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ISSN: Anais do VII Congresso de História de Ivaiporã. História: Patrimônio e Memória

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ISSN: 2359-3067

Anais do

VII Congresso de História

de Ivaiporã

História: Patrimônio e Memória

2017

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ISSN: 2359-3067

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ISSN: 2359-3067

Apresentação

O VII Congresso de História de Ivaiporã, 2017.

Coordenação Geral Neilaine Ramos Rocha de Lima

Comissão Científica Itamar Flávio da Silveira

Karla Maria da Silva Leandro Brunelo

Luís Fernando Pessoa Alexandre Natally Vieira Dias

Suelem Halim Nardo de Carvalho

Comissão Organizadora Aline Rodrigues Pierobom Cristina Alves Caselato Denis Carlos Moser Iene

Giovana Oliveira Silva Guilherme Gomes dos Santos

Lucas Felipe dos Santos Natani Priscila Neves de Souza Tainara Cristina Egidio Camargo

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ISSN: 2359-3067

Índice

Trabalhos completos

AUTOR PÁGINA

Amanda Malheiros Pereira ... 6

Bárbara Muniza C. Silvério ... 19

Carlos Alberto Plath Júnior ... 34

Cezar Cristovão Sperandio ... 47

Cristina Alves Caselato ... 63

Daiana Moreira da Rocha ... 74

Daniel Longhini Vicençoni .... ... 86

Daniele Cristina de Oliveira ... 97

Danielle Thaís V. G. Longo e Denis Carlos Moser Ieni ... 107

Denis Carlos Moser Ieni e Danielle Thaís V. G. Longo ... 122

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Giovana Oliveira Silva ... 157

Grazieli Cristina Magalhães da Silva ... 165

Guilherme G. dos Santos e Larissa F. Sochodolhak ... 178

Guilherme G. dos Santos e Larissa F. Sochodolhak ... 185

João Guilherme Walecki ... 194

Laís Azevedo Fialho e Giovane Marrafom Gonzaga ... 204

Larissa F. Sochodolhak e Guilherme G. dos Santos ... 222

Larissa F. Sochodolhake Guilherme G. dos Santos ... 229

Larisssa M. Vanzela e Owayran Torquato F. da Silva ... 240

Línive de Albuquerque Correa ... 252

Lucas E. M. dos Santos ... 270

Lucian Pereira dos Santos ... 286

Lucian Pereira dos Santos ... 298

Maria Eduarda Leão Rosa ... 309

Mariana Mello Cardoso ... 313

Neilaine Ramos Rocha de Lima ... 320

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6 O Tratado de louvores de D. Sancho de Noronha e a tradição de Espelhos de

Príncipes Medievais

Amanda Malheiros Pereira Prof. Dr. José Carlos Gimenez Universidade Estadual de Maringá – UEM Resumo: Como resultado do desenvolvimento de uma pesquisa de iniciação cientifica, o presente estudo analisou o ideal de governante cristão presente na obra "Tratado moral de louvores e perigos de alguns estados seculares e das obrigações que neles há com exortação em cada estado de que se trata", escrita por Dom Sancho de Noronha, e publicado em Portugal no ano de 1549. Essa obra foi dedicada a D. João, filho do rei lusitano D. João III (1502-1557, rei desde 1521). Ao estudarmos natureza e o contexto histórico em que essa obra foi concebida, conseguimos compreender como esses escritos contribuíam para realçar a importância das virtudes morais e religiosas, tão presente para a sociedade medieval. Simultaneamente, se fez necessário estabelecer uma análise do gênero literário que trata dos Espelhos de Príncipes, dessa forma, foi possível estabelecer uma relação entre governante e a sociedade política de seu tempo. Palavras-chave: História Ibérica; monarquia portuguesa; século XVI.

Introdução

Este trabalho teve como objetivo analisar o ideal de príncipe proposto nos escritos de Dom Sancho de Noronha, o "Tratado moral de louvores e perigos de alguns estados seculares e das obrigações que neles há com exortação em cada estado de que se trata", publicado em Portugal no século XVI, mais precisamente no ano de 1549. A obra foi dedicada ao infante D. João, filho de D. João III. Na obra, baseando-se na fé católica, o conde de Odemira busca aconselhar o príncipe da maneira mais sensata a governar seu reino de maneira virtuosa.

Ao estudarmos o contexto histórico em que se encontra a nossa fonte e juntamente com ela, conseguimos compreender o modelo de príncipe cristão existente

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7 no imaginário da época, que carrega a importância das virtudes e das morais difundidas pela Igreja católica. Primeiramente se faz necessário a compreensão do gênero literário que trata dos Espelhos de Príncipes, dessa forma, é possível estabelecer uma relação entre a construção de um governante ideal e a sociedade política de seu tempo.

As instruções contidas nos Espelhos de Príncipe manifestam um ensinamento politico que recolhem um conjunto de valores morais sob os quais o príncipe deve estabelecer para si mesmo, e tomar como fonte de aprendizagem e referencial condutor no ato de governar, tanto de si próprio, quanto na arte de governar seus súditos. Levando em conta sua tradição medieval, os tratados são escritos numa perspectiva cristã, no entanto, os que foram escritos a partir do século XV, combinam elementos culturais de inspiração bíblica modelos da antiguidade clássica, como reis e filósofos.

Referencial teórico

Para a compreensão da fonte, se fez necessário um estudo a respeito do gênero literário dos Espelhos de Príncipes. Escrito na maioria das vezes por pessoas ligadas à Igreja católica, essa expressão literária é uma espécie de manual que busca, de maneira didática, instruir o príncipe nas artes de governar. Também conhecidos como “tratados”, esse tipo de literatura objetivava orientar o príncipe como se comportar em relação as mais variadas situações quando este estiver no comando do reino. Sejam elas, em relação aos seus súditos, aos conselheiros do governante, à guerra, à cidade, à coisa pública, ou a outros ofícios do Estado real.

Nesses escritos, apesar de variarem de acordo com o local e o contexto político em que foram elaborados, buscavam, na maioria das vezes, exemplos de príncipes, virtudes e experiências nos clássicos antigos, como filósofos da Grécia antiga, intelectuais do império romano ou até mesmo através de exemplos de reis e

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8 conquistadores, que obtiveram grande prestígio em seu governo. Aparecem também nos manuais, passagens bíblicas e seus personagens como referência de conduta e modo de vida, além de figuras relevantes do clero com passagens inspiradoras e virtuosas.

Segundo Le Goff, Santo Agostinho (354-430), em “A cidade de Deus” foi quem escreveu o que viria a ser considerado primeiro espelho de príncipe cristão. Nessa obra, ele exalta as virtudes como um espelho da doutrina cristã. Daí a ideia de espelho, como a pretensão de fazer acontecer na terra o reflexo que busca a perfeição divina (Referencias de LE G). Foi com os carolíngios, no século IX, que os ideais de justiça, sabedoria, fortaleza, prudência, misericórdia e clemência foram introduzidos definitivamente no caráter político pedagógico dos tratados, colocando o rei como um dirigente inspirador e instrutor de seu povo (COSTA, 2003).

Costa destaca ainda, que no século XII, fazendo referência a marcos das incorporações nesse tipo de literatura, “Policratus” do pensador inglês João de Salisbury que tece sua obra no intuito de inspirar Henrique II com propósitos de convivência pacífica entre os poderes temporal e espiritual. Essa obra do pensador católico de ideias humanistas que procura transmitir ensinamentos éticos que harmonizem a coexistência de política, sociedade e religião é considerada o primeiro tratado político da Idade Média. A esse modelo segue o tratado de Tomás de Aquino “De regimine principum ad regem Cypri” (1265-1267), onde ele, influenciado principalmente pela Sagrada Escritura, escreveu sobre política e tirania,vexaltando a importância do poder espiritual. (COSTA, 2012)

Na conjuntura da Cristandade do século XIII, durante o processo de centralização político das monarquias ocidentais sob bases mais fortificadas, a difusão dos espelhos se dá num modelo que procurava responder a essa necessidade de inovação do ofício

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9 real, ao instruir o rei nas características úteis ao jogo político, mas sem abandonar o apoio à Igreja católica. Ainda segundo Costa, é pertinente o ideal do rei virtuoso, principalmente na Península Ibérica após a Revolução de Avis, e com ela, o processo de intensificação da autonomia portuguesa em relação às demais regiões. (COSTA, 2003).

David Nogales Rincon em seu texto “Los espejos de príncipes en castilla (Siglos XIII-XV): Un modelo literario de la realeza bajomedieval” faz uma divisão entre os modelos de Espelhos de Príncipes ao classificá-los em orientais e ocidentais. Segundo esse autor, é entre os finais do século XIII e XIV que se adota nos escritos ocidentais uma influência de autores como Cícero, Sêneca, Casiodoro, Aristóteles. Temos a presença do mundo clássico e da Bíblia.. É, portanto, a partir do século XV que é incorporada de forma massiva essas referencias literárias clássicas juntamente ao aporte da literatura cristã, desde caráter poético como a dos freis Iñigo de Mendonza e Gomez Manrique, até dialógico pedagógico, além de consolidar novas fórmulas e campos de ética externa como a educação física do príncipe, destacando-se respectivamente nesses pontos Alonso Ortiz e Rodrigo Sanchez. (RINCON, 2006, p. 16-17).

De acordo com Fábio André Hahn, a partir do século XV, foram escritas obras no sentido de instruir não só príncipes mas também conselheiros e juízes, como é o caso do Tratado de Louvores que pretendemos abordar neste trabalho. Destacam-se também deste modelo obras como “O Perfeito Cortesão” de Diomede Carafa, considerada como uma das precursoras da peculiaridade, outro escrito de 1513-1518 bastante considerável é “O Cortesão” de Baldassare Castiglione. (HAHN, 2006)

Entre outros traços gerais dessas obras encontram-se à incorporação do Direito Romano, a fortificação das monarquias sob bases religiosas, e um discurso a favor da

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10 imagem de um rei guerreiro, justiceiro, legislador e temente à ordem divina. Reconhecendo a política como o jogo das aparências e uma disputa por glória e legitimidade, somente um soberano beneficiado pela ajuda de Deus seria digno de governar a si e, por conseguinte seu povo. Os espelhos objetivavam, dessa forma, garantir a salvação do rei. (RINCON, 2006)

Márcio Ricardo Coelho Muniz em “O leal conselheiro e a tradição do espelho de príncipe: considerações sobre o gênero”, faz uma discussão sobre esse tema com Nair de Nazaré Castro Soares, o período correspondente a essa tipologia de escrita é bastante vasto, tendo no século XVI o seu ápice:

[...] desde o séc. IV a. C. até o séc. XVI aparece realmente uma ininterrupta série de specula principum, dirigida a imperadores, reis, príncipes, detentores do poder senhorial ou citadino em que, à parte o elogio e louvor dos dedicandos, se contém toda uma ética de funcionalismo laico, com a exaltação dos fundamentos e das relações do poder, enfim toda uma teorização política. Esta debruça-se sobre o ideal do governante, suas responsabilidades e deveres, sobre o bom governo e a melhor forma de constituição, os conselheiros e familiares do príncipe, as normas de uma boa administração, a formação e educação do príncipe, exemplo vivo de uma comunidade”. (1994, p.13-14, apud MUNIZ, 2003, p.2)

Ainda para Muniz, nessa época destaca-se o caráter laico dos escritos, e a ampliação do público alvo, uma vez que neles são incluídos além dos príncipes, nobres, detentores de algum poder senhorial ou citadino. Outros pontos característicos permanecerão comuns aos espelhos de príncipe como arquétipo de um governante comprometido com seus deveres e responsabilidades, nomeadamente “a melhor maneira de constituição” de um bom governo, o zelar dos “conselheiros e familiares”, as “normas de uma boa administração”, e a preocupação com “a formação e educação do príncipe.” (MUNIZ, 2003)

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11 Claudine Haroche em seu texto “Da palavra ao gesto”, também trás algumas interpretações a respeito dos espelhos de príncipes, e nos mostra como aspecto principal dessa literatura é o governo de si enquanto elemento essencial para o poder. Essa autora afirma ainda, que o tema é abraçado pela antropologia de Norbert Elias, quando ele considerou que o autocontrole é uma questão muito mais que psicológica ou sociológica, uma vez que se enquadra no campo do político. A autora ressalta que o governo de si é o componente essencial do poder e, inclusive, na sua ausência; chave para a desordem no controle de governar os outros:

A mobilidade descontrolada, a excitação, o rebuliço aparecem, então, como signos de uma despossessão, de uma posição de inferioridade, ao passo que o domínio de si representa a posição de uma superioridade, um elemento central na dominação (HAROCHE 1998).

No desenvolvimento do texto, a autora também sublinha outra divisão possível a respeito dos manuais comportamentais dos príncipes entre: os escritos humanistas do renascimento e os escritos puritanos. O primeiro diz respeito a uma transformação que atinge de maneira generalizada os costumes na Europa a partir do Renascimento. Fenômeno global que se relaciona com a centralização do poder, e impõe ao Estado o monopólio da violência e lhe encarrega constranger os homens a viver em paz. As relações sociais se tornam mais discretas e moderadas. Tal porte de retenção nas condutas acarreta em grandes efeitos nos costumes e nas estruturas sociais. Já os escritos e sermões puritanos fazem menção constante à maneira de conduzir uma família ou “às maneiras da aristocracia, às maneiras de se comportar em sociedade, à arte de ser fidalgo.” (HAROCHE, 1998)

A grande diferenciação entre os escritos humanistas e puritanos é que o segundo não se restringe a instruir o rei e unicamente ele, mas sim abranger toda a casta que

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12 acompanha a convivência real. Os manuais puritanos referem-se, várias vezes, a maneira de administração familiar, aristocrata, e o comportamento em sociedade. Nesse sentido serve como um guia de regimento das atividades dentro e fora da esfera pública, mas tendo consciência de que uma influencia a outra. Aqui, a vocação é vista como um dom divino, por isso a preocupação é destinada a todas as camadas de governo. Assim, a orientação do manual se faz digna a conduzir todo o corpo de uma sociedade, cada um no seu devido âmbito, esfera ou cotidiano:

“Os escritos puritanos – conjugando norma moral, preceito social e regra política – pretendem estender a todos e a cada um o aprendizado do domínio de si para dele fazer uma “conduta de vida”, a “vocação” do príncipe, do súdito, do magistrado, tanto quanto do chefe de família: “Por exemplo, a vocação (calling) do rei é passar seu tempo a governar seus súditos; e da do súdito consiste em obedecer aos magistrados. O estado e a condição de pastor (minister) é conduzir sua vida na predicação do Evangelho e da palavra de Deus. A do chefe (máster) de família, a de governar a casa. Eis suas respectivas vocações.” (HAROCHE, 1998)

É importante destacar que mesmo apresentando contextos diferentes e, devido a isso, múltiplas maneiras e variadas influências da cultura religiosa, e divergência da localidade, os manuais apresentam semelhanças por vezes idênticas no que diz respeito ao governo de si. O autodomínio, se fazer essencial para que jamais esqueçamos que os tratados são caros no que diz respeito a imposição da razão frente a qualquer atitude passional. Seguindo esse modelo, é a vigilância e o controle constante que instrui corretamente às artes de governar.

Objetivos

Este trabalho teve como objetivo analisar como o "Tratado moral de louvores e perigos de alguns estados seculares e das obrigações que neles há com exortação em

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13 cada estado de que se trata". Dedicado ao infante português João Manuel (1537-1554), filho de D. João III (1502-1557, rei desde 1521), o autor concebe e idealiza um monarca nas suas funções políticas. Constatado isso, procuramos estabelecer quais as principais ideias dos escritores pagãos e cristãos do passado que o autor resgata para idealizar um legitimo governo no século XVI. Além disso, procurou-se identificar qual a relação que o autor estabelece entre o governante e a sociedade política do seu tempo, percebendo a maneira na qual deveria ser a lealdade e obediência do povo para com este súdito. Outro ponto foi a relação entre o Tratado e situação política do reino português naquele contexto.

Metodologia

Essa pesquisa foi desenvolvida por meio da análise da fonte “Tratado moral de louvores e perigos de alguns estados seculares e das obrigações que neles há com exortação em cada estado de que se trata” escrita por Dom Sancho de Noronha no século XVI. Para além da analise da fonte, realizamos uma revisão bibliográfica priorizando abordagens sobre os princípios e as atividades de governo na Idade Média, outros exemplos espelhos medievais e leitura de obras sobre o contexto estudado.

Resultado

Além de caracterizar a tipologia da fonte, o local e o contexto histórico em que mesma, ou seja, Portugal do século XVI. A Península Ibérica é a prova viva de que a generalização de termos como feudalismo, Idade Média e renascimento não cabem num contexto idêntico no que se refere à totalidade europeia. A peculiaridade da península explica perfeitamente o contato com autores clássicos e figuras romanas mesclados com os textos bíblicos utilizados por D. Sancho de Noronha.

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14 Segundo Ruquoi, a educação dirigida aos habitantes dessa Península, desde Isidoro de Sevilha (560 d.C – 636 d.C), fazia frente “ao pecado da ignorância”. Os reis e demais dirigentes apoiavam o conhecimento e o ensino, desde os grandes heróis e personagens da Espanha Visigótica até as escolas de tradutores dos séculos XII e XIII, acompanhado do surgimento das universidades e a competição teológica entre judaicos, canonistas, cosmógrafos e humanistas do século XV. Foi, inclusive, por meio da Península Ibérica que chegaram à Europa setentrional as primeiras traduções de Aristóteles e comentadores árabes no século XII, juntamente com obras científicas árabes e gregas. (RUQUOI, 2007)

Essa preocupação em relação ao conhecimento é similarmente encontrado em D. João III. Esse monarca herdou um vasto império que se estendia por três continentes, ou seja, num período de apogeu ultramarino português. Porém, devido às dificuldades referentes à longitude da gestão, D. João III usou acintosamente da diplomacia nas relações externas, inclusive com Espanha e França. Instituiu o tribunal da Inquisição em Portugal e encaminhou para que os bispos lusitanos incorporassem o espírito da Contra Reforma. Em seu reinado intensifica-se também o caráter absolutista de governo. O seu reinado também foi marcado por graves crises econômicas acompanhadas de fomes e epidemias, o que levou o rei a buscaram auxílio externo. Apesar da crise e de um governo repleto de discordâncias, o desenvolvimento cultural do país foi privilegiado. Em seu império ocorre a reforma da Universidade portuguesa e a a criação do Colégio das Artes, além do florescimento de grandes nomes como Camões, Sá de Miranda, Bernadim Ribeiro, André Resende, João de Castro, Pedro Nunes, entre outros. (SOUSA, 2002)

É nesse contexto que D. Sancho de Noronha escreve o tratado que estamos analisando. Quarto conde de Odemira - título nobiliárquico de Portugal atribuído por

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15 decreto de Afonso V. em 9 de outubro de 1446 -, Senhor de Odemira, de Mortágua, Penacova, das terras de Riba de Vouga, e dos julgados de Eixos, Oies, Paus, e Vilarinho, alcaide-mor de Estremoz e de Alvor, D. Sancho foi conhecido por grande estima em sua servidão ao rei D. João III. Essa proximidade com a casa regia lhe valeu o cargo de mordomo-mor da rainha D. Catarina da Áustria, esposa do monarca, dignidade que ocupou até 1573, ano da sua morte. No fim de seu tratado, D. Sancho é elogiado pelo teólogo e frei Martinho de Ledesma que caracteriza e recomenda a obra do conde como sendo muito proveitosa e repleta de boas diretrizes católicas.

Apesar de o tratado pretender servir de modelo de governo para o futuro monarca lusitano, isso não foi possível, pois o infante D. João morre em 1554. Ainda assim, com a morte de D. João III, em 1557, o filho do infante, D. Sebastião (1554-1578, rei desde 1557) assumirá a direção do reino como decimo sexto rei de Portugal.

A ruína em que se via Portugal era que, pela falta de herdeiros o reino poderia passar as mãos do filho vindo do casamento de D. Maria, irmã do príncipe defunto D. João, com D. Felipe II, de Castela, ocorrendo assim a união que os portugueses sempre abominaram. O então rei de Portugal viu morrer os dez filhos, o que fez recair sobre seu neto, D. Sebastião, a possibilidade de assumir o trono e, quando isso se concretiza, durante a menoridade do rei empossado a regência foi exercida pela sua avó, a rainha Catarina de Áustria. O problema de sucessão na linhagem portuguesa gerou uma crise que cultivará o ambiente propício para a união ibérica. O neto de D. João III, desde muito cedo deixou claro suas paixões pela guerra e pelo zelo à religião, uma vez que acreditava no propósito de que Deus o havia destinado para grandes obras.

É, sobretudo, nesse ambiente de transformações políticas e culturais que devemos compreender o texto de D. Sancho Noronha. Ainda que em cada texto e contexto a trajetória dos espelhos de príncipes sofram gradação, traçando suas

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16 principais características e variações, e o contexto vivenciado por Portugal no qual a nossa fonte, de caráter puritano se insere, nos atentamos em analisar o documento de D. Sancho de Noronha.

Já no primeiro capítulo da obra, Noronha deixa claro que o ideal almejado é o de um príncipe virtuoso. O conde apresenta um prefácio em louvor das virtudes justificando que nelas consiste a felicidade da vida. Usa de autores como Ambrósio, Aristóteles e Santo Agostinho para mostrar que a felicidade não consta de bens exteriores, e sim em realizar obras segundo a virtude, uma vez que elas possuem uma força maior. “as virtudes são os meios por onde os homens vem a ser bem aventurados nesta vida por esperança e na outra por obra.” (NORONHA, 1549, p.9)

Recorrendo a Sêneca, Noronha nos mostra que o filósofo já aconselhava aos governantes que mais feliz e bem aventurado era aquele que possuísse virtudes para ser rei. Inclusive, segundo sua perspectiva, para julgar alguém não devemos levar em conta a aparência e bens exteriores e temporais, mas sim os próprios e verdadeiros, que são as virtudes. Porque se não fosse dessa a forma, a felicidade do homem não seria medida corretamente no âmbito principal em que consiste. Nessa ótica: “bem aventurados são os justos que a felicidade desta vida pôs nos bens exteriores que duram para sempre.” (NORONHA, 1549, p.13)

Ao longo do texto Noronha continua expondo que as pessoas próximas ao rei, julgadores e conselheiros, por exemplo, devem ser escolhidas sempre levando em consideração seus atributos virtuosos. Aí entra a virtude da Prudência para que essa seleção seja feita de maneira correta. E que quanto maior o cargo estabelecido por alguém, maior sua carga de responsabilidade, tendo em vista também o pecado, já que a importância da vocação é algo que vem dos céus. Outro ponto colocado pelo autor é que o governo ocorre melhor quando concentrado nas mãos de uma pessoa só, já que

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17 os homens estão sempre susceptíveis a mudanças e mais difícil seria estarem unidos de um mesmo desejo. (NORONHA, 1549)

Após refletir sobre os atributos virtuosos de um bom príncipe, Noronha estabelece qual seria a virtude mais importante dentro de todas. Ele chega em duas extremamente importantes que seriam: fortaleza e justiça. Segundo o autor, a da justiça se sobressai pois se todos fossemos justos a fortaleza não teria ocasião nem oportunidade em ser demonstrada. Dessa forma, para o conde, a justiça é a mãe de todas as virtudes, inclusive é a única que não pode coexistir com vícios, pois onde há justiça o bem maior está estabelecido.

O autor finaliza o tratado comentando sobre como é árdua a passagem de nós seres humanos pela terra, e que os homens geralmente estão ou sofrendo pelo que não conquistaram, ou na constante preocupação de perder algo. Numa espécie de reflexão, Noronha quer deixar claro que as atenções e esforços das pessoas como um todo, nas mais diversas camadas, deveriam estar voltadas para Deus e suas obras: “Não ponhamos logo nossa felicidade e fim nos bens e estados desta vida, que para outros melhores e mais seguros fomos criados."

Conclusão

Analisando nossa fonte e o retrospecto do gênero, temos a percepção de que o controle de si mesmo inclui restrições, e também a necessidade de pensar no outro, no próximo, como um ato de atenção e estima. O excesso de sentimentos deve ser refreado, é preciso raciocinar. O princípio básico do governo é primeiramente a contenção e domínio de si mesmo para guiar a família e posteriormente o povo. A visão da compaixão aparece em alta, é preciso usar a benevolência e não abusar da força. A

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18 exigência ética vem acompanhada de afeição e reconhecimento. O príncipe como um pastor que guia docilmente suas ovelhas, família, povo.

O ideal de príncipe português seria aquele que tem zelo e comprometimento com a fé católica e com a justiça, a maior de todas as virtudes segundo Noronha. Seguindo uma perspectiva dos manuais puritanos, onde a vocação se estende a todas as camadas da sociedade, a fonte indica o caminho da salvação e bons costumes dentro da doutrina católica.

Referências Bibliográficas

COSTA, Ricardo Luiz Silveira da. A estética do corpo na filosofia e na arte da Idade Média: texto e imagem. Trans/Form/Ação, Marília, v.35, n.spe, p. 161-178, 2012. COSTA, Sabrina dos Santos. Os espelhos de príncipes como padrão para as narrativas biográficas dos reis – O exemplo de D. Álvaro. João Pessoa: Universidade Federal Fluminense, 2003.

HAHN, F.A. Reflexos da perfeição: alguns elementos do gênero espelhos de príncipe na Idade Moderna. Varia Scientia, Paraná, v.6, n.12, p. 115-157, dez. 2006.

HAROCHE, Claudine. Da palavra ao gesto. Campinas: Editora Papiru, 1998.

NORONHA, Sancho de. Tratado moral de louvores e perigos de alguns estados seculares e das obrigações que neles há com exortação em cada estado de que se trata. Coimbra: 1549.

RINCON, David Nogales. Los espejos de príncipes em Castilla (Siglos XIII-XV): Um modelo literário de la realeza bajomedieval. Madrid: Universidad Complutense, 2006. RUCQUOI, Adeline. História medieval da península ibérica. Lisboa: Editora Estampa, 2007.

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19 A educação feminina na perspectiva de Azeredo Coutinho – América

Portuguesa, século XVIII

Bárbara Muniza Carvalho Silvério Profa. Dra. Karla Maria Silva Universidade Estadual de Maringá - UEM

Resumo: Este artigo apresenta os resultados finais de um Projeto de Iniciação Científica, que comparou duas obras de Jozé Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, escritas em fins do século XVIII: os Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e os Estatutos do Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Grasa, que foram escritos para organizar dois estabelecimentos de ensino localizados em Pernambuco. Essa pesquisa teve como objetivo principal compreender o papel da mulher na América portuguesa daquele período por meio dos estatutos, partindo da ideia de que Azeredo Coutinho acreditava que, tanto homens quanto mulheres, eram fundamentais para o bom funcionamento da sociedade, apesar de desempenharem papeis distintos. Para tanto, fizemos uma análise das obras supracitadas e uma comparação entre elas, evidenciando quais eram as semelhanças e as diferenças entre a educação destinada aos dois sexos e a relevância de cada um para a sociedade colonial brasileira.

Palavras-chave: Mulheres; Educação; Azeredo Coutinho.

O presente artigo tem como objetivo trazer os resultados obtidos por uma Pesquisa de Iniciação Científica – PIC, que teve como objetivo analisar a importância das mulheres na sociedade colonial brasileira em fins do século XVIII, com base na educação recebida pelas meninas e pelos meninos, de acordo com a perspectiva de José da Cunha de Azeredo Coutinho e duas obras escritas por ele: os Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória e os Estatutos do Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Grasa, que era regulamentos que regiam a educação desses dois estabelecimentos que se localizam em Pernambuco.

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20 Antes de iniciarmos a discussão sobre a educação recebida pelas meninas e pelos meninos, cabe falar, resumidamente, sobre os padres jesuítas, que iniciaram aqui uma educação formal quando chegaram juntamente com a expedição de Tomé de Souza rumo a capitania de São Vicente em 1549. Manoel da Nóbrega foi um dos primeiros membros da Companhia de Jesus a chegar à América Portuguesa; ele fundou a primeira escola e, a seu pedido, vieram outros padres para lhe ajudar em seu trabalho missionário de levar educação aos filhos dos colonos e dos indígenas.

Os jesuítas estiveram no Brasil até o ano de 1759, quando começaram a criar problemas para a Coroa, pois o seu apego aos indígenas não permitia que eles fossem usados para o trabalho, além de possuírem muita influência sobre eles. Por essas e outras coisas, que não vêm ao caso nesse momento, eles foram expulsos pelo Marquês de Pombal, que planejava uma educação laica, livre da influência da Igreja, o que era uma grande novidade a nível mundial.

As reformas planejadas por Pombal foram um grande avanço, mas devido a rápida expulsão dos jesuítas, ela não pôde ser bem planejada, o que fez com que muitas regiões ficassem sem acesso à educação. Para equacionar os problemas relativos à instrução na América, além das Aulas Régias - aulas avulsas, divididas em cátedras – a coroa autorizou a criação de casas de recolhimento e de seminários. Algumas dessas instituições ocuparam instalações antes utilizadas pelos jesuítas, como é o caso do Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Grasa, conhecido como Seminário de Olinda, e do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória, na vila de Recife, fundadas por Jozé Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho.

Para que as instituições mencionadas pudessem funcionar, era fundamental que a sua existência fosse aprovada pela Coroa. Segundo o historiador Gilberto Alves, no que diz respeito à criação do Seminário de Olinda, Azeredo Coutinho reconheceu como

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21 “fundamental a disposição da rainha, dona Maria I, que, mediante Alvará de 22 de março de 1796, doou ‘o Colégio, e Igreja, que foi dos Jezuítas, com todas as suas pertensas’, à Mitra de Pernambuco. (ALVES, 2001, p. 120)

Gilberto Alves afirma que além da necessidade de aprovação do funcionamento dessas instituições, elas precisariam de regulamentação, tanto para a contratação de pessoas para trabalhar, como para os educandos que seriam recebidos e a educação que lhes seria dada. Segundo ele, essa norma foi “perseguida por Azeredo Coutinho, essa necessidade foi cumprida e coroada com a elaboração dos Estatutos, antes mesmo que o bispo se deslocasse para o Brasil”. (ALVES, 2001, p. 120)

Azeredo Coutinho acreditava que a existência do Seminário deveria atender as necessidades da Igreja e do Estado, desse modo, seu objetivo é logo explicitado no preâmbulo de seus Estatutos: “instruir a Mocidade da nossa Diocese no conhecimento das verdades da Religião, na prática dos bons costumes, e nos estudos das artes, e ciências, que são necessárias para polir o homem, e fazer Ministros dignos de servirem à Igreja, e ao Estado”. (ESTATUTOS DO SEMINÁRIO, 1798, p. 2).

Assim como ele reconhece a necessidade da educação dos meninos e a importância dessa instituição para a Igreja e para o Estado, ele também reconhece a importância da instituição de ensino para as meninas, mostrando que uma sociedade na qual as pessoas não são bem-educadas, está fadada à desordem e ao caos:

Persuadidos Nós de que a maior parte dos crimes, e desordens, que inquietam as Sociedades, e a Igreja, trás a sua origem da falta de uma boa educação dos filhos; pois é quase impossível, que eles sem a sólida instrução, que é necessária para conter as paixões da natureza corrompida, não se inclinem facilmente aos vícios, ao quais crescendo com a idade, e passando com o exemplo de Pais e filhos, se vão perpetuando nas famílias até o ponto de causar entre os povos uma geral desordem...(ESTATUTOS DO RECOLHIMENTO,1798, p. 1/2)

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22 Muitos dos estudos que temos hoje em dia sobre esse tema, analisam o período com uma visão anacrônica e não entendem que a sociedade antigamente tinha seus próprios modos e que as mulheres não eram menos importantes que os homens porque não tinham as mesmas funções que eles. Isso é demonstrado na seguinte passagem, na qual Coutinho reflete sobre a importância do papel da mulher para a sociedade:

Aqueles, que não conhecem o grande influxo, que as mulheres têm no bem, ou no mal das Sociedades, parecem até que nem querem, que elas tenham alguma educação: mas isto é um engano, é um erro, que trás o seu princípio da ignorância. As mulheres ainda que se não destinam para fazer a guerra, nem para ocupar o ministério das coisas sagradas, não têm contudo ocupações menos importantes ao Público. (ESTATUTOS DO RECOLHIMENTO,1798, p. 2)

Nós podemos trabalhar com fontes como essa, graças à iniciativa de Gilberto Freyre, que utilizou documentos não ortodoxos para a escrita de sua obra Casa Grande & Senzala, publicada pela primeira vez em 1933. A partir disso, muitos estudos foram realizados acerca das mulheres, focando o período colonial, valendo-se de relatos de viajantes, de cartas particulares, da iconografia, de processos civis e criminais, entre outras fontes. Tais estudos têm desvendado muitas facetas dessa fascinante temática, lançando luz sobre aspectos importantes, mas ainda negligenciados, da nossa sociedade colonial, uma vez que a história das mulheres, segundo Mary del Priore (2006), envolve também a história da família, do trabalho, dos costumes, da sexualidade, da vida doméstica, da moda, do comportamento, e etc.

Em uma passagem da Apresentação da obra História das Mulheres no Brasil (2006), del Priore afirmou que seu livro “se propõe a contar a história das mulheres”, mas na sequência, ao advertir que “a história das mulheres não é só delas”, fortalece o que afirmamos algumas linhas acima: os estudos da história das mulheres revelam aspectos relativos à organização de toda a sociedade.

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23 Esse tipo de discussão apresentada por Del Priori se repete em outros trabalhos, se configurando como uma constante nas análises historiográficas. Exemplo disso são os escritos encontrados no volume 1 da coletânea História da Vida Privada no Brasil (1997), organizado por Laura de Mello e Souza, e publicada pela Companhia das Letras. A conceituada historiadora Maria Beatriz Nizza da Silva, também escreveu importantes trabalhos que abordaram questões concernentes às mulheres, especialmente no que diz respeito à América portuguesa. Em Sistema de Casamento no Brasil Colonial (1984), além de tratar do processo matrimonial em si, a autora também aborda questões relacionadas à intimidade da mulher, como a sexualidade e os problemas conjugais. Discute ainda a criação e a educação dos filhos, e até mesmo a desagregação do casamento. Já em Cultura no Brasil Colonial (1981), ao tratar de aspectos como as formas de transmissão da cultura na América portuguesa, a mesma historiadora inevitavelmente desenvolve reflexões sobre a educação feminina, o que nos interessa mais diretamente.

Outros estudos historiográficos que relacionaram mulheres e instrução preocuparam-se, sobremaneira, com as questões pedagógicas, e procuraram reconstituir aspectos da história da educação no Brasil. É o caso estudo de Arilda Riberio, Mulheres Educadas na Colônia (2007), que compõe a obra 500 Anos de Educação no Brasil (2007), organizada por Eliane Lopes.

Como se observa, a despeito dos inúmeros estudos desenvolvidos acerca das mulheres no Brasil, e das mais variadas discussões realizadas sobre o tema, poucas pesquisas abordaram questões relativas à educação formal recebida pelas meninas na passagem do século XVIII para o XIX, e as que abordaram, mantiveram o foco na temática da educação, configurando uma espécie de lacuna na produção historiográfica,

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24 o que torna a análise dos Estatutos muito importante para entender o período aqui estudado.

Antes de darmos início à discussão que diz respeito às diferenças na educação recebida entre meninos e meninas, contidas nos Estatutos do Recolhimento e do Seminário, consideramos importante fazer uma descrição física dos documentos e apresentar as linhas gerais de seu teor. Vejamos.

Os Estatutos do Recolhimento de Nossa Senhora da Glória foram escritos pelo bispo Dom José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, no ano de 1798, e foram direcionados para o recolhimento de meninas de Bela Vista, em Pernambuco. Ele tencionava regulamentar a educação das meninas, para que o recolhimento formasse mães de família aptas e fortemente religiosas.

O exemplar da obra analisado possui 120 páginas e é dividido em duas partes: a primeira parte possui 23 capítulos e trata das regras gerais do estabelecimento, tais como funcionários, horários, roupas adequadas, etc.; a segunda parte possui quinze capítulos que tratam da educação que deveriam receber as meninas do recolhimento.

Azeredo Coutinho faz uma Introdução de quatro páginas à obra e, a partir da página 5, começa a tratar dos estatutos em si. O primeiro capítulo denominado Do estabelecimento das pessoas do governo interior do Recolhimento trata dos motivos da fundação e os funcionários necessários para seu funcionamento. Os capítulos 2 a 12 tratam das funções específicas de cada funcionário e sua remuneração, sendo intitulados: Do Padre espiritual, e Capelão da casa; Da Superiora, ou Regente da casa; Da Vigária do coro; Da Procuradora; Da Sacristã; Da Porteira; Da Rodeira; Da Enfermeira; Da Dispenseira; Da Refeitoreira; e Das Mestras das Educandas.

O autor dedica os capítulos 13 a 16 à apresentação das qualidades que deveriam possuir as recolhidas: Da simplicidade no vestir; Da caridade; Da humildade; e Da

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25 modéstia. Os capítulos 17 a 20 versam sobre como as moças se portarem em diferentes ambientes da casa, e o tempo que devem dispensar às atividades domésticas: Da confissão, e comunhão; Do emprego do tempo, e distribuição das obras; Do refeitório; e Das qualidades, que devem ter as pretendentes às recolhidas, e do modo como ão de ser admitidas. Nos capítulos 21 a 23 - Dos ofícios exteriores, que são necessários para o serviço, e governo da casa; Do cofre que deve haver no Recolhimento; Do modo de se tomarem as contas da receita, e despesas do Recolhimento - ele trata das visitas que elas poderiam receber e fazer, do cofre que deveria existir para que fossem guardados documentos, e o dinheiro da casa e das despesas.

Os capítulos da segunda parte da obra tratam da educação das meninas, desde a escolha das mestras e do conteúdo a ser ensinado, até a postura das estudantes em sala de aula, suas vestes e comportamento. Nos últimos quatro capítulos da segunda parte, ele trata de como elas devem se vestir, quando devem sair e como devem ser tratadas quando estiverem doentes. Em sequência, os capítulos dessa segunda parte, são denominados: 1- Da primeira mestra, ou diretora das educandas; 2- Danos, que resultam da ordinária educação das filhas; 3- Dos primeiros fundamentos da educação; 4- Instrução dos primeiros princípios da educação; 5- Instrução dos meios necessários para bem obrar; 6- Instrução para preservar as educandas dos defeitos ordinários do seu sexo; 7- Instrução sobre os empregos próprios das mães de família; 8- Da mestra das primeiras letras; 9- Da mestra de coser, e bordar; 10- Do emprego do tempo, e distribuição das horas a respeito das educandas; 11- Das qualidades, que devem ter as educandas para serem admitidas; 12- Do modo de regular a entrada, e a saída das educandas; 13- Dos vestidos das educandas; 14- De como devem ser tratadas as educandas nas doenças; 15- Das licenças para o divertimento das educandas.

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26 Quanto aos Estatutos do Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Grassa, como mencionamos na Introdução desse relatório, foram escritos por Azeredo Coutinho para atender ao seminário de meninos da cidade de Olinda, em 1798. Os Estatutos foram criados para regularizar o ensino no seminário, que deveria formar “grandes homens tementes a Deus e à Igreja Católica”.

Esse documento contém 73 páginas e foi reproduzido na obra de Gilberto Luiz Alves, Azeredo Coutinho (2010); dividido em três partes, conta com Introdução de uma página e meia, justificando a necessidade de sua criação. A primeira parte contém 13 capítulos; a segunda, 3 capítulos; e a terceira parte, 25 capítulos.

A primeira parte tem por título: Que contém o que pertence à observância econômica, e trata dos assuntos econômicos referentes ao estabelecimento, tais como doações, contas da casa, despesas dos seminaristas e pagamento dos funcionários. Os capítulos dessa parte são: 1- Da eleição que se há de fazer dos seminaristas pobres; 2- Do modo da eleição, e entrada dos colegiais do número; 3- Do vestido e calçado que hão de usar os colegiais; 4- Dos colegiais extranumerários, ou porcionistas; 5- Dos refeitórios; 6- Do cuidado que deve haver dos enfermos; 7- Do ofício do reitor; 8- Do ofício do vice-reitor; 9- Do ofício do sacristão; 10- Do porteiro; 11- Dos ofícios interiores; 12- Do cofre que deve ter no colégio; 13- Do modo de se tomarem anualmente as contas da receita e despesa do colégio.

A segunda parte é: Que contém ao que pertence à observância moral, e trata das regras morais da casa e de como os internos deveriam se comportar. Vale lembrar que, naquele período, era levada muito em conta a moral religiosa, daí a razão para esse tipo de estudo. Os capítulos dessa segunda parte são: 1- Da obrigação do homem a respeito de Deus; 2- Da obrigação do homem a respeito de si mesmo; 3- Da obrigação do homem a respeito de outros homens.

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27 A parte 3 tem como título Da observância literária, e o foco é a educação dos meninos (quais temas deveriam estudar, como deveriam ser os professores e como deveriam se comportar). Os capítulos são: 1- Das primeiras letras; 2- Do canto; 3- Da gramática; 4- Da retórica; 5- Da filosofia; 6- Da geometria; 7- Da teologia; 8- Dos compêndios; 9- Das lições; 10- Dos exercícios vocais cotidianos; 11- Dos exercícios vocais semanais; 12- Dos exercícios semanais por escrito; 13- Do tempo letivo, e feriado, e da distribuição das horas do estudo em cada uma das aulas; 14- Da forma dos exames anuais; 15- Da idade, que devem ter os estudantes para se poderem matricular em teologia; 16- Dos sermões e orações que em cada ano se hão de recitar no colégio para se exercitar os alunos; 17- De algumas advertências a respeito dos professores; 18- Da ordem das precedências nos atos literários; 19- Das oposições às cadeiras; 20- Do diretor dos estudos; 21- Do vice-reitor dos estudos; 22- Da congregação literária; 23- Do secretário das congregações; 24- Do bibliotecário; 25- Do ofício de bedel.

Para entendermos melhor o funcionamento das duas instituições, torna-se necessário tratar de algumas semelhanças e diferenças entre elas. Na segunda parte dos Estatutos do Recolhimento, Coutinho tratou sobre a educação formal recebida pelas educandas e a importância da educação na vida das meninas:

A ignorancia de uma Menina, creada na ociozidade, é cauza que ela se enfade de si mesma, e naõ saiba em que se ocupe inocentemente. Quando xega a uma certa idade sem se aplicar a coizas solidas, ela naõ póde ter gosto, nem estimasaõ do que é bom: tudo o que é sério lhe parece triste; tudo, o que pede uma atensaõ continuada, a fatiga; a inclinasaõ aos divertimentos, o costume de estar ocioza, e o exemplo das outras de mesma idade, e de igual condisaõ, tudo concorre para a fazerem temer uma vida laboriosa, e regular. (ESTATUTOS DO RECOLHIMENTO, 1798, p. 60).

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28 Ele tratou também de como deveria ser a educação das meninas e como as mães deveriam cria-las, pois uma família conduzida por uma mãe mal-educada estaria fadada ao fracasso, além disso, se ela não educasse bem sua filha, ela se tornaria preguiçosa e má:

Por esta leviandade de espirito, como lhes falta a instrusaõ, que inspira a virtude, se acostumaõ a falar muito, e pelo demaziado uzo de conversasões inuteis, naõ podem fazer as reflexões, que em muitas ocaziões, as fariaõ guardar silencio; e pasanco com este ábito para o matrimonio, em lugar de regular o trabalho das coizas domesticas, elas saõ as que desordenaõ as familias e arruinaõ as cazas, vindo desta sorte a entrar nelas uma grande parte dos bons, ou maus costumes de quazi todo o mundo; porque asim como uma Maen de familia judicioza, prudente, e cheia de religião, é a alma de uma grande caza, e põe em movimento a saude, e felicidade dela; da mesma sorte veremos, se lermos a Istoria, que as desordens dos filhos e das filhas procedem de ordinario da má creasaõ, que lhes deraõ suas Maens nos tenros anos; e das paixões, que lhes inspiraõ outras mulheres na maior idade, igualmente mal educadas. (ESTATUTOS DO RECOLHIMENTO, 1798, p. 62-63).

As filhas deveriam ser criadas de modo que suas perguntas não fossem consideradas inoportunas, para que elas pudessem aprender as coisas desde que aprendessem a falar. Além disso, deveriam aprender desde muito novas que a mentira é algo ruim e prejudicial e que elas deveriam dizer sempre a verdade.

É interessante destacar que Azeredo Coutinho acreditava que a educação de cada um deveria ser proporcional as tarefas que deveriam realizar. Desse modo, ele atenta para a educação das meninas que se tornariam mães de família:

A Siencia das mulheres, asim como a dos ómens, deve ser proporcionada aos seus empregos: a diferesa das ocupasões é a que fas a dos seus estudos. A instrusaõ mais solida é aquela, que ensina a saber o modo, com que se fazam as coizas, que saõ necesarias para a vida umana; por ser d’aî donde se tiraõ os maiores intereses. A instrusaõ, que propriamente pertence ás mulheres, deve ser regulada segundo seus estados: as que se destinaõ para Religiozas aõde ser instruidas na mortificasaõ da propria vontade; na inteligencia da lingoa latina, e canto de muzica para o exercicio cotidiano do Côro, onde devem gastar a maior parte de sua vida.

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Aquelas porém que naõ aspiraõ a vida dos claustros; mas sim aõde fazer a sociedade, e a propagasaõ das familias na vida conjugal, devem ser instruidas na particular siencia de viver em pás com seus maridos; de educar os filhos na virtude, e administrar com economia o governo das suas cazas. Naõ saõ estreitos os limites desta siencia, como muitos julgaõ, querendo-a fazer propriedade natural do sexo. E’ muito mais fácil acostumar-se a um exterior afetado, a discorrer sobre módas, e a exercitar-se em pequenas galanerias nas conversasões politcas, do que instruir-se na virtude, e na economia para saber governar bem uma familia, que é uma pequena Republica. (ESTATUTOS DO RECOLHIMENTO, 1798, p. 86-87).

Sendo a casa “uma pequena república”, caberia à mãe saber governá-la com sabedoria. Ela deveria aprender a lidar com os criados com respeito, mas sem dar confiança demais, para que não perdessem o respeito e deixassem de obedecer. Caberia à mãe ensinar aos filhos e escravos o amor que prega a religião, agindo de acordo com aquilo que prega; deveria ser exemplo a ser seguido por todos dentro de sua casa. As meninas deveriam aprender que o trabalho tem muito valor e que a ociosidade levava a maus hábitos e os conflitos deveriam ser evitados para que pudesse existir paz dentro de casa.

As educandas deveriam ter noção de economia, pois no governo do lar deveriam saber lidar com as despesas e ganhos de uma casa, compras a fazer, contas a pagar, etc.; ela teria de aprender a não pender para os extremos: nem gastar demais, que fizesse sua família pobre; nem economizar de mais, para que não faltassem artigos para sua família. Ela deveria saber controlar o espírito, saber identificar e acabar com conflitos, e trazer voz à razão.

As educandas deveriam aprender a agradar com os dotes da alma e não com os dotes do corpo, pois isso as faria feliz e também a seus maridos. O autor escreveu que as meninas deveriam aprender “a praticar esta grande arte de prender a seus maridos,

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30 e a seus filhos, como por um encanto, sem que eles percebaõ a maõ, que os dirige, nem a cadeia, que os prende.” (ESTATUTOS DO RECOLHIMENTO, 1798, p. 109)

Quanto aos Estatutos do Seminário, na terceira parte Azeredo Coutinho tratou da educação que deveriam receber os rapazes. Ele elencou as matérias a serem ensinadas e como o professor de cada disciplina deveria agir. As primeiras coisas que os meninos deveriam aprender eram as mesmas que as meninas aprendiam: a arte de ler, escrever e contar – que para os meninos era dividida em mais disciplinas, para que se aprofundassem mais.

Os meninos deveriam aprender primeiro a ler, entender as letras, a pontuação e a gramática; aprender a pronunciar bem as palavras e emitir os sons com clareza; depois disso, escrever os caracteres com clareza e perfeição; após aprender a escrever os caracteres, deveria aprender aritmética e as operações que mais eram usadas, quais sejam somar, diminuir, multiplicar, repartir e regra de três. Ao mesmo tempo em que aprendia essas coisas, deveria ter aulas que os instruísse na Doutrina Cristã, por meio de compêndios apropriados e de linguagem clara.

Os meninos deveriam ainda ter aulas de canto, nas quais não aprenderiam apenas a cantar, mas também a escrever partituras musicais e todas as suas regras. Quando seus estudos de leitura e escrita estivessem avançados, deveriam ter aulas de gramática portuguesa e latina, divididos em três classes, segundo o nível de seu conhecimento, começando com lições fáceis, “para se acostumarem”, e elevando-se o nível de dificuldade com o passar do tempo.

Findadas as lições de gramática, os rapazes deveriam começar a aprender retórica, analisando as grandes obras e aprendendo sobre os diversos estilos de escrita; o mesmo professor de retórica ensinaria História, história universal no início,

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31 os entender a cronologia, os mapas e os fatos mais importantes, principalmente os relativos a Portugal.

Deveriam aprender também Filosofia, que era a ciência de entender as coisas por suas causas e efeitos; esta, se dividia em Moral, Natural e Racional. O professor deveria ensinar na disciplina o que era Lógica, Metafísica e Ética, que se desdobravam nos estudos dos “conhecimentos humanos, juízos, Discursos, Crítica, Hermenêutica, Ontologia, Psicologia, Teologia Natural, regras e princípios das ações morais, virtudes e ofícios dos homens”, sendo “tudo por meio de compêndios modernos e de linguagem clara”. (ESTATUTOS DO SEMINÁRIO, 1798, p. 115),

O ensino da Geometria deveria ocorrer após o ensino da Aritmética, quando o aluno já conhecesse os números e as operações básicas; depois disso viria a Trigonometria. O professor não deveria ensinar apenas a teoria, mas mostrar como esse conhecimento poderia ser aplicado à prática.

Azeredo Coutinho prescreveu também o aprendizado da Teologia, que se dividia em Teorética ou Especulativa, e em Prática ou Moral. A primeira deveria ensinar as verdades da religião, e a segunda, formar os costumes dos cristãos. Eles deveriam aprender também sobre a história eclesiástica e todas as ramificações da Teologia, entendo os fatos do passado da Igreja, assim como os grandes nomes.

Azeredo Coutinho encerra os Estatutos do Seminário afirmando que seus preceitos deveriam ser cumpridos, e que se algo não fosse providenciado como devido, deveria seguir as instruções do regulamento da Universidade de Coimbra.

A partir da análise dos dois documentos, percebemos que a sua estrutura é basicamente a mesma e que a organização das instituições também ocorria de forma bastante similar, diferenciando a educação recebida pelas meninas e pelos meninos, já que as primeiras recebiam uma educação voltada para os cuidados com a família e o

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32 lar e os outros recebiam uma educação científica mais aprofundada, de acordo com as funções que realizavam dentro da sociedade.

Devemos nos lembrar que a sociedade brasileira colonial não deve ser comparada com a nossa sociedade atual, pois são contextos totalmente diferentes. Coutinho fala sempre em receber a educação de acordo com a função exercida e, podemos perceber que os ensinamentos recebidos pelas meninas realmente são muito mais voltados para o tratamento com as pessoas, elas aprendiam como se portar, como agir e diferentes formas de pensar para que pudessem lidar com as pessoas, enquanto os meninos recebiam apenas o ensinamento científico e o básico do convívio em sociedade.

Em diversas passagens notamos a preocupação de Coutinho com a educação das meninas e isso ocorre porque ele acreditava que elas eram as verdadeiras governantes da sociedade, mas não de forma política e sim “por trás dos panos”, pois elas governavam seus maridos e filhos e como Coutinho afirmou em uma passagem já mencionada, as mulheres deveriam aprender a governar seus maridos sem que eles percebessem que estavam sendo controlados.

Com essa análise chegamos a conclusão de que a mulher de forma alguma exercia uma posição inferior ao homem ou uma posição secundária, segundo Azeredo Coutinho ela exercia apenas uma função diferente e que não era menos importante e, se levarmos em consideração os efeitos que o descontrole e falta de educação (formal/religiosa) poderia causar em uma mulher, sua posição e função poderiam ser consideradas superior à dos homens e não inferior ou humilhante, como muitos trabalhos atuais afirmam.

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33 Bibliografia

ALGRANTI, Leila Mezan. Honradas e devotas: mulheres da colônia. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1999.

ALVES, Gilberto Luiz. Azeredo Coutinho. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 2010.

___________. (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006.

Estatutos do Seminário Episcopal de N. Senhora da Grasa da Cidade de Olinda de Parnambuco: ordenados por D. Jozé Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho XII Bispo de Parnambuco do Conselho de S. Magestade Fidelissima fundador do mesmo seminário. Lisboa: Typografia da Acad. R. de Siencias, 1798.

Estatutos do Recolhimento de N. Senhora da Glória do Lugar da Boavista de Parnambuco: ordenados por D. Jozé Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, Bispo de Parnambuco do Conselho de S. Magestade Fidelissima. Lisboa: Tipografia da Acad. R. de Siencias, 1798.

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 1977.

LOPES, Eliane (Org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.

SOUZA, Laura de Mello e (org.). História da Vida Privada no Brasil: cotidiano e vida privada na América portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.

SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Cultura no Brasil colônia. Petrópolis: Editora Vozes, 1981.

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34 As representações do medo nos planetas dos macacos

Carlos Alberto Plath Junior (LERR/DHI/UEM) Vanda F. Serafim (PPH/UEM)

Resumo: A presente comunicação, tem como objetivo apresentar uma discussão elaborada a partir do Projeto de Iniciação Científica “Escatologia e História: Considerações metodológicas sobre o filme O Planeta dos Macacos (1968)”. Nos atentaremos às modificações ocorridas nas justificativas fílmicas para a extinção humana, presente nos filmes Planeta dos Macacos (1968) e Planeta dos Macacos a Origem (2011). Dirigidos pelos diretores, Franklin J. Schaffner com o filme de 1968 e Rupert Wyatt com o de 2011. Cada obra cinematográfica faz parte de um contexto diferente, e assim, representam diferentes justificativas. Entendidos pela História Cultural como formas de “representações coletivas”, os filmes constituem-se como objetos de estudo, na medida em que permitem identificar o modo como diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída, pensada e dada a ler (CHARTIER, 1990). Nesse sentido, podemos indagar quais realidades as tramas cinematográficas pretendem construir e ao trabalhar com ideia de futuro e fim do mundo, quais “paisagens do medo” (TUAN, 2005) são projetos nos momentos de produção dos filmes sobre as formas de destruição e extermínio da raça humana. Sendo assim, partiremos de autores como Yi-Fu Tuan (2005) e Jean Delumeau (1989) para pensar o medo e como ele é construído frente determinada “paisagem” (TUAN, 2005) e como as mentalidades representam os medos escatológicos em diferentes contextos. Para analisar metodologicamente a obra, partiremos de autores como Marcel Martin (2005), Sandra Pesavento (2008) e Marcos Napolitano (2008).

Palavras-chave: Representação; medo; extinção humana; Planeta dos Macacos.

Introdução

Com o advento da Nova História, objetos de estudo que não possuíam grande relevância pelos profissionais da área até então, passaram a ser aceitos no meio acadêmico e nos estudos científicos, edificando novas discussões e possibilitando produções acerca de inúmeras temáticas inéditas. Desta maneira, por meio da História

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35 Cultural, cinema e ficção científica são viáveis na medida que podem ser compreendidos como “representações coletivas”, estas que nos indicam como uma determinada realidade social pode ser compreendida e analisada frente ao seu contexto (CHARTIER, 1990).

Ao observarmos o medo da escatologia e como ele é representado nos filmes Planeta dos Macacos (1968) e Planeta dos Macacos a Origem (2011), conseguimos perceber diferenças em suas justificativas, estas que são dadas frente as “paisagens do medo” existentes no momento de elaboração dos filmes (TUAN, 2005) e projetadas em um futuro escatológico pautados no presente (DELUMEAU, 2005). Partindo disso, nesta comunicação, tentaremos apontá-las e explicá-las, utilizando os seguintes autores: Yi-Fu Tuan Paisagens do medo (2005) ,Jean Delumeau em a História do Medo no Ocidente 1300-1800 (1978), e por fim Zygmunt Bauman e o Medo Liquido (2006).

Utilizando os seguintes autores na metodologia, Marcel Martin (2005), Sandra Pesavento (2008) e Marcos Napolitano (2008), apontaremos qual método de análise cinematográfica utilizamos para os filmes em estudo. Feito isto, abordaremos quais resultados encontramos ao mapearmos os filmes relevantes para a compreensão do medo e suas mudanças ao decorrer da história. Sempre nos atentando aos filmes como produções estadunidenses que representam não somente os medos de seu país, mas mundiais, uma vez que abordam temas que preocupam a humanidade.

Metodologia

As fontes documentais escolhidas para estudo são os filmes Planeta dos Macacos (1968) dirigido por Franklin J. Schaffner com uma duração de 112 minutos, e Planeta dos Macacos a Origem (2011), dirigido por Rupert Wyatt, durando 110 minutos.

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36 Ambos produzidos nos EUA pelas empresas 20th Century Fox, o filme de 1968 também foi produzido pela APJAC Productions.

O primeiro filme retrata o personagem George Taylor (Charlton Heston), um astronauta americano que viaja por séculos em estado de hibernação, ao acordar, ele e seus companheiros estão em um planeta dominado por macacos, no qual os humanos são tratados como escravos e nem mesmo possuem o dom da fala. Já o segundo filme retrata o planeta terra na atualidade, onde cientistas estão desenvolvendo um vírus capaz de curar o Alzheimer, estimulando a capacidade humana de raciocinar. Para tanto utilizam chimpanzés para os testes, estes que passam a adquirir raciocínio e consciência. Ao decorrer da história, o vírus acaba se transformando no meio de extermínio da humanidade, na mesma medida que transforma símios em seres com capacidades intelectuais humanas.

Nesta perspectiva, partindo da categoria de ficção científica e utilizando-se, entre outras, da obra do Napolitano (2008) entendemos que o cinema é compreendido enquanto uma fonte primária para o historiador, afinal, a sua maneira, apresenta aspectos da realidade, seja por meio de representações futurísticas ou de fatos históricos.

Entendendo as imagens enquanto linguagem, observamos que elas criam universos paralelos que possuem sinais próprios e verdades únicas que representam a realidade de nosso mundo. Sendo criadas por indivíduos, apresentam a visão de mundo por parte de seu criador, porém elas geralmente possuem destinatários, financiadores e equipes que auxiliam na elaboração. Logo este grupo de indivíduos tem uma importância fundamental, pois além da visão do autor, existe a do leitor, de quem custeou, dos produtores e outros que exerceram influências na produção das imagens. (PESAVENTO, 2008)

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37 Se observamos a produção de filmes, perceberemos uma intencionalidade em cada aspecto de sua elaboração, que vão desde a escolha da música de fundo, o posicionamento da câmera, a atuação do ator ou da atriz. Estes aspectos e outros da elaboração fílmica são carregados da intencionalidade dos criadores da obra. É preciso, então, o historiador compreender como isto se deu, e assim buscar a intencionalidade dos produtores. (MARTIN, 2005)

Tão importante quanto perceber a intencionalidade da produção de um filme, para estudá-lo cientificamente, é compreender a “natureza representacional” (NAPOLITANO, 2008.p. 238). Ou seja, o que está sendo representado, que evento ou fato histórico o filme contém em sua elaboração ou no seu teor fílmico, aquilo que poderíamos dizer que se mantém escondido na obra. (NAPOLITANO, 2008)

Porém como expõe o autor Napolitano (2008), o documento que no caso é a imagem, é dotado de significado próprio e o historiador ao estudá-lo precisa entendê-lo enquanto representação de algum aspecto de seu tempo, e estabelecer o contexto em que se deu tal documento, para assim perceber os propósitos de sua produção diante da realidade e de outros documentos contemporâneos ao estudado. E analisando as interpretações já existentes, elaborar uma própria, conforme as possibilidades do mesmo.

“As imagens não são um duplo do real, mas o atestado de intenções e sensibilidades, fruto de um olhar sobre o mundo em determinada época.” (PESAVENTO, 2008.p.110) Pensando imagem enquanto um fruto de seu tempo, percebemos que elas mostram totalidades do seu contexto de produção, mas também aspectos simples e subjetivos, “sutilezas de minúcias que, como postula Carlo Ginzburg (1990) compõem um paradigma indiciário, potencializando a interpretação.” (PESAVENTO, 2008.p.107).

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38 Resultados

Tuan (2005) expõe que o medo possui inúmeras paisagens, ele é sentido por indivíduos, podendo ser particular, interpretado e sentido de forma única ou em comunidade.

Sendo causado por um ambiente de conflitos ou de tranquilidade, em cada fase da vida do indivíduo há a existência predominante de um tipo especifico de medo, ocorrendo a alteração de acordo com o meio de vivência do ser. Ou seja, o contexto em que a pessoa ou comunidade se encontra pode influenciar o medo tanto individual quanto coletivo (TUAN, 2005).

Tudo aquilo que se relaciona ao desconhecido como estranhos e experiências não vivenciadas são causadoras do sentimento em estudo. O medo do futuro e da sua mortalidade, ou de um desastre natural são exemplos disso. Não saber o que irá acontecer nos próximos momentos é uma forma de entender o medo. Isto somando as diferentes paisagens do medo, conseguimos observar tal sentimento na individualidade e assim soma-lo no conjunto das comunidades humanas (TUAN, 2005).

O ser humano toma qualquer medida para se afastar do medo e não vivenciá-lo. Delumeau (1989) compara o medo a uma tempestade que surge do nada e causa destruições, que em muitos casos são impossíveis de serem medidas. Porém muitas vezes o homem precisa enfrentar seus problemas, pois não há alternativa, ele passa a aprender a lidar com seus medos, pois é necessário que este cumpra a sua missão. Mas neste momento em que este ser está passando por problemas e pelo sentimento citado, preferiria estar fazendo ou vivenciando qualquer coisa, menos tal situação angustiante.

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ISSN: 2359-3067

39 Para o autor o medo se dá de objetos, situações e pessoas que lhe são desconhecidos. E mesmo depois de conhecê-los, o sentimento continua podendo ou não mudar de intensidade. Afinal a memória não se deixa esquecer, e através da história oral ou escrita perpassa as gerações. Geralmente causado por aquilo em que o indivíduo não possui nenhum poder de exercer ou controlar, o medo existe sobre o que é incontrolável, ou passa a sensação disso.

Por meio das produções literárias fantásticas indivíduos conseguem expressar, e assim justificar os medos. Tal construção fictícia se dá baseada na realidade. Quando as populações sentiam o medo de determinada coisa ou situação, os fatos gerados pelas vivências e experiências desses indivíduos refletiam em suas atitudes, logo os escritores ou contadores de história percebiam a grandeza de tal situação, passavam a reproduzir os ocorridos, acrescentando, ou não, fatos fictícios as suas obras, difundindo o pavor, que já existia em uma categoria menor de expressão, com mais força, tornando-o mais presente e intenstornando-o ntornando-o ctornando-otidiantornando-o (DELUMEAU, 2009).

Ao escrever sobre o período histórico medieval, Delumeau (1989) aponta a existência da prática de previsões do futuro, geralmente catastróficas, de proporções bíblicas. Estas previsões estão intrínsecas ao contexto do momento em que foram elaboradas perpassando as crenças das populações e suas expectativas.

Durante os séculos XV e XVI o discurso apocalíptico estava com maior intensidade. “Esses terrores, mais reais do que os do ano Mil transpuseram o corte artificial estabelecido entre Idade Média e Renascença” (DELUMEAU. 1989. p. 207). Tenha sido as mudanças perceptíveis nas características do contexto, a alteração lenta da ordem medieval tal qual ela era caracterizada, o discurso renascentista, ou outro motivo, fez com que neste momento da história houvesse maiores números de discursos apocalípticos. Ao longo dos séculos XIII e XIV a existência das previsões apocalípticas

Referências

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