha escolha profissional.

À Juliana, minha esposa, pelo amor e paciência.

À minha irmã Vanessa e sua linda família pelo entusiasmo e apoio. A todos os meus familiares.

Ao Prof. Dr. Emerson Luiz de Biaggi pela inestimável orientação, incentivo e apoio na elaboração deste projeto.

Ao Prof. Marco Padilha pela atenção, amizade e paciência. Aos professores e amigos Sérgio di Sabbato e Pedro Sá. A todos os mestres que fizeram parte de minha vida.

À colega e pianista Ana Carolina Sacco por me acompanhar na versão para viola e piano do Concerto.

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RESUMO

O objeto de estudo desta pesquisa é o Concerto para Viola e Orquestra de Marco Padilha. Escrito em 1987 e ainda pouco conhecido, é uma obra importante do repertório brasileiro do século XX. A pesquisa se inicia com um inédito levantamento biográfico do compositor, em busca de uma contextualização de sua obra e vida. A seguir, é feito um estudo analítico da obra do ponto de vista estrutural, investigando os procedimentos composicionais adotados pelo compositor. Depois, é preparada uma edição Urtext com uma redução para viola e piano, buscando cumprir um papel importante na preservação e viabilização da obra. E ao final, a pesquisa traz uma análise-interpretativa fundamentada nos conteúdos desenvolvidos nos capítulos anteriores e nas orientações do próprio compositor, apresentando informações e sugestões como subsídios para a performance desta obra.

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ABSTRACT

The object of study of this research is the Concerto for Viola and Orchestra by Marco Padilha. Composed in 1987 and still little-known, it is an important work of the Brazilian repertoire of the twentieth century. The research begins with an unpublished survey of the composer’s biography in pursuit of a contextualization of his work and life. Next, we present an analytical study of the work from the structural point of view in order to examine the compositional procedures adopted by the composer. The

Urtext edition of the score and the reduction for viola and piano prepared will play an

important role in the preservation and viability of the work. Finally, the research brings an interpretative analysis based on the contents presented in the previous chapters and orientations of the composer himself and presenting information and suggestions as subsidies for a performance of this work.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 10

1 MARCO PADILHA ... 13

1.1 O COMPOSITOR E SUA OBRA ... 13

1.2 PROCESSOS COMPOSICIONAIS ... 29

2 CONCERTO PARA VIOLA E ORQUESTRA DE MARCO PADILHA ... 38

2.1 ANÁLISE ... 41 2.1.1 Seção I ... 46 2.1.2 Seção II ... 96 2.1.3 Seção III ... 103 2.1.4 Seção IV ... 108 3 EDIÇÃO ... 115 3.1 PARTITURA ... 120

3.2 PARTES VIOLA SOLO ... 134

3.3 REDUÇÃO DA PARTITURA PARA VIOLA E PIANO ... 137

4 PROPOSTAS PARA UMA INTERPRETAÇÃO ... 139

4.1 PLANOS PARA ESTUDO E PREPARAÇÃO DA OBRA ... 140

5 CONCLUSÃO ... 153

6 REFERÊNCIAS ... 155

ANEXO A – ENTREVISTA COM O COMPOSITOR MARCO PADILHA ... 160

ANEXO B – CATÁLOGO DE OBRAS DE MARCO PADILHA...169

ANEXO C – PARTITURA DO CONCERTO PARA VIOLA E ORQUESTRA DE MARCO PADILHA...183

ANEXO D – PARTES DO SOLISTA DO CONCERTO PARA VIOLA E ORQUESTRA DE MARCO PADILHA...217

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INTRODUÇÃO

Escrever sobre a vida e obra de um compositor é sempre um desafio, maior ainda quando ele está em constante atividade, como é o caso de Marco Padilha. Algumas de suas obras foram estreadas por importantes orquestras e intérpretes, como o Concerto para Violoncelo realizado pela Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) tendo como solista o violoncelista Antonio Meneses1 e seu primeiro Quarteto de Cordas executado pelo Quarteto Carlos Gomes2. Nas entrevistas realizadas com o compositor, este relatou que há novas encomendas, como um Concerto para Violino, Sonatas para Violoncelo e mais obras de câmara. Desse êxito vem também inspiração pessoal para completar ciclos de obras ainda não terminados.

Padilha declara que teve a felicidade de encontrar os tutores certos em sua formação musical, que para determinados padrões começou tarde: aos 15 anos. Mas, desde o início, talento e determinação o fizeram progredir ao piano e, sobretudo, na composição. Almeida Prado, um dos mais importantes compositores brasileiros, foi seu professor durante oito anos e amigo até o seu falecimento. Regularmente, ele promovia o nome e a obra de Padilha, recebia-o sempre com solicitude em sua casa para conversas e orientações sobre novos trabalhos ou presenteava-o com quadros pintados por ele. Autodeclarado um compositor existencialista, Padilha lida com sensibilidade peculiar no que diz respeito a este tópico, sendo com frequência abordado pelo seu público que se sente afetado pela dramaticidade de sua obra. Desespero humano, peso das tragédias gregas, questionamentos sobre a existência humana são algumas das temáticas que servem de inspiração para compor sua música.

1 Antonio Meneses (1957) é um violoncelista brasileiro, vencedor do ARD Concurso

Internacional de Munique, em 1977 e do Concurso Tchaikovsky de Moscou, em 1982. Regularmente, se apresenta com as principais orquestras do mundo e trabalhou sob a direção de grandes maestros, como Claudio Abbado, Riccardo Chailly, Herbert von Karajan, Ricardo Muti, dentre outros. Como camerista, foi integrante do famoso Beaux Arts Trio.

2 Quarteto de cordas formado por Cláudio Cruz (1º violino), Adonhiran Reis (2º violino), Gabriel

Marin (viola) e Alceu Reis (violoncelo), tem como seu principal objetivo a divulgação da música brasileira, latino-americana e contemporânea. Em 2016, gravou seu primeiro CD pelo Selo Sesc, com os três quartetos de cordas de Alberto Nepomuceno. Em 2017, lançou mais dois CDs: um com obras de Carlos Gomes, Alexandre Levy e Glauco Velásquez e outro com o compositor e violonista brasileiro Guinga.

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O Concerto para Viola e Orquestra de Marco Padilha é o objeto de estudo desta pesquisa. Escrito em 1987, ele ainda é pouco conhecido, pois foi executado apenas uma vez, em 2001. Sua partitura foi obtida dos arquivos do próprio compositor e encontrava-se ainda no manuscrito em papel A3. Por isso, este trabalho tem como objetivos principais preservar e divulgar esta importante obra do repertório violístico brasileiro.

Outra questão considerada foi que ainda são raros os concertos públicos nos quais são apresentadas obras brasileiras contemporâneas com a viola na função de solista, seja por questões mercadológicas, ideológicas ou por necessidade de consolidação artística da orquestra. A criação de grupos que são especializados em música contemporânea é um fenômeno que auxilia na divulgação deste repertório. São geralmente formados por um pequeno número de músicos, chamados de

ensembles. No entanto, eles se restringem a tocar um repertório específico para

aquela determinada formação. Quando uma orquestra se propõe a executar obras contemporâneas, geralmente são escolhidas peças orquestrais ou com outros instrumentos na função de solista, como o piano e o violino. Esta investigação também pretende abrir um caminho para divulgar e consolidar a importância da execução pública do repertório violístico brasileiro contemporâneo, em especial o Concerto para Viola e Orquestra de Marco Padilha.

A tese está organizada em quatro capítulos. O primeiro apresenta uma biografia do compositor, com informações sobre sua formação musical, seus principais professores e suas experiências como intérprete ao piano e na área da composição. O segundo capítulo traz uma análise no intuito de revelar detalhes da obra sob várias questões, como de estrutura formal, sobre a qual o compositor levanta a possibilidade de ter criado uma nova forma, linguagem harmônica, construções melódicas, rítmicas e tímbricas. As obras Guidelines for Style Analysis, de Jan LaRue e Serial Composition, de Reginald Smith Brindle foram os principais referenciais teóricos para a elaboração desta parte da pesquisa.

A seguir, apresentamos um trabalho editorial que se divide em três partes: 3.1

Partitura traz uma versão da parte orquestral com modificações pontuais como

retirada de excesso de alterações, colocação de indicações de dinâmicas e a enarmonização de algumas notas. Todas as mudanças estão organizadas em aparato crítico na forma de quadros. Devido ao fato da nossa edição ser baseada apenas no manuscrito, uma edição Urtext se apresenta mais apropriada, apesar da possibilidade

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de se introduzir um mínimo de melhorias; 3.2 Partes Viola Solista oferece duas versões da parte da viola solo. A primeira com o texto musical encontrado na fonte e a outra com propostas de arcadas e dedilhados fundamentados na experiência do autor; 3.3 Redução da Partitura para Viola e Piano apresenta uma versão da parte orquestral reduzida para piano. Este trabalho é importante para a propagação, preparação e possível execução da obra em uma forma mais tangível. Procuramos manter dentro do possível as principais características no que diz respeito às melodias, harmonias e ritmos. Destacamos que o próprio compositor esteve envolvido com o autor desta tese em todo o processo acima descrito, ficando a digitação e a redução para piano sob a responsabilidade do compositor Sérgio di Sabbato, que utilizou o software de edição musical Finale 2014.

Por fim, com base nas considerações obtidas anteriormente, propõe-se um capítulo com sugestões para a performance da obra estudada. Subsídios relacionados com temas como sonoridade, dinâmica e articulação são apresentados ao leitor e também são apoiados no conhecimento prático do autor.

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1 MARCO PADILHA3

1.1 O COMPOSITOR E SUA OBRA

Marco César Padilha nasceu em Campinas, cidade do interior do Estado de São Paulo, no dia 21 de novembro de 1955, filho de Ana Martins Padilha e João Baptista Padilha. Ao ouvir pela primeira vez a quinta sinfonia de Ludwig van Beethoven através de discos de vinil (LPs) de uma coleção de música erudita lançada pela Editora Abril Cultural, ele sentiu que a música estaria para sempre em sua vida. Um dos nomes de destaque na sua formação foi Orlando Fagnani (1922-1977)4. Com ele, Padilha iniciou seus estudos musicais aos 15 anos de idade, tendo aulas particulares. Após um ano ingressou nas aulas de teoria musical e piano do curso técnico de música do Conservatório Musical Carlos Gomes, onde realizou sua primeira apresentação pública, em 1972. A partir de então, passou a realizar apresentações em diversos eventos no Conservatório, como o Salão Semanal de Concertos, Festival de Música Orlando Fagnani e o Festival de Aniversário, no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, no colégio Liceu Salesiano Nossa Senhora Auxiliadora e no Teatro Municipal Dr. Alderico Vieira Perdigão, em São Carlos. Em 1975, Padilha integra-se ao grupo Juventude e as Artes5, um movimento criado e desenvolvido no Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas para a promoção de artistas em começo de carreira, dando preferência a músicos.

Ao mesmo tempo que estudava piano com Fagnani, começa a surgir seu interesse por composição. Muitas vezes Padilha chegava à aula e, em vez de tocar o que Fagnani havia ensinado nas aulas anteriores, apresentava alguma composição que fizera e pedia a sua avaliação. Padilha tem em grande consideração seu primeiro professor, que o incentivava, dizendo que ele tinha de desenvolver mais profundamente as técnicas composicionais e, assim, abriu-lhe as portas para o mundo

3 Todas as informações contidas nesse capítulo foram obtidas de entrevistas com o compositor

e de referências que trazem o seu nome.

4 Pianista, compositor e maestro campineiro, formado no Conservatório Dramático e Musical

de São Paulo. Como concertista, apresentava-se pelo Brasil, Argentina, Uruguai, Canadá e EUA, divulgando a música brasileira. Compôs prelúdios, rapsódias orquestrais e peças infantis e dedicou-se à educação musical durante muitos anos em Campinas.

5 Juventude e as Artes teve como principal diretora a professora Cremilda Spork, cujos

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da composição. Ainda em 1976, durante seus estudos de composição com Fagnani, Padilha compõe sua primeira obra, uma suíte infantil para piano solo, à qual dá o nome de Suíte Floral6. Com esse trabalho recebe uma Medalha de Incentivo e o reconhecimento de suas habilidades na composição: “O Conservatório Musical Carlos Gomes declara para os devidos fins que Marco César Padilha, vem se salientando no campo da composição e sua peça, “Suíte Floral”, será adotada para estudo de nossos alunos.” Essa é uma obra, de fato, voltada para principiantes e tem em sua estrutura seis movimentos curtos, cada qual inspirado em uma flor: Rosa, Cravo, Violeta,

Orquídea, Camélia e Amor Perfeito.

Também em 1976, Padilha realiza cursos de extensão universitária em diversas áreas na UNICAMP: história da música, filosofia e estética com Yulo Brandão e improvisação e composição com Almeida Prado7. Foi sob a orientação deste que, em 1977, Padilha compôs Miniaturas, uma coleção de 10 trabalhos para piano solo, onde cada um representa uma emoção ou estado do ser humano, a saber: Alegre,

Enigmático, Sensual, Brincando, Indeciso, Incisivo, Romântico, Agitado, Triste e Paixão. Esta foi a primeira composição própria que Padilha apresentou publicamente,

em um recital na série “Salão Semanal de Concertos”, em 02 de setembro de 1977. Logo depois, assina contrato com a Editora Irmãos Vitale para a edição e publicação de seu primeiro trabalho, Suíte Floral.

Almeida Prado sempre o considerou um aluno especial. Em uma carta escrita ao maestro Benito Juarez, ele afirma:

6 Inconsciente alusão à Suíte Floral, obra para piano escrita em 1917 por Heitor Villa-Lobos

(1887-1959), compositor brasileiro admirado por Padilha.

7 José Antônio Rezende de Almeida Prado (1943-2010) foi um pianista, compositor brasileiro e

um dos maiores expoentes da música erudita no Brasil. Estudou piano com Dinorá de Carvalho e composição (desde os 14 anos) com Camargo Guarnieri. Em 1969, Pequenos funerais cantantes rendeu-lhe uma bolsa de estudos para a Europa. Lá estudou com Ligeti e Foss na Alemanha e aperfeiçoou-se com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen, em Paris. Em 1974, tornou-se professor da Universidade Estadual de Campinas, onde dirigiu o Instituto de Artes.

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Caro amigo Benito, estou lhe enviando um aluno meu muito bom, excelente promessa, Marco César Padilha, que desde o ano passado estuda comigo composição e análise. Ele terminou um trabalho de orquestração de uma peça para piano do Orlando Fagnani e, como era seu professor de piano, ele quis prestar uma homenagem fazendo uma versão para cordas de um ponteio dele. Acho o trabalho muito bom, quem sabe você poderia mostrar-lhe o que pensa e, se possível, fazê-lo ouvir numa leitura com a orquestra. Por favor, dê toda atenção a ele, é realmente alguém que penso ser de grande futuro (ALMEIDA PRADO, 1977).

Após o falecimento de Fagnani, fato que se deu igualmente em 1977, Padilha passa a frequentar a classe de piano da professora Nilza Maria de Torres no final de seu curso no Conservatório e recebe a medalha “Ordem do Coreto”, que representava um reconhecimento de mérito do estabelecimento aos alunos que mais se destacaram naquele ano.

Em 1978, termina de compor sua obra Paisagens Primitivas, para flauta doce e atabaque. É uma série de quatro peças para dois diferentes tipos de flauta doce: soprano e contralto. Além disso, Padilha usa o atabaque, um instrumento musical de percussão afro-brasileiro, junto à flauta na primeira e última peça. A disposição das peças é feita da seguinte maneira:

Nº 1 - Flauta contralto e atabaque; Nº 2 - Flauta soprano e contralto; Nº 3 - Flauta contralto solo;

Nº 4 - Flauta soprano e atabaque.

Após o término de seus estudos de piano no Conservatório Musical Carlos Gomes, Almeida Prado o aconselha: “Estude com a Isabel Mourão8 em São Paulo e ela vai te ensinar uma coisa que vai além da música. Ela vai te ensinar a viver” (PADILHA, 2015). Com ela, Padilha realizou aperfeiçoamento em piano e teve aulas de interpretação de estilos, entre os anos de 1978 e 1980. As aulas que tinham duração prevista de uma hora, muitas vezes se estendiam por mais uma ou duas horas. Os assuntos abordados iam desde Platão, Sócrates até filosofia oriental, interrompidos em vários momentos para a audição e análise musical de alguma obra tocada por intérpretes que ela admirava. No último contato que teve com Mourão, em

8 Isabel Mourão (1932-2016) foi uma renomada pianista e professora brasileira. Gravou pela

primeira vez a coleção de 66 peças de Edvard Grieg chamada Lyric Pieces e os Cinquenta Ponteios de Camargo Guarnieri, que lhe dedicou o Ponteio N. 24.

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maio de 2005, Padilha desculpava-se com ela de não ter obtido o mesmo sucesso ao piano e ela responde: “Isso é o mínimo, porque você faz muito bem o que é mais importante. Você faz a música para nós tocarmos” (PADILHA, 2015).

Em 09 de junho de 1978, em um recital inteiramente dedicado à sua obra no Centro de Ciências, Letras e Artes, Padilha foi lançado como compositor. No programa, a Suíte Floral, Paisagens Primitivas e Miniaturas. Já naquele ano, Padilha aparecia entre nomes de destaque da composição brasileira, o que se verifica, por exemplo, no fato de a obra Suíte Floral ter sido incluída no regulamento do 2º Concurso de Piano “Música Brasileira”9, no qual os participantes tinham de executar obras selecionadas de uma lista de compositores publicada pela Editora Irmãos Vitale.

Habilitado pelo Ministério da Educação (MEC) como professor de teoria musical, história da música e piano, Marco Padilha iniciou suas atividades de ensino no nível técnico em 1978, no Conservatório Musical Carlos Gomes, em Campinas, um ano após a conclusão de seus estudos nessa mesma instituição e permaneceu lá até o ano de 1985.

Em 1979, criou-se o curso de Graduação em Música na UNICAMP com as modalidades Composição e Regência. Padilha integrou a primeira turma de Composição do Instituto de Artes sob a orientação de Almeida Prado. As dificuldades daquela turma de 15 alunos eram grandes, pois “quase tudo lá ainda era mato” (PADILHA, 2015), as aulas eram realizadas em salas cedidas pelo Instituto de Biologia e havia um salão com um piano de cauda que funcionava como um auditório. Não obstante, daquela turma que se formaria no ano de 1984, destacam-se hoje nomes como o do próprio Padilha e de Adriana Giarola Kayama.10

9 Concurso promovido pela Escola Superior de Música Santa Marcelina e Editora Irmãos Vitale,

em 1978.

10 Professora de canto e música de câmara do Departamento de Música do Instituto de Artes

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Almeida Prado estudou em Paris, França, com dois dos maiores compositores e didatas da música erudita no século XX: Olivier Messiaen11 e Nadia Boulanger.12 Além disso, vivenciou os mais recentes movimentos da música de vanguarda da Europa, desencadeados a partir da década de 50. Através de Almeida Prado, Padilha teve contato com essa tradição musical europeia e seu vanguardismo. Ele destaca que com Almeida Prado, além do vasto conhecimento musical, adquiriu também um considerável conhecimento humanista e faz uma crítica à formação na maioria das universidades de hoje em dia, que em sua opinião, é focada em “graduar técnicos através de um estudo muito direcionado, onde pouco se observa a lateralidade do mundo” (PADILHA, 2015).

Em 1980, compôs A Lua Crescente, uma peça para piano a 4 mãos dedicada ao duo Lopes - Silva13, estreada em 31 de outubro daquele mesmo ano, no Grêmio Cívico e Recreativo Itatibense. Assim como acontece com parte dos compositores, Padilha teve dúvidas se a carreira de compositor sustentaria sua vida. Via no próprio Almeida Prado um exemplo da necessidade de se ter um outro ofício, pois este era compositor, mas sua principal fonte de renda foi como professor. Para Padilha, o cenário ideal de um compositor que vive exclusivamente da composição seria aquele no qual ele recebe regularmente encomendas de obras e se dedica a elas em seu lar ou em qualquer outro ambiente de trabalho. Todavia, a realidade foi diferente daquela idealizada por Padilha. Das dificuldades impostas pelo contexto socioeconômico, surgiu a identificação com a carreira de relações públicas. Em 1980, ainda no segundo ano do Bacharelado em Composição na UNICAMP, ele ingressa no curso superior de Comunicação Social - Bacharelado em Relações Públicas na Pontifícia Universidade

11 Olivier Messiaen (1908 – 1992), destacado organista e compositor francês. Estudou no

Conservatório de Paris (1919 – 1930) com Dukas, Emmanuel e Dupré e lá também ensinou harmonia

e composição (1941 – 1978), servindo ao mesmo tempo como organista de La Trinité, na mesma

cidade. Desde sua primeira obra publicada, os oito Prelúdios para piano (1929), usou seu próprio sistema modal, com forte presença de trítonos, 7ªs diminutas e tríades aumentadas. Suas composições foram, quase todas, explicitamente religiosas e divididas entre estilos próprios de meditação extremamente lenta, dança envolvente e o desdobrar objetivo de sistemas aritméticos. A partir da década de 1950, suas obras basearam-se amplamente em suas próprias adaptações de canções de pássaros.

12 Nadia Boulanger (1887 – 1979), importante compositora francesa de música erudita e

renomada educadora musical. Estudou no Conservatório de Paris e tornou-se amiga fiel e admiradora de Stravinsky. A música deste e a de Fauré forneceram os padrões pelos quais ela ensinava, especialmente no American Conservatory, em Fontainebleau (a partir de 1921). Como regente, foi pioneira na execução de música francesa barroca e renascentista.

13 O duo Lopes – Silva é formado pelos pianistas Eloisa Silva Lopes e João Lopes e faz

apresentações regulares em Campinas e região desde 1981, divulgando um repertório pouco difundido dentro da literatura pianística.

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Católica de Campinas – PUCC, realizando concomitantemente os dois cursos até ao final do ano de 1983.

Padilha compôs sua primeira obra para viola em 1981, chamada Tríptico. Dedicada ao violista Gualberto Estades Basavilbaso14, foi estreada em 29 de outubro daquele mesmo ano, por ocasião da homenagem aos 80 anos do Centro de Ciências, Letras e Artes, em Campinas e no mesmo recital, Basavilbaso apresentou outras peças do repertório violístico acompanhado de Almeida Prado. A obra foi editada pela

Tonos Music Publishing e, atualmente, ainda é encontrada em seu catálogo. Nas

Mostras de Composição dos alunos de música da UNICAMP, MOCO, realizadas nos anos de 1981 e 1982, foram apresentadas as obras Paisagens Primitivas e A Lua

Crescente. Ainda no ano de 1981, deu aulas de história da música em nível técnico

na Academia de Ballet Lina Penteado, em Campinas.

Sua experiência profissional na área de relações públicas começou no final de seu curso de graduação, quando atuou como estagiário do Conservatório Musical Carlos Gomes, realizando atividades junto à Secretaria Municipal de Cultura, Esportes e Turismo, da Prefeitura Municipal de Campinas, para a organização do II Festival da Primavera, em 1983, e ações para a preservação do acervo da Escola: discoteca, biblioteca e arquivo de partituras.

Momento importante para Padilha foi a execução de sua obra Miniaturas por Almeida Prado em um recital de piano no Teatro Cultura Inglesa, em São Paulo, no dia 09 de junho de 1984. No dia 19 de dezembro de 1984, ocorreu a colação de grau da 1ª Turma de Composição e Regência do Departamento de Música da UNICAMP e no dia seguinte, realizou-se o concerto de formatura com a participação da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas - OSMC, no Teatro Interno do Centro de Convivência Cultural, em Campinas. Nesse dia, foi estreada sua primeira obra para orquestra sinfônica: Mythos – Poema Sinfônico nº 1, uma obra concebida como seu trabalho de conclusão de curso e dedicada a Almeida Prado, que mais tarde teve seu nome modificado para Mythos – Cena Sinfônica nº 1. Esta peça foi também incluída na programação oficial da OSMC, nos dias 11 e 12 de maio de 1985, sob a regência de Benito Juarez.

Encontramos a seguinte informação no programa do concerto:

14 Professor associado de viola na UNICAMP e autor de Origens e desenvolvimento técnico da

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Esta é mais uma peça de compositor novo que a Sinfônica de Campinas executa em primeira audição, dentro da política que ela vem defendendo que é a de tocar, sempre que possível, peças de composição recente. Marco César Padilha, o compositor, é prata da casa, porque nasceu e vive em Campinas. Tinha anteriormente estudado com Orlando Fagnani, aquele importante músico da cidade, e já produzido um regular número de peças pequenas. Mais recentemente ele foi aluno de composição no Departamento de Música da UNICAMP, onde se especializou sob orientação de Almeida Prado. Mythos foi escrita em 1984, dedicada a Almeida Prado, é uma peça curta com duração de 12 minutos e é para ser considerada um poema sinfônico. E, dentro da antiga tradição dos poemas sinfônicos, o autor oferece um texto literário que serviria como apoio psicológico na apreciação da música: “O que foi que viste no sombrio passado e no abismo do tempo?” É uma frase tirada da peça teatral The Tempest, de William Shakespeare.15

Após dedicar-se integralmente ao trabalho de conclusão do curso de composição, retornou ao ofício de relações públicas no primeiro semestre do ano de 1985, exercendo a função no Conservatório Musical Carlos Gomes. No entanto, também em 1985, Padilha escreve Visões Fantásticas, para piano solo, obra escolhida para ser editada pela Editora Irmãos Vitale. Teve uma breve passagem pelo Rio de Janeiro trabalhando na extinta empresa Oswaldo Travassos Publicidade – OTP durante o segundo semestre do mesmo ano. Em 1986, retorna à Campinas para assumir as relações públicas do Conservatório Musical Campinas e prestar serviços de forma independente no Instituto de Artes da UNICAMP.

Visões Fantásticas estreia publicamente no dia 16 de maio de 1986, no recital

de encerramento da II Semana de Música Contemporânea Campineira. Iniciada com as apresentações de Almeida Prado em São Paulo, a carreira de Padilha fora de Campinas segue com sua participação no 9º Panorama da Música Brasileira Atual, realizado entre os dias 30 de maio e 07 de junho de 1986, na Escola de Música da UFRJ, no Rio de Janeiro. Seu trabalho selecionado foi I Ciclo de Canções, para soprano e violoncelo, organizado da seguinte maneira:

I – Tédio (texto de Olavo Bilac);

II – 1984 – Homenagem a George Orwell (texto de Arno Roberto von Buettner); III – Gira, Rola, Roda (texto de Antônio José Martins Jr.).

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Após uma reestruturação em todo o quadro administrativo do Conservatório Musical Campinas, que visou cada vez mais o desenvolvimento pedagógico de seus professores e de seu sistema de ensino, Padilha foi convidado para dar aulas de história da música, sendo também constituído coordenador artístico. A partir do segundo semestre do mesmo ano, ele foi convidado para substituir Almeida Prado na Faculdade Santa Marcelina (FASM), em São Paulo, onde lecionou Composição, História da Música, Orquestração e Música Contemporânea durante seis anos em nível superior.

A história de Padilha com o rádio começou ainda quando estava no Conservatório e teve a oportunidade de apresentar um Salão de Concerto na rádio Educadora FM, de Campinas. Também obteve longo sucesso na rádio Morena FM, onde foi idealizador, produtor e apresentador do programa Intermezzo, que esteve no ar durante treze anos (1988 – 2001). Foi um programa de cunhos didático e eclético, dedicado a comentários e audições de música erudita, música eletroacústica, música eletrônica e música de vanguarda instrumental. Geralmente ocupando o primeiro lugar em sua faixa de horário e com significativos índices nas pesquisas de satisfação, o

Intermezzo marcou a história do rádio e o ambiente cultural de Campinas.

Carmo-Roldão afirma:

A concepção musical da rádio Morena era ser alternativa, ser diferente das emissoras comerciais que seguiam modismo que as gravadoras exigiam. Além disso, diversos projetos da Morena marcaram a história do rádio FM e a vida cultural de Campinas. O programa Intermezzo, de música erudita, com produção e apresentação de Marco Padilha, teve início em 1988 e ficou no ar na rádio Morena durante quase 14 anos (CARMO-ROLDÃO, 2008).

Entre os anos de 1988 a 1992, atuou também na Secretaria de Estado de Saúde do Governo de São Paulo como assessor de relações públicas, chefe do cerimonial e assistente técnico de direção da Coordenação dos Institutos de Pesquisa – CIP, chegando a ocupar interinamente o cargo de coordenador, implantando e coordenando projetos importantes, como o Projeto Arte, Cultura e Lazer nos Hospitais. Em 1992, Padilha compôs uma obra em homenagem a Messiaen intitulada

Mystagogós – Hommage à Olivier Messiaen, que foi escolhida pelo Conjunto de

Música Nova de Zurique16, entre obras de 60 compositores brasileiros, para encerrar a apresentação do grupo, na Sala Millers Studio no Festival Internacional de Zurique,

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dedicado naquele ano à cultura brasileira. A gravação desse concerto e a partitura da obra foi enviada à Yvonne Loriod-Messiaen (1924-2010), esposa de Messiaen, que respondeu em uma carta à Almeida Prado, dizendo: “Muito obrigado! Recebi a correspondência do compositor Marco Padilha, gostei muito e estou pensando programar” (LORIOD-MESSIAEN, 1997: tradução nossa).

Das Sensações Místicas é uma obra sob encomenda da flautista Celina

Charlier. A primeira parte chamada Enúria - o planeta anterior, foi composta no ano de 1995. Altestes e Anecandra, respectivamente, segunda e terceira partes, foram escritas entre 2013 e 2014 e completam esse trabalho concebido para uma pesquisa de música brasileira para flauta transversal solo. Após uma pausa na carreira de docente, retomou estas atividades ministrando aulas esporádicas, como a disciplina “Formas, Gêneros e Estilos Musicais II” no curso de pós-graduação do Instituto de Artes da UNICAMP, Campinas, em 1995 e aulas particulares.

Em 1998, produziu e apresentou o programa Ópera in Concert durante um ano, na rádio Morena FM, com comentários e audições de óperas completas. Neste mesmo ano, Padilha recebeu a encomenda de uma composição, voltada para alunos com até, aproximadamente, três anos de estudos ao piano. O trabalho da pesquisadora Cláudia Fernanda Deltrégia, aluna do curso de Mestrado em Artes/Música da UNICAMP à época, tinha por objetivo fornecer uma coletânea de composições inéditas formada por peças que ainda não haviam sido publicadas comercialmente e por outras escritas sob encomenda, levantar questões pertinentes às dificuldades enfrentadas pelos profissionais da área pedagógica na introdução da linguagem da nova música e apresentar as principais características e tendências da composição musical brasileira daquela época. Como resultado, Padilha escreveu a obra Três Vidraças Coloridas, para piano solo, composta de três partes: Um Sonho, Um Olhar e Um Sorriso.

No início de 2002, a rádio Morena FM foi arrendada para a Igreja Universal do Reino de Deus (Rede Aleluia FM) e sua programação, atualmente, se resume a temas e abordagens religiosas. Contudo, a então prefeita de Campinas à época, Izalene Tiene, convidou Padilha para apresentar um programa de música erudita na rádio Educativa FM, que é uma concessão da Prefeitura Municipal de Campinas. Então, ele idealizou, produziu e apresentou o programa Momento Musical, que diferentemente do Intermezzo, era dedicado a comentários e audições de música erudita mais conhecida pelo público, de música ligeira. O programa ficou no ar de 2002 a 2005 e era transmitido todas as quartas-feiras às 21h.

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Também em 2002, Três Vidraças Coloridas ganhou uma versão orquestrada para cordas, realizada pelo regente e historiador Henrique Lian e estreada no dia 30 de março de 2002, no Theatro Municipal de São Paulo. Lian relata:

Foi durante uma conversa telefônica que solicitei ao compositor Marco Padilha uma obra sua dedicada às cordas para integrar um programa a ser regido por mim no Theatro Municipal de São Paulo. Para minha surpresa veio a sugestão do próprio compositor de que eu mesmo orquestrasse um ciclo de pequenas peças ainda inéditas, originalmente escritas para piano solo e pelas quais eu já nutria grande admiração (LIAN, 2002).

No dia 23 de agosto de 2002, a OSMC realizou um concerto somente com obras brasileiras, dentre as quais duas foram encomendadas pela própria orquestra ao compositor Raul do Valle (1936) e a Padilha. Totens foi a obra composta por Valle e Padilha escreveu seu Concerto para clarinete, orquestra de cordas e percussão em apenas três meses, entre o início de março e início de junho de 2002. Após o concerto, José Alexandre dos Santos Ribeiro17 escreveu:

Seguiu-se o impacto em nada menor, do surpreendente "Concerto para clarineta, cordas e percussão" de Marco Padilha, [...]. Estruturado com uma linguagem musical bem contemporânea, a peça tem indisfarçável caráter ritualístico, eficazmente acentuado pela densa percussão requisitada, que se baseia no apoio de cinco tímpanos usados com parcimoniosa transparência, e alterna momentos jocosos, com hábeis ornatos do instrumento solista, com desenhos de lirismo quase dramático, cujo produto-final resultante enquadra Padilha como um persuasivo e convincente estruturador da forma concertante (RIBEIRO, 2017).

Gênero musical surgido no período clássico e até então inédito na literatura musical brasileira, a Sinfonia Concertante serviu de inspiração a Padilha para criar uma obra sob encomenda da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo (OSTMSP) e que teve sua estreia no dia 21 de março de 2004. Ele reviveu o gênero para dar título à Sinfonia Concertante – Das Vozes esquecidas, obra composta para oboé, fagote, cordas, tímpanos e 2 tam-tans. A obra tem 3 movimentos: I - Il Lamento, II - Ab Irato e III - Libera me. Conforme os títulos sugerem, inspirados nas seguintes emoções: lamento, ira e libertação. Segundo o compositor, é um manifesto sonoro contra todas as formas de exclusão, fazendo referências aos soldados convocados para uma guerra injusta, aos excluídos pela opção sexual, pela situação política, além

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de ironicamente incluir o compositor de música erudita, que de certa forma seria mais um excluído no Brasil.

Em janeiro de 2005, retomou o programa Intermezzo agora na rádio Educativa FM, com transmissão aos domingos às 19h. No mesmo ano, o violoncelista brasileiro Antônio Meneses encomendou a compositores brasileiros obras que servissem como uma espécie de comentário introdutório para cada uma das seis suítes para violoncelo solo de Johann Sebastian Bach. Coube à Padilha a missão de compor uma peça de introdução à Suíte nº 6 de J. S. Bach: Invocatio nº 1 e 2. Invocatio nº 1 foi a escolha

de Meneses, sendo executada em primeira audição mundial em São Paulo, no Teatro Cultura Artística, posteriormente na Sala da America’s Society, em Nova York e lançada em CD gravado por Meneses em setembro de 2008.

Valorizar cada vez mais o que foi feito no Brasil a partir do início do século XXI, descobrir as obras que foram criadas pelos compositores brasileiros e encomendar a eles peças para seu instrumento, é um aspecto da trajetória de Meneses desenvolvido nos últimos tempos. "Aos poucos, a importância desse repertório foi aumentando, ganhando um espaço que não quero perder" (MENESES, 2012). Nesse sentido, Meneses e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) encomendaram a Padilha um concerto para violoncelo no ano de 2010. Segundo Padilha, a obra pode ser interpretada pelos ouvintes “como pura e hermética inquietação” (PADILHA, 2016). Para ele, esta apreensão interna é provocada com os tons do violoncelo:

Logo no início, após uma introdução soturna nos graves, surge um primeiro questionamento. Essa interrogação enigmática será respondida intempestivamente pelo violoncelo solista, com um tema rítmico, entrando em cadência, se impondo definitivamente. Um clima de apreensão irá conduzir ao segundo tema, uma longa e agônica ascensão. Depois destas exposições, a obra passa a se desenvolver onde a orquestra será o polo gerador das cores e dos estados puros da alma, e o violoncelo, exalando os demônios da mente, deixa um rastro marcante e impositivo até um frenético êxtase final (PADILHA, 2016).

Rilke18 (1875-1926) é citado por ele para definir sua obra num tom metafísico. "Talvez um fragmento poético de Rilke possa expressar com mais veemência: 'Ó transmutação dos sentimentos - em quê? Em paisagem audível' " (PADILHA, 2016). Quando estava estudando a partitura, Meneses afirmou: “Já estou com a partitura em

18 Rainer Maria Rilke (1875-1926)foi um dos mais importantes poetas modernos da literatura

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mãos e acho que vai soar muito bem. Suas obras têm sempre algo a dizer e isso é o mais importante para uma música" (MENESES, 2012). O Concerto para Violoncelo e

Orquestra de Padilha foi estreado em 2012, ano em que Meneses foi convidado para

exercer a função de artista em residência da OSESP.

Escrita para Sônia Rubinsky19, a Sonata No.1 – Actus Tragicus para piano solo de Padilha foi estreada em 2005. No ano de 2008, a pianista Cíntia Macedo Albrecht lançou um CD chamado “Campinas ao Piano”, que reúne compositores que têm suas trajetórias ligadas à cidade, no qual encontra-se esta sonata. Jorge Coli20 afirma:

De uma faixa à outra, a atenção não esmorece. O título do CD é “Campinas ao Piano”: reúne compositores que, por suas trajetórias, estão ligados à cidade (ed. Prefeitura de Campinas). [...]. Estão obras de Marco César Padilha, entre elas a formidável “Sonata Actus

Tragicus”. Padilha é um criador com dons verdadeiramente

excepcionais. [...] (COLI, 2008).

Cor Inquietum (Coração Inquieto), composição escrita em 2008 sob

encomenda da OSMC e que teve sua primeira apresentação pública no mesmo ano, é, na verdade, a segunda obra de uma trilogia de cenas sinfônicas de Padilha, baseada em temas literários. A primeira, citada anteriormente, foi Mythos. Cor

Inquietum utiliza um texto milenar indiano encontrado no Rig Veda21 e que Nietzsche (2016) traz em epígrafe na sua obra Aurora: “Há tantas auroras que não brilharam ainda”.

Escrita para orquestra completa, reserva momentos de destaque para todos os instrumentos, exceto a percussão, que atua durante quase toda a obra. Inicia-se com um tema pelas trompas, que se desenvolve e se transforma ao longo da peça, chegando até uma melodia rasgada no final, onde retoma sua forma inicial para concluir a obra. A ideia que permeia essa composição e que transparece durante sua execução é, como o nome indica, a inquietação perante as inúmeras possibilidades da vida e das auroras que ainda estão por vir. A terceira e última cena, que irá se chamar Desideratus (aquilo que é desejado), ainda está em fase de criação e terá como ponto de partida um tema literário de Kierkegaard22, que afirma: “Minha vida não será, apesar de tudo, mais do que uma existência poética” (KIERKEGAARD, 1979).

19 Sônia Rubinsky (1957) é uma pianista brasileira ganhadora de diversos prêmios, dentre eles

o de melhor gravação do ano no Latin Grammy Awards 2009.

20 Professor titular de História da Arte da UNICAMP.

21 Coleção de 10 livros compostos de hinos de louvor a vários deuses da tradição hindu.

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Estas cenas, segundo o próprio Padilha, tem um sentido de percurso do compositor em uma visão humanitária.

Sua obra L’Amour Oublié – Hommage à Paul Verlaine, encomendada pelo conjunto Les Sacqueboutiers de Toulouse23, foi apresentada em primeira audição mundial, em 07 de outubro de 2010, em Toulouse, na França. Foi a primeira vez que o grupo fez uma encomenda a um compositor brasileiro. Escrita para soprano, cornetto curvo, sacabuxa tenor, sacabuxa baixo ou fagote barroco, violino, órgão positivo24 e percussão, a obra é inspirada em uma coletânea poética reunida sob o título Fêtes galantes de Verlaine25, publicada pela primeira vez em 1869. O ensemble não limita suas atividades à execução do repertório renascentista, época de ouro de seus instrumentos. A criatividade é uma característica que os leva a conceber performances que combinam música antiga com outros mundos artísticos, tais como, música contemporânea, dança, jazz e literatura. Por isso, eles colaboram e participam da criação de trabalhos dedicados a eles por compositores contemporâneos. Padilha conta que o grande desafio encontrado por ele para a composição da obra foi o fato dela ser direcionada para instrumentos utilizados no século XVII. Todavia, ele rapidamente se familiarizou com esses instrumentos e, em seis meses, a obra já estava pronta. Após a estreia, o crítico Robert Pénavayre afirmou:

Nesta obra profundamente poética, o compositor brasileiro mistura uma voz de soprano com sopros, violino barroco e percussão. As palavras colocadas na música são tomadas de um dos versos mais evocativos de Paul Verlaine (incluindo o sublime “Votre âme est um

paysage choisi / Que vont charmant masques et bergamasques...”),

cantadas em francês, mas também em português. A nostálgica poesia da obra surge com a primeira frase do cornetto, impregnada de emoção, como um tipo de tema característico que retorna periodicamente com o violino e com os outros dois instrumentos de sopro. Como uma lembrança persistente e dolorosa que o canto transforma. A música de Marco Padilha, sensível, criativa, gera uma atmosfera sutil que fala imediatamente ao coração e à sensibilidade. Ela revela momentos de belas cores instrumentais, curiosamente próximos de algumas harmonias wagnerianas26 (PÉNAVAYRE, 2010: tradução nossa).

23 Les Sacqueboutiers de Toulouse são um grupo referencial para a interpretação da música

instrumental do século XVII, em particular, a italiana e a alemã, coleciona prêmios importantes da crítica especializada e uma discografia com aproximadamente vinte álbuns gravados.

24 É um órgão pequeno, com tubos leves e menores e possível de ser movimentado. Seu

funcionamento é da mesma maneira que o do grande órgão, onde os sons são emitidos através da passagem do ar sob pressão por dentro de seus tubos.

25 Paul Verlaine (1844-1896), poeta francês representante do parnasianismo, é também um dos

líderes do movimento simbolista na França.

26 Dans cette partition profondément poétique, le compositeur brésilien mêle une voix

(26)

Entre novembro de 2011 a dezembro de 2012, exerceu funções de relações públicas na Prefeitura Municipal de Campinas e também foi diretor administrativo da Orquestra Sinfônica Municipal de Campinas no segundo semestre de 2012.

Intermezzo, seu programa na Rádio Educativa FM, permaneceu no ar até janeiro de

2013, quando apresentou seu último programa no rádio. A trajetória de Padilha na prestação de serviços de radiodifusão foi consideravelmente extensa, tendo perdurado por 24 anos e levando ao público o melhor da música erudita desde a Idade Média até a atualidade, dando ênfase à música brasileira.

Por três vezes e por um espaço de tempo considerável – 1995 a 2001, 2003 a 2011 e 2013 a 2015 – Padilha esteve afastado da UNICAMP para servir à Câmara Municipal de Campinas como relações públicas e chefe do cerimonial, desenvolvendo um relevante projeto chamado Projeto Gênese, que consistia na realização de concertos mensais de música erudita com jovens instrumentistas. Implantou ainda outros projetos culturais na Câmara dedicados a Carlos Gomes, como os lançamentos de um CD com o hino da cidade de Campinas de autoria deste, de CD e DVD com a

Missa de São Sebastião e de um documentário com a vida e obra do compositor

campineiro.

Em 2015, Padilha escreveu Paisagens Audíveis Nº 1, para clarone solo, sob encomenda do clarinetista Mário Marques. A obra, que é a primeira de uma série de cinco ainda não concluídas, foi composta para ser apresentada em um recital que teve como tema “Il Clarineto Basso Brasiliano…E dintorni”, no I Curso de Verão realizado pela Italian Clarinet University, na cidade de Camerino, na Itália.

Neste mesmo ano, encomendado pelo Instituto CPFL, Padilha compõe seu primeiro quarteto para cordas, intitulado Deprecabitur, que, em latim, significa expiação. A obra é inspirada por um artigo do jornalista e crítico musical João Marcos Coelho que fala dos compositores que em determinados momentos de suas vidas deixaram de escrever música e ficaram em silêncio, por exemplo, Gioachino Rossini

empruntent à quelques-uns des vers les plus évocateurs de Paul Verlaine (dont les sublimes « Votre âme est un paysage choisi/Que vont charmants masques et bergamasques… »), chantés en français mais également en portugais. La poésie nostalgique de l’œuvre affleure dès la première phrase du cornetto, tout imprégnée d’émotion, sorte de leitmotiv qui revient périodiquement au violon et au deux instruments associés. Comme un souvenir lancinant et douloureux que le chant transfigure. La musique de Marco Padilha, sensible, inventive, génère une atmosphère subtile qui parle immédiatement au cœur et à la sensibilité. On y découvre par instant de belles couleurs instrumentales, étrangement proches de certaines harmonies wagnériennes. (PÉNAVAYRE, 2010).

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(1792-1868), Richard Strauss (1864-1949) e Jean Sibelius (1865-1957). Coelho traz a narrativa deste último compositor pela imaginação do escritor inglês Julian Barnes:

A música começa onde as palavras cessam. O que acontece quando a música cessa? Silêncio. Todas as outras artes aspiram à condição da música. A que a música aspira? Silêncio. Nesse caso, fui bem-sucedido. Agora sou tão famoso por meu longo silêncio quanto fui por minha música (BARNES, 2006 apud COELHO, 2015, p. 18).

Essa negativa sonora ou o fato de silenciar-se naquilo que o compositor comumente faz, Padilha compreende, subjetivamente, como uma forma de expiação, um tipo de autopurificação. Inspirado nessa conjuntura, ele resolveu fazer uma expiação sonora, uma obra que trouxesse em seu sentido uma reflexão sobre a necessidade da expiação de todos os males humanos. A composição teve sua estreia mundial no dia 24 de setembro de 2016, no Instituto CPFL, em Campinas, interpretada pelo Quarteto Carlos Gomes.

Sob encomenda do Duo Chordata27, Padilha compôs em 2017 uma obra para viola e violoncelo chamada Soliloquiorum28 Duo. Ela foi escrita em razão de pesquisa

feita pelo duo acerca desta formação pouco usual e, segundo o compositor, traz em sua essência as indagações sobre a existência humana: “Minhas músicas têm sempre uma questão filosófica existencialista. Nesse duo, trata-se de uma música onde dois solitários, exalando sua solidão, tentam um diálogo, na medida do possível, procurando uma identidade entre suas emoções e frustrações” (PADILHA, 2018). A obra foi apresentada em primeira audição mundial em 11 de outubro de 2017, no auditório do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no Rio de Janeiro. No dia 17 de janeiro de 2018, foi executada em Los Angeles, no IV

Villa-Lobos Internacional Chamber Music Festival, pelo violoncelista Lars Hoefs e pela

violista Karoline Menezes Smith.

Este evento é organizado por Hoefs, para quem foi dedicada sua obra

Intermezzo. Escrita para violoncelo solo, ela teve sua estreia mundial no mesmo

Festival, no dia 07 de janeiro. É uma peça com características existencialista e questionadora. Além do título, que simboliza um curto período de tempo que se

27 Formado por Cindy Folly, violista do Theatro Municipal de São Paulo, e por Larissa Mattos,

professora substituta de violoncelo da UnB, o Duo Chordata realiza pesquisa musicológica inédita sobre duos para viola e violoncelo dos séculos XX e XXI. Neste repertório praticamente desconhecido do grande público, atuam como intérpretes e incentivam a composição de novas obras.

28 Soliloquiorum é o plural de soliloquium, palavra que vem do latim e significa um discurso que

alguém mantém consigo mesmo; monólogo. Na literatura ou no teatro, é um tipo de recurso caracterizado por expressar aquilo que se passa na consciência do personagem.

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intercala entre dois eventos, há um subtítulo intitulado “Paths we are looking for”, que significa “caminhos que estamos procurando”. Padilha (2017) confirma: “A obra tem um caráter existencialista. Eu considero Intermezzo como a própria vida, onde estamos de passagem. Até tem uma citação na partitura que questiona nossos caminhos”. Hoefs também fez a estreia mundial da obra Invocatio nº 2 para violoncelo solo (2005), citada anteriormente neste trabalho.

Fato importante na carreira do compositor e na trajetória musical de nosso país foi a inauguração do Acervo de Música Brasileira da Academia Nacional de Música “Professor Pancho Vladigerov” em 26 de outubro de 2018, em Sófia, Bulgária. Durante a 3º Semana de Cultura Brasileira, aconteceu a doação de três expressivas obras suas (partituras e gravações):

1) Mystagogós – Hommage a Olivier Messiaen (1992); 2) Sonata nº 1 “Actus Tragicus” (2005);

3) Quarteto de cordas “Deprecabitur” (2015).

O evento foi organizado pelo Zenon Instituto Cultural, que é presidido por Frederico Barreto e dirigido por Nara Vasconcelos, ex-professores do Departamento de Música do Instituto de Artes da UNICAMP e responsáveis pelo convite ao compositor.

Em 2019, Padilha compôs parte de uma série de três obras para violoncelo e piano chamada Portraits: Portrait I “Physis”, Portrait II “Words of Affliction” e Portrait III

“Cerimônia do Adeus” (inacabada). Trata-se de uma reflexão existencialista sobre a

natureza geradora de vida e transformação, o desespero por tudo o que está contribuindo para a destruição do planeta e o desequilíbrio social e o adeus a tudo.

Portrait I “Physis” foi inspirada no pensamento do filósofo Heráclito de Éfeso sobre a

natureza e feita sob encomenda de Meneses, que fará a estreia em 12 de julho de 2019, no Chigiana International Festival e Summer Academy, na Itália. Portrait II

“Words of Affliction” foi inspirada no quadro O Grito, de Edvard Munch e composta sob

encomenda de Hoefs, que fez a estreia em 10 de janeiro de 2019, em Riverside, no V

Villa-Lobos International Chamber Music Festival. Portrait III “Cerimônia do Adeus”

está em fase de composição e é inspirada no livro homônimo de Simone de Beauvoir. Atualmente, Padilha desempenha a função de relações públicas no Centro de Convenções, que é vinculado à Diretoria de Cultura da Pró-reitora de Extensão da UNICAMP, onde é servidor concursado desde 1993.

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1.2 PROCESSOS COMPOSICIONAIS

Marco Padilha escreve suas primeiras obras em uma época da música erudita brasileira conhecida pelo ecletismo. Salles (2005, p. 182) afirma que “[...] o período entre as décadas de 1970 e 1980 é considerado uma época marcada pelo ecletismo quanto ao aspecto composicional.” Esta orientação é a junção de estilos que constituem uma síntese dos componentes utilizados e que não se pode definir. Não é um estilo em si mesmo, pois a definição de estilo implica em algo que tem características comuns e formais. Caso o determinássemos como um estilo, faríamos isto pelo contraditório, pois ele seria definido pelo que não tem de comum, pelas mais variadas e distintas coisas que existem nele ao mesmo tempo. Almeida Prado (1995, p. 70-71), certa vez, afirmou: “O estilo eclético não tem estilo. É uma maneira de aglomerar tendências num gesto sonoro. Mas não tem estilo. Não existe um estilo eclético”.

Koellreuter29 afirmava que a música é uma linguagem, posto que é um sistema de signos. Cada tipo de linguagem obedece a uma determinada ordem referente a determinadas regiões e períodos históricos, como o tonalismo, o modalismo e o serialismo, dentre outros. Padilha emprega em sua música alguns desses idiomas e também a interação entre eles: “Digo que minha música é modal, tonal e atonal, bem como utilizo a mescla dessas sonoridades. Isto sim, uma herança de Almeida Prado” (PADILHA, 2016).

Com efeito, o próprio Almeida Prado assumiu abertamente seu ecletismo. Ao dividir sua produção musical em fases, encontramos entre os anos de 1973-1983 seu período de síntese, que é caraterizado pela liberdade no uso das técnicas de composição absorvidas e pela criação do conceito de “sistema das ressonâncias” ou transtonalismo, utilizado na composição de sua famosa obra Cartas Celestes30.

29 Hans Joachim Koellreuter (1915-2005) foi um compositor, professor e musicólogo brasileiro

de origem alemã. Fundou em 1939 o grupo Música Viva.

30 Obra composta em 1974, por encomenda da Prefeitura de São Paulo, para ser usada como

fundo sonoro de espetáculos no Planetário Municipal do Ibirapuera. Segundo Almeida Prado, “apoiei-me no livro ‘Atlas Celeste’, de Ronaldo Mourão, para conceber uma obra baseada na visão do céu do Brasil. Para dar maior originalidade às Constelações, criei uma correspondência com as 24 letras do alfabeto grego, nascendo então 24 acordes de intensa ressonância. Para a música contemporânea, as Cartas Celestes se propõem como uma tentativa de organizar a matéria sonora através de um novo posicionamento: nem tonal, nem atonal. Seria um novo caminho. Um sistema baseado na organização das ressonâncias” (ALMEIDA PRADO, 1985, p. 3-4).

(30)

Segundo Almeida Prado:

Logo em seguida, toquei a obra (Cartas Celestes) na UNICAMP. O musicólogo Yulo Brandão ouviu e me disse: “Almeida Prado, você criou uma coisa nova: o transtonalismo. É um Dó maior novo, da ressonância - tem a quinta, as oitavas, a ressonância de sétima, o fá sustenido e aquela ressonância toda de um espiral, de um arco. E como você persiste muito nisso, torna-se uma estética. Você criou o ‘sistema das ressonâncias’”. A partir de então, sempre que eu queria uma certa ressonância luminosa em uma composição, utilizava esse recurso (ALMEIDA PRADO apud MOREIRA, 2004, p. 75).

Como já citado, Padilha iniciou seus estudos com Almeida Prado em 1976, logo que este entra em sua fase de síntese. A definição dele para o que é transtonal nos ajuda a compreender melhor a herança a qual Padilha se refere: “O transtonal refere-se a uma mistura de refere-serial, com atonal, com tonal. É o uso livre das ressonâncias, com alguns harmônicos usados de maneira consciente e outros como notas invasoras” (ALMEIDA PRADO apud MOREIRA, 2004, p. 75).

Almeida Prado também emprega o termo “pós-modernismo” para denominar sua liberdade composicional. Para ele, a 4ª fase de sua produção musical, que compreendeu o período entre 1983 até sua morte, pode ser caracterizada pelo uso da estética pós-moderna. Ele afirma:

Depois vem a 4ª fase, a pós-moderna, que começou com os

Poesilúdios e vai até agora. É uma fase de saturação de todos os

mecanismos: astronômico, ecológico, afro, etc. [...] é uma fase nova em relação às anteriores, embora tenha algumas coisas das outras. O que nasceu com os Poesilúdios foi uma atitude de maior liberdade (ALMEIDA PRADO apud MOREIRA, 2004, p. 74).

Criar um diálogo entre os princípios determinantes da modernidade e os conceitos apresentados pela teoria moderna nos ajuda a compreender o pós-modernismo e suas consequências musicais. O pós-modernismo musical brasileiro teve seu primeiro período com a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, no qual a arte tradicional representada pela música romântica foi sucedida pela música nacionalista de caráter folclórico ou popular, representada de maneira sempre presente, sobretudo, na obra do compositor Heitor Villa-Lobos. O desenvolvimento da prática regular das técnicas do dodecafonismo pelo Grupo Música Viva a partir de 1939, liderado por Koellreuter e que tinha Guerra-Peixe, Cláudio Santoro e Edino Krieger entre seus principais integrantes, representou o segundo período do modernismo musical brasileiro. Posteriormente, o grupo se desfez por causa de

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discordâncias políticas entre Koellreuter de um lado e, principalmente, Santoro e Guerra-Peixe do outro lado, estes dois últimos defensores da ideia do realismo socialista. O terceiro período do modernismo musical brasileiro ocorreu na década de 1960 com o surgimento do Grupo Música Nova, formado pelos compositores Gilberto Mendes, Willy Corrêa de Oliveira, Rogério Duprat e Damiano Cozzella. Depois de participarem de cursos e festivais em Paris, Madri e, principalmente, Darmstadt, o grupo decide retomar o dodecafonismo desenvolvido pelo Grupo Música Viva, mas desta vez em sua fase de serialismo integral.

O percurso da música brasileira até a década de 1960 foi marcado por essa polarização entre nacional e universal. Este antagonismo foi enfraquecido pela prática composicional eclética iniciada na década de 1970. Mais do que um procedimento estético que tenta superar as antigas polaridades que definiram a música do século XX, o pós-modernismo representa um avanço em relação às outras possibilidades. Ricardo Tacuchian (1995, p. 25) afirma:

[...] um grupo de compositores caminha para a frente, na procura de novas formas de expressão e comunicação vinculadas à cultura da sociedade pós-industrial de nossos dias. [...] são compositores que compreendem o inexorável destino das artes, sempre em busca de novos caminhos sem, contudo, romper com a rica tradição que lhes deve fornecer um suporte. A este fenômeno novo, Lyotard chamou de Pós-Moderno.

A obra de Padilha traz essa alusão ao passado e, ao mesmo tempo, uma contínua procura de novos caminhos, inserindo-se também no conceito acima de Pós-Moderno. Da tradição, Padilha evoca os aspectos formais e/ou estruturais e do contemporâneo, a linguagem e seus componentes. Como exemplos, podemos citar a

Suíte Floral para piano solo, onde ele faz uso de um gênero musical surgido ainda no

século XVI e consolidado no período barroco: a suíte. O viés inovador está na utilização de uma temática exótica (floral) para dar título a esta sequência de peças. Da mesma maneira, Tríptico é uma obra para viola solo em três movimentos que traz termos usuais da tradição musical: Cantilena, Scherzo e Moto perpetuo.

Padilha parece ter se inspirado também em Almeida Prado no que diz respeito às temáticas empregadas em sua obra. Segundo Moreira (2004, p. 80), de 1974 até a sua morte, cinco temáticas principais coincidiram na obra de Almeida Prado:

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As peças com Temática Mística possuem uma motivação espiritual; as com Temática Ecológica refletem sua preocupação com a ecologia; as com Temática Astrológica incluem as catorze Cartas Celestes; as com Temática Afro-brasileira são motivadas pela beleza plástica dos ritos de religiões afro-brasileiras e as obras com Temática livre incluem os 16 Poesilúdios.

Além da Suíte Floral, encontramos a temática ecológica também em Paisagens Primitivas e Paisagens Audíveis. A temática livre está presente em Tríptico, Ciclo de

Canções, Mystagogós - Hommage à Olivier Messiaen, Três Vidraças Coloridas e L’Amour Oublié - Hommage à Paul Verlaine. Paisagens Primitivas é uma obra que se

insere também na temática afro-brasileira. As peças 1 e 4, como já citado, foram escritas para flauta e atabaque, instrumento muito utilizado nos rituais do candomblé e empregam, em especial, uma figura rítmica bastante peculiar da música brasileira: a síncopa. Então, Padilha é um compositor “nacionalista”? Em uma visão marioandradiana, onde o compositor era influenciado pela ortodoxia dos princípios reguladores do nacionalismo musical brasileiro, como fundamentação das obras na música folclórica e redefinição da estrutura das formas de composição tradicionais para formas existentes no folclore brasileiro, dentre outros, a resposta é não. Padilha rejeita o aproveitamento do folclore como um mero elemento exótico. Ele relata:

[...] não é minha predileção aquele nacionalismo que se curva, nacionalismo da música brasileira onde toda hora você escuta música nordestina. Isso não me cativa. [...] acho que é um nacionalismo muito restrito [...] o nacionalismo não é só música nordestina, acaba sendo quase um exotismo, porque só toca música nordestina[...] e os outros? Então, isso não me interessa (PADILHA, 2015).

Em sua opinião, o elemento nacional ou folclórico deve se incorporar à linguagem. O compositor deve buscar uma expressão nacional que não é construída racialmente, sem apelo a nenhum exotismo e vindo de uma perspectiva universal.

Contudo, a temática predominante na obra de Padilha é a mística, ou seja, a maioria de suas obras tem uma inspiração espiritual e revela uma natureza misteriosa e enigmática. Desse grupo, destacam-se as cenas sinfônicas Mythos e Cor Inquietum,

Visões Fantásticas para piano solo que é dividida em três peças: 1 - Ruínas do Templo, 2 - Diálogo com Afrodite e 3 - Feiticeiros da Noite e Das Sensações Místicas

para flauta transversal solo, também com três partes: - Enúria - o planeta anterior, 2 – Altestes e 3 – Anecandra.

Poetas, filósofos, mestres da música e até mesmo compositores de jazz têm contribuição fundamental na construção do pensamento estético de Padilha e no

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desenvolvimento das características dramática e questionadora de sua obra. O que ele espera é que essas características nos levem a uma discussão interior, ou seja, nos forcem a ceder às questões sobre a vida em virtude da força do seu conteúdo ou, no mínimo, nos pressionem com seus questionamentos. Ele afirma que sua música contém o desespero de Byron pelas questões sem respostas, que é observado em seu poema Don Juan, onde este diz:

Que sais-je?, esse mote de Montaigne é uma verdade mais do que

curial. É duvidoso tudo o que se ganhe. Por mais que nos pareça natural, certeza não existe, tudo é vão e fugaz como é a condição mortal. Tão pouco nós sabemos desta vida que a dúvida da dúvida duvida (CAMPOS, 2009, p. 67).

Que apresenta também os conflitos e inquietudes de Kierkegaard e a filosofia do absurdo de Camus. Padilha é um compositor existencialista que traz em sua música a influência e o peso das tragédias gregas, a indagação entre o que é viver e estar vivo e nos faz pensar nos desígnios e na finitude da nossa própria existência. “Eu sou existencialista, portanto não tem como desvincular” (PADILHA, 2015).

No que diz respeito às questões estruturais, ele afirma: “Minha música tem grande pilares sonoros semelhantes às catedrais góticas e exala um secreto mistério quase abissal” (PADILHA, 2016). Essa afirmação está de acordo com o pensamento de Boulanger. Em um artigo acerca da visão boulangeriana sobre performance, Pereira (2018, p. 4) afirma:

“A aplicação dos princípios da arquitetura na música foi representada por conceitos básicos da pedagogia de Boulanger. O mais importante deles foi “la grande ligne”, um termo que ela usou para descrever o desenvolvimento estrutural da obra ao longo do tempo.”

Também, o aspecto melódico de suas composições regularmente apresenta características semelhantes ao conceito de melodia infinita que encontramos na ópera

Tristão e Isolda, de Wagner e no Quarteto para o fim dos tempos, de Messiaen.

Almeida Prado dizia que de todos os alunos que ele teve, Padilha foi o único que assimilou realmente as propostas de Boulanger e Messiaen31 (Fig.1).

31 Cf. Fig. 1. Carta escrita pelo compositor Almeida Prado a José Alexandre dos Santos Ribeiro,

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Referências

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