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FUNDAÇÃO ESTATAL DE SAÚDE DA FAMÍLIA FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

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FUNDAÇÃO ESTATAL DE SAÚDE DA FAMÍLIA

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE DA FAMÍLIA

FERNANDA AMORIM HELFENSTEIN

A qualificação do cuidado através da desmistificação da atuação

do cirurgião – dentista na saúde pública:

memorial

descritivo-reflexivo.

Camaçari-BA

2019

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FERNANDA AMORIM HELFENSTEIN

A qualificação do cuidado através da desmistificação da

atuação do cirurgião – dentista na saúde pública:

memorial

descritivo-reflexivo.

Trabalho de conclusão de Residência apresentado por Fernanda Amorim Helfenstein durante Residência integrada Médica e Multiprofissional de Saúde da Família da Fundação Estatal de Saúde da Família e Fundação Oswaldo Cruz (FESF-SUS-Ba/ Fiocruz) como requisito para obtenção do título de Especialista em Saúde da Família.

Orientador: Sóstenes Conceição dos Santos

Camaçari-BA

2019

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FERNANDA AMORIM HELFENSTEIN

A qualificação do cuidado através da desmistificação da atuação

do cirurgião – dentista na saúde pública:

memorial

descritivo-reflexivo.

Relatório final, apresentado a Fundação Estatal de Saúde da Família e Fundação Oswaldo Cruz (FESF-SUS/Fiocruz), como parte das exigências para a obtenção do título de Especialista em Saúde da Família.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Orientador: Sóstenes Conceição dos Santos

Camaçari - BA

2019

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar agradeço a Deus por ter iluminado minhas decisões e escolhas no momento de dúvida e incerteza, a sua infinita sabedoria por ter trilhado meus caminhos para saúde pública, o que me possibilitou, reencontrar-me profissionalmente, descobrindo uma odontologia para além da boca e, da saúde para além da cura. A minha família por todo apoio e companheirismo vocês me deram forças para chegar ao meu objetivo. Aos meus amigos e noivo, por sempre estarem ao meu lado em todas as circunstâncias. Aos meus preceptores e apoiadores que foram capazes de transmitir seus conhecimentos para que eu aprimorar-se os meus, em especial minha preceptora Thaíse e meu orientador/apoiador Sóstenes, que sempre estavam solícitos a ensinar, ajudar e construir juntos, meus sinceros agradecimentos. A Unidade de Saúde da Família Parque das Mangabas com todos os seus profissionais, bem como o território de Mangabas e toda a comunidade adscrita, por terem sido uma verdadeira escola, além de me acolher, me deram a oportunidade de me qualificar, eternamente serei grata por terem confiado em mim, tenho orgulho de ter feito parte da história de vocês. Aos meus colegas e amigos que construir na residência, em especial Ricardo, Bruna e Lívia, minha caminhada não teria sido a mesma sem vocês, obrigada pelos abraços, risadas e principalmente pelo laço de amizade que construímos, tenho certeza que trabalhamos tão bem por termos sempre uns aos outros, vocês moram no meu coração. Finalizo essa etapa profissional, na certeza que levarei por onde for, não só o tratamento clínico aos meus pacientes, mais um cuidado integral, que vise muito além da cura, que venha a trazer de volta uma das coisas mais bonitas que o ser humano é capaz de fazer, sorrir, mas sorrir não só com os dentes e sim com o corpo e com a alma. Obrigada a Fundação Estatal em Saúde da Família – FESF/FIOCRUZ por possibilitar essa vitória, e me permitir fazer muito mais pelas pessoas do que quando eu entrei na fundação.

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RESUMO

O desenvolvimento e a manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS) dependem, em grande parte, da formação de profissionais qualificados para o trabalho na saúde pública, o que constitui, ainda, um grande desafio. Apesar de alguns avanços, a formação dos profissionais de saúde ainda está distante do cuidado integral, demonstrando uma qualificação insuficiente para as mudanças das práticas orientadas pelos princípios e diretrizes do SUS. Nesse sentindo, os Programas Integrados de Residência visam a formação de profissionais qualificados que possam contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, norteados pelos princípios do Sistema Único de Saúde e da Estratégia da Saúde da Família. Tendo em vista, a necessidade de uma qualificação profissional destinada a saúde pública, o presente trabalho de conclusão de residência, teve como objetivo relatar as vivências de uma profissional de saúde graduada em odontologia durante o período da residência multiprofissional em saúde da família e a importância dessa experiência para desmitificação, capacitação e qualificação profissional. A metodologia empregada no estudo é de um memorial descritivo-reflexivo, seccionado em 5 capítulos, a saber: Capítulo I - Identificação pessoal;

Capítulo II - Formação acadêmica; Capítulo III – A residência; Capítulo IV - O primeiro ano de residência; e Capítulo V – O segundo ano de Residência. Assim, cada etapa foi

estruturada de forma cronológica, seguindo a lógica dos acontecimentos. Por se tratar de um material pessoal e subjetivo, a leitura deve ser realizada de forma leve, levando em conta que a “verdade” vivida pela autora pode não ser a mesma que você leitor teria. De todo modo, espera-se que o leitor entre no mundo da saúde pública através da leitura e consiga espera-senti o que foi essa experiência e a importância dela para o processo de autoconhecimento, desmitificação, reinvenção e qualificação pessoal e profissional.

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ABSTRACT

The development and maintenance of the Unified Health System (SUS) depends to a large extent on the training of qualified professionals for work in public health, which is still a great challenge. Despite some advances, the training of health professionals is still far from comprehensive care, demonstrating insufficient qualification for changes in practices guided by SUS principles and guidelines. In this sense, the Integrated Residency Programs aim at the formation of qualified professionals who can contribute to the reorientation of the care model based on basic care, guided by the principles of the Unified Health System and the Family Health Strategy. In view of the need for a professional qualification aimed at public health, the present work of completion of residence, had as objective to report the experiences of a health professional graduated in dentistry during the period of multiprofessional residence in family health and the importance demythification, qualification and professional qualification. The methodology used in the study is a descriptive-reflective memorial, divided into 5 chapters, namely: Chapter I - Personal identification; Chapter II - Academic training; Chapter III - The residence; Chapter IV - The first year of residence; and Chapter V - The second year of Residence. Thus, each stage was chronologically structured, following the logic of events. Because it is a personal and subjective material, the reading should be carried out lightly, taking into account that the "truth" lived by the author may not be the same as you would have. In any case, the reader is expected to enter the world of public health through reading and get a sense of what that experience was and its importance for the process of self-knowledge, demystification, reinvention and personal and professional qualification.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ---8

2. OBJETIVOS ---11

3. METODOLOGIA ---12

4. RELATO DE EXPERIÊNCIA ---13

4.1. Capítulo I – Identificação pessoal ---13

4.2. Capítulo II – Formação Profissional ---14

4.3. Capítulo III – A Residência ---17

4.4. Capítulo IV – O primeiro ano da residência ---19

4.5. Capítulo V – O segundo ano da residência ---34

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ---49

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1. INTRODUÇÃO

O advento do sistema público de saúde brasileiro, após décadas de luta através do Movimento da Reforma Sanitária e da VIII Conferência Nacional de saúde, teve como produto instituído pela Constituição Federal (CF) de 1988 e consolidado pelas Leis 8.080 e 8.142, o reconhecimento da saúde como um direito de todos os cidadãos e um dever do Estado e a criação do atual sistema denominado Sistema Único de Saúde (SUS). Este constituiu-se enquanto principal norteador das organizações de saúde do Brasil (BRASIL, 1986; BRASIL, 1988; CARVALHO, 2013) representando o vetor resultante da correlação de forças vigentes no período.

Em 1990, a implantação do SUS deu início à organização de um sistema de dimensão nacional, de caráter público, com princípios e diretrizes comuns em todo o território nacional. Com o intuito de normatizar e orientar a condução deste sistema aprovou-se a Lei Orgânica da Saúde em 1990, Lei nº 8.080/90 e a lei nº 8.142/90 (Brasil, 1990). Neste mesmo sentido seguiu-se a implantação das normas operacionais básicas – NOB e da assistência à saúde – NOAS.

Apesar destas conquistas, a especialização do cuidado à saúde, a distância do sujeito nos processos de cuidado e as grandes diferenças entre o que pensam os usuários, os trabalhadores e gestores da saúde têm se configurado como uma grande tensão na construção do modelo de saúde sonhado. Por vezes, esta incoerência na produção do cuidado em saúde pode representar a diminuição do acesso dos usuários ao sistema ou a sua exclusão (BATISTA et al, 2011).

O desenvolvimento e a manutenção do Sistema Único de Saúde (SUS) dependem, em grande parte, da formação de profissionais qualificados para o trabalho nesse contexto, o que constitui, ainda, um grande desafio. Embora as instituições formadoras venham implementando iniciativas de reformulação de ensino a partir de uma concepção pedagógica mais crítica e reflexiva, essas medidas convivem, ainda, com um modelo pedagógico centrado em conteúdos orientados pelo modelo biomédico, fragmentado e especializado, com valorização de procedimentos e equipamentos de apoio diagnóstico e terapêutico de alta complexidade (CECCIM et al, 2004).

Apesar de alguns avanços, a formação dos profissionais de saúde ainda está distante do cuidado integral. O perfil dos profissionais de saúde demonstra qualificação insuficiente para as mudanças das práticas orientadas pelos princípios e diretrizes do SUS. Portanto, a necessidade crescente de educação permanente para esses profissionais, com o objetivo de

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(re)significar seus perfis de atuação para a implantação e o fortalecimento da atenção à saúde no SUS é um grande desafio (BATISTA et al, 2011).

A implantação de novos modelos assistenciais, como a Estratégia Saúde da Família (ESF), eleita pelo Ministério da Saúde como estratégia prioritária da Atenção Básica, demanda uma ampliação no desenvolvimento de competências dos profissionais, tais como: trabalho em equipe, comunicação, capacidade de resolver problemas e de enfrentar as constantes mudanças da realidade, além do desenvolvimento de uma visão ampliada sobre a saúde considerando os seus determinantes sociais inerentes ao território. Assim, para a resolução dos problemas encontrados na assistência à saúde e para a qualificação do cuidado prestado aos usuários, é imprescindível qualificar os profissionais, incorporando, no âmbito da formação, o campo real da prática do dia a dia de profissionais, usuários e gestores (BARRETO et al, 1999).

Neste sentido, o Ministério da Saúde (MS), em articulação com o Ministério da Educação (MEC), ao apoiar a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN), em 2001, intensificou seu papel ordenador das políticas de formação, incentivando a formação profissional com vistas ao desenvolvimento de competências (PINHO, 2017). Na modalidade de pós-graduação lato sensu, caracterizada pela formação em serviço, o MS apoia os Programas de Residência Médica e Multiprofissional em Saúde, por sua potencialidade para a formação do novo trabalhador em saúde, contribuindo para a superação da fragmentação do cuidado e dos esquemas tradicionais do ensino superior (CECCIM, 2003; NASCIMENTO, 2010; PEREGO, 2015).

A proposta das Residências em Saúde é a articulação do trabalho com educação na saúde, criando mais um espaço de fomento, produção e consolidação de saberes, utilizando a prática como elemento norteador da formação profissional. Na ESF, essa articulação é fundamental, já que a proposta de modelo da ESF vem provocando um importante movimento de reorientação da atenção à saúde no Brasil (PINHO, 2017). O alicerce da política da Estratégia em Saúde da Família é levar a saúde para mais perto das famílias e, com isso, melhorar a qualidade de vida da população. Trata-se de uma estratégia de expansão, qualificação e consolidação da Atenção Básica – AB (BRASIL, 2006).

O Ministério da Educação credenciou, no ano de 2014, o Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da FESF-SUS/Fiocruz, respaldado pela condução de processos de formação e educação permanente em saúde, além de gestão e cuidado da FESF e a experiência em produção cientifica, desenvolvimento tecnológico e formação de recursos humanos na área de saúde por parte da Fundação Oswaldo Cruz/Centro de Pesquisas Gonçalo Moniz (CPqGM) - Fiocruz– Bahia. Caracteriza-se como um programa de formação que visa

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contribuir para a reorientação do modelo assistencial a partir da atenção básica, norteados pelos princípios do Sistema Único de Saúde e da Estratégia da Saúde da Família. Seu desenvolvimento ocorre integrado ao Programa de Medicina de Família e Comunidade da FESF-SUS.

Segundo a coordenação da FESF-SUS/FIOCRUZ-BA, o objetivo pedagógico do programa:

“... compreende que estes profissionais expostos e vivenciando a prática cotidiana dos serviços tal como ocorrerá na sua vida profissional, com o suporte pedagógico necessário associado, serão mais qualificados para a atuação no Sistema Único de Saúde (SUS) e com competência para atuarem como preceptores dos futuros residentes e graduandos de saúde. As situações concretas do trabalho, com o encontro entre os diversos atores do cotidiano dos serviços, são os principais dispositivos para a produção do processo de aprendizagem. A partir dessas vivências e apoiados por preceptores que estão nas unidades, acontecem espaços mediados por tutores, ora por núcleo profissional, ora por equipes, para que estas vivências sejam refletidas, processadas, ressignificadas e dialoguem com diversos referenciais, para uma produção coletiva de conhecimento.”

A residência multiprofissional é composta por diversas categorias profissionais: enfermagem, nutrição, fisioterapia, educação física, sanitarista, psicologia e odontologia. A inserção da odontologia nesse tipo de programa é um avanço, no processo de fazer saúde, uma vez que a visão tecnicista, especialista e biomédica é muito valorizada e cobrada tanto pelo profissional, quanto pela população. Apesar disto, desde 2002 encontram-se em vigência as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Odontologia, com o objetivo de contribuir para a adequação do ensino odontológico às atuais necessidades do SUS (BRASIL, 2002; PÉRET, 2003; SILVA, 2004, CASOTTI, 2013).

Tendo em vista, a necessidade de uma qualificação profissional destinada a saúde pública, o presente trabalho de conclusão de residência, teve como objetivo relatar, através um memorial, as vivências de uma profissional de saúde graduada em odontologia durante o período da residência multiprofissional em saúde da família e a importância das mesmas para a desmitificação da sua formação tradicional, a capacitação técnica e qualificação profissional tendo como referencial o olhar ampliado, crítico e reflexivo sobre a saúde e os sujeitos que compõem o campo da saúde pública.

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2. OBJETIVOS

Geral:

 Relatar as vivências de uma profissional de saúde graduada em odontologia durante o período da residência multiprofissional em saúde da família e a importância dessa experiência para desmitificação, capacitação e qualificação profissional.

Específicos:

 Apresentar o deslocamento formativo de uma profissional de saúde graduada em odontologia a partir da desmistificação do modelo tecnicista como modelo de saúde exemplar;

 Ratificar a importância das práticas de promoção, prevenção e vigilância à saúde;

 Explanar sobre os benefícios de profissionais de saúde qualificados para o cuidado da população a partir da experiência da Residência Multiprofissional em Saúde da Família da FESF-FIOCRUZ;

 Apresentar as potencialidades e limitações do processo formativo a partir da experiência vivenciada por uma profissional de saúde graduada em odontologia;

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3. METODOLOGIA

O presente trabalho de conclusão de residência teve seu método estruturado sobre o Projeto Político Pedagógico FESF-SUS/Fiocruz, 2018, do programa de Residência Médica e Multidisciplinar onde trás o modelo de memorial descritivo como referência metodológica. Escrito em primeira pessoa, sendo uma autobiografia, onde descrevo, analiso e critico acontecimentos sobre a minha trajetória acadêmico-profissional e intelectual, avaliando cada etapa de minha experiência vivida na Residência Multiprofissional. Tal experiência ocorre durante o período de Março/2017 à Março/2019 correlacionando com meu conhecimento prévio e experiências anteriores.

Para o desenvolvimento desse memorial, utilizei das ferramentas do Portfólio Virtual do Curso (AVA), de referências bibliográficas de autores sobre as principais temáticas e conceitos que nortearam esta vivência, dos meus sentimentos subjetivos (reflexões, angústias, inseguranças, medos, felicidades, alegrias) além dos conhecimentos que estão intrínsecos na minha formação, tanto pessoal como profissional, para descrever, relatar, e desenvolver uma análise crítica dos fatos vividos durante minha experiência na residência.

O trabalho foi estruturado, seccionando o relato de experiência em 5 capítulos, a saber:

Capítulo I - Identificação pessoal; Capítulo II - Formação acadêmica; Capítulo III – A residência; Capítulo IV - O primeiro ano de residência; e Capítulo V – O segundo ano de Residência. Assim, cada etapa foi estruturada de forma cronológica, seguindo a lógica dos

acontecimentos.

Por se tratar de um material pessoal e subjetivo, espero que a leitura seja realizada de forma leve, levando em conta que a “verdade” vivida por mim pode não ser a mesma que você leitor teria. De todo modo, espero que entrem no meu mundo através da leitura e consigam sentir o que foi essa experiência e a importância dela para o meu processo de autoconhecimento, desmitificação, reinvenção e qualificação pessoal e profissional.

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4. RELATO DE EXPERIÊNCIA

4.1. Capítulo I – Identificação pessoal

Eu para mim mesma e para os leitores

Olá, caros leitores! Me chamo Fernanda Amorim Helfenstein, solteira/noiva, 26 anos, residente na cidade de Feira de Santana-BA (FSA) e/ou, preferencialmente, na BR 324, indo e vindo do município de Camaçari-BA todos os dias. Sou natural de Salvador–BA, apesar de minha família, por parte de mãe, ser de FSA e a de meu pai, de São Paulo (SP).

Nasci em Salvador mas minhas primeiras memorias de infância são da cidade de Feira de Santana – BA, onde cresci e fui criada. Sou filha caçula de uma mãe que teve quatro filhos e criou mais dois. Minha casa sempre foi cheia, por isso barulho, bagunça, briga, divisão e diversão sempre foram acontecimentos frequentes no meu lar. Apesar de ser caçula, nunca fui mimada. Meu jeito dengoso, meigo, cuidadoso, atencioso, tímida, recatada, orgulhosa, cabeça dura e determinada já nasceram comigo.

Meus pais são casados, mas sempre conviveram com a distância. Meu pai trabalha com elétrica e teve sua vida profissional viajando. Desde pequena, me lembro dele partindo e da felicidade de quando ele chegava e podia me buscar na escola. A minha mãe é dona de casa, apesar de ter feito magistério e já ter ensinado, mas ela priorizou a família ao profissional e ficou com o papel duro de criar, “sozinha”, 06 crianças enquanto meu pai trabalhava fora para garantir nosso sustento.

Família de classe média, meus pais sempre deram o sangue para me dar boa educação. Sempre estudei nos melhores colégios particulares da minha cidade e, como forma de recompensa a eles, fui uma criança/adolescente estudiosa. Apesar de tímida, nunca tive dificuldades para fazer amigos, ou melhor, “melhores amigos”. Toda escola que ia, eu tinha meu grupinho e nada nem ninguém nos separava. Minhas amizades eu conheci no colégio, na sexta e oitava séries, e são como minhas irmãs. Sempre fui aquela que acredita que qualidade é melhor que quantidade.

Ao ingressar no segundo grau, a inquietação psicológica por parte dos familiares, colégio e pessoal começam a se voltar para o futuro profissional. Logo surge aquela pergunta: qual profissão você quer? Confesso que tinha dúvida. Sempre gostei de criança e idosos mas gostava mais ainda de cuidar. Diziam que eu tinha jeito e eu fazia por amor. Sabia que o curso de saúde seria uma das primeiras opções mas também gostava de direito. Sou uma pessoa justa,

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e a injustiça é algo que me deixa bastante chateada. Como a maioria dos estudantes, não tinha certeza do que eu queria, mas medicina e direito eram algo que passava pela minha cabeça.

Por ser muito estudiosa e dedicada, só fiquei em uma única recuperação no colégio, no segundo ano, na disciplina de inglês. Daí vocês tiram que criei um trauma com essa língua que carrego até hoje. Não tem curso que me faça entender esse idioma. Nesse mesmo ano, fiz o vestibular da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) para física e passei. Tinha o objetivo, apenas, de treinar para a prova, mas foi uma grande vitória. No meio do terceiro ano, já tinha definido minha escolha pela área de saúde (medicina) e fiz o vestibular da UEFS do meio do ano. No entanto, o curso de medicina é anual, ou seja, só tem no vestibular uma única vez no ano (fim do ano). Então fiz enfermagem e acabei passando. A pressão da família para que eu cursasse foi grande, mas não queria a enfermagem. A desvalorização do curso me fez ter uma visão negativa da profissão. No fim do terceiro ano, prestei vestibular para medicina mas, acabei não passando. Comecei então a fase do cursinho preparatório para o vestibular e, confesso que foi a pior fase que vivenciei. Odiava ir para o cursinho e contava os dias para ingressar logo na universidade. No meio do ano, novamente prestei vestibular na UEFS, dessa vez para Odontologia e acabei passando.

Minha irmã mais velha também é dentista, especialista em prótese, e minha infância foi vê-la estudando com aquelas maletas enormes e livros cheios de imagens “feias”. Até aquele momento, nunca havia pensando em cursar odontologia. Mas, a pressão da familia, social, e psicológica por não gostar do cursinho, fizeram com que eu me matriculasse.

4.2. Capítulo II - Formação Profissional

A universidade – o início da formação profissional

Ingressei no curso de Odontologia aberta a desfrutar da experiência, com medicina ainda no coração, mas com odontologia no comprovante de matricula. O curso de odontologia havia acabado de mudar seu currículo. Aumentaram o número de semestres passando para 5 anos, acrescentaram muitas disciplinas de saúde coletiva e tornaram as disciplinas integradas. Hoje consigo entender que a mudança vivenciada na grade curricular foi uma demanda da saúde pública, para capacitar os futuros cirurgiões-dentistas a atuarem no SUS. Agradeço a oportunidade que tive de vivenciar uma odontologia mais humana, integral, que valoriza a prevenção e promoção da saúde das pessoas.

Foram longos e árduos 05 anos, período integral. Saía de casa as 06h da manhã e só retornava as 20:00h. Nunca fui de ir para as festas, nem balada da faculdade. Até hoje não

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consigo entender onde fica a “perdição” que ouvimos falar da universidade. Me dediquei completamente à minha formação. Desde o segundo semestre fui bolsista de iniciação cientifica do Núcleo de Pesquisa Prática Integrada Multidisciplinar (NUPPIIM), onde atuei em vários projetos de pesquisa que tinham como foco a temática de Doença Periodontal e sua associação com Doenças Sistêmicas. Através do NUPPIIM apresentei trabalhos em congressos e consegui premiação de três. Ser bolsista foi enriquecedor para minha formação e o incentivo pela pesquisa é, com certeza, uma das melhores vantagens da universidade pública. O desejo pelo mestrado e doutorado e a vontade de ensinar advém do período que fui bolsista.

Ao longo do curso fui me apaixonando pela profissão. Talvez porque tenha pegado o currículo novo, que entendia que a odontologia não era apenas a boca do paciente. O cuidado integral da saúde do paciente era algo que nos era ensinado, cobrado e avaliado. Me lembro, como hoje, do prontuário odontológico, em torno de umas 10 páginas, sendo que as 05 primeiras eram destinadas ao estado de saúde geral do usuário.

Os estágios que aconteciam para fora da universidade eram todos em Unidades de Saúde da Família vinculadas a UEFS. No meu caso em particular, realizei meu estágio na USF da Pampalona, pelas disciplinas de saúde coletiva. Nas primeiras disciplinas, tínhamos atividades mais voltadas pra o conhecimento da saúde pública. Trabalhávamos juntos com as Agentes de Saúde, conhecendo o território, as fichas de cadastros de domicilio e cadastros individuais. A medida que íamos avançando de semestre e aprendendo mais de odontologia, íamos levando para a USF. Desenvolvemos atividades de prevenção e promoção, levantamento epidemiológico CPO-D e ceo-d, sala de espera falando dos principais agravos de saúde e da boca. Depois, passamos a acompanhar o dentista da unidade e realizamos atendimentos clínicos. Em alguns casos específicos, conseguimos até fazer o encaminhamento de alguns pacientes para UEFS para algumas especialidades.

A oportunidade de ter feito minha graduação em uma universidade pública com um enfoque na saúde coletiva ampliou meu olhar sobre a odontologia. Ao fim do curso, por mais que a busca por uma área técnica seja a cobrança dos professores e da sociedade, eu ainda não conseguia me encaixar em nenhuma especialidade. Eu gostava de cuidar, de ver meus pacientes saindo satisfeitos, com autoestima e bem-estar. Me realizava na cirurgia e na endodontia ao tirar a dor de um paciente, ou na periodontia melhorando a higiene bucal do usuário, ou na dentística e prótese ao devolver a estética do sorriso, na ortodontia e na pediatria conseguindo cuidar da dentição decídua e mudar uma mordida cruzada na ortodontia preventiva. A busca por uma área para seguir me consumiu até a minha colação de grau (02/2017), porque, apesar

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dos avanços e melhorias do meu currículo, o modelo tecnicista ainda se faz presente e dominante.

Recém-formada – sinônimo de desespero

Os pontos positivos da universidade pública se subtraem ao se deparar com as paralisações, greves, falta de material, falta de orçamento e uma gama de problemas administrativos. Como consequência desses problemas, minha turma ficou atrasada 01 ano da data prevista da formatura.

A vontade de ingressar no mercado de trabalho era tanta, que consegui o adiantamento do diploma 3 meses antes da cerimônia de colação de grau. Sem conhecimento, busquei emprego de clínica em clinica com o currículo na mão e percebi que, da porta para fora da universidade, “indicação” vale mais do que boas notas e um bom currículo. Nenhuma clinica que entreguei o currículo me ligou, mesmo eu tendo ótimas notas e muitos trabalhos apresentados em congressos premiados. Comecei então a fase de desespero, de descrença da profissão. Comecei a busca por concursos e residências, pois sabia que iria depender apenas dos meus esforços, passar ou não.

Nessa busca incessante encontrei o edital da Residência Multiprofissional em Saúde da Família. Confesso que nunca tinha ouvido falar sobre a Residência Multiprofissional. Durante a leitura do edital não consegui entender bem como se tratava o programa, mas a oportunidade parecia ser ótima. Era uma oportunidade de uma recém-formada ganhar experiência profissional, com uma estabilidade de 02 anos, e a chance de me descobrir dentro da minha profissão. Apesar de não ter conhecimento sobre o funcionamento do programa de residência acabei me inscrevendo e, me lembro como hoje, inclusive, de ter pago o boleto da prova no dia da minha formatura, após sair do salão.

Durante esse período de espera para minha formatura e para a prova de residência, consegui, por indicação de colega, emprego em 03 clinicas. Duas clinicas eram populares, atendiam por preços bem baixos e a demanda era enorme. Além disso, algumas atitudes das clinicas eram desumanas. Eu me sentia mal ao atender o paciente naquelas condições. Tudo que eu havia aprendido na Universidade, eu era “obrigada” a fazer diferente, apenas por lucro. Materiais individuais eram reutilizados, indicação de procedimentos que não haviam necessidade apenas para aumentar o orçamento, briga entre auxiliar e dentista por questões meramente orçamentarias. Eu ia trabalhar sem a mínima vontade e já estava perdendo o gosto da profissão.

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Nas clinicas eu não tinha tempo de aferir uma pressão, de saber das condições de saúde dos meus pacientes e, muito menos, de dar um atendimento humanizado para eles. Eu era apenas uma máquina, que só enxergava a boca, o procedimento e o dinheiro.

Eu estava fazendo algo que nunca imaginei fazer, e aquilo me desesperou. Refleti como o serviço gratuito que oferecíamos na UEFS e até o da USF na qual eu estagiei era muito melhor do que aquele serviço privado. Eu não sabia até que ponto aquelas clínicas, que diziam ser de saúde, estavam gerando mais doenças a população que frequentava do que a própria saúde. Não cheguei a completar nenhum mês nessas clinicas pois acabei passando, graças a Deus, na prova da residência. Mas, independentemente disso, já havia uma definição em mim: naquelas condições eu não trabalhava mais.

4.3. Capitulo III - A Residência

Me reencontrando como profissional

A minha primeira visita na coordenação da Residência se deu durante a assinatura do contrato, nessa feliz e singela visita contratual, fui informada que iria ser a dentista referência da Unidade de Saúde Parque das Mangabas no Município de Camaçari, assumindo a equipe, além de desenvolver atividades teóricas e teórico/práticas fora do horário de trabalho. Assinei o contrato da residência sem entender ao certo como funcionava o programa na área de Odontologia. Nunca tinha ouvido falar, e quando fui chamada já havia ocorrido o acolhimento aos residentes (etapa de encontro com os residentes recém chegados no qual a coordenação explica o programa e separa os residentes por munícipio e local de atuação).

Recebi o endereço do meu futuro local de trabalho, bem como o contato da preceptora de enfermagem, visto que, ainda não havia preceptor de odontologia em algumas unidades, para informa-la sobre minha chegada à Unidade de Saúde da Família Parque das Mangabas.

Tudo que pensava sobre a residência era subjetivo e Iniciei o memorial com esse subcapitulo, pois, o contrato foi algo que me marcou. Inicialmente imaginei a residência como um local de trabalho, mas era algo muito além disso, era um local de formação, mais uma formação profissional voltada para o SUS. Ao ler cada linha que estava redigida no contrato eu não conseguia entender a necessidade de me qualificar/capacitar para atuar na atenção básica e da importância de ter preceptor e apoiador, para atuar nesse espaço, um espaço que no “meu pensar” eu já era graduada e capacitada para atuar como dentista.

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Neste ponto, faço uma crítica ao programa de residência, sobre o processo de divulgação. Somos uma ferramenta de mudança, de renovação e esperança para a saúde pública e isso não é tão visto, as pessoas não ouvem falar e, quando ouvem não entendem o valor. A Residência faz um trabalho muito bonito, que vai além trabalho tecnicista, e de cumprimento de carga horária. E são essas produções, esses benefícios, esses conhecimentos, essas entrelinhas que não são ditas, mas são vividas que trago para compartilhar com vocês nesse memorial.

O cenário da prática

A Residência está alocada em 3 três diferentes municípios: Camaçari, D’ Ávila e Lauro de Freitas. Como dito anteriormente, fui chamada para desenvolver minhas atividades práticas em Camaçari. Para que vocês compreendam e se insiram nas experiências partilhas por mim nessa história real inseri o subcapitulo intitulado “o cenário da prática” onde descrevo, do ponto de vista técnico e do meu olhar subjetivo, a cidade e o bairro, Parque das Mangabas, onde está localizada a unidade de saúde da família onde eu atuei enquanto residente.

Camaçari é município do estado da Bahia, no Brasil. Situa-se a 41 quilômetros da capital estadual, Salvador. Também conhecida por "Cidade Industrial", por abrigar o Polo Industrial de Camaçari. Camaçari é a quarta cidade mais populosa do estado e segunda mais populosa cidade da Região Metropolitana de Salvador, apresentando segundo IBGE 2018, aproximadamente 293.723 pessoas(NÓBREGA, 2012). É o primeiro complexo petroquímico planejado do País e o maior complexo industrial integrado do Hemisfério Sul, com mais de 90 empresas instaladas.

Nesta cidade, as unidades de saúde dividem-se em 07 regiões. A região da residência é a Região 04 e conta com 05 Unidades de Saúde da Família (Parque das Mangabas, Piaçaveira, Nova Aliança, PHOC CAIC e PHOC III).

A cidade industrial vive os pós e os contras de abrigar uma gama de industrias e empresas. O ar da cidade sofre as consequências dos poluentes e apesar de ser rica de investimentos empresariais, é muito próxima da capital salvador, caracterizando a população como flutuante, ou seja, muitos trabalham mais não vivem e investem na cidade.

O Bairro Parque das Mangabas sofre com essa flutuação, muito mais do que as outras regiões da cidade, porque ele fica localizado a 7 km do centro. Sua localização é porta de entrada e saída da orla através da estrada da cascalheira. A orla, conhecida por muito por suas belas praias e ótimas opções de veraneio, mas em estrutura de vida precária para os moradores.

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Parque das Mangabas, é um bairro carente, precário em saneamento básico, infraestrutura e qualidade de vida. Conta com 02 escolas públicas de nível fundamental, e uma creche filantrópica. Conhecido pela própria população como um bairro perigoso, com muita violência. De uma forma geral, o território é caracterizado por muitas invasões, populações ciganas, e a maior parte da renda advém de trabalho informal.

A população apresenta um nível de escolaridade baixo, com muitas pessoas desempregadas e trabalhadores do lar. As famílias são populosas, e grande parte recebe auxílio do bolsa família. As mulheres viram mães muito jovens, em torno dos 16/ 17 anos abandonando os estudos e trabalhando no lar.

Desprovido de atividades de lazer o único atrativo cultural/esportivo é da associação de moradores, e as atividades de grupos desenvolvidas pela equipe de profissionais da unidade de saúde. Segundo informações dos agentes de saúde, que não estão atualizadas, a USF local assiste 6.654 pessoas, constituída na pôr 3 equipes, no entanto, cadastradas são apenas 2. Cadastrados no bolsa família são 587 usuários (dados não atualizados). Existem áreas ainda descobertas e necessidade de um novo processo de territorialização para caracterização do território se faz necessário.

4.4. Capítulo IV – O primeiro ano da residência

Desmistificando, adquirindo e praticando a saúde de forma multidisciplinar

na Estratégia de Saúde da família

O princípio do primeiro ano da residência é que o residente consiga desenvolver as competências básicas relacionadas à Reforma Sanitária Brasileira, o que propiciou a estruturação do SUS que está fundamentado pelos princípios e diretrizes da Atenção Básica e da Estratégia de Saúde da Família, orientados ao cuidado territorializado, integralizado e usuário centrado. Além de desenvolver competências relacionadas ao processo de gestão e dinamização das práticas de cuidado e organização do serviço na Estratégia de Saúde da Família, buscando a integralidade da atenção à saúde dos indivíduos, famílias e comunidade.

O campo da prática – A quebra de paradigmas (a desmistificação e

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O primeiro ano da residência foi uma quebra de paradigmas, a desmistificação do fazer saúde e gerar saúde. Cheguei no campo de prática, desaprendendo e desapegando sobre conceitos fechados e tecnicistas, era uma nova forma de ver e aplicar a odontologia.

Eu era uma profissional de “saúde” onde o jaleco não se fazia necessário para designar minha categoria profissional pois, antes de dentista, eu passei a ser uma profissional de saúde, que não apenas colocava o paciente na cadeira odontológica e olhava para sua boca, mas sentava, ouvia, conversava e direcionava o usuário para a resolução da sua queixa.

Apesar de ter tido uma formação muito voltada para a saúde coletiva, na prática, o lado técnico da odontologia se fazia muito mais presente, e a atenção integral, passava a ser na clínica muito mais voltado para o preenchimento de prontuários, mas sem significância no cuidado real. O que é característico do modelo hegemônico da saúde que são ensinados e perpetuados na sociedade, um modelo centrado no profissional e na doença, e que apesar de pós constituição de 1988 e consolidação do Sistema Único de Saúde passar a ser criticado, o discurso na prática é controverso, pois existe uma valorização capitalista sobre o cuidado centrado na doença/profissional e curativismo.

Minha chegada na unidade foi marcada por uma gama de informações da residência e do processo de trabalho, diferente de tudo que pensei ser. Era como se os princípios e diretrizes preconizadas pelo SUS, saíssem literalmente do papel e dava vida a algo que era ilusório do meu ponto de vista. Era a tão famosa “caixa da residência”, aonde a desvalorização do modelo hegemônico era substituída pela valorização do atendimento humanitário, centrado no território, no indivíduo, na família e no cuidado integral.

Acolhimento

Segundo a Política Nacional de Humanização (PNH), o Acolhimento é uma diretriz que não tem local nem hora certa para acontecer, nem um profissional específico para fazê-lo: faz parte de todos os encontros do serviço de saúde. O acolhimento nada mais é do que uma postura ética que implica na escuta do usuário em suas queixas, no reconhecimento do seu protagonismo no processo de saúde e adoecimento, e na responsabilização pela resolução, com ativação de redes de compartilhamento de saberes. Acolher é um compromisso de resposta às necessidades dos cidadãos que procuram os serviços de saúde (BRASIL, 2008).

O entendimento do conceito é de fundamental importância para o desenvolvimento da prática. Durante o acolhimento, meu jaleco e titulação eram substituídos por uma escuta qualificada e de caráter resolutivo. Não importa se eu era ou não a profissional capaz de

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solucionar o problema do paciente naquele momento, mas caberia a mim ouvi-lo, assisti-lo e direciona-lo dentro da rede para a resolução das suas queixas. Por vezes, realizei interconsultas com outros profissionais, sugerir soluções para os casos, renovei receitas, testes rápidos, encaminhamentos internos e externos e orientações. De uma forma mais ampla me tornei protagonista e mais segura das minhas ações, amadureci enquanto profissional e adquirir uma postura mais humana com os pacientes.

O acolhimento possui três esferas constitutivas: postura, atitude e tecnologia do cuidado; mecanismo de ampliação e facilitação do acesso; e dispositivo de (re)organização do processo de trabalho em equipe (BRASIL, 2010; BRASIL, 2011). Dessa forma, pode-se afirmar que o acolhimento é uma ação que deve existir em todas as relações de cuidado, no vínculo entre trabalhadores de saúde e usuários, na prática de receber e escutar as pessoas, e deve ser estabelecido como uma ferramenta que: possibilite a humanização dos problemas; coordene os serviços; e vincule a efetivação de relações entre profissionais e usuários.

O acolhimento foi, para mim, uma superação, um medo, mas principalmente uma paixão. Foi através dessa ferramenta que tive o contato real com a saúde pública, com os usuários, suas angústias, dores, carências e a construção de vínculo. Aprendi muito, tanto no campo de saberes profissionais mas, principalmente, na postura e cuidado humano. Me qualifiquei e ressignifiquei meu papel enquanto odontóloga dentro de uma unidade de saúde da família e descobri que meu papel estava para além do consultório odontológico, especialmente por ser a porta de entrada dos usuários dentro do sistema de saúde.

Ser a entrada desse sistema, ou mais popularmente, está na “ponta” do sistema, é uma grande responsabilidade, pois cabe a USF a captura e manutenção dos pacientes no cuidado integral e o acolhimento é o principal instrumento nesse processo. Por ser pensado de forma multiprofissional, existindo a inter-relação dos diferentes saberes, almeja-se sobrepor a desintegração no objetivo de construir novas respostas às demandas propostas. Ademais, esta proporção abrange tanto as vinculações entre os profissionais e usuários como também as relações entre os profissionais que compõem a equipe multidisciplinar, como vínculos democráticos, que encorajam a participação, a autonomia e a decisão coletiva (SCHMIDT, FIGUEIREDO, 2009).

O SUS, juntamente com a Política Nacional de Humanização, preconiza que o acolhimento seja baseado em uma classificação de risco, ou seja, a demanda da unidade é organizada para que aqueles usuários que precisam mais sejam atendidos com prioridade e não por ordem de chegada. Parque das Mangabas tornou-se referência em acolhimento com

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classificação de risco e serviu de modelo para implantação e matriciamento em outras unidades de saúde após a chegada o programa de residência multiprofissional em saúde da família.

Os residentes desenvolveram um instrumento de registro do acolhimento que possibilita, além da organização da demanda, uma sistematização da informação. Durante minha turma de residentes, nos reunimos em equipe e propomos mudanças nas fichas, como forma de obter dados importantes para o conhecimento do perfil epidemiológico do território e ajudar no planejamento estratégico da unidade. Durante o desenvolvimento do programa, tabulamos os dados do acolhimento e através dessas informações conseguimos realizar uma análise da situação de saúde do território, identificando e discutindo em reunião de unidade os principais entraves do acolhimento e propondo soluções para os problemas em questão. Chegamos ainda apresentar em seminários e encontros científicos esses dados em forma de um trabalho intitulado: “O Acolhimento com Classificação de Risco como Ferramenta na Ampliação do Acesso na Atenção Básica”, o objetivo era evidenciar a importância desse instrumento na consolidação do modelo de saúde vigente no Brasil e dar visibilidade ao programa de residência multiprofissional da FESF/FIOCRUZ.

A clínica

Historicamente a saúde bucal teve que brigar pelo seu espaço dentro do serviço público de saúde. Inicialmente, com a implantação do PSF, a equipe mínima era formada apenas por médico, enfermeiro a Agentes de Saúde. Oficialmente, a odontologia só ganhou espaço após a publicação da Portaria n.º 1.444, pelo Ministério da Saúde, que implantou as equipes de Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família, ao estabelecer o incentivo financeiro para a reorganização da atenção à Saúde Bucal prestada nos municípios (MR FARIAS & JJC SAMPAIO, 2011).

A necessidade de ampliação do acesso da população brasileira às ações de promoção, prevenção e recuperação da Saúde Bucal, a necessidade de melhorar os índices epidemiológicos da Saúde Bucal da população e a necessidade de incentivar a reorganização da Saúde Bucal na atenção básica foram os motivadores da implantação das ações da Saúde Bucal no Programa de Saúde da Família (MR FARIAS & JJC SAMPAIO, 2011).

Com tais medidas, houve expansão no número de equipes em todo o País, permitindo um maior acesso da população aos serviços de saúde. Em 2007, o Brasil contabilizou 8.341 Equipes de Saúde Bucal, vinculadas a Programas de Saúde da Família, com atuação em 3.896 municípios, totalizando cobertura a mais de 59 milhões de pessoas. Considerando o passado,

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os avanços têm sido crescentes e significativos, mas ainda são incipientes em relação à demanda global atual e às perspectivas futuras. Mas a questão não é apenas de quantidade e cobertura, é de lógica e de qualidade organizacional do cuidado.

Entendendo o contexto histórico da saúde bucal dentro da saúde pública, percebe-se a dificuldade dos profissionais dentistas de se inserirem nesse espaço e serem reconhecidos como integrantes de uma equipe multidisciplinar. Dessa forma, estar à frente de uma equipe e ser a dentista de referência de uma determinada área do território não foi uma tarefa fácil, ainda mais no contexto em que a unidade se encontrava em condições de atenção à saúde bucal quando assumi a equipe. Contextualizando, a parte clínica odontológica ficou, aproximadamente, um ano parada, inicialmente pela greve dos servidores públicos que perdurou quase 06 meses e, posteriormente, por problemas no compressor o que inviabilizou grande parte dos atendimentos clínicos pela antiga equipe.

A USF Parque das Mangabas é dividida em três equipes (não oficialmente), pois no E-SUS (sistema de informação) só são cadastradas duas. Dessa forma, eu e meu outro colega de profissão (Ricardo), nos dividimos para dar suporte a 3 equipes, nos fazendo grandes parceiros nessa caminhada da residência, com o objetivo de atender a grande demanda reprimida e de uma população carente em relação a saúde bucal.

Confesso que tive sorte! Não sei se sorte é a palavra politicamente cientifica mas nesse contexto é a que melhor se enquadra. Vivemos em um mundo bastante competitivo, aonde as pessoas não valorizam a relação com o próximo e não medem esforços para prejudicar o outro, enxergam e pensam o tempo todo em si, e essa situação só tende a piorar quando falamos de colegas de profissão. Aprendemos desde colégio a ser competitivo, o mundo segregado e discriminatório nos escraviza o tempo todo a isso.

Agradeço muito ao apoio pedagógico advindo dos preceptores e apoiadores e de toda a equipe de odontologia, as auxiliares e meu parceiro e colega de caminhada (Ricardo Barros). A nossa relação de confiança, profissionalismo, capacidade de partilha de conhecimento foi de fundamental importância para meu amadurecimento profissional. Ser uma recém formada e assumir a responsabilidade de uma equipe, baseada em todos os princípios e fundamentos do SUS, sendo cobrada por uma equipe da residência e de servidores não é, não foi e nunca será uma tarefa fácil.

A parte técnica não era minha dificuldade na clínica, mas o primordial, como fazer a técnica ser resolutiva baseada na necessidade real da minha população? Foi isso que aprendi na residência, a ouvi a necessidade do meu paciente, e desenvolver a melhor técnica para sana-la, às vezes a questão não era a estética, manter os dentes, fazer o tratamento mais conservador, as

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vezes por mais que o tratamento conservador ainda fosse indicado em se tratando de fatores socioeconômicos, culturais, e dificuldades de acesso a tratamento especializado, outros tratamentos invasivos se tornavam a primeira opção.

E ganhar essa maturidade, essa concepção, de que o invasivo era tratamento, e que em outros casos seria necessária a desmitificação do paciente sobre a cultura da mutilação, que para resolver dor de dente, só extração, era algo primordial. Fazer o paciente confiar em você, acreditar que para não ter problemas de saúde bucal, a escovação é a melhor ferramenta. E ensinar a melhor técnica que ele possa desenvolver sua autonomia e tornar-se corresponsável pelo tratamento foi o que eu aprendi.

Aprendi muito com Ricardo, por já ter mais experiência, ele me ensinou muito, principalmente a tirar meus preconceitos sobre a exodontia como tratamento, uma vez que a queixa e necessidade do meu paciente advinham minhas preconcepções e prejulgamentos do que é certou ou errado. Também tive a oportunidade de ensinar a ele, fizemos com que a caminhada da residência fosse mais leve e engraçada. E como sempre dizíamos um para o outro “melhor companheiro de profissão”. Juntos dividíamos o consultório, dividíamos agenda, realizávamos matriciamento, palestras, PSE, e principalmente trabalhamos juntos para buscar melhorias para o nosso cenário de prática em especial os usuários.

Minhas auxiliares, tornaram-se minhas amigas, eram com certeza as primeiras a me defenderem se alguém pensasse em me criticar. Estavam ao meu lado, me dando suporte para garantir o melhor cuidado aos pacientes.

A preceptora, quase gêmea minha, me inspirei muito nela, talvez nem ela saiba, mas via em Thaíse muito da minha personalidade. Uma mulher corajosa, determinada, destemida e guerreira, sempre me motivou a buscar meu espaço, dar meu melhor, me posicionar mais, ser mais proativa e expor minhas ideias. Juntos, realizamos um verdadeiro trabalho de equipe, organizávamos a agenda e sistematização da demanda, tendo cuidado de reservar espaços para atender as urgências, promover práticas de promoção à saúde e realizar a clínica. Ter autonomia, gerir minha agenda, estruturar ações só foi possível graças a confiança que Thaíse teve comigo, e essa liberdade foi essencial para eu me desenvolver como R1, conhecendo e desenvolvendo as habilidades que deveria adquirir durante o programa de residência.

Meu apoiador de núcleo, Sóstenes, e por escolha, meu orientador do memorial foi sem sombra de dúvida o norteador de um processo de trabalho mais dinâmico, focado em um planejamento baseado nas necessidades reais do território. Uma das pessoas mais inteligentes e humilde que conheci nessa caminhada. Apesar de ter chegado no final do percurso do R1, ele foi fundamental para o amadurecido do meu olhar para estratégias de planejamento na clínica,

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gestão e assistência focada no território, no cuidado individual e familiar com base na necessidade identificada pelos próprios dados que produzir, seja através dos atendimentos, do acolhimento e atividades coletivas. O despertar para esse olhar mais estratégico, me permitiu fazer críticas sobre o processo de trabalho, não só de odontologia, mais de toda a unidade de saúde e foi o ponta pé inicial para a estruturação de estratégias para qualificar a atenção ao usuário.

Nesse percurso, principalmente do primeiro ano, foi árduo, desafiador, mas gratificante. Por ser recém-formada e apresentar aparência nova, tive que buscar meu espaço e me posicionar de modo a me tornar protagonista do meu espaço, em especial na clínica. Fui desafiada, pelos usuários, por outros membros da equipe, mas esses entraves, mesmo que não abertamente mas, subjetivos, foram de fundamental importância para o meu amadurecimento. Eu era a dentista de referência de uma área do meu território, e tinha que me posicionar diante desse papel.

Como dentista de uma equipe de uma USF, meu papel era para além da clínica odontológica. A clínica ampliada é uma das diretrizes que a Política Nacional de Humanização propõe para qualificar o modo de se fazer saúde. Ampliar a clínica é aumentar a autonomia do usuário do serviço de saúde, da família e da comunidade. É integrar a equipe de trabalhadores da saúde de diferentes áreas na busca de um cuidado e tratamento de acordo com cada caso, com a criação de vínculo com o usuário. A vulnerabilidade e o risco do indivíduo são considerados e o diagnóstico é feito não só pelo saber dos especialistas clínicos, mas também leva em conta a história de quem está sendo cuidado (BRASIL, 2010).

Cabia ao meu papel ver meu paciente de forma integral, vendo suas vulnerabilidades, e propondo um cuidado interdisciplinar, discutindo casos com a equipe, propondo e participando de interconsultas e consultas compartilhadas.

Lembro-me bem de uma paciente, na qual eu atendia e que a mesma estava realizando tratamento para Hanseníase. A mesma faltava diversas vezes às consultas, e não só odontológicas. Em conversa em reunião de equipe com a enfermeira, a mesma me falou que a paciente havia abandonado o tratamento e nunca mais a tinha visto. Tempos depois, a paciente compareceu ao consultório odontológico, me procurando para remarcar a consulta. No primeiro instante meu instinto foi de negar pois havia tantas pessoas precisando e ela marcava as consultas e não comparecia, ocupando a vaga de alguém que queria. Mas, ao refletir, observei que se ela veio me procurar para remarcar, de alguma forma se importava.

Ela compareceu a consulta após remarcarmos e durante a consulta, ela me contou sua história de vida, sua situação de vulnerabilidade no qual se encontrava, as ameaças e violências que ela sofria pelo marido, que era usuário de drogas e a violência que o marido fazia com a

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filha dela. Ela havia abandonado o tratamento da hanseníase porque durante uma briga com o marido, na tentativa de defender a filha, o mesmo tentou matá-la. Ela então pegou suas coisas e saiu de casa. Nesse mesmo dia, ele destruiu toda a casa, quebrando telhado e muros, e a mesma teve que se mudar para outro local.

O caso dessa paciente me marcou, pois, enquanto dentista, estava preocupada com o descaso da mesma com a saúde bucal e as faltas recorrentes da paciente, e não pelo motivo no qual estava a levando a faltar tanto. Tempos depois, ela retornou, para o bairro. Suspeito que tenha voltado para o marido pois, apesar de todo esse sofrimento, ela não conseguia se desvincular dele, mas não teve a coragem de vir me contar. Durante o acolhimento, acabei vendo ela e a mesma estava atrás de renovação de método contraceptivo. Naquele momento, não julguei ela, imaginei que ela tinha voltado, mas acolhi. Chamei a enfermeira que já acompanhava ela sobre a hanseníase, sinalizei do retorno da paciente para o bairro e, em vez de só renovar a receita dela, a capturamos para continuar o esquema terapêutico contra a HANS.

Perdi inseguranças, ajudei a melhorar a saúde, autoestima e autonomia de muitas pessoas, construí vínculos com os pacientes e colegas, me apaixonei pela odontopediatria e pela odontologia preventiva. Aprendi novas técnicas, ensinei algumas e, grande parte da troca desse conhecimento, foi porque sabia ouvir, ouvi críticas (positivas e negativas) seja da preceptoria, do meu colega de trabalho ou da ASB. A união de toda a equipe de odontologia foi de fundamental importância para o desenvolvimento de um trabalho prazeroso e gratificante.

Com certeza a clínica é uma das coisas que vou saindo com o coração cheio de saudade, pois me encontrei como dentista provedora da saúde, me via fazendo, ensinando e promovendo cuidado e autocuidado e não só praticando o modelo tecnicista e curativista, hoje tenho confiança e determinação para gerir meu próprio processo de trabalho e me posicionar como uma profissional de saúde para além da boca.

Visita Domiciliar

A visita domiciliar era outro espaço reservado na agenda, uma vez na semana, e de competência da equipe realizar. As necessidades de visita geralmente surgiam de espaços como reunião de equipe mínima, onde durante discussão dos casos, algum integrante da equipe trazia um caso de paciente específico ou de alguma família com a suposta necessidade de realizar visita. O caso era exposto e, em equipe, observava-se a necessidade ou não de realização da visita.

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Bem verdade que, apesar da garantia do espaço na agenda, não realizei muitas visitas, uma vez que a área que eu cobria da unidade, era distante, e dependíamos de carro para realizar a visita. O carro vindo da prefeitura era algo muito raro de se conseguir. Dessa forma, não cheguei a realizar nenhuma visita com o médico, apenas com a enfermeira e a ACS que nos prontificamos a ir a pé visitar os casos de maior necessidade. Outra ressalva era a dificuldade que encontrei de articulação com a enfermeira da minha equipe, muitas atividades ela não me incluía e, por vezes, fui cobrada pela minha preceptora para me posicionar como dentista de referência e tive que buscar entraves para ser incluída nesses espaços.

Vale ressaltar que Parque das Mangabas, apesar de ter três equipes mínimas, a nível de E-SUS só eram cadastradas duas, desse modo, só tínhamos 02 (dois) médicos, sendo um de 20h, e nenhum deles fazia parte do programa de Residência em Saúde da Família. Apesar de serem bem abertos as propostas da residência, o modelo biomédico ainda se fazia presente.

Dentre as visitas que realizei, uma que me motivou foi o caso de uma paciente com a Síndrome de Steven Johnson e que ainda apresentava um quadro neurológico de convulsão. Seu grande problema era que o remédio que controlava as convulsões piorava o quadro da síndrome. A paciente vivia sobre os cuidados da mãe, já idosa e cega, com vários problemas de saúde. Tinha filhos mas que não moravam mais com ela e nem vinham visitar. Havia disputa pelo dinheiro e pela casa na família. Essa mesma paciente se envolveu com um senhor, mais velho, também com problema de saúde e que a mãe da mesma, já cega e idosa, não concordava por achar que o mesmo estava com interesse na filha.

A situação socioeconômica da família era bem precária. Essa paciente chegou a ser internada diversas vezes no hospital quando seu quadro piorava. Necessitava de exames os quais não conseguia marcar. Por ter a Síndrome de Steven Johnson, exames de sangue eram difíceis de realizar.

Durante a visita, nos deparamos com os riscos e condições que a família vivia. Tentamos organizar as solicitações de exames dos 3 (três) e articular, na unidade, para reservar a vaga para essa paciente de neurologista. Após realizar as consultas seu quadro clínico melhorou, entretanto, na parte socioeconômica não conseguimos estabelecer um vínculo mais estreito uma vez que haviam imóveis, aposentadorias, filhos e irmãs envolvidas e que não eram moradores do município. Tais aspectos sociais, deveriam ser trabalhados e proposto soluções com auxílio da Assistência Social, mas nosso território havia dificuldade de contato e criação de vínculo essa profissional, as solicitações eram realizadas e as mesmas não eram atendidas, limitando a nossa atuação.

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A visita domiciliar é a forma mais intima de vínculo com o paciente, pois adentramos na sua moradia e ali descobrimos condições de vida que somente a consulta clínica na unidade não é capaz de nos dar essas informações. Adentram e vemos as condições de higiene, socioeconômicas, potenciais fatores de risco que os pacientes estão expostos e que podem favorecer o agravamento da doença. Vemos as relações familiares e despertamos o olhar sobre essas relações. Enquanto dentista nessas visitas, aprendi que nem sempre a pessoa da casa que mais precisa é a que chega no consultório, e que em alguns casos, o paciente não realiza sua orientação porque existem muitos outros problemas na vida daquela pessoa, são os chamados determinantes sociais e as vulnerabilidades sociais, que perpassa o conceito de saúde e insere as condições de vida, aspectos culturais, econômicos e sociais, como determinantes nesse processo, consequentemente, o autocuidado acaba sendo negligenciado, e é ai que devemos propor estratégias, e nos corresponsabilizar pelo cuidado continuado do paciente.

Me reinventei enquanto dentista, percebi que a cadeira odontológica não é a única ferramenta que posso utilizar para ‘cuida’ dos meus pacientes, e que na grande maioria dos casos ela vai ser a última opção. Porque o paciente está acostumado a nos procurar apenas para cessar a dor, remover o problema, mas esquece do principal que é prevenir e é nesse aspecto que a visita domiciliar entra, como estratégia de um planejamento familiar, mas individual, integral e com equidade.

Adquirindo conhecimento (as atividades teóricas/teórico-práticas) -

seminários, rodas, Grupo Diversidade

As atividades teóricas e teórico-práticas da residência são um espaço proposto pelo programa como forma de ensino-aprendizagem para discutir conceitos relacionados ao SUS e seu processo de trabalho, utilizando metodologias ativas. A forma de busca ativa pelo conhecimento e a formação de árvores de problema foram estratégias metodológicas que eu tinha uma grande afinidade, pois sabia que o conhecimento que eu estaria buscando iria nos ajudar na qualificação da prática. Essa metodologia conhecida em saúde como a ‘educação permanente em saúde’ se apoia no conceito de ‘ensino problematizador’ (inserido de maneira crítica na realidade e sem superioridade do educador em relação ao educando) e de ‘aprendizagem significativa’ (interessada nas experiências anteriores e nas vivências pessoais dos alunos, desafiante do desejar aprender mais), ou seja, ensino aprendizagem embasado na produção de conhecimentos que respondam a perguntas que pertencem ao universo de

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experiências e vivências de quem aprende e que gerem novas perguntas sobre o ser e o atua no mundo (CECCIM, R.B & FERLA, A.A, 2009).

As rodas eram dividas em Núcleo e Campo. As de núcleo eram organizadas por categoria profissional e envolvia a participação de todas as unidades de determinada categoria para a discussão de casos ou temas pertinentes ao processo de trabalho. Uma temática que gerou bastante polêmica na roda de odontologia foi a discussão do livro de odontologia preventiva e a necessidade que percebemos de realizar uma análise de situação de saúde bucal do território no qual assistíamos, uma forma de melhorar o registro, utilizando de dados das fichas do E-SUS e dos indicadores de Saúde Bucal. Esta análise nos permite obter as informações com maior facilidade para propor ações de promoção, prevenção e assistência baseada em evidencias.

As rodas de Campo eram espaços reservados para as equipes multiprofissionais, da mesma unidade, discutirem e organizarem seus processos de trabalho, planejamento local de saúde e demandas advindas dos setores e serviços de saúde de Camaçari. O bom e enriquecedor dessas rodas (núcleo e campo), são a troca de experiências, onde problemas elencados durante os encontros eram partilhados e formulava-se propostas de solução em conjunto. Ou seja, segundo a lógica da ‘educação permanente em saúde’, não existe a educação de um ser que sabe para um ser que não sabe, o que existe, como em qualquer educação crítica e transformadora, é a troca e o intercâmbio de experiências e saberes.

As rodas baseavam-se no fato de que para produzir mudanças, solucionar problemas, e elencar soluções, é fundamental dialogar com as práticas e concepções vigentes, problematiza-las, não em abstrato, mas no concreto do trabalho de cada equipe.

Utilizando dos mesmos princípios, o grupo diversidade, dividido por módulos com temas definidos sobre a saúde pública, e facilitado por preceptores diferentes em cada módulo, foi composto por encontros que envolviam nossa prática com a associação da teoria, dando significado às temáticas, temáticas que abordavam os princípios do SUS e as dificuldades que enfrentávamos no dia-a-dia para fazer com que esses princípios fossem preconizados.

Os seminários, realizados nos sábados, com temáticas diversas sobre saúde pública, saúde da família, princípios do SUS e que, na maioria das vezes, baseava-se em apresentações das unidades de saúde, sobre as atividades desenvolvidas, sobre o tema trabalhado, vale destacar o seminário sobre humanização, onde foi pedido para falar sobre alguma atividade de sucesso realizada pela equipe e que envolvesse o tema da humanização. Ao nos debruçamos sobre o conceito, escolhemos o Acolhimento de Mangabas para falar sobre a qualificação desse cuidado humanizado.

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Os seminários representaram o momento de encontro dos residentes e corpo pedagógico e, apesar de valorizar e gostar do modelo de educação permanente em saúde,senti falta nesse espaço, de um aprofundamento teórico de alguns conceitos importantes relacionados à saúde pública. De acordo com meu ponto de vista, apesar da troca de conhecimento e saberes serem importantes, definições de conceitos-chaves são essenciais para nortear e alicerçar pensamentos e ações.

Praticando o conhecimento (as atividades práticas desenvolvidas na ESF)

Atividades coletivas (PSE)

O programa de saúde na escola, política intersetorial da Saúde e da Educação, foi instituído em 2007, onde visa à integração e articulação permanente da educação e da saúde, proporcionando melhoria da qualidade de vida da população brasileira. O programa é preconizado, nas políticas de saúde, como uma atividade programática anual. Este tem como objetivo contribuir para a formação integral dos estudantes por meio de ações de promoção, prevenção e atenção à saúde, com vistas ao enfrentamento das vulnerabilidades que comprometem o pleno desenvolvimento de crianças e jovens da rede pública de ensino.

A articulação intersetorial das redes públicas de saúde e de educação e das demais redes sociais para o desenvolvimento das ações do PSE implica, mais do que ofertas de serviços num mesmo território, pois deve propiciar a sustentabilidade das ações a partir da conformação de redes de corresponsabilidade. A articulação entre Escola e Rede Básica de Saúde é à base do Programa Saúde na Escola. O PSE é uma estratégia de integração da saúde e educação para o desenvolvimento da cidadania e da qualificação das políticas públicas brasileiras. O público beneficiário do PSE são os estudantes da Educação Básica, gestores e profissionais de educação e saúde, comunidade escolar e, de forma mais amplificada, estudantes da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica e da Educação de Jovens e Adultos -EJA (BRASIL, 2007).

Foi durante a residência que tive meu primeiro contato com esse programa. Apesar de existir uma tentativa de aproximação intersetorial entre a escola e a saúde (educação em saúde), senti ainda uma fragilidade das ações, um contato superficial e pontual e uma falta de análise crítica sobre o que foi encontrado. Talvez, se os dados, ou percepções encontradas fossem discutidos e propostas ações em conjunto escola e saúde, o PSE teria outro sentido. Senti como

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se estivesse fazendo algo apenas por ser imposto, e não pelo alcance do objetivo visado na atividade.

Entender que as atividades de educação e saúde do PSE ocorrerão nos Territórios definidos segundo a área de abrangência da Estratégia Saúde da Família, tornando possível o exercício de criação de núcleos e ligações entre os equipamentos públicos da saúde e da educação e que a criação dos Territórios locais é elaborada a partir das estratégias firmadas entre a escola, a partir de seu projeto político-pedagógico, e a unidade básica de saúde. O planejamento destas ações do PSE deveria considerar: o contexto escolar e social, o diagnóstico local em saúde do escolar e a capacidade operativa em saúde do escolar (BRASIL, 2007).

Infelizmente, na prática, apesar das atividades da nossa unidade terem sido propostas e elaboradas de forma articulada com a escola, não fizemos o diagnóstico local de saúde para propor as ações, e também não realizamos um instrumento de análise e mensuração de até que ponto a ação atingiu seu objetivo (formação integral).

Acrescentar detalhes das ações desenvolvidas no projeto.

Territorialização – o alicerce da estratégia de saúde da família

Conhecer o território é essencial em saúde pública e a territorialização é um pressuposto básico do Programa de Saúde da Família e está em consonância com os princípios do Sistema Único de Saúde, como regionalização e descentralização. A política nacional de atenção básica conceitua o território como único e que deve ser entendido para estruturar o planejamento integrado das ações em saúde. Este conhecimento se faz de diferentes formas através da geografia local, bem como o “território processo”, este em permanente construção, produto da dinâmica social (BRASIL, 2017).

Apesar de, conceitualmente falando, a territorialização reger o funcionamento do SUS, foi na prática que eu percebi sua importância, o quão é fundamental o seu conhecimento para o planejamento de ações de saúde. Mas não é uma tarefa fácil, a maioria das unidades de saúde da família desconhecem seus territórios e, fazendo um pensamento crítico disso, sem conhecimento da área de abrangência os princípios dos SUS não conseguem ser preconizados, uma vez que eles dependem do perfil territorial.

Entender a territorialização vai além da geografia local, envolve questões socioeconômicas e culturais que perpassam o cuidado. Foram durante as rodas de campo que

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