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OS DISCURSOS DE LIDERANÇA NA REPORTAGEM

4 OS DISCURSOS DE GÊNERO E DE LIDERANÇA NA REPORTAGEM

4.3 OS DISCURSOS DE LIDERANÇA NA REPORTAGEM

Nesta seção, apresentamos os discursos de liderança observados na reportagem sobre cotas para mulheres. Observamos no trecho a seguir que as empresárias da capa (ANEXO A) são construídas pela revista como mulheres executivas de sucesso e que conseguiram reconhecimento em suas carreiras corporativas, sugerido pelos índices linguísticos elas chegaram lá, mulheres, topo, hierarquia, empresas:

As mulheres que aparecem nas páginas que abrem esta reportagem chegaram lá. Elas atuam em setores distintos, têm currículos diferentes, mas todas ocupam cargos no topo da hierarquia das empresas nas quais trabalham. (EXAME, junho de 2015, p. 34)

A reportagem apresenta as executivas como exceções do mercado empresarial e com currículo diferenciado. Tais aspectos são indicados pelos termos atuam, setores, distintos, currículos diferentes, todas, ocupam cargos, topo,

hierarquia e empresas. As executivas brasileiras estão em destaque assim como as americanas Hillary Clinton e Sheryl Sandemberg, também apresentadas na reportagem como referência no contexto executivo internacional e americano. Os índices linguísticos chance e primeira mulher presidência americana identificam em Hilllary uma mulher que se destaca no setor profissional, já que pode ser a primeira mulher americana a governar os Estados Unidos:

Figura 7 – Hillary Clinton e Sheryl Sandemberg

Quanto à Sheryl, ela é uma executiva que atua no alto escalão da empresa Facebook, uma rede social presente em todo o mundo. A expressão em destaque, ao lado da sua foto, a executiva virou líder de um novo tipo de feminismo, mostra a liderança feminina dessa executiva. Salientamos que o discurso de liderança para a primeira, Hillary, casada e mãe, sinaliza que há uma contradição no discurso de maternidade construído pela revista na seção anterior, de que as mulheres não conseguiriam conciliar carreia e família, pois não é o caso de Hillary Clinton. Por outro lado, pode sugerir que as mulheres americanas conseguem conciliar os aspectos citados, já que foram mencionadas pela reportagem como mulheres executivas de sucesso.

Outra estrangeira executiva de destaque é a ministra alemã Manuela Schwesig (figura 8), apresentada pela revista como uma liderança política alemã, e provou o seu valor apesar de ter sido beneficiada pelas cotas:

Figura 8 – A Ministra Manuela Schwesig

A reportagem traz também outras brasileiras que são exemplos de liderança, não como as em destaque na capa da reportagem, já que são nomeadas, mas de algum destaque como sinaliza a figura 9:

Figura 9 – Rede de Mulheres da GE

A figura 9 mostra um grupo composto por 11 mulheres, vestidas em sua maioria com roupas neutras, em um ambiente trabalho. Os índices linguísticos executivas, experientes, ajudam, jovens e talentosas, que aparecem no canto esquerdo da figura, sugerem uma troca de experiência entre executivas mais novas e aquelas mais experientes. Aqui observamos que há uma busca de interação entre as mulheres, em que as mais experientes ajudariam na formação de novos talentos femininos, contrariando o discurso do senso comum de que o homem deve ser mentor de uma mulher nesse mercado específico de trabalho.

A reportagem tenta apagar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres na conquista de espaço na cúpula das empresas. O texto mostra que as mulheres realmente determinadas e que sabem o que querem conseguem chegar ao topo. Isto é percebido pela exemplificação de algumas mulheres executivas que ocupam cargos de liderança nas empresas ou em outros setores da sociedade. Elas são construídas como aquelas que, por meio de superação, esforço e masculinização em ações e sentimentos, conseguiram sobressair em um mercado ainda predominantemente masculino.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo nos mostra que liderança é a arte de conduzir pessoas e processos para chegar aos resultados esperados. Os líderes que hoje são referência no mercado empresarial têm postura e características diferenciadas dos demais indivíduos. Remetendo ao conceito de liderança de Drucker (1973, apud MORAIS, 2008), ele enfatiza os cinco princípios fundamentais para o exercício da liderança: (1) definição de objetivos; (2) organização; (3) motivação; (4) comunicação; e (5) avaliação e desenvolvimento de pessoas. Entendemos, então, que liderança é algo que se desenvolve em etapas, durante a trajetória das pessoas, de acordo com as suas relações e com os objetivos que pretendem alcançar.

Nesta pesquisa, com base nos discursos de liderança analisados, as executivas brasileiras são consideradas líderes e bem-sucedidas, tendo sido nomeadas ao longo do texto e assim o são porque, segundo a revista, são mulheres diferenciadas e com currículos exemplares. A revista também apresenta uma única forma de construção de executivas de sucesso: branca. Este padrão, que aponta uma referência, ou melhor, um modelo a ser seguido, apaga outras características de executivas. Além disso, são construídas como exceção. Observamos também discursos apresentados pela revista que apontam as executivas estrangeiras como referência de liderança, enfatizando que as mulheres brasileiras perdem em alguns quesitos para as estrangeiras, pois estas sabem conciliar vida profissional e vida familiar, enquanto as brasileiras têm dificuldades em fazê-lo.

Quanto aos discursos de gênero, a reportagem ”Cotas para mulheres?” aponta para discursos sobre gênero e liderança. Em relação aos primeiros, encontramos aqueles de preconceito e inferioridade das mulheres em relação aos homens. As mulheres ainda são construídas por meio de atos de fala performativos como mais incapazes do que os homens para ocuparem cargos de liderança, ou de que as mulheres devem servir aos homens.

Ao longo da análise, outro discurso que surge trata do sistema de cotas, compreendido como algo necessário pelos discursos das mulheres citadas

pela reportagem, mas como ineficiente pela revista que, para comprová-lo, faz uso de atos de fala performativos de especialistas.

Outro discurso sobre gênero observado foi o da maternidade. Segundo a reportagem, as mulheres perdem a oportunidade de ocupar determinados cargos nas empresas porque muitas vezes optam por se dedicar aos filhos. Além disso, quando pretendem voltar ao mercado de trabalho, ou ficam em desvantagem em relação aos homens ou são descartadas. Este discurso também sugere que as mulheres são culpadas pelo seu fracasso profissional, e que a maternidade é um empecilho para o sucesso.

Foi também possível perceber que há um paradoxo no que tange ao gênero: por um lado, as mulheres – principalmente as que atingiram um alto nível no

setor em que atuam – são elogiadas e admiradas como exemplos de garra, luta e

determinação; por outro lado, alguns traços da reportagem revelam a dificuldade de alguns setores da sociedade em aceitar que essas mulheres são capazes de desempenhar, com eficiência, determinadas funções no alto escalão empresarial.

Esperamos que este trabalho contribua para gerar reflexões em grupo de estudos que trabalham com assuntos de gênero ou de liderança. Estas questões, que hoje estão sendo analisadas e outras que poderão surgir nos discursos do cotidiano, podem levar as pessoas a compreender melhor os conceitos de gênero, favorecendo a diminuição do preconceito contra as mulheres; e que tais reflexões possam levar a novas práticas sociais de gênero, em prol de uma vida mais justa e de respeito às diferenças.

Na área educacional, campo em que atuo como profissional, o trabalho poderá contribuir para que nós, gestores e educadores, pensemos em projetos integrados às diretrizes curriculares que abordem, com maior intensidade, as questões de gênero que envolvem desigualdade, preconceito, diferenças e falta de ética, e que, como resultado do processo de ensino-aprendizagem, possamos despertar nos educandos uma mudança de mentalidade que traga mais respeito, fraternidade, justiça e igualdade.

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