• Nenhum resultado encontrado

FORMANDO PARA A CONVIVÊNCIA: UMA ANÁLISE DA APRENDIZAGEM DE VALORES COMO EIXO DO ENSINO MÉDIO

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "FORMANDO PARA A CONVIVÊNCIA: UMA ANÁLISE DA APRENDIZAGEM DE VALORES COMO EIXO DO ENSINO MÉDIO"

Copied!
12
0
0

Texto

(1)

CZERNISZ, Eliane Cleide da Silva – UEL eczernisz@uel.br Área Temática: Violências e convivência nas Escolas: Gestão e políticas públicas para a educação Resumo

Neste texto objetivamos refletir sobre a ênfase na aprendizagem de valores tomada como eixo para formação no ensino médio. Acreditamos ser um assunto de fundamental importância para os professores que trabalham no ensino médio contemporâneo, pois tem se tornado discurso dentro de muitas escolas uma proposta que consideramos um dilema: formar para a cidadania, crítica, consciente, participativa, desenvolvendo competências de sociabilidade num contexto desfavorável, onde infelizmente convivemos também com atitudes individualistas, competitivas, excludentes e violentas. Tais questões nos levam a indagar: que homem pretende-se formar? A categoria de análise na presente discussão é a formação pelos valores. Os dados apresentados são resultados de pesquisa em andamento que objetivam levantar e analisar as diretrizes e recomendações da Unesco para o Ensino Médio a partir de 1990 e as repercussões no ensino médio brasileiro. Na pesquisa a metodologia que vem sendo utilizada tem como referência a perspectiva crítico-dialética que com base em Gamboa (2002) aponta para a discussão contextualizada dos dados obtidos em documentos ou reflexões bibliográficas. Para Ludke e André (1987) a análise de documentos pode fornecer elementos referentes ao contexto de surgimento, elemento importante devido à delimitação temporal da pesquisa. Nos documentos analisaremos o conteúdo e a expressão desse conteúdo conforme Bardin (2005). Os dados vem sendo coletados em dois acervos organizados no Escritório Regional de Educação para a América Latina e Caribe da Unesco: 1) Observatório da Educação Secundária; 2) Fórum da Educação Secundária. Os dados obtidos até o momento indicam que cabe aos professores a compreensão do momento em que estamos vivendo, buscando traçar propostas de gestão e práticas pedagógicas que resultem numa educação para a emancipação humana.

Palavras-chave: Políticas públicas;Ensino médio;Convivência;Formação de valores;

Introdução

O trabalho que apresentamos traz dados obtidos em pesquisa em andamento que investiga as diretrizes e recomendações da Unesco para o Ensino Médio a partir de 1990 e as repercussões na política do ensino médio brasileiro. Neste texto o objetivo é promover uma reflexão sobre a ênfase na aprendizagem de valores tomada como eixo para formação no

(2)

ensino médio. Acreditamos ser um assunto de fundamental importância para os professores que trabalham no ensino médio contemporâneo, assim como para os gestores, pois tem se tornado discurso dentro de muitas escolas uma proposta que consideramos um dilema: formar para a cidadania, crítica, consciente, participativa, desenvolvendo competências de sociabilidade num contexto que consideramos desfavorável, onde infelizmente convivemos também com atitudes individualistas, competitivas, excludentes e violentas. Tais questões nos levam a indagar: que homem pretende-se formar?

Na realização da pesquisa a metodologia utilizada tem como referência a perspectiva crítico-dialética que, com base em Gamboa (2002), aponta para a discussão contextualizada dos dados obtidos em documentos ou discussões bibliográficas – explicitando a lógica interna do processo. Complementando Gamboa, Ludke e André (1987) asseveram que a análise de documentos permite um ganho de qualidade para a pesquisa, pois podem fornecer dados referentes ao contexto de surgimento, fornecendo os elementos deste contexto. Nos documentos analisaremos o conteúdo e a expressão desse conteúdo conforme discutido por Bardin (2005).

A pesquisa é realizada a partir de discussão bibliográfica e análise de fontes indicadas e ou sugeridas em dois acervos da base de dados organizada no Escritório Regional de Educação para a América Latina e Caribe da Unesco: 1) Observatório da Educação Secundária – um espaço onde são analisados, discutidos e difundidos os principais temas relacionados à problemática desse subsistema educacional; 2) Fórum da Educação Secundária: que tem por objetivo gerar insumos, organizar discussões, sistematizar estudos, vislumbrando responder a questões atuais e propor questões futuras sobre o ensino médio. A opção por tais acervos se deu em razão de que neles estão contidos documentos e bibliografias que são considerados referências aos professores e gestores do ensino médio.

Para efeito de apresentação deste assunto iniciamos com uma discussão bibliográfica fundamentada em autores que tratam da relação entre a organização da sociedade capitalista contemporânea e as exigências feitas à educação. Posteriormente, comentamos dados obtidos em documentos analisados que fazem referência às necessidades formativas no ensino médio e que entendemos, estabelecem uma correlação com a base legal do ensino médio brasileiro. Para finalizar esta reflexão levantamos alguns questionamentos, comentamos os limites e as possibilidades de uma educação voltada ao desenvolvimento de valores para a cidadania democrática no contexto atual. As considerações que encerram esse trabalho, indicam a

(3)

necessidade e urgência em se pensar o tema, tanto para elaboração de propostas pedagógicas, quanto para a implementação de práticas que envolvam a sala de aula e a escola como um todo.

A crise capitalista e os impactos na formação

Iniciamos a análise do ensino médio comentando a crise societária que se desenvolve a partir dos anos de 1990. Esse período se torna importante, pois ficou conhecido como a década da educação. Tal adjetivação se deu pela defesa da educação para todos cujo marco, foi a Conferência Mundial de Educação realizada em Jomtien na Tailândia. Entre os objetivos havia também a necessidade de promoção de educação visando superar pela educação dificuldades como a pobreza e a exclusão social, característica de uma crise que atinge o mundo no período em questão.

A crise que desponta, foi analisada por Frigotto (1995, p. 200), que argumentou ser uma crise de caráter estrutural, própria da forma de organização das relações sociais produtivas. Neves (2005), comenta as características deste bloco histórico. De acordo com a autora:

O novo bloco histórico que se foi constituindo no início do século XX, mantém até os dias atuais suas características essenciais. No plano econômico, a reprodução ampliada do capital – sob a direção do grande capital, a partir do emprego diretamente produtivo da ciência e da técnica -, a expropriação crescente do trabalho pelo capital e a extração da mais-valia, por intermédio da intensidade do trabalho e do aumento da produtividade da força de trabalho. No plano político, um Estado que intervém nos rumos da produção e nas relações políticos-sociais com vistas à legitimação dos padrões de relações sociais vigentes (NEVES, 2005, p. 20).

Frigotto (1995) analisa as mudanças ocorridas no padrão produtivo e observa a existência de uma produção enxuta, tomada como estratégia para superar a estagnação do mercado ocorrida nos anos de 1970. A produção em massa e em grande escala típica do fordismo, vai sendo substituída por uma produção que atende especificidades do mercado consumidor. Ocorre uma maior diversificação da produção de mercadorias em substituição à grande padronização que visava atender o consumo de massa. Conseqüentemente passa a ser exigido um novo tipo de trabalhador, voltado à atuação polivalente, capaz de entender o processo de realização do trabalho e não apenas uma ação específica. Passa-se a exigir do trabalhador uma maior qualificação profissional, autonomia e liderança. Diz o autor:

(4)

O que muda qualitativamente, como tendência para aqueles que o processo produtivo necessita, é a passagem de um trabalhador adestrado para um trabalhador com capacidade de abstração mais elevada e polivalente. Mas muda sob a lógica da exclusão. O limite, o horizonte definidor é o processo produtivo demarcado pela naturalização da exclusão. No plano ideológico, a sutileza da tese da sociedade do conhecimento esconde, ao mesmo tempo, a desigualdade entre grupos e classes sociais, o monopólio crescente do conhecimento e, portanto, a profunda apropriação desigual do mesmo (FRIGOTTO, 1995, p. 202).

Entramos na fase destacada por Harvey (1994, p. 140), como acumulação flexível cujas características é “a flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo”. Trata-se como asseverou Neves (2005) de mudanças que alteram o conteúdo e a forma de organização do trabalho, mantendo-se as relações sociais.

Passamos nesta nova forma de organização do trabalho a vivenciar um processo de competitividade maior na sociedade. O enxugamento de postos de trabalho, assim como as formas de contratação norteadas pela flexibilidade, fez com que houvesse um processo de acirramento da luta pela sobrevivência e pelo trabalho.

As diretrizes para a reforma do ensino médio brasileiro são processadas nesse contexto, descrito de modo generalizado, como sendo globalizado e competitivo, para o qual requer-se uma formação adequada. Silva Júnior (2002, p. 100) entende que as reformas que se processam no âmbito do redirecionamento das políticas para o ensino médio integram, também, a reforma do Estado que passa de provedor a gestor de políticas sociais, sendo as questões sociais atendidas no campo do mercado. O autor relaciona tais fatos com o movimento de “reorganização da economia mundial e do trabalho”, que requer a redefinição da educação média.

Kuenzer (1998), destaca que cada novo estágio de forças produtivas requer um projeto pedagógico. A autora traz contribuições para pensarmos o assunto, esclarecendo como resultado do processo de reestruturação capitalista a existência de novas demandas a serem atendidas pela educação.

Entendemos a partir de Kuenzer que tais fatos exigem repensar não somente a escola média, mas a formação de professores e, como destacado pela autora, a formação de um “educador de novo tipo”. Esse assunto, desenvolvido a partir da análise da crise por qual passam as instituições formadoras de pedagogos, explicita a preocupação com a formação, com o atendimento de novas demandas, e com o entendimento do que deve ser a escola. Tais

(5)

questões indicam a necessidade de considerar novos elementos do contexto, ressaltando a importância da escola como espaço de construção de saberes, de constituição de cidadãos, e de emancipação social e humana.

Novo projeto pedagógico: novas exigências para formação

Entendemos que o atual projeto pedagógico começou a ser explicitado em documentos dirigidos à educação, que foram divulgados no início da década de 1990, período que foi realizada a Conferência Mundial de Educação para Todos, destacando a educação como central para o desenvolvimento econômico e social, e enfatizando a necessidade de educação básica de oito anos. Como decorrência desta Conferência foi organizado no Brasil o Plano Decenal de Educação para Todos (Brasil, 1993), com a meta principal de universalizar o ensino fundamental em dez anos.

Consideramos também exemplo desse projeto pedagógico o documento, “Educação e Conhecimento: Eixo da Transformação Produtiva com Eqüidade” elaborado pela Cepal e Unesco (1995), cujo destaque é dado tanto à educação como ao conhecimento considerados caminhos para buscar a transformação produtiva. O ponto de partida tomado como referência para promover o desenvolvimento econômico são as “tendências hoje marcantes na economia internacional” (CEPAL/UNESCO, 1995, p. 29), nas quais estão incluídas a revolução científica e tecnológica, a globalização progressiva dos mercados, a competitividade, a formação de recursos humanos, a readequação do Estado e as novas formas sob as quais se organizam as empresas. Para tanto, recomenda-se rever os sistemas educacionais, visto que passa-se a objetivar um novo perfil de trabalhador que seja competente e responsável. Solicita-se, então, uma formação centrada nos “valores sociais próprios da cidadania moderna”, destacados como “responsabilidade social, solidariedade, tolerância e participação” (CEPAL/UNESCO, 1995, p. 54).

Há que ser ressaltado que nesse novo projeto pedagógico são consideradas as características do contexto de crise, e também sugestionado caminhos que viabilizem as mudanças. O Relatório Delors (2001), diz que a educação é uma plataforma giratória para a vida toda. Nele, é descrito a crença na educação, apresentada como estratégica para a sobrevivência num futuro incerto. Diz o autor:

(6)

Hoje em dia, grande parte do destino de cada um de nós, quer o queiramos quer não, joga-se num cenário em escala mundial. Imposta pela abertura das fronteiras econômicas e financeiras, impelida por teorias de livre comércio, reforçada pelo desmembramento do bloco soviético, instrumentalizada pelas novas tecnologias de informação a interdependência planetária não cessa de aumentar, no plano econômico, científico, cultural e político. Sentida de maneira confusa por cada indivíduo, tornou-se para os dirigentes uma fonte de dificuldades. A conscientização generalizada desta “globalização” das relações internacionais constitui, aliás, em si mesma, uma dimensão do fenômeno. E, apesar das promessas que encerra, a emergência deste novo mundo, difícil de decifrar e, ainda mais, de prever, cria um clima de incerteza e, até, de apreensão, que torna ainda mais hesitante a busca de uma solução dos problemas realmente em escala mundial (DELORS, 2001, p. 35).

A valorização da educação para toda a vida passa a ser comum no discurso dos educadores e nos documentos, sempre em referência à dinamicidade do contexto. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei n. 9394/96, estabeleceu a educação básica de 11 anos, uma somatória de oito anos de ensino fundamental e três anos de ensino médio. Esta legislação traz traços que destacam a necessidade de continuar aprendendo, e as novas bases valorativas no que se refere ao Ensino Médio e à inserção no trabalho. Vejamos:

Art. 35 - O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades:

I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;

II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;

III - o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;

IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina (SAVIANI, 1997, p. 173-174, grifos nossos).

É destacado no inciso II, a intencionalidade educativa do ensino médio que entendemos estar relacionada ao desenvolvimento tecnológico e produtivo. Adaptar-se, de maneira flexível, a um padrão de desenvolvimento econômico. Trata-se de uma legislação cuja relação entre trabalho e cidadania são estreitadas, o que nos leva a inferir que a flexibilidade também está relacionada à adaptação às situações de incerteza próprias do mundo contemporâneo.

Percebemos co-relação entre a formação para a cidadania e para o trabalho também nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio (BRASIL, 1998). Com as Diretrizes fica claro que a escola passa a ser caracterizada como lugar de referência nos dias atuais para a

(7)

aprendizagem de valores e para o desenvolvimento de competências. Garante-se desta forma um eixo para a formação no ensino médio. É explicitado no documento:

Diante da violência, do desemprego e da vertiginosa substituição tecnológica, revigoram-se as aspirações de que a escola, especialmente a média, contribua para a aprendizagem de competências de caráter geral, visando a constituição de pessoas mais aptas a assimilar mudanças, mais autônomas em suas escolhas, mais solidárias, que acolham e respeitem as diferenças, pratiquem a solidariedade e superem a segmentação social (BRASIL, 1998, p. 18 - grifos nossos).

Os valores contidos nas diretrizes, norteados por determinações econômicas, são caracterizados como: “estética da sensibilidade”, ética da identidade e política da igualdade. Tais valores vislumbram a formação do aluno por intermédio das práticas pedagógicas realizadas pelo professores nas escolas médias.

Os valores estéticos, políticos e éticos, considerados fundamentos do ensino médio, deverão orientar a prática administrativa e a prática pedagógica. Visam responder, em nosso entendimento, as necessidades formativas correspondente às necessidades econômicas que vêm se desenvolvendo desde os anos de 1980 e 1990. Estas diretrizes pautam-se por valores éticos e humanos indispensáveis para o exercício da cidadania aliados ao desenvolvimento tecnológico e científico presentes, hoje. Nesse sentido, as diretrizes colocam-se como uma resposta a tal necessidade formativa, e também como uma proposta de educação cuja pretensão é a superação de dualismos, ou seja, uma formação científica e humana ao mesmo tempo.

Ramos (2004), na coletânea de textos denominada “Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho”, ao analisar o Parecer 15/98, comenta que o trabalho é tomado como contexto e supõe uma concepção de cidadania que “não é resgatada como valor universal, mas como a cidadania possível”, marcada pela busca individual dos próprios projetos e buscada nos valores que vêm orientando “uma sociabilidade pacífica e adequada aos padrões produtivos e culturais contemporâneos” (RAMOS, 2004, p. 44).

No ano 2000 em Dakar no Senegal é retomada a proposta de Jomtiem. A Declaração de Dakar reforça o compromisso da Cúpula Mundial de Educação para Todos reafirmando a necessidade de cumprir a meta de estender a Educação para Todos até o ano de 2015. No documento elaborado em Dakar fica claro que a promoção da educação passa pela implementação de ações e pelo empenho em superar problemas sociais contemporâneos, entre eles a violência. Há nesse documento um apelo para a promoção da ‘compreensão mútua, da

(8)

paz e da tolerância’ através de programas educativos, podendo, deste modo, contribuir para a prevenção da violência e de conflitos.

Em 2007 no documento - “Educação de “Qualidade: Uma questão de direitos humanos”, editado pela Unesco, considera-se os objetivos de desenvolvimento do milênio destacando a educação como ação que contribui para a redução das desigualdades sociais. Neste documento é esclarecido que a implementação das políticas educativas devem ser uma ação do Estado com a participação da sociedade visando também a inclusão social.

O requisito à convivência pacífica tem sido uma constante em alguns documentos, aspecto presente na discussão desenvolvida por Mello (2007) que ressalta a importância da convivência, do desenvolvimento de competências sociais e cognitivas para os alunos do ensino médio. Para a autora, os alunos do ensino médio precisam ter cabeças bem feitas para enfrentar a revolução tecnológica. Essa perspectiva de formação pode ser vista também em discussão da Unesco (2003) onde é reforçada a necessidade de formar consensos sobre o tipo de formação no ensino médio, que deve ser destinado à preparação para a vida, reforçando os vínculos com o mundo do trabalho e com a promoção de competências.

Na discussão realizada por Macedo e Katzkowicz (2008) a educação secundária é considerada importante para o desenvolvimento econômico da região e precisa ser dotada de flexibilidade formando no presente os alunos que viverão e atuarão no futuro”. A avaliação feita no documento é que houve expansão do ensino secundário. No entanto, caracteriza a expansão como vazia de conteúdo, com pouco significado e relevância social. As autoras entendem que os cursos secundários deveriam ter finalidades diversas para atender à grande diversidade de alunos.

É possível constatar um processo de redefinição do papel da educação média. O requisito à formação de competências sociais para além da aquisição de requisitos para o trabalho também vislumbra a formação para a convivência social, para a vida. Há uma correlação entre esses dados e os apresentados por Mello (1998). A autora critica a dualidade da escola média existente na formação propedêutica ou profissionalizante, comenta a ineficiência da cobertura para alunos do ensino médio, pois muitos jovens ainda estão fora da escola. Para a autora o ensino médio está sem identidade, que ainda precisa ser construída.

A construção da identidade do ensino médio precisa ser levada em consideração como verificado por Mello (1998) ao discutir a heterogeneidade do alunado. A autora apresenta os números da expansão de alunos no ensino médio brasileiro, um assunto que também foi

(9)

tratado por Zibas (2005) que levanta uma questão sobre a qual devemos pensar, já que segundo a autora houve expansão do número de vagas, porém sem que houvesse melhorias de qualidade. Zibas sugere que para além da instrumentação dos jovens também seja desenvolvida a cidadania:

Ao contrário, e a par da inevitável instrumentação dos jovens, para que sobrevivam no mundo real, torna-se fundamental que a escola ensine a “leitura desse mundo”, ou, em outras palavras, que desenvolva a cidadania democrática, aqui entendida como a compreensão histórica das relações estruturantes do mundo econômico e social, de forma que a sociedade seja percebida como passível de ser transformada. Este é, sem dúvida, o elemento mais complexo das demandas sobre a escola, pois há divergentes posicionamentos sobre as possibilidades de que a escola – em vista de suas determinações históricas e sociais – possa exercer esse papel. Entretanto, o atual contexto – de aumento das desigualdades, de anomia social generalizada, de violência social, de crise de valores e de colapso ou perda de importância dos veículos tradicionais de socialização da juventude – pode facilitar a compreensão do currículo desse ângulo político-pedagógico (ZIBAS, 2005, p. 2).

Entendemos aqui que uma tentativa de percorrer esse caminho é feita pela defesa da aprendizagem dos valores, pela preocupação com a formação para cidadania que promova uma sociabilidade pacifista. A UNESCO (2008), desenvolve um programa de Cultura de Paz. Faz sugestões de que os programas de ensino busquem promover valores, comportamentos e modos de vida que contemplem a paz, a resolução pacífica de conflitos, a busca de consenso e de não-violência. No entendimento da UNESCO, a ‘cultura de paz é um conjunto de valores, atitudes, comportamentos e modos de vida que rejeitam a violência e previnem os conflitos pela negociação entre os indivíduos, os grupos e os estados’ (2008, p. 1).

O encaminhamento destas propostas tem sido feito em programas que buscam inclusive envolver os jovens na promoção de atitudes pacíficas na escola, reforçando os valores para tal fim. Essas indicações tornaram-se base para elaboração de políticas e para o encaminhamento do trabalho pedagógico nas escolas do ensino médio. Analisando o documento “Ética e Cidadania” que trata do protagonismo juvenil verificamos uma discussão sobre a cidadania contemporânea. Diz o documento:

Aprender a ser cidadão e cidadã é, entre outras coisas, aprender a agir com respeito, solidariedade, responsabilidade, justiça, não violência; aprender a usar o diálogo nas mais diferentes situações e comprometer-se com o que acontece na vida da comunidade e do país. Esses valores e essas atitudes precisam ser aprendidos e desenvolvidos pelos estudantes e, portanto, podem e devem ser ensinados na escola (BRASIL, 2007, p. 7 – Grifos Nossos).

(10)

A discussão realizada até o momento nos permite inferir a preocupação com o tipo de formação que deve ser desenvolvida no ensino médio. Consideramos um dilema para as escolas o enfrentamento político-pedagógico de formar jovens no ensino médio para um contexto de possibilidades questionáveis. No entanto, não podemos nos eximir da responsabilidade de ao proporcionar a chamada “leitura do mundo” possamos instigar o alunado a um posicionamento mais humano e mais justo em relação ao outro e ao mundo.

Possibilidades e limites para a formação no ensino médio

A reflexão realizada até o momento com base nos documentos e em alguns autores demonstra que há uma direção para formação no ensino médio: formar para a cidadania democrática, entendida como formar através de valores que facilitem a convivência na sociedade atual.

Consideramos necessário desenvolver a sociabilidade que facilite a convivência, pois partilhamos do pressuposto de que se faz urgente um mundo mais justo e humano.

Entendemos pelas análises que no cenário atual passa a vigorar uma nova concepção de educação, e também uma concepção de mundo complexo. Passamos a ter também, um novo estatuto em termos de cidadania: a responsabilidade para viver e disseminar a paz pela convivência.

Essas referências não são contraditórias quando verificamos que o mercado passa a ser o parâmetro sobre qual se organiza a sociedade, e que como vimos, norteia também a educação? Busca-se por necessidades desse mercado a formação polivalente, a atuação competitiva que irá resultar numa concorrência difícil para se conquistar um espaço no mercado de trabalho, na redução de condições e de possibilidades de sobrevivência a partir do trabalho. O mundo se torna mais duro e difícil e cumpre aos cidadãos serem mais harmoniosos. Estamos num dilema?

Há que ser ressaltada a necessidade de estudos sobre esse assunto. Não podemos persistir na lógica de responsabilizar as vítimas pelos fracassos a que ficam expostas. Também não podemos ficar na superficialidade dos problemas, desprezando as causas. Por este motivo se faz necessária uma reflexão constante sobre a escola, sobre a educação, sobre o projeto político-pedagógico, sobre a atuação do professor.

(11)

Entendemos que se faz necessário pensar o homem que será formado, questão que implica na reflexão sobre o todo da escola. É preciso decifrar as características e exigências do mundo atual, reforçando que esse mundo seja menos injusto. Cumpre a nós educadores compreender o momento pelo qual estamos passando, para pensar propostas político-pedagógicas que resultem numa educação comprometida com um ensino médio emancipador do homem e da sociedade.

REFERÊNCIAS

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2005. BRASIL. Plano decenal de educação para todos. Brasília: MEC, 1993.

BRASIL/CNE/CEB.Resolução CEB n. 03 de 26/06/98.Institui as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio. Brasília, 1998.

BRASIL. Programa Ética e Cidadania : construindo valores na escola e na sociedade: protagonismo juvenil. (Org.) FAFE – Fundação de Apoio à Faculdade de Educação (USP), equipe de elaboração Ulisses F. Araújo... [et al.]. –Brasília: Ministério da Educação,

Secretaria de Educação Básica, 2007. Disponível em:

http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Etica/1_protg_etica.pdf Acesso em 27 março de 2008.

CEPAL/UNESCO, 1995 CEPAL. UNESCO - Educação e conhecimento: Eixo da transformação produtiva com eqüidade. Brasília: IPEA/CEPAL/INEP, 1995.

DELORS, Jacques (Org). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília, DF:MEC:UNESCO, 2001.

FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a Crise do Capitalismo Real. São Paulo: Cortez, 1995.

GAMBOA, Silvio A. A dialética da pesquisa em Educação. IN: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da Pesquisa Educacional. São Paulo: Cortez, 2002.

HARVEY, David. Condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1994.

KUENZER, Acácia Z. A formação de educadores no contexto das mudanças no mundo do trabalho: Novos desafios para as faculdades de educação. In: Educação e Sociedade. Campinas, v. 19, n. 63, p. 105-125, 1998.

LÜDKE, Menga e ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação: Abordagens qualitativas. Temas Básicos de Educação e Ensino, 1987.

(12)

MACEDO, Beatriz & KATZKOWICZ, Raquel. Em búsqueda de equidad em la educación secundaria. Encuentro Regional sobre Educación para Todos em América Latina y el Caribe. UNESCO, Santiago. 2008.

MELLO, Guiomar Namo. O Ensino Médio Brasileiro: os números, os problemas e as oportunidades. São Paulo: Outubro de 1998.

_____________________Corações informados e cabeças bem feitas: o novo ensino médio

brasileiro. Disponível em:

www.namodemello.com.br/pdf/escritos/ensino/coraçoesecabeças.pdf Acesso em: 30 de julho de 2008.

NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.) A Nova Pedagogia da Hegemonia: Estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.

RAMOS, Marise Nogueira. O projeto unitário de ensino médio sob os princípios do trabalho, da ciência e da cultura. In: FRIGOTTO, Gaudêncio e CIAVATTA, Maria. Ensino Médio: ciência, cultura e trabalho. Brasília: MEC, SEMTEC, 2004.

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. Campinas, SP: Autores Associados, 1997.

SILVA JÚNIOR. João dos Reis. Reforma do Estado e da Educação no Brasil de FHC. São Paulo: Xamã, 2002.

UNESCO. Educação de Qualidade para Todos: um assunto de direitos humanos. Documento de discussão sobre políticas educativas no marco da II Reunião Intergovernamental do projeto Regional de Educação para a América Latina e o Caribe. Brasília:UNESCO, OREALC, 2007.

UNESCO. Ensino Médio no Século XXI: Desafios, Tendências e Prioridades. Relatório final da Reunião internacional de Especialistas sobre o Ensino Médio no Século XXI: Desafios, Tendências e Prioridades. Beijing, República Popular da China, 2001; Brasília, Unesco, 2003. UNESCO. La Culture de la paix: qu'est-ce que c'est ? Disponível em: http://www3.unesco.org/iycp/fr/fr_sum_cp.htm Acesso em: 28 de janeiro de 2008.

ZIBAS, Dagmar M. L. A reforma do ensino médio nos anos de 1990: o parto da montanha e as novas perspectivas. In: Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro, n. 28. p. 24-36, 2005.

Referências

Documentos relacionados

segunda guerra, que ficou marcada pela exigência de um posicionamento político e social diante de dois contextos: a permanência de regimes totalitários, no mundo, e o

5 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem jurídica especial” (KELSEN, Teoria pura do direito, p..

de lôbo-guará (Chrysocyon brachyurus), a partir do cérebro e da glândula submaxilar em face das ino- culações em camundongos, cobaios e coelho e, também, pela presença

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

utilizada, pois no trabalho de Diacenco (2010) foi utilizada a Teoria da Deformação Cisalhante de Alta Order (HSDT) e, neste trabalho utilizou-se a Teoria da

Neste estudo foram estipulados os seguintes objec- tivos: (a) identifi car as dimensões do desenvolvimento vocacional (convicção vocacional, cooperação vocacio- nal,

•   O  material  a  seguir  consiste  de  adaptações  e  extensões  dos  originais  gentilmente  cedidos  pelo 

Com base no trabalho desenvolvido, o Laboratório Antidoping do Jockey Club Brasileiro (LAD/JCB) passou a ter acesso a um método validado para detecção da substância cafeína, à