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RELATÓRIO SOCIOANTROPOLÓGICO

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

GRUPO DE ESTUDOS: DESENVOLVIMENTO, MODERNIDADE E MEIO AMBIENTE

RELATÓRIO SOCIOANTROPOLÓGICO

RESEX de Tauá-Mirim: Cajueiro e outras comunidades tradicionais na luta por justiça e direitos territoriais, Zona Rural II, São Luís/MA - Brasil

Organização:

GEDMMA1

São Luís/MA 2014

1 O GEDMMA, Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente, é coordenado pelos

professores da Universidade Federal do Maranhão: Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior (DESOC), Bartolomeu Rodrigues Mendonça (COLUN), Cíndia Brustolin (DESOC), Samarone Carvalho Marinho (DEGEO), Elio de Jesus Pantoja Alves (DESOC), Madian de Jesus Frazão Pereira (DESOC).

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SUMÁRIO

Apresentação 03

a) Comunidades tradicionais e afirmação de direitos territoriais e ambientais 04 b) Situações de Insegurança em Cajueiro - desapossamento forçado, jagunços e medo 11 c) Novos empreendimentos e velhas estratégias - instalação forçada da empresa na

localidade e as ambiguidades da ação do Estado 16

REFERÊNCIAS 27

APÊNDICE 01

Estudos realizados pelo GEDMMA no Território da RESEX de Tauá-Mirim 29

APÊNDICE 02

Suposto sítio eletrônico da empresa WPR 36

APÊNDICE 03

WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. 37

APÊNDICE 04

Fotos do processo de resistência das comunidades do Território da RESEX de Tauá-Mirim 39

ANEXO 01

História de Nonato 40

ANEXO 02

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Apresentação

Este relatório, síntese socioantropológica do território da Reserva Extrativista de Tauá-Mirm, São Luís, Maranhão, Brasil, foi organizado pelos pesquisadores do GEDMMA - Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente2: Horácio Antunes Sant’Ana Júnior, professor do DESOC/PPGCSoc/PPGPP, doutor em Ciências Humanas – Sociologia pela UFRJ; Samarone Carvalho Marinho, professor do DEGEO, doutor em Geografia Humana pela USP; Cíndia Brustolin, professora do DESOC, doutora em Sociologia pela UFRGS, Madian de Jesus Frazão Pereira, professora do DESOC, antropóloga e doutora em Sociologia pela UFPB; Elio de Jesus Pantoja Alves, professor do DESOC, doutor em Ciências Humanas – Sociologia pela UFRJ; Bartolomeu Rodrigues Mendonça, professor do COLUN, doutorando em Ciências Sociais pela UFMA. Também contou com a participação dos pesquisadores: José Arnaldo Ribeiro Júnior, mestre em Geografia Humana/USP; Jadeylson Ferreira Moreira, mestrando em Ciências Sociais/UFMA; Tayanná Santos Conceição de Jesus, graduanda em História/UFMA; Josemiro Ferreira de Oliveira, graduando em Ciências Sociais/UFMA.

O GEDMMA, desde 2004, realiza pesquisas no território étnico que abrange as comunidades da área rural da Ilha do Maranhão, em São Luís, estado do Maranhão, que demandam a criação da RESEX de Tauá-Mirim. Na área, encontram-se as comunidades de Rio dos Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Vila Cajueiro, Portinho, Ilha Pequena, Embaubal, Jacamim, Amapá, e Tauá-Mirim. Além dessas, integram também o território e são abrangidas pelas pesquisas do GEDMMA as comunidades de Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila Collier, Vila Maranhão, Sítio São Benedito, Mãe Chica, Vila Conceição, Camboa dos Frades. O GEDMMA formalizou sua atuação de pesquisa em 2005, com o projeto: Modernidade, Desenvolvimento e Conseqüências Sócio-Ambientais: a implantação do pólo Siderúrgico na Ilha de São Luís-MA, vigente até 2009. A partir desse ano até 2013, o grupo desenvolveu o projeto de pesquisa e extensão com o título: Projetos de Desenvolvimento e Conflitos Socioambientais no Maranhão, desses dois projetos resultaram inúmeros relatórios de pesquisa de iniciação científica, monografias de graduação, dissertações de mestrado e artigos apresentados em eventos acadêmicos e publicados em periódicos científicos. Dentre essas produções acadêmicas, a sua maioria teve como plano de análise exatamente o território

2 O GEDMMA é vinculado ao Departamento de Sociologia e Antropologia e aos Programas de Pós-graduação

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já citado e seus sujeitos e instituições sociais que disputam o controle territorial (ver Apêndice 01)3.

Os estudos realizados pelo grupo, na última década, na Zona Rural II de São Luís, procuraram compreender a organização social, econômica e cultural das referidas comunidades; seus modos e meios de vida, suas formas de mobilização para manutenção do território e defesa de sua identidade. Os estudos discutem também a atuação de empresas e do Estado nos processos de disputa pelo controle do território e na relação com os moradores locais.

Com base na trajetória de pesquisa mencionada e diante de conflitos e tensões acumulados ao longo de décadas e retomados no decorrer de 2014, o GEDMMA propõe que

se reconheça a existência dessas comunidades tradicionais que têm intensas relações com os recursos naturais da localidade, com a criação da RESEX de Tauá-mirim, importante

para a reprodução social e cultural dos grupos que ali vivem, bem como, para a conservação do frágil sistema ecológico da Ilha do Maranhão, e que sejam denunciadas situações de

violência relacionadas à realização de novos empreendimentos na Zona Rural II, com especial atenção à situação pela qual passa atualmente a comunidade de Cajueiro.

Para dar conta dessa proposição, este documento organiza-se então em três eixos centrais: a) Comunidades tradicionais e afirmação de direitos territoriais e ambientais - a necessidade da consolidação da RESEX de Tauá-Mirim para a proteção ambiental da Ilha do Maranhão e reprodução social e cultural das comunidades de pescadores artesanais, ribeirinhos e agricultores; b) Situações de Insegurança em Cajueiro - desapossamento forçado, jagunços e medo; c) Novos empreendimentos e velhas estratégias - instalação forçada da empresa WPR - São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. na localidade e as ambiguidades da ação do Estado.

a) Comunidades tradicionais e afirmação de direitos territoriais e ambientais

Os estudos realizados pelo GEDMMA apontam a existência de mais de 12 comunidades tradicionais na Zona Rural II de São Luís. Esses grupos, a exemplo de outros em diversas regiões do país, vivem de uma economia familiar polivalente (ALMEIDA, 2004), onde prevalecem atividades extrativistas, a pesca, criação de animais de pequeno porte e a pequena agricultura de roças. Muitas atividades são realizas em comum, como a pesca e os mutirões para os roçados. Parte dos grupos tem sua origem social ligada às comunidades

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negras de Alcântara, Bequimão, Anajatuba, dentre outros municípios da Baixada Maranhense e ao processo de escravidão no Maranhão. Em pesquisas recentes, pôde-se observar também uma possível ancestralidade ligada ao povoamento indígena nessa região que remete ao período colonial, já que nomes semelhantes aos de algumas comunidades, como Rio dos Cachorros, têm correspondentes históricos em localidades indígenas como Januarem (cachorro grande ou aldeia do cachorro, na toponímia tupinambá) que aparecem em mapas do século XVI em espaço territorial compatível ao da comunidade no presente (SILVA, 2009; DE JESUS, 2014; MAIA, 2014).

Nesse sentido, unindo diversas matrizes, principalmente a quilombola, na comunidade de Cajueiro existe a ruína do Terreiro do Egito, que é reconhecido como um dos terreiros mais antigos do Brasil pelos praticantes das religiões de matriz africana. Lugar que simboliza a resistência centenária de um povo, conforme nos revelam as memórias do Pai Euclides, pai-de-santo de grande notoriedade para além da Ilha do Maranhão, o Morro do Egito, em Cajueiro, servia nos idos da colônia “até de quilombo, alguns negros que vinham fugidos de Cururupu, Guimarães, passavam por lá embarcados [..] que nêgo que se jogava no mar [..] por conta da opressão, de não querer se submeter a essa coisa toda né [...]” (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014).

As ruínas do antigo Terreiro do Egito4 estão localizadas no território de Cajueiro, encravado numa elevação próxima ao Porto do Itaqui. Nos dias de festa, segundo relatos coletados, avistava-se o navio encantado do Rei Dom João. Segundo Pai Euclides, era chamado de Ilê Niame e teria sido fundado pela negra africana Basília Sofia, cujo nome privado era Massinocô Alapong5, vinda de Cumassi, na Costa do Ouro – atual Gana. Ela teria chegado ao Maranhão em 1864 e falecido em 1911. O Terreiro do Egito seria Fanti-Ashanti e teria dado origem a diversos terreiros de São Luís, como a Casa Fanti-Ashanti de Pai Euclides (FERRETI, 2009). Isso ganha maior relevo na fala da autoridade religiosa, Pai Euclides.

Pergunta: Pai Euclides, qual é o período de visita que tem para o Morro do Egito? Tem um período específico que as pessoas se juntam e vão até lá?

Pai Euclides: Não, qualquer momento o pessoal pode ir, mas como eu fiquei aqui talvez um pouco isolado, eu sempre aproveito o mês de Julho que a gente tá em festa, a festa maior daqui de casa e desses dias eu tiro de preferência no último dia de toque aqui. Aí, eu reúno o pessoal, o grupo aqui e a gente vai pra lá e a gente lá canta, reza ... as que são pra cantar. Às vezes, leva algum pouquinho de oferenda pra colocar em algumas árvores, porque até isso foi desmatado. Ali era um terreiro que

4 Em 2013, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) abriu o processo de registro do

Terreiro do Egito como sítio arqueológico (cf. BRASIL, 2014, p. 255).

5 “A fundadora desse Terreiro [Egito] chamava-se Massinocô Alapong, ela veio como escrava né, não se sabe se

ela foi ou não liberta, a gente imagina que ela veio foragida né, e aportou ali [..] Primeiro ela morou no Parnauaçu, aí ela passeando por ali naquela redondeza toda, ela admirou muito aquele alto e a gente não sabe até hoje porque ela colocou o nome de Egito lá no morro, isso aconteceu essa fundação lá em 1864”.

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não tinha esse negócio de quarto de Peji6, os assentamentos, os feitiços lá eram

exatamente nas árvores consagradas a determinadas divindades, tinha árvores pra várias entidades lá e aí a gente fazia todo o processo de imolação, não sei o que. A gente cortava as pindobas que lá tem bastante e a gente fazia tipo um círculo em volta do pé de árvores e ali a gente fazia a imolação de animais, não sei o que... Recolhia as pessoas para a iniciação, era tudo isso. Outras pessoas de fora não podiam chegar “ah não vai pra ai agora, não vai pra ai não sei o que”. Tinha todo o respeito, o povo além de respeitar tinha aquele medo da coisa e essa história toda assim (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014).

Pai Euclides ainda se refere às gerações herdeiras do Terreiro do Egito e da sua importância para a continuidade do culto afro:

[...] têm casas assim, que não deixam de não ser, assim digamos uma corrente, que pode se considerar da família, porque tem o terreiro ali no Lira, na rua Padre Roma, que é o terreiro de Margarida Mota, ela foi filha de santo do Egito [...] ela já faleceu, mas o terreiro continua [...] tem o terreiro da Fé em Deus, do Jorge Itacy de Oliveira, ele também morreu [...] mas a casa continua, essas pessoas que estão lá não deixam de ser netos do Terreiro do Egito. Tem o terreiro aqui no Pão de Açúcar, também que é de [...] Manuel Curador, ele também já morreu [...] Se for buscar essa questão já de neto, tem muito, mas de filho só tem eu, todos já morreram. [...] Inclusive eu tenho uns filhos de santo que têm terreiro né, que são netos de lá, tem ali o Nhiôzinho em Ribamar, tem Itaparandi aqui no Maiobão, tem Wender na Liberdade, tem o Remédio aqui no São Bernardo, tem Tabajara aqui no Maiobão, [...] Venina aqui no Zumbi, tem aqui Abraão no Parque Vitória, que são meus filhos [...] que são netos de lá.

Pergunta: “Então o Terreiro do Egito, como o senhor está falando, é a pedra fundamental da maioria dos terreiros daqui de São Luís?” Eu acredito que sim, porque foi da onde saiu mais filhos de santo, que abriu casa foi Egito, nenhuma outra casa, nem casa de Nagô, Casa das Minas, não abriram mão pra ter filiado assim, o Egito teve muito mais [...] parece que são 15 a 16 filhos de santo lá que abriram casa. [...] Aonde saíram mais filhos foi do Egito [...]. Do Egito até onde eu sei, abriu casa seu Zacarias, Zacarias do Nascimento; Denira, Margarida Mota, Tiodora de Longuim, Jorge Itacy de Oliveira, Zé de Ciriaco,Raimundo Memê, Manoel Constantino, Manoel do Pão de Açúcar, Eu, Dica de Averekête, [...] Verônica, [...] do Bairro de Fátima [...] todos estão com Deus, só tem vivo eu. Agora tiveram outros filhos que passaram por lá, mas não abriram casa, falei desses que abriram casa. Memê e Zé de Ciriaco, foi em Guimarães, abriram casa em Guimarães esses outros foram tudo aqui na Cidade (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014). A narrativa do Pai Euclides demonstra a importância fundamental do Território do Cajueiro, particularmente no que diz respeito ao Morro do Egito, que vislumbra nas suas ruínas, memórias, distinções e genealogias quase que irreconstituíveis na linha do tempo presente. A estrutura física e simbólica guarda um conjunto de significados e fatos que ajudam a contar a história do lugar, como lugar de referência, adoração, mas também de resistência do passado memorial e imemorial daqueles que chegaram até a Ilha do Maranhão trazidos por ventos que guiaram não as velas dos navios do Itaqui e da Ponta da Madeira, mas barcos carregados do que seria a maior experiência constituinte da história do Maranhão e do Brasil.

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O Morro do Egito, lugar sagrado da ancestralidade afro em São Luís, possui significado ímpar para a autoridade religiosa da Casa Fanti-Ashanti,

Pergunta: o que move o senhor a ir lá, a continuar essa relação próxima com o Terreiro do Egito?

Pai Euclides: Muitas coisas, primeiro a consciência, eu saber que eu sou escolhido por uma ancestralidade, fui pra lá ainda criança, eu fui pra lá com sete anos de idade, eu entrei no Egito em 1944, e lá eu me tratei [...] (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014).

Fazer memória da importância do território em questão é tombar nas particularidades históricas contidas no interior das representações sociais. Cajueiro não só é constituído de terra para plantar e colher, “só não dá, só o que não se planta” (fala de morador), do mar para retirar o pescado, do mangue para o berçário das espécies endêmicas e não endêmicas, mas também de significados que extrapolam as condições etnográficas de descrição. O apreço que o lugar traz, para os filhos e filhas de santos do Maranhão, supera em suas especificidades, a grandiosidade de qualquer navio que não seja aquele conduzido por D. João nas águas da Baía de São Marcos. Segundo praticantes de religiões afro-brasileiras, a princesa Ina, entidade protetora das águas do Itaqui, por vezes ou outras, expressa o seu descontentamento em relação às ambições dos homens, não aqueles que jogam suas redes ao mar e retiram seu sustento de lá, mas daqueles que desconhecem a natureza local e negligenciam a imponência de um mar que guarda segredos e castiga os mais desavisados aventureiros do capital.

A Comunidade de Cajueiro, que toma parte do Território da RESEX de Tauá-Mirim, nas narrativas dos moradores e dos praticantes dos cultos afros carece de preservação. A exemplo disso, o Pai Euclides diz que

[...] preservar, primeiro porque é tão antigo, você já imaginou? 1864. Sabe Deus o que que aquela mulher não sofreu pra levar aquilo em frente, e chamava o povo, que todo mundo ia daqui da cidade, pra ver embora por curiosidade pra ver, porque tinha a história do aparecimento do navio, o navio de D. João, isso não é conto de fada, é coisa verídica, você está aqui no morro e cantando “não sei o que, pê, rê rê, o tambor (...) lá vem, lá vem, lá vem, não sei o que”, daqui de cima à noite você via o navio lá fora, aquela luzinha e tudo, aí o encantado dizia: olha ... às vezes ele falava antes e... “se prepara aê, não sei o que, que o navio vai chegar tal hora” e aquilo era x. Nesse tempo não tinha esse porto do Itaqui nem nada, aí o encantado dizia: “olha o navio vai embora tal hora, por causa da maré, não sei o que”, quando dava aquele horário todo mundo vinha pro pau da paciência cantando, botava o tambor pra fora e pi, pi, pi e aí o navio saía, quer dizer em vez dele dar continuidade ele ia (som) terminava ficando submerso. Então, era uma coisa assim impressionante. O povo se deslocava daqui da cidade, que iam mais gente embarcada que por terra que era mais longe, pra ver a questão deste navio encantado, o navio D. João (Entrevista com Pai Euclides, 30.10.2014).

Esse território étnico, por combinar heranças culturais tão específicas às práticas sociais do presente, que têm na reprodução sociocultural o enfoque da preservação ambiental, é um espaço de riqueza étnica e espiritual que não pode ser desconsiderado enquanto tal, já

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que as pessoas que ali residem trazem consigo heranças e as aplicam nos modos de viver, produzir e ocupar o território.

A saber, o sociólogo Bartolomeu Mendonça, no âmbito do GEDMMA, em pesquisa realizada na Vila Cajueiro, de 2004 a 2006, para elaboração da sua monografia de conclusão de curso, constatou a interdependência entre as comunidades da parte sudoeste de Ilha do Maranhão, sugerindo a existência de um território étnico7 que somente faz sentido se for garantida a existência dessas relações entre as comunidades e, portanto, da proteção da faixa territorial por onde se observa uma economia material e simbólica própria, já que uma comunidade não pode ser vista deslocada das outras com quem mantém laços afetivos, simbólicos, econômicos e históricos há séculos (MENDONÇA, 2006).

O tratamento acadêmico dado ao conjunto das comunidades da parte sudoeste da Ilha, como sendo um território étnico, do qual faz parte a comunidade do Cajueiro, demonstrando a interdependência social, cultural, econômica desse mosaico de comunidades, foi paulatinamente sendo elaborado ao longo das pesquisas do grupo e aparece de modo sistematizado no conjunto dos trabalhos publicados na obra produzida pelos pesquisadores do GEDMMA e editado pela EDUFMA: Ecos dos conflitos socioambientais: a RESEX de Tauá-Mirim, no ano de 2009, bem como, nos diversos artigos publicados em periódicos, livros e anais de eventos científicos e nas monografias e dissertações elaboradas ao longo de uma década de estudos8.

Sendo assim, a retirada compulsória de uma dessas comunidades, como está ocorrendo com Cajueiro, seguramente interferirá em todo território étnico, descaracterizará ambiental e culturalmente a área requerida pelas comunidades para a RESEX de Tauá-Mirim, trará desestabilização e insegurança àqueles que defendem seus modos e meios de vida próprios de extrativistas marinhos e, ainda, irá contra a determinação judicial que impede qualquer deslocamento de populações para fins de instalação de empreendimentos industriais ou de infraestrutura na área, até que o Estado se manifeste, definitivamente, sobre a solicitação oficial dos moradores por fazer do seu território a RESEX de Tauá-Mirim (decisão judicial, proferida em 14.10.2014, no processo de ação cautelar, autos nº 0046221-97.2014.8.10.0001 (494772014).

7 Almeida (2006, p. 154), em seus estudos em Alcântara/MA, apresenta extensa argumentação de como diversas

comunidades, mesmo mantendo suas singularidades, constituem um território étnico, vivem de modo interdependente e formam uma “unidade territorial”. Fenômeno semelhante pode-se observar no caso do mosaico de comunidades da zona rural II, de São Luís/MA, que correspondem ao território da RESEX de Tauá-Mirim.

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O território étnico em que a Vila Cajueiro está situada localiza-se na parte sudoeste da Ilha o Maranhão e constitui-se de comunidades que, desde 2003, formalmente requerem a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim. Requerimento que teve sua viabilidade atestada pelos estudos realizados pelo IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) (IBAMA, 2006). Esses estudos também atestam o reconhecimento pelo Estado brasileiro da condição de comunidades tradicionais dos grupos que ali vivem, a partir da descrição de suas atividades e relações, e da importância do manejo dos recursos naturais no território. Apesar da comprovada viabilidade ambiental, social, e cultural, as comunidades aguardam, há uma década, a edição do decreto presidencial de criação, que tem esbarrado em entraves políticos.

As comunidades que demandam a criação da RESEX de Tauá-Mirim9 são: Rio dos Cachorros, Limoeiro, Taim, Porto Grande, Vila Cajueiro, Portinho, Ilha Pequena, Embaubal, Jacamim, Amapá, e Tauá-Mirim; além dessas comunidades, que aguardam apenas o decreto de criação da Unidade de Conservação, também compõem o território, as comunidades de Estiva, Pedrinhas, Murtura, Vila Collier, Vila Maranhão, Sítio São Benedito, Mãe Chica, Vila Conceição, Camboa dos Frades.

Como esse espaço é visto por representantes governamentais, aliados a gestores empresariais, como um local com "vocação natural" para implementação de grandes empresas, esta lógica entra em atrito com lógicas históricas de comunidades que há séculos habitam o local, partilhando entre si modos de vida, de apropriação e preservação do território, além de crenças e simbologias comuns, o que não está sendo visualizado por aqueles representantes, no momento em que buscam atrair grandes empreendimentos para o local, desconsiderando que ali residem pessoas cuja ancestralidade remonta há séculos. Os indícios históricos contam no mínimo 200 anos de ocupação territorial, contabilizando, por exemplo, a idade de moradores que nasceram no local e também criaram seus filhos; isto sem considerar indícios históricos que demonstram usos indígenas.

A não efetivação da RESEX, a transformação da área rural de cenário da vida dessas populações em Zona Industrial, constitui-se numa ameaça ao modo de vida tradicional dos grupos ali estabelecidos e ao meio ambiente em geral. A área possui incontestável potencial para o desenvolvimento de agricultura orgânica, para o incremento da pesca artesanal, da piscicultura e do turismo comunitário, que deveriam ser observados pelos representantes governamentais como possíveis maneiras de utilização daquele espaço, viabilizando, portanto,

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a permanência daquelas comunidades como aliadas à execução deste tipo de política ambiental, como atesta o laudo do IBAMA (2006). A saber, no referido laudo foi atestado que a conservação ambiental na região está aliada ao modo de vida comunitário engendrado por aquelas comunidades, cujas práticas (ex.: não extração de madeira dos mangues para fazer carvão, proibição da extração de areia em algumas comunidades a fim de evitar o assoreamento dos cursos d’água, entre outras) possuem em si uma consciência de preservação ambiental atrelada à possibilidade de reprodução cultural dessas pessoas pois, contribuindo para manter o ambiente saudável, sem degradações, preserva-se o modo de vida e a sobrevivência de seus filhos.

Priorizando os ganhos do Estado e o lucro das empresas, seus representantes deliberadamente abstêm-se de pensar formas menos agressivas de desenvolvimento, aliadas às maneiras de usufruir da terra sem degradá-la tão fortemente, prática e experiências que as comunidades possuem. A lógica predominante é dos enormes lucros, sem observar as consequências para essas comunidades tradicionais da área rural de São Luís, negligenciando seu histórico de ocupação no local e suas práticas culturais que são consideradas como patrimônios culturais e, sobretudo, seus direitos enquanto cidadãos de habitarem sua terra. Dessa forma, essas pessoas encontram-se sob constantes ameaças de jagunços enviados pelas empresas a fim de intimidá-las e coagi-las a vender suas posses por preços mínimos, sem considerar os vínculos produtivos e simbólicos que elas têm com suas terras. A situação que hoje se configura em Cajueiro é essa: a iminência da expulsão a partir do assédio moral e econômico, do embate físico, da intimidação e das ameaças diretas.

Criar as condições necessárias para que esses grupos permaneçam em seus lugares de ancestralidade é dever de toda a sociedade ludovicense e obrigação política dos poderes municipal, estadual e federal, uma vez que a salvaguarda desse patrimônio de explícita combinação material e imaterial, cultural e ambiental é condição de conservação da memória, da história, de como se deu a constituição territorial desta cidade, como também condição de conservação ambiental, em uma parte do território já tão atingida por emissões de partículas poluentes por diversas empresas que se instalaram nas últimas décadas e tomaram de assalto parte do território dessas comunidades tradicionais. O desafio que se põe à sociedade, aos gestores públicos e aos operadores do direito é fazer conviver, na prática, diversos estilos e experiências de organização social, cultural e econômica, modelos distintos de se apropriar e usar o meio físico.

Em São Luís, tem-se a oportunidade de experimentar, na prática, o que tanto se alardeia na teoria e na retórica de grupos políticos: a sustentabilidade. Fazer conviver uma

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estrutura portuária e um complexo industrial de alta tecnologia, com capacidade de altíssimas movimentações financeiras, que comprovadamente degradaram áreas imensas de florestas, de reservas de água, de áreas de pesca, de brejos, nascentes e rios e destruíram comunidades tradicionais inteiras (Macaco, Tainha, Taperuçu, Tambau, Canaúba, Pacuatiua, Pindotiua, Boqueirão, entre outras) com os modos e meios de vida das comunidades que historicamente comprovaram ser capazes de preservar seu território, seu patrimônio cultural e ambiental de indubitável importância para esta Ilha. Sendo que a proposição prática desses grupos, há uma década, é a criação da RESEX de Tauá-Mirim.

b) Situações de Insegurança em Cajueiro - desapossamento forçado, jagunços e medo

As comunidades da Zona Rural II de São Luís têm enfrentado, tanto da parte do Estado do Maranhão, quanto pela atuação de empresas privadas, processos intensos de tentativas de deslocamentos para destinação dos seus territórios a outras finalidades sociais que visam instalar atividades industriais ou de infraestrutura na localidade e que ignoram as dinâmicas sociais ali estabelecidas.

A comunidade do Cajueiro, também conhecida como Vila Cajueiro ou Sítio Bom Jesus do Cajual, constitui-se de cinco pequenos núcleos assim denominados: Parnuaçu, Andirobal, Guarimanduba, Morro do Egito e Cajueiro. Portanto, quando aqui nos referimos ao Cajueiro, o fazemos considerando o conjunto desses pequenos núcleos, que os próprios moradores reconhecem como sendo o que constitui essa comunidade em termos de configuração físico-geográfica e de representação comunitária, através da União de Moradores Proteção de Jesus do Cajueiro. Portanto, o desapossamento ou desapropriação de qualquer desses núcleos descaracterizará essa comunidade.

Desde a década de 1980, a comunidade do Cajueiro sofre tentativas de expulsão. No ano de 1987, o governo federal, pela ação do Conselho de Não Ferrosos e de Siderurgia (CONSIDER)10, determinou que o Estado do Maranhão apresentasse o projeto de “uma usina siderúrgica integrada, com capacidade de 3 milhões de toneladas ao ano, através da resolução nº 199/87 de 08.04.87” (GISTELINCK, 1988, p. 109). Empreendimento que não se consolidaria, mas que previu o deslocamento de várias comunidades para sua instalação. Vale ressaltar que estudos e sondagens técnicas naquele momento foram realizados. A partir de 2002, apareceram vários anúncios na mídia local sobre a instalação de um pólo siderúrgico na mesma área; realizaram-se estudos, desta vez, mais elaborados e sistematizados, pela empresa

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de consultoria Diagonal Urbana, que passava nas casas dos moradores das comunidades, igrejas e escolas marcando com tinta preta os prédios das residências, dos comércios locais ou os prédios públicos o que, supostamente, garantiria posterior indenização dos mesmos (MENDONÇA, 2006). Passados mais de dez anos, nenhum empreendimento se instalou no local, mesmo assim, o poder executivo estadual e municipal não realizou investimentos significativos em políticas públicas nessas comunidades, confirmando assim, o seu compromisso com uma perspectiva de desenvolvimento que não contempla as comunidades locais. Essas investidas de controle do território e de possibilidades de deslocamento mencionadas são algo que se mantêm na memória das pessoas que ali vivem.

Recentemente, verificaram-se novas ofensivas aos moradores da área, desta vez, com a ação direta de desapossamento, sobretudo em Cajueiro. Na realização de atividades de pesquisa na Zona rural II de São Luís, durante o ano de 2014, integrantes do GEDMMA acompanharam sistematicamente reuniões e processos sociais relacionados às transações de terras empreendidas pela empresa WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda11.

Pesquisadores do GEDMMA estiveram presentes nas reuniões da comunidade do Cajueiro nas seguintes datas: 10 de junho; 14 de julho; 19 e 27 de agosto; 05 de setembro; 20 e 24 de setembro; 02, 11 e 15 de outubro, além de acompanhar, no dia 15 de outubro, a ação dos moradores de diversas comunidades que paralisou o trânsito da BR-135 na altura da entrada do Cajueiro; e a tentativa de realização de uma audiência pública, no dia 16 de outubro, que trataria do licenciamento da instalação do Terminal Portuário de São Luís, pela referida empresa WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda., impedida pelos moradores de ocorrer, sob alegação de que a empresa WPR estaria utilizando milícia armada para intimidá-los, além de coagi-los a vender suas posses a esta empresa, bem como de questionamentos quanto ao descumprimento de prazos legais para convocação da Audiência e quanto à indisponibilidade para consulta pública do EIA-RIMA elaborado pela empresa.

A partir dos trabalhos de campo, principalmente da análise dessas reuniões, constatou-se que negociações fortemente assimétricas começaram a ser operadas na localidade, com a finalidade de comprar casas de moradores, de demolir as construções das moradias e dos prédios de pequenos comércios e de apossamento dos terrenos. Ações que não

11 A WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda., empresa responsável pela suposta construção do

Terminal Portuário de São Luís, afirma no seu EIA (Estudo de Impacto Ambiental) que foi realizada a “compensação social”, sendo a "Urbaniza Engenharia Consultiva, empresa responsável pela gestão fundiária de desapropriação e indenização da poligonal de implantação do empreendimento", o que atesta que a empreendedora fez as vezes do Estado ao contratar uma empresa responsável em realizar a "gestão fundiária de

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levaram em conta as demandas pela criação da RESEX de Tauá-Mirim e mesmo as ações judiciais em curso para sua efetivação.

Uma série de dispositivos de poder foram acionados para potencializar o clima de insegurança jurídica e medo entre os moradores em relação ao destino do seu território, o que favoreceu negociações não desejadas e sem a avaliação adequada por parte dos mesmos. Pode-se elencar a presença de seguranças armados na localidade (cerca de 20), vinculados à empresa de segurança Leões Dourados, posteriormente, identificada junto à Polícia Federal como em condição de trabalho irregular, portanto, constituindo-se uma milícia privada. Por parte da referida empresa foram realizadas reuniões com os moradores, que davam a entender que se tratava de um processo estatal de desapropriação, em que mais cedo ou mais tarde todos teriam que deixar as terras; assim como houve tentativa de fazer atos públicos, como as audiências públicas para o licenciamento ambiental, sem atender a todos os requisitos legais, sem aceitação das comunidades envolvidas e em desacordo com o processo oficial e com dispositivos legais referentes à criação da RESEX de Tauá-Mirim.

Uma breve análise das reuniões realizadas no ano de 2014 permite evidenciar o caráter violento e ilegal do processo de negociação da empresa para com moradores das comunidades. Na reunião realizada no dia 11 de outubro de 2014, no Andirobal (Cajueiro), que contou com a participação da CPT (Comissão Pastoral da Terra), de pesquisadores da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), assessores do Gabinete do Deputado Estadual Bira do Pindaré e cerca de 30 moradores da comunidade, foram realizadas diversas denúncias graves acerca da violência do processo em questão. Seguem trechos da reunião:

Morador: [...] se você quer construir na sua área, eles não querem deixar entrar material. Eu acho isso errado porque se você não vendeu a sua área você tem direito de trabalhar na sua área e eles não querem deixar você trabalhar, fazer sua casa e tal. Isso aí eu acho errado, né? Porque se você já vendeu sua área eles têm direito de chegar e mandar, né? Mas como eles ainda não indenizaram, não me indenizaram, eles têm de direito de chegar e mandar pedir, mais e aí?

Senhor Batata (morador): Oh! É assim semana passada teve um problema seríssimo ai né! A gente morando aqui né! E de imediato a gente soube que eles estavam botando dois postes. [...] Já tinham me falado que eles iam botar essa corrente lá no Anjo da Guarda. Aí eu fiquei com a orelha em pé, né! Corrente é... Vão botar corrente pra não passar. E o que aconteceu foi isso mesmo. No outro dia, eles vieram e enfiaram os dois tubos um dum lado outro doutro e ainda cavaram um buraco impedindo, tapando a rua do pessoal que mora na esquina do colégio, hem! Ai de repente o filho da minha irmã chegou aqui e disse “Zé tem um movimento lá na portaria do colégio, porque abriram uma vala lá e tão e vão botar a corrente”. Ai eu fiquei assim meio rabolado, aí pegamos o carro, aí descemos pra lá. Quando chegamos lá, tava esse movimento lá. O cidadão lá, o grandão que deve ser o chefe né? Num sei! Com um rádio na mão e botando marra no pessoal né! Dando pressão né! Aí eu cheguei, já tava o Presidente e a Vice-Presidente12. Aí, eu cheguei e vi aquele

movimento, né? Aí, a gente deu pressão pra tirar um dos postes, né! O mais fino. O pessoal que já tava lá chegaram, os meninos chegaram e tiraram um. Só que o outro tava muito

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enterrado né! Aí o cara chegou e botou a mão, o guarda, né! O paideguão que tava com o rádio na mão.

A entrada desse novo empreendimento vem cerceando direitos dos moradores, como elencado acima, tentando colocar postes e cercar com uma corrente a entrada para a área. A facilidade com que essas ações irregulares foram executadas em Cajueiro deve-se à memória dos moradores das possibilidades de deslocamento ocorridas no passado recente e a forma de atuação da empresa que mesclou ritos estatais e privados, não deixando clara a natureza privada das ações, e usando de extrema violência. Exemplo disso foi a notificação do MPE No 01/2014 – 38o PJESP com referência ao Procedimento Preparatório no 04/2014 – Vila Cajueiro que versa sobre a proibição de qualquer ato que importe em realização atual de construção.

Mesmo com a violência do processo instalado, as comunidades vêm resistindo fortemente à lógica de ação dos novos empreendimentos no local. O artigo “O Fator Participativo” nas audiências públicas em São Luís (MENDONÇA; MOREIRA, 2014), cujo objetivo substancial foi compreender a interconexão entre os diferentes modos de apropriação dos espaços na Zona Rural II, da cidade de São Luís – MA, com foco nas audiências públicas realizadas para apresentação do EIA/RIMA do Distrito Industrial de São Luís – DISAL e das obras de dragagem de manutenção do Píer IV do Terminal Portuário da Ponta da Madeira, apontou para o acúmulo de competências, repertórios de ação e estratégias de resistência e, por essa via, de exercício do discurso reconhecido em espaços específicos da esfera de mobilização frente aos grandes empreendimentos, por parte das comunidades que pleiteiam a criação da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim.

O que importa focalizar aqui é o sentimento de permanecer nas terras que compõem a gleba do Cajueiro, como forma de reprodução social e simbólica do grupo. Através da “memória viva”, os moradores acionam traços, histórias, relatos que estabelecem a fronteira entre aqueles que “nasceram e se criaram” lá, em contraposição aos “de fora”13 cujo deslocamento não pesaria, na maioria dos casos, no processo de negociação das terras. Como se pode perceber no trecho seguinte da reunião do dia 17 de Outubro de 2014, na União dos Moradores do Cajueiro:

Participante 1: Seu... Nem todo mundo quer sair do Cajueiro, mas cinquenta por cento (50%) quer sair daqui. Eu tô errado?

13 Nos últimos anos, entre outros fatores, devido a deslocamentos realizados em outras comunidades ou às

expectativas de obtenção de indenizações de empreendimentos estatais ou privados, houve significativo estabelecimento de novos moradores ou posses de terrenos em algumas comunidades localizadas na Zona Rural II de São Luís. Isso faz com que moradores que residem na área há mais tempo (algumas famílias estão ali secularmente) façam a diferenciação entre os moradores “que nasceram e se criaram” na região e os “de fora”.

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Participante 2: (em voz alta): Quem quer sair? Quem é que tá aqui que quer sair? Levanta o braço quem quer sair (poucos levantaram).

Participante 2: (em voz alta) Agora levanta o braço quem quer ficar. Outros participantes: Eu...

Participante 3: Cinquenta por cento (50%) são pessoas que vem lá de fora. Participante 4: Alguém daqui gravou um vídeo dizendo que queria sair daqui? Participantes: Não...

Participante 4: Porque a... tá dizendo que a empresa tem.

A passagem anterior demonstra que a maioria daqueles que venderam seus terrenos, são moradores de outras áreas que adentraram o território de Cajueiro com o objetivo de especular imóveis, já que nem vivem e nem plantam nas áreas que foram ocupadas de maneira, muita das vezes, ilegal. Podemos inclusive afirmar, pelos estudos realizados, que esta situação é herança do processo da década de 1970 conduzido pelo Estado em reiteradamente propor projetos industriais ou de infraestrutura que iriam indenizar os moradores, levando uma legião de especuladores a cercar terrenos, sem qualquer uso para moradia ou para trabalho, com o firme propósito de especular e tirar, em médio prazo, algum proveito pecuniário14. As populações tradicionais além de enfrentar, ao longo de décadas, as investidas estatais e empresariais no sentido de expropriar seu território em favor da construção de indústrias, também enfrentam as investidas desses especuladores que têm posto em dúvida a identidade das comunidades tradicionais e dificultado a efetivação da proposta de criação da RESEX de Tauá-Mirim.

Social e ambientalmente injustiçada, a Comunidade de Cajueiro encontra-se hoje em meio a uma ferrenha disputa territorial, cujos extremos são: a empresa WPR - São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda. e o próprio Estado do Maranhão com seu aparato jurídico-legal mobilizado para atender às demandas mais expansivas de um ambicioso projeto de incremento de infraestrutura logística na Baía de São Marcos, sem qualquer possibilidade de inclusão das comunidades tradicionais nos planos de negócios.

Pensar isto no âmbito das particularidades da pesquisa de campo do GEDMMA é ter a oportunidade de conhecer o espaço de vivência, reivindicação, mobilização, mas também de reprodução social e cultural de grupos sociais historicamente postos à revelia dos mais diversificados Projetos de Desenvolvimento que voltam seus interesses expansionistas para o que hoje se chama de Terminal Portuário de São Luís. No entanto, a forma em que é conduzido tal processo reforça ainda mais as diferenças sociais potenciais, engendradas por

14 Mendonça (2006) destaca que até aquele ano a comunidade de Cajueiro possuía cerca de 183 famílias, com o

processo de intensa especulação da terra; atualmente considera-se a existência de 600 famílias (MRS, 2014), ou seja, em pouco menos de uma década triplicou o número de famílias, muitas das quais mantêm apenas os terrenos cercados sem qualquer exercício de posse, numa demonstração inconteste de apropriação especulativa do território.

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um modelo que não considera as mais distintas formas de apropriação do espaço territorial das populações tradicionais residentes.

c) Novos empreendimentos e velhas estratégias - instalação forçada da empresa na

localidade e as ambiguidades da ação do Estado

Aprofundaremos neste item o papel do governo do Estado do Maranhão, que tem se posicionando de forma francamente parcial frente aos conflitos que se desencadeiam entre empresas e comunidades tradicionais ao longo de décadas. Em praticamente todas as situações têm atuado no sentido de criar condições para deslocar as comunidades em favor da instalação de empreendimentos industriais ou de infraestrutura, mesmo que estes criem impactos negativos no âmbito social, econômico, cultural e ambiental.

De modo geral, as estratégias de grupos empresarias em cooperação com órgãos estatais para garantir lucro e expansão de capital, em desfavor dos grupos e comunidades tradicionais, têm sido muito comum nas práticas de multinacionais pelo mundo afora, que pilham e expropriam os ativos comuns dos povos. Harvey (2012), ao analisar o processo de “espoliação por acumulação”, demonstra como as grandes corporações têm garantido o controle territorial, para o avanço do capital, a partir do uso do aparato estatal.

Dentre muitos exemplos citados por Harvey (2012), apresentamos o caso de expropriação dos territórios camponeses15 nos Estados Unidos, em favor do agronegócio

A expulsão de populações rurais ocorrida [...] do longo processo de substituição nos Estados Unidos da agropecuária familiar pelo agronegócio. A principal força motriz dessa transição sempre foi o sistema de crédito, porém talvez o aspecto mais relevante disso seja o fato de uma variedade de instituições do Estado, ostensivamente destinadas a proteger a agropecuária familiar, terem desempenhado um papel subversivo ao facilitar a transição que deveriam conter (HARVEY, 2012, p. 129).

Harvey (2012, p. 127) ainda nos lembra, informado pelos ensinamentos marxianos, que “Toda formação social, ou território, que é inserida ou se insere na lógica do desenvolvimento capitalista tem de passar por amplas mudanças legais, institucionais e estruturais”. Em boa medida, isto é o que vem ocorrendo nos processos de instalação de empreendimentos, nas últimas décadas, na Ilha do Maranhão, que expulsam as comunidades tradicionais em nome de um suposto desenvolvimento, avalizado pelo Estado.

15 Ao utilizarmos as exemplificações de Harvey (2012) não as tomamos como forma de fazer equivaler as noções

de camponês ou agricultura familiar dos contextos brasileiro e estadunidense, mas tão somente como ilustração de como as investidas dos ativos de capital nacional ou internacional utilizam-se, em situações díspares e específicas, estratégias semelhantes de cooperação Empresa-Estado para expropriar os territórios, expulsar as populações e assegurar a rentabilidade dos investimentos financeiros.

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Seria a efetivação da privatização dos ativos e insumos existentes nos territórios das comunidades tradicionais, que passam ao controle do capital em cooperação com órgãos do Estado e que eliminam as possibilidades de existências dos seus modos e meios de vida, deslocando-os para áreas urbanas periféricas com sérios déficits estruturais.

Disso Harvey, valendo-se de Roy, explica que

A privatização, conclui Roy, é essencialmente “a transferência de ativos públicos produtivos do estado para empresas privadas. Figuram entre os ativos produtivos os recursos naturais. A terra, as florestas, a água, o ar. São esses ativos confiados ao Estado pelas pessoas a quem ele representa... Apossar-se desses ativos e vendê-los como se fossem estoques a empresas privadas é um processo de despossessão bárbara numa escala sem paralelo na história” (HARVEY, 2012, p. 133).

Como exemplo prático, Harvey (2012, p. 132) cita o ocorrido no México:

A Constituição de 1917, promulgada pela Revolução Mexicana, protegia os direitos legais dos povos indígenas, tendo consagrado esses direitos no sistema ejido [comunidades autossuficientes], que permitia a posse e o uso coletivo da terra. Em 1991, o governo Salinas promulgou uma lei de reforma que tanto permitia como estimulava a privatização das terras do ejido. Como este proporcionava a base da segurança coletiva entre grupos indígenas, o governo na verdade estava se eximindo de suas responsabilidades pela manutenção dessa segurança. Além disso, essa medida era parte de um “pacote” de resoluções privatizantes propostas por Salinas, as quais desmantelavam a seguridade social em geral e tinham impactos previsíveis e dramáticos sobre a distribuição da renda e da riqueza.

Essas investidas de toda ordem contra os territórios dos povos e populações tradicionais têm sido o que conduz a ação de órgãos do legislativo, judiciário e executivo dos Estados. A ampliação da logística mundial para circulação de ativos de capital tem desconsiderado qualquer direto territorial dos grupos tradicionais. E o que se vê ocorrer com o Território da RESEX de Tauá-Mirim é uma articulação entre Estado e Empresa para fazer parecer legal o processo de espoliação dos territórios das comunidades tradicionais.

A estratégia, no caso da expropriação do Território da RESEX de Tauá-Mirim, foi a criação de uma empresa, sem expressão e sem uma “imagem a zelar”, para realizar o “serviço de limpeza do território”. Disto, quem aparece na cena pública como empreendedora da instalação do Terminal Portuário de São Luís é a WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda., uma empresa com raríssimas informações públicas, legalmente representada pelo Sr. José Hagge Pereira, que declara R$ 10.000,00 (dez mil reais) como capital social, e se responsabiliza pela construção do empreendimento no valor de R$ 800.000.000,00 (oitocentos milhões mil reais)16. Dessa empresa, o Estado nada revela, não se tem nenhuma informação da sua capacidade técnica e financeira de tocar o empreendimento; o que se sabe, pelos relatos dos moradores de Cajueiro e demais comunidades tradicionais do Território da

16 Informações contidas no processo de licenciamento do empreendimento Terminal Portuário de São Luís, da

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RESEX de Tauá-Mirim, é que seus representantes estão utilizando de métodos intimidatórios e coercitivos para garantir a retirada das comunidades tradicionais. E mais uma vez os órgãos estatais ou se omitem ou colaboram com a atitude violenta da empresa.

Pela postura parcial de estrita cooperação Estado-Empresa, o acesso às informações sobre o empreendimento e a empresa postulante ficou comprometido, o que levou o GEDMMA a utilizar, como método de obtenção de informações, pesquisas sistemáticas na Internet (rede mundial de computares), vez que todas as grandes corporações na atualidade têm se servido dela para divulgar seu portfólio. Inclusive diversas empresas industriais, de infraestrutura e de serviços que operam em São Luís mantêm sítios abertos na Internet nos quais circulam informações sobre sua estrutura organizacional, seus principais clientes, seus ramos de negócios e investimentos, suas capacidades financeiras.

A WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda., neste ínterim é uma exceção. Em nossas pesquisas na Internet sobre esta empresa, não encontramos qualquer sítio oficial que informasse suas atuações em negócios similares ao que propõe construir em São Luís/MA. Encontramos apenas dois sítios com informações genéricas, sendo https://www.infoplex.com.br/perfil/18729181000157, acessado em 02/11/2014, às 14:35 e

http://empresasdobrasil.com/empresa/wpr-sao-luis-gestao-de-portos-e-terminais-ltda-18729181000157, acessado em 02/11/2014, às 21:14, que não são sítios oficiais (ver Apêndice 03).

Naqueles sítios encontram-se informações como:

Razão Social: WPR - São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda CNPJ: 18.729.181/0001-57

Data da abertura: 22/08/2013

Status da empresa: Ativa

Natureza jurídica: 206-2 - Sociedade Empresária Limitada Endereço:

Av. Doutor Chucri Zaidan, 920, andar 16 Conj. 161 Bairro: Vila Cordeiro

Cidade São Paulo CEP 04.583-904

Telefone: Não disponível

Atividade econômica principal: Operações de terminais Atividades econômicas secundárias:

Compra e venda de imóveis próprios

Outras sociedades de participação, exceto holdings Aluguel de imóveis próprios.

Destacamos a “Data da abertura: 22/08/2013”, que chama a atenção pelo fato de uma empresa pretender realizar uma obra cara e complexa como a construção do Terminal Portuário de São Luís, que parece ter sido aberta especificamente para esta finalidade, sem

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mencionar qualquer vínculo com outra empresa ou grupo já consolidado no mercado da construção, como também da gestão e logística portuária.

Como o RIMA (Relatório de Impacto Ambiental) do Terminal Portuário de São Luís, em alguns trechos refere-se apenas à empresa WPR, também efetuamos investigações para verificar procedência, capacidade técnica e estrutura financeira e de gestão. Dessa empresa, encontra-se o sítio http://www.wpr.com.br/principal.html, acessado em 02/11/2014, às 21:41, que menciona “WPR Projetos S/C LTDA”, mas apresenta apenas sua logomarca e algumas imagens sem quaisquer abas para navegação ou outras informações (ver Apêndice 02).

Dando continuidade às pesquisas, encontramos que a WPR é uma empresa do grupo WTorre.

São Paulo – A dona de estacionamentos Estapar e a WPR, empresa composta por

fundadores da construtora WTorre, serão as sócias nacionais da recém-criada

BCA Brasil, empresa de gestão de pátios e leilões de carros. (Estapar e WPR viram sócias em empresa de leilão de carros). Disponível em: http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/estapar-e-wtorre-viram-socias-em-empresa-de-leilao-de-carros, acessado em 02/11/2014, às 14:25).

Já esse grupo empresarial WTorre mantém seu sítio oficial com todas informações que as grandes corporações fazem questão de expor. Mostra os principais clientes, os seus maiores investimentos e tem uma quase infinidade de matérias, colunas, informações sobre suas ações.

A história da WTorre nasceu de uma iniciativa ousada de Walter Torre Júnior quando abriu, em 1981, uma construtora que levava seu nome. Com um novo jeito de empreender e fazer negócios, ele iniciava seu legado empresarial ao projetar armazéns industriais para locação – um nicho de mercado que ainda não era explorado no Brasil naquela época (Disponível em: http://www.wtorre.com.br/index.php/pt_br/wtorre/o-grupo-wtorre/2012-12-07-15-45-50.html, acessado em 02/11/2014, às 14:15).

Apesar do seu tamanho e provável modo de atuação responsável, a WTorre tem sido denunciada em sítios da internet em razão dos seus projetos serem cercados de “problemas, descumprimentos”.

Todos os projetos realizados pela WTorre em sua existência foram cercados de problemas, descumprimento de palavra e alguma malandragem.

Não era segredo para ninguém, bastava uma breve busca pela internet. (Walter Torre Junior tirar a máscara, diz que Arena Palestra “é dele”, e demonstra que Palmeiras

caiu no conto do vigário. Disponível

em:https://blogdopaulinho.wordpress.com/2013/10/22/walter-torre-junior-tira-a- mascara-diz-que-arena-palestra-e-dele-e-demonstra-que-palmeiras-caiu-no-conto-do-vigario/. Acessado em 02/11/2014, as 13:15).

O Sr. José Hagge Pereira, representante legal pela WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda, responsável pela construção do Terminal Portuário de São Luís, coincidentemente ou não, é Diretor da WTorre,

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O diretor da WTorre José Hagge Pereira detalha que as residências serão

instaladas em uma área localizada entre o aeroporto e o Centro do município17.

Nesse projeto, serão investidos em torno de R$ 500 milhões. A ideia da empresa é aproveitar o desenvolvimento desse segmento de negócios, que deverá ser aquecido com o programa Minha Casa, Minha Vida (WTorre ampliará polo naval em Rio Grande. Disponível em:http://www.kincaid.com.br/clipping/2424/WTorre-ampliar-polo.html, acessado em 02/11/2014, às 14:00).

O ERG, tido como uma obra ousada na construção de um polo naval no Sul, exigiu investimentos de R$ 840 milhões - 79% foram aportados pela Petrobras, com direito de usar o local durante dez anos. Os 21% restantes foram aplicados pela construtora, que receberá o ativo após esse período, conforme disse ao Valor, em outubro, o

diretor da WTorre, José Hagge Pereira (Engevix e Funcef negociam compra de

estaleiro no Sul. Disponível em:http://www.kincaid.com.br/clipping/3943/Engevix-e-Funcef-neg.html, acessado em 02/11/2014, às 14:10).

Dessas investigações preliminares restam questões que tanto o governo do Estado, como o empreendedor tem a obrigação de dirimir, de informar ao povo maranhense. Porque a WTorre, empresa consolidada no mercado imobiliário e no ramo de construção civil e de infraestrutura logística e portuária mantém um dos seus diretores como representante legal de uma empresa acusada de intimidação e desapossamento forçado e violento para a construção de terminal portuário em São Luís, em área que o Estado está impedido de realizar desapropriações18? Por que o governo do Estado do Maranhão, agindo pela SEMA, tem tanta celeridade em realizar todas as etapas de licenciamento do empreendimento mesmo que seja com o alto custo social e com a expulsão de inúmeras famílias de trabalhadores tradicionais da comunidade do Cajueiro? Embora essas questões não sejam respondidas nesta investigação, elas têm o mérito de nos lançar a mais reflexões sobre a relação de cooperação Estado-Empresa, inaugurada há décadas que têm servido de meios de desestabilizar ou aniquilar comunidades inteiras em favor de projetos que trazem lucros às empresas e ganhos ao grupo político que sustenta os ritos burocráticos à custa dos incontáveis casos de desrespeito aos direitos dos povos e comunidades tradicionais, já largamente estudados pelo GEDMMA ao longo de uma década.

Da mesma forma, em nossas pesquisas sobre os desdobramentos do processo autoritário de instalação do Terminal Portuário de São Luís denunciado pelas comunidades, diversos sítios eletrônicos e periódicos de circulação diária veicularam informações que dão conta de como as comunidades tradicionais do Território da RESEX de Tauá-Mirim têm reagido às investidas de desapossamento das terras ancestralmente ocupadas.

Do sítio eletrônico do Fórum Carajás destaca-se que

17 Refere-se ao Município de Rio Grande, no Rio Grande do Sul.

18 “MPF/MA consegue permanência das comunidades tradicionais em Tauá Mirim. Decisão obriga o estado do

Maranhão a se abster de qualquer tentativa de desapossamento na região, sob pena de multa de R$50.000 por dia (Fonte: http://jornalpequeno.com.br/2013/09/06/mpfma-consegue-permanencia-comunidades-tradicionais-taua-mirim/. Acesso em 09/09/2013).

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Os moradores, que organizaram uma manifestação no último dia 15 de outubro, voltaram a relatar truculências por parte da WPR, empresa que pretende construir um porto privado em parte do território da comunidade do Cajueiro. Moradores afirmam que a empresa assumiu postura opressora, não apenas contra os líderes do movimento, mas contra todos os moradores que desejam ir até a praia, mangue ou sítio vizinho. De acordo com relatos de uma antiga moradora, a WPR chegou a colocar um portão e placas com o intuito de intimidar as pessoas.

“A gente mora aqui há mais de 30 anos, possui o documento comprovando propriedade da terra e eles colocam jagunços para tentar tomar o que é nosso por direito e por lei. É revoltante! Eles querem colocar em nossas cabeças que nós somos os invasores e eles os proprietários”, protestou.

Uma ex-moradora confirma que a empresa prometeu casa, trabalho e, inclusive, tratamento de saúde. No entanto, afirma que após o pagamento e demolição da casa, a empresa não cumpriu os outros pontos do acordo. “Eu tenho problemas de saúde, eles me prometeram tratamento, mas depois que vendi a casa nunca mais retornaram meus contatos. Estou sem dinheiro para comprar meus remédios e sem ter onde plantar. Comprei uma casa que não vale o terreno da minha. Eu só vendi porque não tinha mais jeito”, revelou. (São Luís-MA): Comunidade Cajueiro questiona como WPR compra terreno de assentamento do ITERMA para construir porto privado em reserva extrativista. Disponível em: http://www.forumcarajas.org.br/, acessado em 02/11/2014, às 22:41).19

No blog do Ed Wilson foi veiculada a matéria: “Na zona rural de São Luís, comunidade do Cajueiro reage às ameaças de empresa WPR” (Disponível em:

http://blogdoedwilson.blogspot.com.br/2014/10/na-zona-rural-de-sao-luis-comunidade-do.html#.VFbQZvnF_wg, acessado em 02/11/2014, às 22:50).

E ainda, “Defensoria garante uso da terra e de recursos naturais pela comunidade do Cajueiro”:

A Defensoria Pública do Estado (DPE), através do Núcleo de Moradia e Defesa Fundiária, conseguiu na Justiça Estadual liminar que determina a abstenção, por parte da empresa WPR São Luís Gestão de Portos, de atos que impeçam a realização de plantações, de construções, do extrativismo e da pesca pela comunidade do Cajueiro, situada na região da Vila Maranhão, na capital (Disponível em: http://www.dpe.ma.gov.br/dpema/index.php/SiteInstitucional/ver_noticia/3490, acessado em 02/11/2014, às 23:22).

Do blog de Jorge Vieira, “Bira20 requer audiência pública para tratar sobre ameaça vivida pela comunidade Cajueiro”:

O Porto está orçado em R$ 800 milhões e para o parlamentar, uma obra desta envergadura, precisa ter transparência, fundamentação e tem que ser motivo de debate entre a empresa, o poder público e a comunidade. As placas de propriedade particular e a vigilância particular que foram colocadas dentro da comunidade estão coagindo os moradores a aceitar indenizações oferecidas pela WPR (Disponível em: http://www.blogjorgevieira.com/2014/10/bira-requer-audiencia-publica-para.html, acessado em 02/11/2014, às 23:28).

Para não alongar mais a lista de matérias, denúncias veiculadas em sítios na internet, ficaremos com os já citados, mas ainda podemos encontrar vários sítios de sindicatos, da

19As histórias de situações de empobrecimento e desarranjo familiar de comunidades tradicionais, em razão de

grandes projetos de desenvolvimento no Maranhão, podem ser bem exemplificadas com a “história de Nonato” (Anexo 01).

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Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, do Ministério Público Estadual, de blogs que veicularam a situação de ameaça vivida pelas comunidades tradicionais do Território da RESEX de Tauá-Mirim patrocinada pela WPR - São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda.

O Jornal O Imparcial, na notícia de capa do dia 15/10/2014, “População se revolta contra ‘jagunços’ e interdita a BR-135”, afirma que:

De acordo com a pescadora Rosana Mesquita, mais de 30 homens armados, que prestam serviço a empresa WPR (Nelson Segurança), estão há três meses dentro do povoado, coagindo, ameaçando e até agredindo verbalmente os moradores. Segundo ela, a comunidade está sendo impedida de chegar até a praia, nas lavouras de onde tiram o sustento de suas famílias [...] Ainda de acordo com a pescadora, a WPR teria sido enviada para a comunidade a ordens de um consórcio de empresas que estão responsáveis pela construção de um porto naquele local. Ela citou algumas destas empresas como Suzano Papel e Celulose, Petrobras, Cargil Imbunge, entre outras. (Protesto provoca interdição da BR-135, O Imparcial, Urbano, p. 1).

Como as comunidades têm a experiência pretérita de conflitos com empresas que queriam controlar, expropriar seus territórios tradicionais, são essas denunciadas pelos moradores. A Suzano Papel e Celulose teve em seu favor a edição de um decreto de desapropriação do governo do Estado do Maranhão, dessa mesma área das comunidades tradicionais, no ano de 2011 (D.O 05.04.2011). É justamente a dúvida que resta, a serviço de quem a WPR – São Luís Gestão de Portos e Terminais Ltda, empresa recém-aberta, está? Por que se expor tanto, ao ponto de contratar milícia armada, segundo denúncias dos moradores?

As tentativas e execução de negociações de terras com moradores, que estão há muitos anos habitando o local, ocorreram sob forte pressão. Várias estratégias para retirarem as pessoas de suas terras foram utilizadas. Destaca-se a retórica apresentada aos moradores, segundo a qual aquela seria uma "oportunidade" diante da possibilidade de desapropriação por parte do Estado, uma vez que a área já teria sido destinada para um porto. As negociações foram individualizadas e ocorreram sob forte pressão.

Uma moradora da praia de Parnuaçu, em Cajueiro, foi insistentemente assediada por representantes da empresa WPR a fim de que ela vendesse suas terras. Note-se que a referida senhora, Dona Eurídes, de 93 anos – vivia na região por quarenta anos, tendo criado seus filhos e netos no local, trabalhando com agricultura e criação de pequenos animais, como galinhas; e seu marido com a pesca. Em 10 de junho de 2014, essa moradora relatou que já tinha recebido várias visitas desses representantes fazendo ofertas para sua propriedade, especificamente para sua casa e de sua filha, no valor, cada uma, de R$ 20.000, totalizando R$ 40.000. Visitando o local, observamos a sua extensão e a quantidade de beneficiamentos que essa senhora e sua família fizeram ao longo de décadas de trabalho, como roças, galinheiros, plantação de espécies frutíferas, ou seja, o valor que a empresa lhes apresentava

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era muito baixo, além de que aquela senhora e sua família possuíam outros vínculos, para além do de sobrevivência. Segundo Dona Eurídes, tudo o que precisa estar naquele povoado, pois se precisar comer, vai ao mar e pesca peixes, ou então vai ao quintal e pega galinhas que cria. A água para consumo ela tem em casa e não sente falta de nada, pois desde muito tempo mora ali e tem naquele lugar sua vida. Ela nos disse: “eu sou muito feliz aqui”, ressaltando ainda as relações afetivas e de auxílio mútuo que tem com pessoas mais antigas.

Contudo, meses depois, a senhora já não se encontrava lá, pois finalmente cedeu às investidas da empresa. Inclusive, ao tentarmos chegar à praia de Parnuaçu, a área já se encontra interditada, impedindo o acesso a ela pelos moradores que pescam na região, além de que algumas casas já foram demolidas. Isso demonstra a eficácia das empresas em suas investidas. Uma das ameaças que essa senhora nos relatou foi a de que os representantes da empresa diziam que se ela não vendesse sua casa, o Estado a tiraria dali forçadamente sem nenhuma indenização. Com esse tipo de ameaça à sua própria condição de sobrevivência, aparentemente é mais lucrativo vender sua propriedade por um preço muito abaixo do real do que esperar e correr o risco de ser deslocada sem qualquer indenização ou por valores ainda mais depreciados.

Situação semelhante ocorreu com o senhor Joca, pescador de 77 anos, vindo do município de Alcântara, que vive no Cajueiro há 35 anos, onde criou seus filhos e netos que por várias vezes teve sua casa demarcada por representantes da empresa como local a ser comprado. Ele próprio pintou por cima das demarcações feitas a tinta de spray na parede frontal. Esses representantes vieram a sua casa pedindo seus documentos explicando que era para ele receber um benefício do governo, visando claramente ludibriá-lo. Ele não entregou os documentos e esses representantes passaram a assediá-lo sistematicamente para que vendesse sua propriedade, vastíssima em produções agrícolas como a de abacaxi. Esse senhor não a vendeu e atualmente resiste à expulsão de sua família do local.

Da parte do Estado do Maranhão (aqui compreendendo órgãos como secretarias de estado, empresa portuária, instituto de terras, órgãos da justiça), quando não se fizeram totalmente omissos, foram bastiões das investidas dessas empresas, desde a década de 1970, quando diversas comunidades, mesmo com muita resistência, viveram a trágica experiência da expulsão dos seus territórios (GISTELINCK, 1988).

Gistelinck demonstra e questiona como o Estado do Maranhão favoreceu a ALUMAR (Consórcio de Alumínio do Maranhão), quando da sua instalação na Ilha do Maranhão, ao repassar a essa empresa multinacional uma extensa área de terra que era território de várias comunidades tradicionais (Macaco, Tainha, Taperuçu, Tambau, Canaúba,

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Pacuatiua, Pindotiua). Disso, é importante perceber como se configurou a partilha da terra, mediada pelo então governo do Estado, em São Luís, segundo Gistelinck (1988, p. 03),

na Ilha de São Luís, com uma superfície 504Km2, 190Km2 são reservados para

industrialização. Desses 190Km2, 100Km2 são da ALUMAR, 22Km2 da CVRD,

35Km2 reservados para a implantação da siderurgia e o resto para outras indústrias.

Gistelinck (1988, p. 103), questiona a necessidade de uma área tão grande para a ALUMAR e, afirma que os conflitos aumentam mais ainda ao ampliar a área a ser desocupada para a atividade industrial, dizendo que “deveria se reservar mais áreas para residências e para horticultura. O espaço disponível é destacado exatamente, em grande parte, para uso exclusivo da ALUMAR”.

Geralmente, todo processo de expropriação de grandes áreas de terra, então cultivadas por comunidades tradicionais, pequenos produtores na condição de posseiros, leva a uma situação de aumento da periferia nas cidades e, nesse caso, contou e conta até hoje com o braço do estado em favor do lucro de empresas (MENDONÇA, 2006).

Conforme relata Gistelinck (1988, p. 152), os custos sociais desses empreendimentos são colossais:

as raízes culturais estão sendo destruídas: suas relações humanas de parentesco, de compadrio, de comunidade, suas capacidades, profissões, técnicas e aptidões, suas relações com a natureza, com a terra, com Deus.

Há uma década, uma moradora do Cajueiro já anunciava o pavor das indenizações irrisórias pagas por empresas com o assentimento do Estado. Segundo a Sra. Estela, sua prima foi vítima de indenizações ínfimas quando da implantação do Porto do Itaqui e da então CVDR. Ela lembra que:

...nessa situação que a gente ver o que já passaram é que a gente se preocupa... que pode acontecer com a gente, que a gente ta aqui hoje no Cajueiro a gente ainda não passou por isso, a gente ta tranqüila. Então a gente ta preocupado desse dia de amanhã, eles virem tirar nós daqui e nós passar pela situação desses outros que já passaram. (...) uma prima minha, ela recebeu a indenização dela no Itaqui, o que ela fez? Comprou uma casa na Mauro Fecury, no pior lugar do Anjo da Guarda, porque só dava pra comprar lá que era mais barato. Aí foi pra loja comprou uns móveis, depois o dinheiro acabou, agora ela vive urrando... (in: MENDONÇA, 2006, p. 39). A deliberada opção estatal em negar a existência das comunidades tradicionais ou, aoreconhecê-las, as classificaremcomo um mal do passado que precisa ser exterminado, mesmo que para isso sejam levadas à sobrevida nas periferias urbanas mais violentas, tem sido historicamente recorrente e, no caso de São Luís, isso pode ser visto a olho nu.

Os trabalhos científicos e registros etnográficos do GEDMMA, mais a diversa bibliografia disponível (GISTELINCK, 1988; ANDRADE, 1981; ANDRADE e CORRÊA, 1986/87; ADRIANCE, 1996) dão conta de que o Estado do Maranhão, no caso da Ilha do Maranhão, especificamente na Zona Rural II de São Luís, tem sido conivente com o avanço

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