A
ATUAL
COMPOSIÇÃO
DOS
CONSELHOS
DE
JUSTIÇA
NA
JUSTIÇA
MILITAR
DA
UNIÃO
E
A
SUA
DESCONFORMIDADE
COM
A
GARANTIA
DE
UM
JUÍZO
“INDEPENDENTE
E
IMPARCIAL”
1Olinda Vicente Moreira. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra. Defensora Pública Federal em Porto Alegre/RS.
Palavras-chave: Justiça Militar. Conselhos de Justiça. Direitos fundamentais. Juízo independente e imparcial. Ausência de garantia legal.
1 Este material foi desenvolvido a partir das discussões durante o evento: I Curso de Capacitação em
Direitos Humanos: Sistema Interamericano, realizado no período de 22 a 23 de agosto de 2016, em Brasília – DF
1 A ATUAL COMPOSIÇÃO DOS CONSELHOS DE JUSTIÇANA JUSTIÇA MILITAR DA UNIÃO E A SUA DESCONFORMIDADE COM A GARANTIA DE UM JUÍZO “INDEPENDENTE E IMPARCIAL” : O direito
penal militar é um domínio geralmente desconhecido dos atores do sistema de justiça, ainda que seja do tribunal mais antigo do País - o Superior Tribunal Militar -, fundado no ano de 1808, a atribuição de julgar, em grau recursal, as ações penais que envolvam condutas delituosas dos militares da três Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica). E desse desconhecimento resulta que pouco se discute, no âmbito acadêmico, o direito penal militar e o direito processual penal militar, não obstante encontrem-se em vigor códigos editados no conturbado ano de 1969, ocasião em que ainda vigorava a denominada “ditadura militar”. Tem-se, portanto, como adequada e oportuna a presente reflexão, que abrange apenas um dos inúmeros problemas decorrentes da legislação aplicada à Justiça Militar da União e, por consequência, aos militares e civis julgados por crimes previstos no Código Penal Militar brasileiro.
Com efeito, a Lei nº 8.457/92, que organiza a Justiça Militar da União, dispõe que, em tempo de paz, são órgãos da Justiça Militar o Superior Tribunal Militar, a Auditoria de Correição, os Conselhos de Justiça, os Auditores e os Juízes-Auditores Substitutos. Naquilo que hoje nos toca, salutar esclarecer que os Conselhos de Justiça se dividem, nos termos da lei, em permanentes e especiais, sendo que os primeiros são compostos por um juiz-auditor, um oficial superior (que será o presidente) e três oficiais de posto até capitão-tenente ou capitão, renovando-se a composição do colegiado independentemente do término do processo. Por sua vez, os Conselhos Especiais de Justiça são integrados pelo juiz-auditor e por quatro juízes militares, sob a presidência de um oficial-general ou pelo superior de posto mais elevado (ou de maior antiguidade, no caso de igualdade).
Contudo, embora regulamente a composição e a competência dos Conselhos de Justiça, a lei brasileira não prevê garantias, direitos e restrições aos militares que participam desses colegiados, durante o exercício da judicatura, resultando numa evidente ausência de garantia de imparcialidade e de independência desses julgadores. Para tanto, importante ressaltar que os referidos militares continuam a desempenhar suas atividades rotineiras dentro da Caserna, submetendo-se à hierarquia e à disciplina ordinárias, ainda que tenham sob a sua responsabilidade o julgamento de outros militares, inclusive de sua própria unidade militar.
Exemplo positivo e em sentido contrário ao modelo brasileiro vem de Portugal, país no qual se encontra vedada a composição maioritária de órgãos judiciais colegiados por militares, tendo em vista que tal modelo implicaria o reconhecimento da existência de um tribunal militar2, permitido somente em tempo de guerra (conforme alteração introduzida pela Lei Constitucional nº 01/1997).
Ademais, ao militar integrante dos órgãos colegiados responsáveis pelo processo e julgamento dos crimes estritamente militares, aplica-se a Lei nº 101/2003, que estabelece o Estatuto dos Juízes Militares e Assessores do Ministério Público. Nessa normativa, encontra-se previsto o mandato de três anos para o militar, renovável por igual período; a garantia de independência de suas decisões; a sua inamovibilidade; a submissão ao regime disciplinar previsto no Estatuto dos Magistrados Judiciais por fatos praticados no exercício de suas funções e o óbice à nomeação dos militares condenados a pena privativa de liberdade, decorrente da prática de crimes dolosos ou que se encontrem definitivamente pronunciados por crimes comuns ou estritamente militares, até o trânsito em julgado da decisão final. Outrossim, são impostas a esses magistrados restrições no exercício de atividades (são as chamadas “incompatibilidades”), vedando-se-lhe o exercício de outra função, pública ou privada, exceto a docência ou a investigação científica de natureza jurídica ou militar, desde que não remuneradas.
Nota-se, portanto, que no sistema jurídico português, a lei impõe direitos e deveres ao militar durante o mandato judicial, a fim de garantir a sua independência e imparcialidade.
Entende-se, portanto, que o sistema brasileiro se encontra eivado de inconstitucionalidade, na medida em que não garante ao jurisdicionado um juízo imparcial e independente, o que contraria as declarações de direitos humanos e o Pacto de Direitos Civis e Políticos, em particular naquilo que impacta o acesso à justiça e o direito a um julgamento justo por órgão independente e imparcial. E, neste particular, ressalta-se o contido no Projeto de Princípios sobre a Administração da Justiça por Tribunais Militares, apresentado por Emmanuel Decaux, no ano de 2006, em Genebra:
2 CANAS, Vitalino; PINTO, Ana Luísa e LEITÃO, Alexandra, Código de Justiça Militar Anotado,
Coimbra: Coimbra Editora, 2004, pp. 10-11, afirmam que “uma composição integralmente ou maioritariamente militar reflectia-se necessariamente na natureza do tribunal, que seria, consequentemente, um tribunal militar, cuja constituição é vedada em tempo de paz. Nessa perspectiva, os tribunais judiciais com competência para o julgamento de crimes estritamente militares têm forçosamente de ter uma composição maioritariamente sustentada em magistrados de carreira”.
“(...) 2 – Respeito às normas de direito internacional: Devem aplicar as normas e procedimentos reconhecidos internacionalmente em favor da garantia de um julgamento imparcial; (...) 13 – Direito a um Tribunal competente, independente e imparcial: O estatuto dos juízes militares deve garantir sua independência e imparcialidade, em especial com respeito à hierarquia militar3”.
Nesse contexto, urgente a revisão da matéria, a fim de que seja alterada a composição dos órgãos julgadores da Justiça Militar da União, tendo em vista a manifesta ofensa aos direitos dos jurisdicionados brasileiros.
3 BIERRENBACH, Flávio Flores da Cunha, “Direitos Humanos e a Administração da Justiça por
Tribunais Militares”, in Bicentenário da Justiça Militar no Brasil. Coletânea de Estudos Jurídicos, coord. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha e Zilah Maria Callado Fadul Petersen, Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008, pp. 24, 34-35.
REFERÊNCIAS
BIERRENBACH, Flávio Flores da Cunha, “Direitos Humanos e a Administração da Justiça por Tribunais Militares”, in Bicentenário da Justiça Militar no Brasil. Coletânea de Estudos Jurídicos, coord. Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha e Zilah Maria Callado Fadul Petersen, Brasília: Superior Tribunal Militar, 2008, pp. 24, 34-35.
CANAS, Vitalino; PINTO, Ana Luísa e LEITÃO, Alexandra, Código de Justiça