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Construções discursivas de D. Leopoldina na Historiografia. Convergências e. contrastes em alguns projetos de construção da Identidade Nacional.

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Academic year: 2021

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Construções discursivas de D. Leopoldina na Historiografia. Convergências e contrastes em alguns projetos de construção da Identidade Nacional.

Nathália Nicácio Ganzer1

Quando falamos nos estudos linguísticos aplicados no Brasil, mais precisamente

em suas variantes, logo pensamos em Foucault. Apesar de totalmente equivocados para uns e apenas insuficiente para outros, a análise do discurso de Foucault está no centro das preocupações téoricas. (Foucault e o Realismo Crítico. Impasses e perspectivas na contrução de uma Linguística Aplicada Crítica, de Luiz Barros Montez – UFRJ).

Contudo, proponho em meu trabalho de Iniciação Científica uma análise que não rejeita de maneira nenhuma a análise de discurso de Foucault, mas que dialogue com o discurso como mudança social, de acordo com Norman Fairclough, visto que, para Foucault, o discurso é secundário aos sistemas de poder (Disciplina e Poder – 1979), assertiva esta questionada por Fairclough.

Se para Foucault, a disciplina e a confissão (1981) são técnicas que trabalham sobre os corpos, isto é, afetam as formas normalizadas de controle sobre as disposições, sobre os hábitos e os movimentos do corpo, a moderna tecnologia da disciplina é engrenada para produzir o que Foucault chama corpos dóceis, que são adaptados às demandas das formas modernas de produção econômica. Dessa forma, o poder disciplinar produz o indivíduo moderno. Indo mais além, Foucault sugere que, em termos de linguagem, a identidade social da pessoa afetará a forma como ela usa a linguagem. Contudo, a obra de Foucault sugere um sujeito praticamente aprisionado nas

1 Trabalho apresentado na XXXI Jornada Júlio Massarani de Iniciação Científica, Artística e Cultural da UFRJ, em outubro de 2009.

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malhas discursivas pré-existentes, e sugere pouca ou quase nenhuma possibilidade das práticas discursivas trasnformarem as estruturas existentes – e, por conseguinte, a própria construção de uma identidade social.

Fairclough, ao pôr em questão a gênese e a consolidação destas estruturas, sugere o oposto de Foucault:

Eu gostaria de sugerir que as estruturas são reproduzidas ou transformadas, dependendo do estado das relações, do equilíbrio do poder, entre os que estão em luta num domínio sustentado particular de prática, tal como a escola ou o lugar de trabalho (FAIRCLOUGH, 2001: 84-85).

Dessa forma, diferentemente do que ocorre na obra de Foucault, para Fairclough os sujeitos sociais constituídos não são meramente posicionados de modo passivo, mas são capazes de agir como agentes e, entre outras coisas, de negociar seu relacionamento com os tipos variados de discurso a que eles recorrem. Para este, o discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social, seja direta ou indiretamente, moldando e/ou restringindo as suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes.

O discurso não é, portanto, apenas uma mera representação do mundo, mas inclusive, uma prática de significação do mundo, constituindo-o e construindo-o em significado. Além disso, ele contribui para a construção das relações sociais entre as pessoas, para a construção de sistemas de conhecimento e crença e, principalmente, para a construção do que Fairclough denomina como “identidades sociais” e “posições de sujeito” na vida social.

É nesse contexto que proponho uma análise específica, não exclusivamente historiográfica, mas linguística aplicada, que dê conta das motivações ideológicas por

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trás de cada discurso da história da Independência e do papel de Leopoldina naqueles eventos, bem como a sua participação no projeto de construção da identidade nacional.

Primeiramente, é importante salientar que, a partir do momento em que o Brasil proclamou a independência de Portugal, em 1822, colocou-se como projeto intelectual e ideológico, e, por conseguinte discursivo, definir a nova nação que surgia em termos identitários. O Brasil passou a precisar de uma história própria.

Isto implicava a definição do que seria o “brasileiro”, como indíviduo e como povo, a descrição de um passado comum e a projeção de um destino comum aos nacionais. Era preciso, portanto, definir e dar contornos à cultura brasileira e qualificar um projeto de “civilização” para o país.

Neste projeto de construção discursiva de uma história do Brasil, D. Maria Leopoldina, figura central na Independência, ao lado de D. Pedro I, representa uma figura problemática. Não somente por sua condição de estrangeira, mas principalmente por ser filha de Francisco I (Franz I), o mais importante representante da aristocracia européia à época. As construções discursivas de Leopoldina nos discursos da história desde os dias da Independência até os nossos dias são, por conseguinte, heterogêneas, porque atendem a projetos específicos determinados por cada momento em que foram produzidas discursivamente.

Trago, a título de exemplos, o romance da escritora austríaca Gloria Kaiser, Dona Leopoldina, uma Habsburgo no Trono Brasileiro (Dona Leopoldina: Die Habsburgerin Auf Brasiliens Thron), escrito em 1994 e traduzido no Brasil em 1997 e o livro da historiadora brasileira e doutora em ciência política Isabel Lustosa, D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter (2006).

Já o título do romance de Gloria Kaiser reitera a problemática ideológica que apontamos, que é a dos brasileiros termos o nosso destino histórico influenciado e,

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como no caso da Independência, até comandado por uma descendente da dinastia Habsburgo. É importante salientar que essa dinastia reinou na Áustria de 1281 até 1918, o que torna dispensável esclarecer sobre as origens absolutistas de D. Leopoldina.

Nesse romance, baseado em documentações históricas, Gloria Kaiser, enquanto historiadora, acentua o papel preponderante de Leopoldina na preparação da ruptura com Portugal:

Hoje é dia 2 de setembro de 1822, nós, brasileiros, estamos reunidos aqui para decidir sobre o futuro de nossa pátria. Que o Primeiro-Ministro leia a decisão do Conselho de Estado, a qual assinarei com força de lei, em substituição ao Príncipe Regente, meu amado esposo. (...) O Brasil fez de tudo para permanecer unido à metrópole em condições de igualdade. Portugal, porém, não se abstém dos planos de novamente lançar o Brasil na pior dependência econômica (…) (KAISER, 1997: 216)2

Contudo, Isabel Lustosa centra o processo de Independência na figura de D. Pedro I. Apesar de a escritora reconhecer a atuação de Leopoldina no dia do “Fico”, no capítulo 4 da parte 5, “A Independência e a Bonifácia”, o seu papel é deixado em segundo plano. A única referência a Leopoldina neste capítulo é justamente sobre a carta que ela redige a Pedro juntamente com José Bonifácio enquanto Pedro ainda está em São Paulo. Nessa carta, Leopoldina infere o quão a presença de Pedro é importante para a salvação do país.

É preciso que voltes com maior brevidade; esteja persuadido de que não é só amor, a amizade que me faz desejar, mais que nunca, a sua pronta presença, mas sim as críticas circunstâncias em que se acha o amado Brasil; só a sua presença, muita energia e rigor, para salvá-lo da ruína. As notícias de Lisboa são péssimas. (LUSTOSA, 2006: 152)

Logo após esse trecho da carta de Leopoldina, Isabel Lustosa prossegue em seu capítulo que trata da Independência sem fazer mais nenhuma referência a Leopoldina,

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inclusive sem mencionar que ela já havia assinado a Indepêndência no dia 2 de setembro de 1822, e que D. Pedro recebeu esse documento apenas no dia 7 de setembro do mesmo ano, proclamando assim a Independência.

Quando recebeu esses documentos, às margens do riacho Ipiranga, d. Pedro, tomado de fúria, amarrotou-os e pisou-os (...) Depois, “abotoando-se e compondo a fardeta”, ele se reuniu com sua sua guarda e declarou: “Amigos, as Cortes portuguesas querem escravizar-nos e perseguem-nos. De hoje em diante, nossas relações estão quebradas. Nenhum laço nos une mais.” (LUSTOSA, 2006: 152-153).

É nesse contexto que podemos observar uma disputa em termos discursivos no romance de Glória Kaiser e no livro de Isabel Lustosa. Podemos inferir que a escolha da carta de Leopoldina a Pedro no processo de constituição discursiva da Independência do Brasil elaborado por Lustosa não foi por acaso. Não foi por acaso que ela escolheu colocar Leopoldina como uma figura frágil que precisava da presença do marido, não só pela falta que este fazia a ela, mas principalmente, para que este salvasse o país. Da mesma forma, também não foi por acaso que Gloria Kaiser escolheu colocar em seu romance a importância que teve Leopoldina ao assinar a Independência do Brasil.

Esses contrastes podem ser analisados através de diferentes pontos de vista, no que concerne não só à diferente nacionalidade das escritoras e historiadoras, mas inclusive, às circunstâncias políticas e ideológicas vividas por elas enquanto elaboravam seus discursos. Vemos, por exemplo, no romance de Kaiser, e, por conseguinte, em seu discurso, que esta atuava como intérprete cultural entre o Brasil e a Áustria na época, já que havia fixado residência em Salvador e tinha como base de sua pesquisa as correntes migratórias de língua alemã no Brasil. Além disso, a questão da transculturalidade é uma marca presente no discurso da escritora, visto que, apesar de ela mostrar a contribuição que teve Leopoldina no processo de Independência de Portugal, Kaiser ao

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longo do romance, mostra as duas culturas (austríaca e brasileira) caminhando lado a lado, num contínuo intercâmbio, tanto por parte dos brasileiros que conheceram e conviveram com Leopoldina, quanto pela própria Leopoldina que conheceu, conviveu e até aderiu a alguns hábitos dos brasileiros da época.

Isabel Lustosa, por sua vez, apesar de dar um imenso passo ao chamar D. Pedro de “herói sem nenhum caráter”, tornando-o um tipo “Macunaíma”, ainda não propõe uma ruptura com o esquema historiográfico clássico no Brasil, pois relega Leopoldina a segundo plano, à medida que, enaltece as características e a participação de D. Pedro, de acordo com o projeto do século XIX, de uma história do Brasil que tinha como objetivo enaltecer os vultos pátrios, de acordo com as Indicações sobre a história nacional, publicadas por Alencar Araripe na revista do Intituto Histórico e Geográfico em 1894. Além disso, essa proposta também visava realçar os feitos de homens extraordinários, criando desa forma, uma mítica nacional. Isso, com certeza, implica acordos que refletem na elaboração de seu discurso. Nesse contexto, é importante salientar a baixa ou nenhuma atuação de Leopoldina no processo de Independência nos livros didáticos de História do Brasil.

Dessa forma, portanto, sugiro que reflitamos sobre os aspectos e alternativas dessa disputa como algo determinado pelas circunstâncias políticas e ideológicas do presente e do futuro, de acordo com a idéia foucaultiana. Acredito que a história do Brasil ainda seguirá algum caminho nesse aspecto, que pode ser diferente do atual ou que sancione nacionais coagulados pela tradição conservadora. Entretanto, de acordo com Fairclough, acredito que a opinião do público, bem como o seu discurso e as circunstâncias sociais do momento irão decidir sobre qual identidade os brasileiros atribuirão à Leopoldina.

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Bibliografia:

FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília: Editora UNB, 2001. FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir, História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Editora Vozes, 1987

---. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 2009.

KAISER, Gloria. Dona Leopoldina: uma Habsburgo no trono brasileiro. Trad. Christiane Rupp. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

LUSTOSA, Isabel. D. Pedro I: um herói sem nenhum caráter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

MONTEZ, Luiz Barros. “Foucault e o Realismo Crítico: Impasses e perspectivas na construção de uma Linguística Aplicada Crítica”. In: Anais da XII Conferênia Anual da Associação International para o Realismo Crítico/IACR. Rio de Janeiro: UFF, 2009. URL: http://www.uff.br/iacr/

Referências

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