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UNIVERSIDADE DE FRANCA MESTRADO EM LINGUÍSTICA

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE FRANCA

MESTRADO EM LINGUÍSTICA

DISCURSOS DE GÊNERO E LIDERANÇA NA REPORTAGEM DA

REVISTA EXAME SOBRE COTAS PARA EXECUTIVAS NA

CÚPULA DAS EMPRESAS

Adriana Faria de Alcântara Dias

Franca

2016

(2)

ADRIANA FARIA DE ALCÂNTARA DIAS

DISCURSOS DE GÊNERO E LIDERANÇA NA REPORTAGEM DA

REVISTA EXAME SOBRE COTAS PARA EXECUTIVAS NA

CÚPULA DAS EMPRESAS

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora da Universidade de Franca, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Glenda Cristina Valim de Melo.

FRANCA

2016

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ADRIANA FARIA DE ALCÂNTARA DIAS

DISCURSOS DE GÊNERO E LIDERANÇA NA REPORTAGEM DA

REVISTA EXAME SOBRE COTAS PARA EXECUTIVAS NA

CÚPULA DAS EMPRESAS

COMISSÃO JULGADORA DO PROGRAMA DE MESTRADO EM LINGUÍSTICA

Presidente:

Profa. Dra. Glenda Cristina Valim de Melo UNIRIO/UNIFRAN

Titular 1:

Profa. Dra. Marília Guimarães Pinheiro Instituto Federal de Sertãozinho

Titular 2:

Dra. Eliane Soares de Lima UNIFRAN

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Catalogação na fonte – Biblioteca Central da Universidade de Franca

Dias, Adriana Faria de Alcântara

D53d Discursos de gênero e liderança na reportagem da revista Exame sobre cotas para executivas na cúpula das empresas / Adriana Faria de Alcântara Dias ; orientador: Glenda Cristina Valim de Melo. – 2016

81 f. : 30 cm.

Dissertação de Mestrado – Universidade de Franca

Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestre em Linguística

1. Linguística – Gênero. 2. Discursos – Gênero. 3. Liderança. 4. Linguagem como performance. 5. Mulheres executivas. I. Universidade de Franca. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que me concede a todo momento forças e graças para que eu conclua meus projetos e prossiga firme em minha caminhada;

ao meu esposo e meus filhos, que são meus grandes companheiros e, mais uma vez, colaboraram para que meu sonho se tornasse realidade;

à minha mãe, meu porto seguro, meu maior exemplo de luta, determinação, honestidade e amor, pela educação e conhecimento a mim transmitidos;

à minha orientadora, Professora Doutora Glenda Cristina Valim de Melo, cuja dedicação, apoio e competência conduziram, de maneira brilhante, a minha trajetória durante este curso, tão importante para a minha vida pessoal e profissional;

a todos os professores do Mestrado que, desde o início da minha caminhada no curso, demonstraram tanto carinho e competência, acreditando que eu poderia realizar mais este projeto em minha vida;

às professores doutoras, Marília Guimarães Pinheiro e Eliane Soares

de Lima, que compuseram a banca de qualificação, pelas grandes contribuições ao trabalho e pelo respeito que me foi dispensado;

ao Thércius Oliveira Tasso, à Adriana Pernambuco Montesanti e a toda a equipe da Secretaria de Pós-graduação, pela atenção e gentileza;

a todos os meus colegas de mestrado, que me acompanharam ao longo deste percurso, contribuindo com muita força e ânimo durante meus estudos .

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RESUMO

DIAS, Adriana Faria de Alcântara. Discursos de gênero e liderança na reportagem da revista Exame sobre cotas para executivas na cúpula das empresas. 2016. 81 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca, SP.

Com as novas demandas trabalhistas, novas carreiras vão surgindo. Nesse contexto, cresce o número de mulheres que participam ativamente no mercado de trabalho e conquistam também, mesmo em número reduzido, alguns cargos no topo das empresas. O cotidiano não é fácil para mulheres que enfrentam muito preconceito e discriminação no ambiente profissional. Este estudo traz para o centro as mulheres, especificamente as que ocupam lugares de poder na sociedade, ou seja, as mulheres executivas. Sendo assim, esta pesquisa tem como objetivo analisar os discursos de gênero e de liderança em uma reportagem publicada na revista Exame, no dia 10 de junho de 2015, instrumento de geração de dados neste estudo. A investigação se embasa no conceito de linguagem como atos de fala performativos (AUSTIN,1962; DERRIDA,1972), na perspectiva de gênero como construção social, histórica e performativa (BUTLER, 2003; LOURO, 2003) e na concepção de liderança conforme Vergana (2007), Morais (2008) e Costa Reis et al. (2013). Para a análise dos discursos de gênero e de liderança, utilizamos os índices linguísticos propostos por Silverstein (2003). As análises da reportagem mostram discursos de gênero e de liderança. Com base nos discursos de gênero analisados na pesquisa, a reportagem ”Cotas para mulheres?” aponta para discursos sobre

preconceito e a inferioridade das mulheres em relação aos homens. As mulheres

ainda são construídas por meio de atos de fala performativos como mais incapazes do que os homens para ocuparem cargos de liderança, ou de que as mulheres

devem servir aos homens. Outro discurso que surge trata do sistema de cotas,

compreendido como algo necessário pelos discursos das mulheres citadas pela reportagem, mas como ineficiente pela revista que, para comprová-lo, faz uso de atos de fala performativos de especialistas. Outro discurso sobre gênero foi o da maternidade. Segundo a reportagem, as mulheres perdem a oportunidade de ocupar determinados cargos nas empresas porque muitas vezes optam por se dedicar aos filhos. Este discurso também sugere que as mulheres são culpadas pelo seu fracasso profissional, e que a maternidade é um empecilho para o sucesso. Nos discursos de liderança observamos mulheres que chegaram ao topo das empresas e que são referência no mercado empresarial, assim como mulheres estrangeiras que são consideradas exemplos de ascensão no trabalho.

Palavras-chave: Discursos; Gênero; Liderança; Linguagem como performance; Mulheres executivas.

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ABSTRACT

DIAS, Adriana Faria de Alcântara. Discursos de gênero e liderança na reportagem da revista Exame sobre cotas para executivas na cúpula das empresas. 2016. 81 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca, SP.

With the new labor demands, new careers are emerging. In this context, a growing number of women are actively participating in the labor market, who are also achieving, even in small numbers, some positions at the top of companies. The everyday life is not easy for women who face lots of prejudice and discrimination in the workplace. This study brings women to the center, especially those who occupy positions of power in society, i.e. executive women. Thus, this research aims to analyze the discourses of gender and leadership in a report published in Exame magazine dated June 10th, 2015, the data generation instrument in this study. The investigation was based in the concept of language as performative speech acts (AUSTIN, 1962; DERRIDA, 1972), the perspective of gender as a social, historical and performative construction (BUTLER, 2003; LOURO, 2003), and the concept of leadership according to Vergana (2007), Mitchell (2008) and Costa Reis et al. (2013). For the analysis of gender and leadership speeches, we utilized linguistic indexes proposed by Silverstein (2003). The analyzes of the report show discourses of gender and leadership. Based on the gender discourse analyzed in the survey, the report "Quota for women?" points to speeches about prejudice and female feelings of inferiority in relation to men. Women are still constructed by means of performative speech acts as less capable than men to occupy leadership positions, or that women

should serve men. Another emerging discourse concerns to the quota system,

understood as necessary by the speeches of the women cited by the report, but as

inefficient by the magazine that, in order to prove it, resorts to performative speech

acts by specialists. Another gender discourse is related to motherhood. According to

the report, women lose the opportunity to occupy certain positions in companies because they often opt to devote themselves to their children. This discourse also suggests that women are to blame for their professional failure, and that motherhood is an obstacle to success. In leadership discourses we observe women who reached the top of companies and are a reference in the business market, as well as foreign women who are considered as examples of professional growth.

Keywords: Discourses; Genre; Leadership; Language as performance; Executive women.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capa da reportagem em análise (p. 32)... 46

Figura 2 – Capa das reportagem em análise (p. 33)... 47

Figura 3 – A ascensão feminina no mundo empresarial... 50

Figura 4 – Participação das mulheres no ensino superior e no mercado de trabalho... 52

Figura 5 – A evolução feminina nos conselhos administrativos empresariais... 54

Figura 6 – A cota resolve? ... 56

Figura 7 – Hillary Clinton e Sheryl Sandemberg………... 60

Figura 8 – A Ministra Manuela Schwesig... 61

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO... 10

1 LINGUAGEM COMO PERFORMANCE... 14

1.1 LINGUAGEM COMO ATOS DE FALA ... 14

1.2 RELEITURA DE DERRIDA DOS ATOS DE FALA DE AUSTIN... 18

1.3 RELEITURA DE BUTLER DOS ATOS DE FALA ... 20

2 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE GÊNERO E LIDERANÇA... 23

2.1 CONCEITUANDO GÊNERO ... 23 2.2 GÊNERO E MATERNIDADE ... 31 2.3 CONCEITUANDO LIDERANÇA ... 35 2.4 LIDERANÇA E AS MULHERES ... 38 3 METODOLOGIA DE PESQUISA ... 43 3.1 CONTEXTO DE PESQUISA ... 43

3.2 INSTRUMENTOS DE GERAÇÃO DE DADOS E CATEGORIAS DE ANÁLISE... 44

4 OS DISCURSOS DE GÊNERO E DE LIDERANÇA NA REPORTAGEM SOBRE COTAS PARA MULHERES... 46

4.1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TÍTULO E A CAPA DA REPORTAGEM... 46

4.2 OS DISCURSOS DE GÊNERO NA REPORTAGEM... 49

4.3 OS DISCURSOS DE LIDERANÇA NA REPORTAGEM... 59

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 63

REFERÊNCIAS... 65

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INTRODUÇÃO

Atualmente, vivenciamos momentos de grandes transformações sociais. Os conceitos, as normas, as diferentes formas de agir e pensar estão sofrendo mudanças bastante rápidas. Assim, convivemos com diferentes formas de pensamentos, discursos e atitudes, que fluem de forma simultânea. O presente momento, tão incerto e ao mesmo tempo tão marcante, convida a sociedade a refletir sobre si mesma, pois qualquer ruptura ou mudança pode resultar em reflexões sobre o que está acontecendo e o que pode vir a ocorrer.

Tendo em vista a possibilidade de refletir sobre nós mesmos (RAMPTON, 2006), sobre o que somos e sobre o que conquistamos, o gênero é uma temática em evidência nos dias atuais. Observando a mídia, há notícias sobre a mulher, os transgêneros etc. Neste contexto em que gênero é também compreendido como uma construção que ocorre ao longo da vida, esta investigação trata especificamente da presença feminina, devido ao espaço que as mulheres vêm conquistando, de forma crescente, em diversos segmentos da sociedade, como o cultural, o político, o religioso, o administrativo e o econômico.

Refletindo sobre a trajetória feminina ao longo do tempo, nas décadas de 40, 50 e até mesmo na de 60, conhecidas como os “Anos Dourados”, as mulheres eram educadas e preparadas para o casamento (PINSKY, 2014, p. 49). A maternidade, o zelo com a casa, os afazeres domésticos, saber servir e agradar o esposo, eram qualidades bem vistas nas moças e nas mulheres daquela época. O casamento e a procriação eram considerados grandes conquistas e marcas da realização pessoal, pelas quais as mulheres ansiavam.

De lá para cá as mulheres foram alterando esse cenário tradicional, passando a conquistar um setor que até então não lhes cedia espaço, ou melhor, que não combinava com suas características femininas: o mercado empresarial. Nesse contexto, conhecido do mundo masculino, cresce o número de mulheres que participam ativamente no mercado de trabalho e que vêm atuando com êxito em cargos de liderança em algumas empresas. Tais mulheres mobilizam diferentes

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discursos e parecem motivadas a reinventar-se, em busca de algo maior. Nesse processo de construção, por razões diversas, muitas delas se empenham em conquistar novos espaços, mostrando que são capazes de contribuir para o avanço social, por meio de suas habilidades e competências.

Segundo De Mari (2013), o ingresso em massa das mulheres no mercado de trabalho talvez seja uma das maiores transformações ocorridas no Brasil nos últimos tempos, graças ao espaço que conseguiram conquistar por meio da educação formal. Hoje, elas concorrem em diversas áreas com os homens em termos de igualdade, devido à sua formação acadêmica.

Apesar desse avanço expressivo, verifica-se ainda a existência de traços significativos de preconceitos no mercado de trabalho, dentre eles a questão da desigualdade salarial. A diferença nos salários pagos a homens e mulheres no Brasil aumentou em 2010, segundo dados do Cadastro Central de Empresas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1. Se, em 2009, os homens recebiam, em média, 24,1% a mais que as mulheres, em 2010 tal variação subiu para 25%. Segundo o IBGE, em 2010 a média salarial dos homens correspondia a 3,5 salários mínimos, ao passo que a das mulheres equivalia a 2,8 salários mínimos. No mesmo período, a parcela de trabalhadoras, equivalente a 41,9% da ocupação em 2009, passou a representar 42,1% da força de trabalho nas empresas e em outras organizações brasileiras. De acordo com Kátia Medeiros de Carvalho, analista de estatísticas do cadastro de empresas do IBGE, o que se percebe é uma concentração bastante elevada de mulheres nas empresas menores, que costumam pagar salários mais baixos2.

Os dados oficiais também apontam um aumento na diferença dos salários pagos com base no nível de escolaridade do empregado. Em 2009, quem tinha ensino superior ganhava cerca de 225% a mais, em média, em comparação aos empregados sem graduação. Em 2010, essa diferença aumentou para 230,4%.

Quando nos voltamos para o setor empresarial, deparamo-nos ainda com um reduzido número de executivas, exceções em um mercado machista que estão contribuindo para contestar discursos tradicionais que buscam posicionar as mulheres em cargos de nível inferior e em lugares pré-determinados.

1

Disponível em: <www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/industria/pimes/> 2

Para maiores informações, ver <http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2012-05-16/ ibge-diferenca-salarial-entre-homens-e-mulheres-cresceu-em-2010>.

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Assim sendo, o presente estudo tem como objetivo analisar os discursos de gênero e de liderança apresentados na reportagem “Cotas para mulheres?” da revista Exame do dia 10 de junho de 2015.

Para atender tal objetivo, este trabalho se propõe a responder às seguintes perguntas:

1. Que construções discursivas de gênero são observadas na reportagem “Cotas para as Mulheres?”, veiculada na revista Exame do dia 10 de junho de 2015?

2. Quais discursos de liderança são observados na reportagem em questão?

Segundo Salih (2012), podemos entender gênero como uma construção cultural, discursiva, performativa e social. Nesta pesquisa concordamos que o gênero se constrói por meio desse conjunto de ações que se manifestam com base em normas que exercem poder e regulam a sociedade. Esses discursos se cristalizam ao longo do tempo por meio da iterabilidade e da citacionalidade dentro de um determinado contexto, sugeridos por Jacques Derrida, e que marcam os corpos, como propõe Judith Butler.

No que se refere ao conceito de liderança, compreendemos que o líder é visto como alguém que, por meio da linguagem, pode construir uma perspectiva diferenciada do mundo empresarial e da equipe que coordena. Geralmente, um grupo subordinado tem seu líder como aquele que sempre motivará sua equipe com garra, entusiasmo e segurança. Este profissional estaria sempre em busca de soluções para os problemas surgidos no trabalho, bem como de alternativas mais corretas para que todos alcancem as metas desejadas.

Com vistas à efetivação desta pesquisa, embasamo-nos nos princípios teóricos da concepção de linguagem como atos de fala performativos (AUSTIN, [1962]1990; DERRIDA, [1972]1988), no conceito de gênero proposto por Butler (2003, 2004) e Salih (2012), e nos princípios e perfis de liderança de que o atual mercado de trabalho necessita, fundamentados nas concepções de Vergana (2007), Morais (2008) e Costa Reis et al. (2013).

No que tange à metodologia de pesquisa, o instrumento de geração de dados é a reportagem intitulada “As mulheres executivas precisam de cotas?” da

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Revista Exame3. Já a seleção da reportagem citada deve-se à abordagem da temática de gênero mulher no mercado de trabalho. Ademais, a revista Exame foi escolhida por privilegiar temáticas do mundo executivo devido aos assuntos atuais e relevantes que são de grande interesse para os seus leitores. A escolha da temática decorre da minha função como gestora de uma instituição educativa e da minha visão sobre o mercado empresarial.

Para a análise dos discursos sobre gênero e liderança, embasamo-nos nos índices linguísticos propostos por Silverstein (2003), que são entendidos como traços linguísticos que apontam as ações semióticas dos participantes que se comunicam (MELO; MOITA LOPES, 2014, p. 170).

A presente dissertação divide-se em quatro capítulos. O primeiro apresenta as teorias que fundamentam a pesquisa, com base na concepção de linguagem como atos de fala performativos (AUSTIN, [1962]1990; DERRIDA, [1972]1988). O segundo capítulo versa sobre o estudo do gênero, compreendido como uma construção histórica, discursiva, social e performativa que ocorre pela repetição de certos atos de fala performativos (BUTLER, 2003, 2004). Segundo Derrida ([1972]1988), “pela iterabilidade, ganha-se a ideia de substância”. Abordaremos também nesse capítulo alguns conceitos de liderança sugeridos por Chiavenato (2003, 2005), Morais (2008) e Vergana (2013).

O terceiro capítulo trata da metodologia da pesquisa, com base nas matérias oriundas da reportagem da revista Exame. Em seguida, o capítulo quatro apresenta uma análise sobre os discursos de gênero e de liderança que constam da reportagem em questão, publicada na revista Exame do mês de junho de 2015, sobre cotas para mulheres na cúpula das empresas.

Esperamos, por meio desta pesquisa, analisar e refletir

minuciosamente os discursos de gênero e de liderança que a revista Exame apresenta em relação à reportagem “Cotas para mulheres”, tendo em vista tratar-se de uma revista empresarial que atende aos leitores atuantes nesse setor. Essa análise poderá se estender ao perfil e à mensagem que a revista pretende passar aos seus leitores.

3

(15)

1 LINGUAGEM COMO PERFORMANCE

Neste capítulo pretendemos abordar a linguagem como performance na perspectiva de John Austin ([1962]1990) e Jacques Derrida ([1972]1988). Nessa direção, vamos refletir sobre as relevantes contribuições desses filósofos para os estudos da linguagem como atos de fala.

Austin foi considerado um desconstrutor da filosofia e da linguística tradicional, porque rompeu com estudos que consideravam a linguagem como estruturalista. Esta ruptura com as teorias passadas se deu nos estudos e nas reflexões dos atos performativos e constatativos.

1.1 LINGUAGEM COMO ATOS DE FALA

Austin nasceu em Lancaster, na Inglaterra, no dia 26 de março de 1911 e faleceu em Oxford no dia 8 de fevereiro de 1960, período em que surgiram importantes discussões e reflexões sobre a linguagem. Na França, por exemplo, ao longo das décadas de 40 e 50, Émile Benveniste, Michael Foucault e Jacques Derrida, entre outros, já desenvolviam trabalhos que resultaram nas reflexões pós-estruturalistas (OTTONI, 1998).

Na mesma época, Austin discutia a dificuldade da utilização da linguagem pela filosofia. O autor preocupava-se com o estudo da linguagem a partir das dificuldades encontradas pela filosofia para a solução de problemas, daí resultando o seu profundo interesse pelo assunto. Austin considerava que a linguagem deveria ser estudada em seu contexto de uso, no qual os falantes interagem com o objeto; portanto, seria no cotidiano que a linguagem deveria ser analisada.

De acordo com o estudioso ([1946]1979), a linguagem é compreendida como atos de fala. Tais atos não apenas descrevem situações e coisas, mas também realizam ações. Para Austin, em determinadas circunstâncias, ao

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enunciarmos, também estamos realizando algo. Ottoni (1998) enfatiza as palavras do estudioso:

Como devem estar lembrados, íamos considerar (apenas alguns, felizmente!) casos e sentidos em que dizer algo é fazer algo; ou em que por

dizermos, ou ao dizermos algo estamos fazendo algo. (AUSTIN, [1962]1990, p. 29)

Nesse momento, Austin distancia-se de uma visão estruturalista da linguagem ao compreender que a linguagem é social e realiza, não apenas descreve. Segundo Austin ([1946]1979), os atos de fala são entendidos como atos performativos e constatativos. A preocupação austiniana com essa distinção decorreu de sua tentativa em: (1) utilizar determinadas sentenças para explicar fatos ou situações; e (2) utilizar sentenças para realizar algo e não para descrever (MARCONDES, 2003).

Os atos de fala constatativos são caracterizados nas sentenças cuja função é descrever, relatar um fato ou algo, como no exemplo: “A criança está brincando no quintal”. Já os atos de fala performativos estão associados a sentenças que, quando utilizadas, realizam uma ação. O termo performativo é derivado do verbo inglês to perform, correlato ao substantivo “ação” (AUSTIN, [1962]1990, p. 25). Segundo Ottoni (2002), Austin compreende os atos de fala

performativos como uma junção entre “fala e ação”. Eis dois exemplos de

performativos citados por Austin ([1962]1990, p. 24):

(a) Aceito esta mulher como minha legítima esposa. (b) Batizo este navio com o nome de rainha Elizabeth.

Os exemplos acima deixam claro que as sentenças não estão descrevendo algo ou uma situação, mas sim realizando algo; ou seja, ao serem proferidos tais atos de fala performativos, uma ação é realizada.

De acordo com Austin ([1962]1990), os atos de fala performativos são considerados felizes ou infelizes. Os performativos felizes são verificados quando realizamos ações que desejamos, ao passo que os performativos infelizes ocorrem em ações que não pretendíamos que acontecessem. Os atos performativos infelizes se dão quando o autor não está em condições de efetivá-los, ou seja, quando falta

sinceridade; um exemplo seria quando uma pessoa pergunta à outra: “tudo bem?”,

embora na realidade não desejasse saber como o outro está de fato. As infelicidades principais do performativo são: a nulidade, quando o/a participante da interação não se encontra em condições de realizar o ato; a falta de sinceridade,

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quando não deseja realizar algo; e o rompimento do compromisso, quando, ao dizer algo, o/a participante da interação trata o outro de maneira fria, distante (OTTONI, 2002).

Segundo Austin ([1962]1990, p. 31), o ato de fala performativo feliz demanda condições adequadas para sua ocorrência:

(A.1) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito, que apresente um determinado efeito convencional e que inclua o proferimento de certas palavras, por certas pessoas, e em certas circunstâncias; e além disso, que

(A.2) as pessoas e as circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao procedimento específico invocado.

(B.1) O procedimento tem que ser executado por todos os participantes, de modo correto e

(B.2) completo.

(r.1)4Nos casos em que, como ocorre com frequência, o procedimento visa às pessoas com seus pensamentos e sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta correspondente por parte de alguns dos participantes, então aquele que participa do procedimento, e o invoca, deve de fato ter tais pensamentos ou sentimentos, e os participantes devem ter a intenção de se conduzirem de maneira adequada.

(r.2) devem realmente conduzir-se dessa maneira subsequentemente.

Para Austin ([1962]1990), se realizamos o ato de forma inadequada, isto é, se as circunstâncias não estiverem favoráveis para que o ato se realize, ele não será concretizado. Um exemplo citado pelo autor é a cerimônia de casamento, com as palavras “eu os declaro marido e mulher”. Este ato de fala caracteriza-se como performativo feliz se as pessoas envolvidas no contexto citado tiverem o desejo e a intenção de realizar o ato, se o local for favorável e se puder contar com a presença de um padre, pastor ou juiz. Caso uma dessas condições não ocorra, o ato será infeliz e não se realizará; portanto, não terá efeito.

Pode-se perceber que Austin entende que a intenção não está contida apenas em um dos falantes, pois é na interação que os atos de fala acontecem, é no momento da relação entre os falantes que se garante a fala. Para o autor (apud OTTONI, 2002), ao tomarmos uma frase bem estruturada não temos condições de classificá-la como verdadeira ou falsa, e nem mesmo de entender o seu significado porque este não depende somente das palavras utilizadas, mas também das circunstâncias em que se realiza. Nessa perspectiva, podemos considerar que o

4

Austin distingue as regras citadas em dois conjuntos. Ele classifica o primeiro grupo com as letras AeB, e o segundo grupo com a letra r.

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sujeito se forma tanto pelas palavras quanto pelas circunstâncias que o envolvem. Assim, Austin mostra como o humano e a linguagem humana se fundem.

Segundo Ottoni (2002), Austin não estava preocupado em analisar a linguagem formal, mas as dificuldades que a linguagem apresenta quanto ao seu entendimento, ou melhor, quanto à resolução de algumas questões filosóficas. Linguistas e filósofos perceberam que, frequentemente, é por meio da interpretação da linguagem ordinária que uma palavra ou expressão não se tornam claras. Nesse sentido, Austin ([1946]1979, p. 182) afirma que:

Quando examinamos o que se deve dizer e quando se deve fazê-lo, que palavras devemos usar em determinadas situações, não estamos examinando simplesmente palavras (ou seus “significados” ou seja lá o que for) mas sobretudo a realidade sobre a qual falamos ao usar estas palavras – usamos uma consciência mais aguçada das palavras para aguçar nossa percepção [...] dos fenômenos.

Por isso, ao analisarmos a linguagem, não estamos estudando somente sua estrutura gramatical, mas o contexto e a realidade vivenciados que estão presentes nessas palavras. Não se pode considerar a separação entre palavra e mundo.

De acordo com Marcondes (apud AUSTIN, 1990), a perspectiva de

linguagem austiniana deve ser reconhecida como ação, pois está inserida no mundo e não dele separada. Assim, essa perspectiva austiniana de linguagem propicia dois efeitos importantes: (1) muda-se o paradigma sobre o conceito de linguagem, que é a expressão do contexto cultural e social em que o ser humano está inserido; (2) tais ações, quando realizadas com êxito e com os resultados esperados, passam a ser consideradas como verdade.

Mais tarde, Austin reformula sua concepção de atos de fala ao abolir a dicotomia constatativo/ performativo. Ele conclui que os atos constatativos não só descrevem uma ação, mas também se realizam, ou seja, são performativos. No seu entender, todos os atos de fala são compreendidos como performativos, e os caracteriza como locucionários, ilocucionários e perlocucionários, como veremos a seguir.

Quando fazemos ou dizemos algo de maneira completa – e isso inclui

o proferir de certos ruídos ou certas palavras em determinadas construções, e com um certo significado – o ato é locucionário. Segundo Austin ([1962]1990), utilizamos a fala quando realizamos esse tipo de ato. Assim, o ato locucionário consiste em

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pronunciar palavras e sentenças, respeitando as regras gramaticais. As sentenças ganham sentido porque estão estruturadas conforme a linguagem formal.

Para entendermos melhor o conceito de ato locucionário é necessário compreender o que significam ato fonético, ato fático e ato rético. O ato fonético está vinculado aos sons ou a qualquer ruído; o ato fático refere-se ao pronunciamento de palavras ou ruídos que fazem parte de um vocábulo; e o ato rético consiste em utilizar tais vocábulos com sentido definido. Marcondes (apud AUSTIN, 1990, p. 86), que se embasa em Austin, exemplifica este ato com duas sentenças:

(a) Ele disse: O gato está sobre o tapete. (ato fático) (b) Ele disse que o gato estava sobre o tapete. (ato rético)

Quando realizamos um ato, seja locucionário ou ilocucionário, podemos realizar também mais outro ato. Dizer alguma coisa ou fazer algo frequentemente poderá produzir consequências sobre os atos de quem está ouvindo ou de quem está falando. Esse tipo de ato é definido como perlocucionário. No ato perlocucionário podemos incluir o que, de certa forma, seriam as consequências desse ato, como por exemplo: “ao fazer X estava fazendo Y” (AUSTIN, 1990, p. 93). Entende-se, portanto, que os atos perlocucionários produzem efeitos que podem persuadir, convencer, enganar, surpreender etc. (SANTOS, 2014).

Marcondes (apud AUSTIN, 1990) ressalta que, durante seus estudos, Austin não se preocupou com as concepções, estruturas e origem da linguagem, centrando-se na busca de uma metodologia que melhor procurasse compreender a linguagem como maneira de agir, isto é, a forma de realizar ações por meio das palavras. A proposta austiniana de linguagem como atos de fala prefere ver a linguagem como performativa, contextualizada, colocando-a no mundo social e não apenas no mundo da descrição de fatos. Ao considerar que podemos agir por meio da linguagem, Austin inova e nos possibilita compreender a língua para além da estrutura. Outros estudiosos contribuíram para o aprimoramento dessa teoria da linguagem; dentre eles citamos as contribuições de Jacques Derrida, que serão tratadas na próxima seção.

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Outro estudioso que contribuiu para o aprimoramento das teorias dos atos de fala foi Jacques Derrida, nascido na Argélia em 1930. Segundo Goulart (2003), Derrida foi considerado um grande colaborador para a Linguística e para a Filosofia. Teve seu papel reconhecido especialmente em 1966, quando proferiu uma conferência na Johns Hopkins University, nos Estados Unidos da América. Foi nesse período que os especialistas em literatura perceberam a importância de suas contribuições para os estudos literários e para a linguística.

Segundo Santos (2014), para Derrida (1991) todos os atos são considerados performativos. Neste ponto ele concorda com Austin, mas inclui as estiolações, ou seja, os atos de fala de ficção. Derrida também contribui para a teoria ao explicar como os atos de fala performativos são construídos; para tal,

apresenta os conceitos de iterabilidade e citacionalidade. Pinto (2009) cita a

reflexão derridiana sobre a noção de rito como fundadora da noção de ato. E a iterabilidade é própria do rito que aciona a citacionalidade necessária para o funcionamento do significante. De acordo com Pinto (2009), Derrida (1990a) define a iterabilidade como uma sobra mínima da identidade, como se fosse uma ideia reduzida, para que a identidade seja refeita e reconhecida, mesmo considerando, muitas vezes, uma alteração.

Conforme Santos (2014), em uma leitura desses atos, Derrida (1991) sugere que os atos de fala são normatizados pela citacionalidade e iterabilidade, ou seja, pela repetição. Acrescenta, ainda, que não há condições específicas para que tais atos de fala performativos sejam enunciados, e reforça que a citacionalidade e a iterabilidade possuem uma relação bastante significativa. A iterabilidade está interligada à citacionalidade.

De acordo com Santos (2014), ao estudar a proposta austiniana Derrida (1991) desconstrói determinados conceitos, principalmente quando se trata da influência do sujeito nos atos de fala. Segundo o autor, a participação do sujeito no performativo se dá de forma consciente e intencional.

Um desses elementos essenciais – e não um entre outros – permanece sendo classicamente a consciência, a presença consciente da intenção do sujeito falante à totalidade de seu ato locutório. Por isso, a comunicação performativa volta a ser comunicação de um sentido intencional, mesmo que esse sentido não tenha referente na forma de uma coisa ou de um estado de coisas anterior ou exterior. Essa presença consciente dos locutores ou receptores participando da efetuação de um performativo, sua presença consciente e intencional à totalidade da operação implica

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teleologicamente que nenhum resto escapa à totalização presente. (DERRIDA, 1991, p. 28, apud SANTOS, 2014, p. 264)

Derrida chama atenção para três pontos que fazem parte do significado da linguagem escrita: (a) a existência de uma possível iteração na ausência do sujeito que o inseriu em um determinado contexto; (b) a ruptura com o contexto em

que está inserido; e (c) o espaço que separa o sujeito do seu contexto. Nas palavras

de Derrida,

A iterabilidade altera, parasita e contamina o que ela identifica e permite repetir, faz com que se queira dizer (já, sempre, também) coisa diversa do que se quer dizer, coisa diversa do que se diz e gostaria de dizer, compreende coisa diversa de...etc. (DERRIDA, 1991, p. 88-89)

Conforme Santos (2014), embasado em Derrida, todo signo tem a tendência de romper com o sujeito e com a intenção desse sujeito. Por isso, essa ruptura pode também provocar a ausência do cumprimento do ato de fala que foi proferido. Por conseguinte, a iterabilidade descaracteriza aquilo que o sujeito pretendia dizer, mudando o sentido do que realmente deveria ser dito. A repetição pode falhar e esta falha é o que chamamos de performatividade, a criatividade, o novo, o fora do padrão.

1.3 RELEITURA DE BUTLER DOS ATOS DE FALA

Outra autora que também fez uma releitura dos atos de fala de Austin é Judith Butler, apresentada por Salih (2012) como uma estudiosa que trabalha no campo da Teoria Crítica, sendo considerada renomada autoridade no que tange às expressões “teoria queer”, “teoria feminista” ou “estudos de gênero” (p. 9). E, se aprofundarmos os questionamentos sobre as teorias e os estudos de gênero citados anteriormente, podemos acrescentar também “performatividade de gênero”, ”paródia” e “drag”. O objetivo da autora é constantemente questionar o sujeito, de que maneira ele é construído, como suas construções são bem ou mal sucedidas. Para a autora, o sujeito butleriano não é um indivíduo, mas uma estrutura linguística em formação (SALIH, 2012, p. 11).

Segundo Pinto (2009), Butler apresentou o terceiro ponto de referência para a realização da leitura das reflexões de Austin por meio das análises e observações do corpo. Seu trabalho sobre linguagem e corpo é uma determinada

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prática de citação, que reproduz e altera Austin e Derrida. Pinto (2009) acrescenta que, no momento em que Butler (1993, 1997) apresenta o corpo nas suas citações, este altera o performativo. A linguista ainda ressalta que as reflexões de Butler (1993, 1997) sobre o corpo são transpassadas por um problema teórico, que é a iterabilidade do ato de fala. Por meio da repetição e pela contínua alteração, impedem o seu controle original. Portanto, criam-se estruturas linguísticas capazes de sobreviver mesmo diante das condições violentas de interpelação (PINTO, 2009).

Pinto ainda remete à afirmação de Butler (1993, p. 2, apud PINTO,

2009, p. 129): “A performatividade deve ser compreendida não como um ato singular ou deliberado, mas os efeitos que ele nomeia”. A linguista lembra ainda que, em diálogo com as análises de Austin, Butler (1993, 1997) afirma que o ato de fala performativo ultrapassa o momento da enunciação. Para Pinto (2009), Butler concorda com Derrida ao declarar que a iterabilidade é a possibilidade estrutural de todo signo ser repetido mesmo quando o quê ou a quem se refere estiver ausente, ou também na falta da intenção que foi determinada (PINTO, 2009).

Nas palavras de Pinto (2009, p. 9, p. 130),

A iterabilidade atravessa a realização do ato de fala, conduzindo cada momento único, presente, de efetuar a ação, em um momento já conhecido, em acontecimento, a acontecer – é essa imbricação que lhe permite a performatividade.

Conforme Salih (2012), Butler utiliza os conceitos de atos de fala performativos e constatativos de Austin para afirmar que gênero e sexo são também performativos. Mesmo encontrando dificuldade para esclarecer os conceitos de performativos e constatativos, Austin reconhece, com convicção, que todo enunciado é ação; mesmo no momento em que estamos denominando alguém por um apelido ou um adjetivo inadequado, estamos agindo.

Para Salih (2012), nas reflexões de Butler, fundamentadas nos conceitos de Austin, nota-se que esta pesquisadora discorda da visão de Austin sobre a linguagem. Butler alega que o significado das palavras nunca se esgota; e que um ato de fala nunca se dá no momento em que é proferido. Esse ato é resultado da condensação de falas passadas, presentes e até mesmo futuras. E é nesse sentido que as falas excitáveis estão fora do controle do falante. Por isso, podemos considerar, na perspectiva de Butler, que a linguagem está além de quem a enuncia. Butler ancora-se em Austin e Derrida ao afirmar que “nós fazemos coisas

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com a linguagem, produzimos efeitos pela linguagem e nós fazemos coisas para a linguagem, mas a linguagem é também a coisa que fazemos” (BUTLER, 1997, p. 8, apud MELO, 2015, p. 69). Ela também afirma que o falante, embora não tenha totalmente o controle de sua fala, pode também ser responsável pelo que diz em certas circunstâncias. Da mesma maneira que os falantes são formados pela fala, eles também a formam (SALIH, 2012, p. 143).

A pesquisadora discorda da relação austiniana entre fala e ação, pois no seu entender nem sempre as palavras são ações, e os performativos também não são bem sucedidos em todas as circunstâncias. Para Butler, a repetição e a ressignificação apontam para uma reconstrução de novos sentidos afirmativos e de reaproveitamentos que remetem à oposição. Essa concepção constitui uma resposta mais funcional ao discurso do ódio do que às normas legais (SALIH, 2012, p. 144).

Por conseguinte, a linguagem constrói, determina e ressignifica

situações e corpos. Por meio dela nos posicionamos no mundo, assumimos nossa identidade e nossos desejos. Pela linguagem somos capazes de criar nosso espaço de convivência e de atuação. Portanto, neste estudo, o discurso é compreendido na perspectiva de atos de fala como tratado aqui, sendo relevante para compreendermos gênero e liderança, como veremos no próximo capítulo.

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2 ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE GÊNERO E LIDERANÇA

No dicionário de Rocha (2008), o termo gênero é definido como um conjunto de seres que têm semelhanças importantes entre si, tais como classe, espécie e qualidades. Neste capítulo, apresentaremos algumas concepções e

reflexões que “explodem” esse conceito. Primeiro, apresentamos algumas

definições de gênero; em seguida, tratamos da questão da liderança e, por último, abordaremos a liderança voltada para a mulher.

2.1 CONCEITUANDO GÊNERO

Os discursos que definem e caracterizam os sujeitos estão relacionados aos fatos da realidade. Na medida em que vivemos, pensamos e agimos, ou seja, elaboramos nossas construções discursivas de gênero, raça, sexualidade etc., elas podem assumir outro percurso. Não se deve pensar, portanto, que construções discursivas e performativas dos traços citados são definitivas. Apesar de olharmos para o corpo como algo construído, tal mudança exigirá uma reflexão sobre o que chamamos construção (DIAZ, 2013, p. 442). Para compreendermos gênero como uma construção discursiva, performativa, social, histórica e cultural, retomamos alguns acontecimentos da trajetória e da luta feminina ao longo da história.

De acordo com os estudos de Neto e D‟Angelo (2013), o movimento feminista teve sua raiz na Revolução Francesa. Naquele período, as mulheres lutavam tanto ao lado dos homens quanto por conta própria, como ocorreu na conhecida “marcha das mulheres do mercado”, no dia 5 de outubro de 1789. Na ocasião, as mulheres marcharam em direção ao Palácio de Versalhes para cobrar

seus pedidos junto ao rei. Alves e Pitangui (1991, p. 32, apud NETO; D‟ANGELO,

2013, p. 32) destacam:

[...] que o feminismo adquire uma prática de ação política organizada, reivindicando seus direitos de cidadania frente aos obstáculos que os

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contrariam, o movimento feminista, na França, assume um discurso próprio, que afirma a especificidade da luta da mulher.

Neste cenário foi criado o texto “Os direitos da mulher e da cidadã”, de

Olympe de Gouger5. Os ideais da revolução de 1789 se espalharam para outras

partes do mundo. Durante o século XIX, a luta das trabalhadoras fabris ganhou mais força, principalmente na sociedade norte-americana. Um grande acontecimento que marcou a história foi o dia em que as operárias da indústria têxtil de Nova Iorque se mobilizaram contra os baixos salários e reivindicaram a diminuição da jornada de trabalho para 12 horas diárias. Essa manifestação se deu no dia 8 de maio de 1857, e as participantes foram severamente reprimidas por policiais (NETO; D‟ANGELO, 2013).

Segundo Louro (2003), na virada do século XIX para XX, os movimentos contra a discriminação feminina ganharam força, principalmente na chamada “primeira onda”, que reivindicava o direito feminino ao voto. Por trás dessas manifestações, eram também exigidos o direito à educação e o acesso a determinadas profissões. Naquela época, esses movimentos estavam ligados aos interesses de mulheres brancas de classe média. Com o passar do tempo, tais movimentos foram perdendo a força.

Os movimentos feministas voltaram a ganhar notoriedade em 1968,

visando a criar seu próprio espaço dentro da sociedade. Juntamente com eles, grupos jovens, intelectuais e militares também contestavam o cenário político e social do qual faziam parte. Os estudos feministas começaram a surgir dentro das escolas e das universidades, com o objetivo de trazer para o meio da sociedade as mulheres que, durante longo tempo, estavam escondidas dentro de seus lares, em seu cotidiano doméstico ou nas diversas esferas sociais (LOURO, 2003).

5

Marie Gouze,(pseudônimo, Olympe de Gouger), feminista francesa nascida em Montauban em 7 de maio de 1748, liderou um movimento por uma vida mais digna para a mulher durante a Revolução Francesa. Transformou suas ideias em sugestões para medidas sociopolíticas e tornou-se foco de discussão em Paris. Com a publicação do seu artigo "Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã", causou polêmica na França e no exterior, uma vez que tratava-se de um modelo explicitamente feminilizado e provocador da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. Nele ela apela às mulheres para agirem – “Ó, mulheres! Mulheres, quando deixareis vós de ser cegas?”, em uma crítica visceral à desigualdade entre os sexos, visto que a exclusão imposta a elas pouco condizia com a declaração de 1789. A inserção da mulher em condições de igualdade na vida política e civil do país, tanto de direitos como de deveres, torna-se essencial para ela. Fonte: net.saber. Disponível em: <http://estoriasdahistoria12.blogspot.com.br/2013/08/mulheres-na-historia-xxxi-olympe-de.html>.

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Vale lembrar que, até então, de um modo geral as mulheres eram construídas por atos de fala performativos e discursos que as limitavam ao ambiente

doméstico e familiar, mesmo aquelas que já trabalhassem fora de casa – nas

lavouras, por exemplo, e que passassem a ocupar outros cargos no mercado de trabalho – nos escritórios, fábricas etc. Tais tarefas eram construídas discursiva e performativamente pela sociedade como de segundo plano, auxiliares dos homens, que por sua vez eram compreendidos como orientadores e controladores de suas atividades (LOURO, 2003).

Ainda segundo Louro (2003), com o objetivo de apresentar o modo de vida das mulheres, várias áreas de conhecimento, tais como a Antropologia, a Literatura, a Sociologia e a Educação, começaram a apontar em seus estudos marcas de desigualdade política, social e econômica que o universo feminino vinha enfrentando. Assim, em meio a todo esse movimento feminista, as mulheres começaram a publicar revistas, eventos, debates e grupos de estudo. E, à medida que tais grupos feministas começavam a se fortalecer, passaram a ser excluídos e também a se excluir dos demais grupos da sociedade. De acordo com Louro (2003), os estudos feministas passaram a ser desenvolvidos por grupos, que foram considerados como subversivos e problemáticos.

Dessa forma, no final dos anos 80 os estudos feministas decidiram adotar o termo “gênero”, e para se entender o gênero é preciso considerá-lo como constituinte da identidade dos sujeitos (LOURO, 2003, p. 24). A partir daí, deve-se levar em conta que os sujeitos são plurais e diversificados, e por isso suas identidades não são estáticas – elas se transformam.

Quando afirmamos que o gênero estabelece a identidade do sujeito, deve-se considerar que essa identidade ultrapassa um simples desempenho de funções. Reconhecer o gênero faz parte da identidade do sujeito, é perceber o que o constitui. Considerar o sujeito é, por exemplo, vê-lo como brasileiro, negro, homem etc.; é reconhecer como ele foi construído.

Não podemos negar que homens e mulheres são biologicamente distintos. No senso comum, as questões de gênero estão mais vinculadas aos fatores biológicos já existentes. Contudo, assim, como Louro, entendemos que gênero é uma questão construída discursiva e socialmente, e que os conceitos de gênero fundamentam-se nas concepções de homens e mulheres, de acordo com os contextos históricos e com as diversas sociedades existentes (LOURO, 2003).

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Partindo dessas reflexões, podemos considerar que os sujeitos são capazes de se identificar como femininos ou masculinos, tendo, portanto, a capacidade de construir suas identidades de gênero (LOURO, 2003, p. 24). Um sujeito pode ser heterossexual, homossexual ou bissexual, e ao mesmo tempo ser negro ou branco, rico ou pobre etc. O importante é considerar que as identidades podem ser construídas tanto no gênero, na sexualidade, na raça e classe social. Louro (2003) faz uso da afirmação de Deborah Britzman (1996, p. 74):

Nenhuma identidade sexual – mesmo a mais normativa – é automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não existe, de um lado, uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável e volátil, uma relação social contraditória e não finalizada. (grifos da autora).

Entendemos que considerar as identidades de gênero é reconhecer que elas também são construídas, se adaptam e se transformam conforme o contexto social e histórico. Os sujeitos vão se construindo como femininos e masculinos organizando ou desorganizando seu lugar no mundo. Essas construções são sempre passageiras e se transformam não somente ao longo da história, mas alteram seus movimentos com a história pessoal, étnica, de classe, de raça etc. O que se deve considerar é que essas identidades vão sendo construídas e não se dão por acabadas (LOURO, 2003).

De acordo com Louro (2003), Joan Scott é uma das estudiosas que se preocupara com a desconstrução do binarismo masculino-feminino. Scott observa que existe, com frequência, uma dicotomia sobre os gêneros. Constantemente, denomina-se homem e mulher como polos totalmente extremos que se relacionam dentro dos aspectos dominação-submissão. Segundo Scott (1995, apud LOURO, 2003, p. 31) é quase impossível destruir essa relação. Louro (2003) afirma que outros estudiosos, além de Scott, concordam com essa restrita visão de polaridade. Tais reflexões foram fundamentadas nas argumentações de Jacques Derrida, que reconhece que o pensamento moderno foi marcado pelas dicotomias (presença/ ausência, teoria/ prática, ciência/ ideologia etc). Nesse jogo dicotômico, os dois polos se diferem e se opõem. A dicotomia também ressalta a superioridade do primeiro elemento (LOURO, 2003, p. 31).

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Por conseguinte, a concepção da desconstrução das dicotomias sugere que um polo não domina o outro, mas o complementa. Tais polos não são únicos, mas vários e fragmentados. Desse modo, desconstruir o polo rígido dos gêneros significa criar problemas tanto entre os próprios polos quanto para a individualidade de cada um. A desconstrução faz compreender que os opostos são construídos e não definidos e estáticos (LOURO, 2003).

Segundo Teresa de Lauretis (1986 apud LOURO, 2003, p.12), há pouco avanço quando se afirma que a diferença sexual é cultural. O problema ainda está em pensar que no homem encontramos a medida padrão e a referência de todo discurso legítimo.

A ideia dicotômica é realmente esta: supor que a relação masculino-feminino é oposta, e que nessa oposição um polo domina e o outro é dominado. Portanto, o processo desconstrutivo permite desconsiderar esse conceito único e mostrar que há outras possibilidades e direcionamentos outros, como os transgêneros, por exemplo. Os sujeitos que fazem parte dessa dicotomia não são simplesmente homens e mulheres, mas homens, mulheres, transgêneros de várias classes sociais, etnias, religiões, idades etc. Dessa forma, seus pensamentos e comportamentos podem incitar relações as mais diversas (LOURO, 2003).

Nos estudos e reflexões de Butler (1987, apud SALIH, 2012), o sujeito social é construído na linguagem e, como constata Derrida, a linguagem não se esgota em si mesma. Podemos então considerar que o sujeito é inacabado. Na concepção de Butler, a pessoa sujeito se constrói por meio de imposições de normas e padrões repetidos pelos discursos (linguagem). Dentro dessa esfera excludente existem aqueles que não se enquadram nas normas estabelecidas para a formação do sujeito. Por essa razão, esse sujeito construído tem necessidade dos demais seres considerados abjetos que circulam e se instalam em áreas inabitáveis do âmbito social. Contudo, mesmo que não faça parte do grupo considerado “padrão,” é necessário que o sujeito possa dominar o espaço em que vive e tomar o poder (apud LOURO, 2003, p. 33).

Salih ressalta ainda que Butler (1990 apud SALIH, 2012, p. 65), o sujeito é uma construção cultural. Ao questionar as categorias feminino/ masculino, a autora afirma que o sujeito está constantemente em desenvolvimento, e que nossa identidade é construída ao longo de nossa trajetória de vida.

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Para Salih (2012), esse sujeito descrito por Butler (1987) só se manifesta e se reconhece a partir do momento em que confronta o “outro”. Na fenomenologia, que estuda a maneira como as coisas aparecem para nós, há dois desejos do sujeito em relação ao outro: o desejo pelo outro que leva à perda do “eu”, e o desejo por si mesmo que leva à perda do mundo. Entretanto, nesse processo de autoconhecimento a relação do “eu“ com o “outro” se dá por meio da superação ou do extermínio. O sentido dessa relação não é negativo, mas para que o “eu” se encontre ele precisa absorver o “outro” (SALIH, 2012, p. 41).

Segundo Salih (2012), as análises de Butler (1990) nos levam a refletir como se dá o efeito-sujeito, e não como o sujeito deveria ser. Esse efeito é um reflexo de discursos que são proferidos constantemente. Butler afirma que, desde o nascimento, o sujeito é construído pelo contexto em que está inserido. Acrescenta, ainda, que o sujeito pode ser construído de maneira diferente, sob formas que não o limitem e que não reforcem o poder já existente.

De acordo com Salih (2012), no que tange ao gênero, Butler (1990) o compreende como um conjunto de atos realizados a todo momento, sendo a identidade de gênero também construída pelo discurso. Para Butler, a identidade de gênero é uma sucessão de atos; não existe nenhum sujeito pronto, já idealizado. Isto não quer dizer que não exista um sujeito, mas muitas vezes ele não encena o que gostaríamos que acontecesse. Para a estudiosa, o sujeito é um ser inacabado, reconhecido não pelo que ele é, mas pelo que faz ou pelo que constrói.

Conforme Salih (2012, p. 70-71), para Butler (1990) a construção do gênero é efeito de discursos, práticas e instituições. Nem sempre somos nós que criamos nossos discursos e práticas; frequentemente, são os diversos setores da sociedade que os criam, direcionando-nos e definindo nossa sexualidade e gênero. Segundo a autora, o gênero independe do sexo, pois este é construído culturalmente; no que tange ao gênero, talvez o sexo tenha sido gênero desde sempre. Segundo Salih (2012), Butler considera sexo e gênero construções que um sistema sustentou para que esse padrão de comportamento não perdesse tal identidade.

Conforme Salih (2012), as reflexões de Butler e as de Beauvoir

mostram que gênero é construído; nas palavras de Beauvoir, “ninguém nasce

mulher: torna-se mulher” (p. 104). No entanto, Salih (2012, p. 104) diz que ambas as estudiosas teriam que aceitar que o conceito de “mulher como construção” não pode

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se referir ao sexo. Entendemos que, de acordo com essa concepção, as pessoas não nascem masculinas ou femininas, mas nascem “macho ou fêmea”.

Salih ainda diz que, no que tange à afirmação de Butler de que os corpos são construídos por meio do discurso, ela rejeita a diferença entre sexo e gênero e chega a afirmar que sexo é gênero. Assim, a partir do momento em que concordamos que o corpo não existe fora do discurso “generificado”, temos que admitir que nenhum corpo não seja “generificado” (SALIH, 2012, p. 105).

Salih (2012) apresenta a reflexão de Butler sobre a materialidade do corpo: corpo é matéria, e só podemos compreender sua materialidade por meio do

discurso. No artigo “Sexo e gênero n‟O segundo sexo, de Simone de Beauvoir”,

Butler (1986 apud SALIH, 2012) trata da materialidade do corpo: corpo é matéria, e só podemos compreender sua materialidade por meio do discurso. No artigo Sexo e gênero n‟O segundo sexo”, de Simone de Beauvoir, Butler (1986, p. 105) adota uma concepção existencialista, afirmando que o corpo é também um instrumento que temos para interpretar e assumir esta variedade e interpretações que nos foram apresentadas. Nesse artigo, “existir” o próprio corpo se torna uma forma pessoal de lidar com a circunstância de termos de assumir e interpretar esse conjunto de normas de gênero que nos foram transmitidas” (BUTLER, 1986, p. 45, apud SALIH, 2012).

Segundo Salih, embasada em Butler (1993), sexo está relacionado à nossa identidade sexuada. O fato de sermos “marcados com as palavras „feminino‟ ou „masculino‟ dependerá de termos uma genitália que seja reconhecida como macho ou fêmea. Quando atribuímos o sexo, já estamos estabelecendo determinadas características para aquele sujeito” (p. 108).

Teorizar o sexo em termos de interpelação, com faz Butler, implica que as partes do corpo (particularmente pênis e vagina) não estão simples e naturalmente “aí”, do nascimento em diante, mas que o sexo é performativamente constituído quando um corpo é categorizado como “macho” ou “fêmea” (SALIH, 2012, p. 111). Esta construção performativa ocorre pela repetição de atos de fala, pela iterabilidade e citacionalidade sugeridas por Derrida. Quando nascem meninas, por exemplo, as roupas, os presentes que elas recebem são generificados, ou seja, marcados pelo gênero feminino; o mesmo ocorre com meninos.

Butler (apud SALIH, 2012) ressalta que não se pode deixar de lado a construção cultural do gênero, mas destaca a importância de o sujeito se posicionar

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diante dessa construção e refazer sua história. A autora afirma que essas construções se solidificam, tornando-se naturais, padronizadas, isto é, de acordo com as normas estabelecidas dentro de uma determinada cultura. Por isso, sua intenção é desconstruir esse padrão, que o sujeito acaba aceitando, se conformando com o que lhe é imposto. Butler (1990) não está preocupada com a origem do gênero, e sim em seus efeitos, no que dele pode resultar.

Se acreditamos que o gênero é construído culturalmente, então o sexo não está vinculado ao gênero. Desse modo, podemos concluir que gênero e sexo são construções, embora não permaneçam da mesma maneira para sempre. Gênero e sexo são, às vezes, submetidos a uma cultura que exerce um certo poder de controle com a finalidade de impedir e padronizar determinados tipos de construção (SALIH, 2012).

Butler (1990, p. 33, apud SALIH, 2012) faz a seguinte afirmação sobre gênero:

Gênero é a contínua estilização do corpo, um conjunto de atos repetidos no interior de um quadro regulatório altamente rígido e que se cristaliza ao longo do tempo para produzir a aparência de uma substância de uma maneira natural de ser. Para ser bem-sucedida, uma genealogia política das ontologias dos gêneros deverá desconstruir a aparência substantiva do gênero em seus atos constitutivos e localizar e explicar esses atos no interior dos quadros compulsórios estabelecidos pelas várias forças que policiam a sua aparência social.

Segundo Louro (2003), quando afirmamos que o gênero estabelece a identidade do sujeito, algo ultrapassa o simples desempenho do papel, ou seja, o gênero faz parte da pessoa. E as instituições como igreja, escola, família e práticas sociais constroem o indivíduo. Tais instituições e práticas passam, também, a fazer parte da construção do gênero. Ainda de acordo com a autora, ao compreendermos que gênero é uma construção histórica e social, passaremos a entender melhor as relações entre homens e mulheres, os discursos e as mudanças constantes que essas relações representam.

Neste estudo, assumimos que gênero, sexualidade e sexo são construções discursivas por meio de um conjunto de atos de fala que se manifestam com base em normas regulatórias que exercem poder. Esses discursos se cristalizam por meio da iterabilidade e citacionalidade dentro de um determinado contexto, sugeridos por Derrida, e que marcam os corpos como propõe Butler.

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2.2 GÊNERO E MATERNIDADE

Atualmente, tudo muda com grande velocidade e flexibilidade. Fatos, pessoas, situações e comportamentos vêm sofrendo alterações rápidas; ao mesmo tempo, estão todos interligados, ocupando o mesmo espaço e buscando se adaptar a ele.

Com a maternidade não é diferente. No cenário em que estamos inseridos, a maternidade vem sendo repensada e modificada histórica e socialmente. Ela acompanha a trajetória da mulher, que por sua vez se situa em um contexto que se transforma e reinventa a cada instante.

A Revolução Industrial, segundo Oliveira (2007), foi o marco que impulsionou a transição da Idade Média para a Modernidade, época em que vivemos agora. O autor cita um comentário de Rocha-Coutinho (2005 apud OLIVEIRA, 2007, p. 123):

[...] a transição da família feudal para a família burguesa moderna foi bastante ampla, não se atendo apenas à história da vida cotidiana. Ao contrário, ela apontou traços-chave que vão desde as relações de produção até a constituição de subjetividades, em que se acentuam a intimidade, a individualidade e as identidades pessoais. É somente com o advento da sociedade industrial que a temática da individualidade, da identidade pessoal começa a se desenvolver, ao mesmo tempo em que os domínios público e privado se instalam, reestruturando tanto seus territórios como suas significações. Organiza-se, então, uma mudança radical nas prioridades de vida, em que começam a ser enfatizados o livre-arbítrio e a busca da felicidade pessoal.

Nesse período tornou-se mais visível e sólida a família nuclear, em que o afeto entre parentes, pais e filhos ficava mais evidente. A imagem feminina da “mulher-esposa e mãe” entrava em cena com vigor, levando a mulher a encenar essa performance com grande responsabilidade e zelo.

Dentro dessa sociedade patriarcal, a mulher era mais bem aceita e bem vista se fosse a mãe exemplar, a esposa cuidadosa. Sua “realização pessoal” centralizava-se no cotidiano e nos afazeres domésticos (ROCHA-COUTINHO, p. 123, apud OLIVEIRA, 2007, p. 13).

[...] a mulher passa a ser a principal responsável pelo bem-estar da criança e do esposo, e é importante intermediária entre o pai - cada vez mais ausente em seu trabalho fora de casa - e os filhos.

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O mercado de trabalho era assumido por homens, ficando eles responsáveis pelo sustento da família. A mulher dedicou-se, então, ao seu papel de educadora dos filhos e de esposa cuidadosa. Estas funções por ela exercidas, dentro do lar, ocupavam-lhe todo o tempo, impedindo-a de desempenhar outras funções e tornando-a, dessa forma, dependente financeira do marido e, psicologicamente, dos filhos (OLIVEIRA, 2007).

Oliveira (2007) sustenta que, até o início da Segunda Guerra Mundial, as mulheres encontravam-se fora do mercado de trabalho. Com o início da guerra e a obrigatoriedade de os homens prestarem o serviço militar, as mulheres passaram a assumir os postos de trabalho que iam ficando vagos. Suas contribuições foram, portanto, de grande relevância para a sociedade, ao mesmo tempo permitindo que dessem um grande salto rumo às próprias conquistas na sociedade.

No momento em que a guerra terminou, as mulheres foram obrigadas a deixar seus postos de trabalho e convidadas a voltar para os seus lares. Esta caminhada não foi tranquila, pois muitas delas resistiram em deixar suas funções no mercado de trabalho. Tal resistência abriu caminho para o que viria logo adiante: a força dos movimentos feministas a partir de 1960 (OLIVEIRA, 2007, p. 14), em decorrência da reflexão feminina sobre si mesma, suas angústias e sensação de vazio. Os movimentos que emergiram ao longo da década de 60 repetiram os acontecimentos do final do século XIX, quando as mulheres saíam às ruas por direitos iguais e pela participação nos setores político, trabalhista e civil (OLIVEIRA, 2007).

Ainda na década de 60, um acontecimento marcou e impulsionou as mudanças no dia a dia da vida feminina: a publicação das ideias de Simone de Beauvoir no livro O Segundo Sexo ([1949]1980), que causou uma ruptura na trajetória feminina ao convidar as mulheres a refletirem sobre suas ações e a lutar para melhorar suas vidas, em busca de maior liberdade (OLIVEIRA, 2007).

Atualmente, ao voltarmos o olhar para o passado e analisar a caminhada feminina, podemos constatar os avanços significativos e as conquistas obtidas, com a participação crescente das mulheres em vários setores da sociedade. Percebe-se, contudo, uma certa polêmica entre os casais quando se trata da dupla jornada de trabalho – mãe-esposa. Acumulando o trabalho fora de casa e as responsabilidades do lar, a mulher acaba tendo que reestruturar suas funções domésticas para poder cumprir, com eficiência, todas as suas tarefas.

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Por muito tempo, as mulheres eram educadas e construídas para serem esposas e mães exemplares. Sua realização pessoal resumia-se à dedicação e aos serviços à família. Hoje, com as novas configurações do cenário familiar, as novas gerações sentem-se cada vez menos motivadas a constituírem uma família, especialmente nos moldes tradicionais (OLIVEIRA, 2007).

Dentro dessa realidade, passamos a seguir a discorrer sobre a questão da maternidade.

Nossa subjetividade é construída dentro de um contexto social, no qual a cultura e a linguagem dão significado à experiência que temos de nós mesmos (OLIVEIRA, 2007, p. 20). Para explicar essa assertiva com maior clareza, Oliveira (2007) remete às palavras de Silva (2000, p. 93):

[...] que não existe um sujeito originário, transcendental, social e pré-discursivo: cada discurso põe o sujeito numa determinada posição. Na medida em que o sujeito é pensado como correspondendo a discursos que podem ser diversos e contraditórios, o conceito „posições de sujeito‟ permite conceber a subjetividade como construída, contraditória e fragmentada.

Oliveira (2007) afirma que, de acordo com a visão pós-estruturalista, a maternidade é construída e manifestada de acordo com a experiência de ser mãe. Esse amor pode ou não ser aprendido. Woodward (2000 apud OLIVEIRA, 2007) define a maternidade como uma construção cultural, atribuindo-lhe um conjunto de símbolos, capazes de instituir identidades individuais e coletivas que fundamentam tal ação.

Por um longo tempo o casamento foi dominado pelo esposo ou pela figura paterna, com a mulher ocupando uma posição subordinada, sem vez nem voz, dentro da família. Nesse contexto, a maternidade era vista como uma obrigação para as mulheres casadas e um ideal de vida para as solteiras, algo muito especial e duradouro na vida da mulher. Na cultura ocidental, a maternidade ainda está bastante associada à vida da mulher (OLIVEIRA, 2007).

Ainda segundo Oliveira (2007), a maternidade marcou a modernidade. Podemos perceber ainda que a missão da maternidade, dentro do senso comum, é confiada e delegada às mulheres como tarefa exclusiva delas.

No decorrer do século XX, as mulheres passaram a ter mais liberdade para assumir funções fora de casa, no mercado de trabalho. Contudo, sentiam-se divididas entre a profissão e a missão de ser mãe. Apesar das dificuldades que enfrentavam ao assumirem um emprego e ao mesmo tempo serem forçadas a

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