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ANO 21 - Nº MARÇO/ ISSN

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Jurisprudência

Juurisppruudêêncciaa

p

O DIREITO POR QUEM O FAZ

Direito Penal. Estupro de vulnerável.

Prática de ato libidinoso com menor de 14

anos. Avaliação do grau de lesividade do

bem jurídico. Princípios da ofensividade e

proporcionalidade. Substituição da pena

privativa de liberdade por pena restritiva

de direitos. Detração.

6.ª Vara Criminal do Foro Criminal da Barra Funda/SP

Proc. n. 0008317-51.2011.8.26.0050

j. 23.01.2013 – public. 23.01.2013

VISTOS

O(a/s) réu(s) AAA encontra(m)-se denunciado(a/s) pela suposta prática do(s) delito(s) capitulado(s) pelo art. 217-A do Código Penal e art. 61 da Lei das Contravenções Penais, conforme os fatos narrados na denúncia à qual me reporto.

[...]

FUNDAMENTO

A demanda é parcialmente procedente.

Conforme relatado pela vítima em juízo, o réu costumava brincar com as crianças da vizinhança, sendo que ele dava aulas de violão e a vítima acabou tendo lições com ele. “Começou a perceber que ele abraçava muito a depoente e ‘passava muito a mão nas minhas coxas e na minha virilha’. Num determinado tempo, percebeu que ele começou a abraçar a depoente por trás, queria passar a mão pelo corpo da depoente e ficava beijando o pescoço da depoente. No dia 5 de outubro de 2009, a depoente foi ao Habib’s com o réu e com suas duas irmãs mais novas. Estavam voltando para casa de carro, quando chegaram ele deixou as irmãs da depoente no banco de trás e perguntou se a depoente queria ver como dirigia. Ele colocou a depoente no colante, no colo dele, percebeu que ele ficou com o pênis duro e ficou passando a mão na depoente. Ele passou a mão na barriga da depoente, na sua barriga e virilha. Ele passou a mão nos órgãos genitais da depoente. Ele fez isso por cima da rouba. Ele dizia o tempo todo que amava a depoente. Passou a ser perseguida pelo réu, e viu que ele seguia a depoente. Na data dos fatos, quando o réu passou a mão nas partes íntimas da depoente, contou o que havia acontecido para sua genitora. Ele fazia ameaças. O acusado dizia que, se ela falasse o que estava acontecendo, ele mataria os pais da depoente, que a depoente era ‘periguete, safada, piranha’, e tinha medo dele por isso. Teve um dia que estava no quintal de sua casa, ele passou de carro e disse ‘vou te beijar nos peitos e vou te

apertar inteira’” (fls. 77).

A mãe da vítima confirmou que o réu dava aulas de violão para as crianças e sempre procurava estar próximo à vítima, inclusive, dando-lhe doces e presentes. No dia dos fatos, quando o réu convidou a vítima e suas irmãs para ir comprar esfihas, a irmão da vítima, de nome BBB, “percebeu que o réu ficou com o pênis ereto e ficou passando a mão no meio da coxa de VÍTIMA. Ela disse que contaria para a depoente, e ele pediu que não fizesse isso, porque seria um ‘segredinho’ deles. VÍTIMA voltou para casa com muita dor de barriga nesse dia. BBB contou para a depoente o que aconteceu e, depois disso, VÍTIMA confirmou que ele dizia que a amava, que a ficava beijando perto da boca. A partir daí, não deixou mais o acusado chegar perto de VÍTIMA e nem das outras filhas. Depois ficou sabendo que ele fez a mesma coisa com Daniela, com quem fez sexo oral apontando uma arma de fogo. Ele era papiloscopista e fica até hoje ameaçando as pessoas com o brasão. Ele anda armado e as pessoas têm medo dele. Desde então, VÍTIMA ficou com problemas psicológicos e físicos também. VÍTIMA passa mal na escola. Acreditava que o réu fosse uma pessoa confiável, mas ficou sabendo que ele ensinou um menino de seis anos a se masturbar, e disse que ele teria que fazer isso todos os dias, senão iria morrer. Esse menino é filho da testemunha EEE, que se mudou de lá. O réu é uma pessoa malvada. Sabe que o réu colocou a casa dele à venda depois disso. O acusado se vale de ser ex-policial, e todos têm medo da polícia. Conhece de vista a irmã do réu, e não tem nenhum relacionamento com ela. Sabe que o réu agora fica no Parque da Juventude, cantando para as crianças” (fls. 78).

A testemunha CCC relatou, no mesmo sentido, a proximidade do réu com as crianças e o episódio em que o réu teria ensinado um amigo de seu filho a se masturbar (fls. 80).

DDD relatou que quando “era pequena, AAA levou a depoente para a garagem da casa dele e ‘começou a me beijar e passar a mão’. (...) Começou a ver que ele ficava da laje da casa dele observando a filha da depoente. A filha da depoente contou que o réu queria passar a mão na perna dela e queria que ele sentasse no colo dele”. Conversou sobre isso com Paula e esta também lhe contou o episódio com VÍTIMA (fls. 81).

EEE, mãe do garoto FFF, confirmou as atitudes do réu com as crianças da vizinhança, sendo que começou a notar que seu filho,

| O DIREITO POR QUEM O FAZ

Roberto Luiz Corcioli Filho __ 1637

| JURISPRUDÊNCIA ANOTADA

Supremo Tribunal Federal

Rodrigo Dall’Acqua ________ 1641

Superior Tribunal de Justiça

Maria Emilia Accioli Nobre Bretan ___________________ 1642

Tribunal Regional Federal

Fábio Tofic Simantob _______ 1643

Tribunal de Justiça

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1638

então com seis anos, começou a masturbar-se com frequência. Em certa ocasião, FFF contou que fora o réu quem o ensinara a masturbar-se. Segundo EEE, ela pode acompanhar também todo o sofrimento de VÍTIMA (fls. 102).

GGG, ouvida às fls. 103, sustentou que também já teria sido molestada pelo réu quando era adolescente.

O réu, ouvido em gravação juntada às fls. 158, sustentou que tudo não teria passado de uma “armação”, em conluio com uma irmã do réu, para prejudicá-lo e retirá-lo de sua casa. Negou até que se reunia com as crianças da vizinhança para ensiná-las violão. E no mesmo sentido foram suas declarações escritas de fls. 159/161.

A versão do réu mostrou-se sem qualquer sustentação nos autos. Já a versão da vítima, nada obstante tratar-se de uma adolescente de apenas 11 (onze) anos na época dos fatos – 13 (treze) anos quando de sua oitiva em juízo –, mostrou-se absolutamente verossímil e segura. Em juízo, como se viu, confirmou os fatos narrados na denúncia e suas declarações na fase inquisitorial, nas quais sustentara que o réu costumava reunir as crianças para tocar instrumentos e distribuía doces, sendo que AAA começou a “encostar na declarante e notava que AAA se excitava, ou seja ‘ficava com o pênis duro’; que diante de tais fatos passou a sentir medo, embora sua irmãzinha de 8 anos na época, já mais esperta, notava e a declarante com medo pedia para que sua irmão nada dissesse, para a mãe, porque a declarante já sabia que AAA tinha uma arma, e temendo por isto esta pedia para sua irmã nada dizer; que, quando outra vez, 05/10/2009, AAA fez a declarante sentar no colo dele, passou as mãos por sobre a bermuda em sua genitália e por sobre a blusa em seus seios, e tentava beijá-la; que sua irmã, vendo aquilo, acabou contando para sua mãe, que foi tirar satisfação com AAA, e registrou queixa crime na Delegacia; que, passado uns dois meses, agora em dezembro, 02/12/2009, estava no quintal de sua casa, sua mãe estava na sala, quando AAA passou com o veículo dele e buzinou e disse em voz alta ‘que um dia iria chupar os peitos da declarante’, em seguida seguiu com o veículo; que sua mãe escutou (...)” (fls. 16).

É certo que em delitos como os constantes dos autos é de suma importância a análise das versões de acusado e vítima. Conforme Guilherme de Souza Nucci, “o juiz haverá de analisar o passado

comportamental de ambos, buscando conferir maior credibilidade a quem lhe passar confiança e retidão”1. É claro que tal não é tão simples

assim. Juízes não são psicólogos (psicanalistas ou psiquiatras). E pessoas que sempre aparentaram ser dignas de confiança podem carregar em seus subconscientes questões psíquicas mal resolvidas e conflitos que por alguma razão desencadeiam episódios de delírio ou mesmo de ódio (a criar acusações falsas).

Seja como for, no caso concreto há diversos relatos dando conta de que o acusado seria dado a eventos da natureza destes que estão em julgamento.

Não estão tais eventos sob julgamento, evidentemente, mas seria pouco provável que todos os relatos presentes nos autos e analisados pelas partes em suas alegações finais adviessem de um delírio coletivo, de uma suposta “armação” para prejudicar o acusado, ou algo do gênero, de modo que são indícios a dar credibilidade ao relato da vítima, ainda que se tratasse de uma jovem de 11 (onze) anos quando dos fatos.

A grande questão deste feito, penso eu, não diz respeito a se dar credibilidade a tal ou qual versão, mas sim, na verdade, em se atribuir o correto enquadramento jurídico aos fatos.

Conforme VÍTIMA, na fase policial, em 5 de outubro de 2010, o réu teria feito ela sentar no seu colo e “passou as mãos por sobre a bermuda em sua genitália e por sobre a blusa em seus seios, e tentava beijá-la” (fls. 16). Também relata a vítima que em 2 de dezembro de 2009, o réu teria passado de carro em frente sua casa e dito em voz alta “que um dia iria chupar os peitos da declarante” (fls. 16).

Começando pelo delito de menor ofensividade, tem-se, conforme mais uma vez Guilherme de Souza Nucci, que “o pudor (sentimento

de vergonha ou recato sexual), sem dúvida, merece proteção, mas não sob o aspecto vago de obscenidades em geral, feitas em público, como o vetusto – e não taxativo – delito previsto no art. 233 do Código Penal (ato obsceno), que, na nota 1 ao Capítulo VI, Título, VI, da Parte Especial do nosso Código Penal comentado, já sugerimos, em homenagem ao direito penal mínimo, a abolição como crime. A meta deve ser punir atos considerados obscenos com penalidades administrativas, aplicando-se multas, tal como ocorre quando há uma infração de trânsito ou um barulho excessivo, provocando tumulto e prejudicando o interesse de terceiros. Por isso, é inapropriado manter-se a contravenção penal focando esmanter-ses bens jurídicos enfraquecidos pelo tempo (moralidade sexual ou bons costumes). Por outro lado, há variados atos ofensivos ao pudor, que, mais graves, merecem continuar tipificados como infração penal. No entanto, nesses casos, devemos voltar os olhos à proteção da dignidade e da liberdade sexual. Para tanto, o ideal seria transformar a contravenção do art. 61, com redação mais clara, respeitando-se a taxatividade, em modalidade privilegiada do estupro (art. 213, CP)”2.

Assim, em razão da ofensa aos princípios da lesividade, taxatividade e por conta da ideia democrática de intervenção mínima para o Direito Penal, tem-se que a contravenção em questão deve ser tida por inconstitucional. O próprio ato concreto do réu (ter dito “que um dia iria chupar os peitos” da vítima), ainda que bastante inadequado e certamente reprovável, não se mostra grave a ponto de fazer incidir o Direito Penal, com toda a sua carga estigmatizante.

Já quanto ao segundo delito, certamente trata-se de ato que se enquadra na figura do art. 217-A do Código Penal, posto que o ato de passar a mão lascivamente na região genital e nos seios da vítima (tentando beijá-la), ainda que sobre as vestes, é um ato libidinoso que atenta contra a liberdade sexual desta.

Porém, não se pode deixar de reconhecer a completa e mais absoluta desproporção entre tal ato e a pena mínima cominada para a sua punição (reclusão de 8 anos).

Não há dúvida da reprovabilidade de tal conduta, porém, não se pode admitir que um sujeito que tenha passado as mãos – e por sobre as vestes – na região genital e nos seios da vítima esteja sujeito a uma pena mínima de 8 (oito) anos de reclusão. Superior em 2 (dois) anos à pena reservada ao homicídio simples.

Não é possível aceitar, em um Direito Penal informado, dentre outros, pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, que uma conjunção canal (ou um coito anal, a prática de sexo oral) e o ato supramencionado mereçam a mesma reprovação do Estado.

Assim, é preciso compatibilizar a reprimenda prevista no art. 217-A do Código Penal para um ato libidinoso da natureza daquele tratado nos autos (passar as mãos na genitália da vítima, por sobre suas vestes, e em seus seios, também sobre a blusa da vítima, bem como tentar beijá-la) com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade.

Em relação ao primeiro (proporcionalidade), Guilherme de Souza Nucci3 sustenta que ele se irradia em duas direções: “a) preservar

a harmonia entre a cominação de penas e os modelos de condutas proibidas; b) fundamentar o equilíbrio entre a aplicação das penas e os concretos modos de realização do crime”.

Segundo o autor, “o primeiro objetivo deve ser seguido pelo

legislador, quando cria um novo tipo incriminador ou quando pretende alterar a espécie, forma ou quantidade de sanção penal. O segundo, voltando-se ao juiz, indica-lhe a razoável proporção entre o peso da sanção e o dano provocado pela infração penal”.

Mas tal não significa que o Judiciário deve permanecer alheio ao cumprimento do primeiro objetivo por parte do legislador.

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Judiciário não está autorizado a analisar a constitucionalidade de lei. E isto, evidentemente, é algo absolutamente fora de cogitação.

Bem. Se é reconhecido um princípio constitucional que deve ser observado pelo legislador em sua atividade ao criar tipos penais (a proporcionalidade) e se o corpo legislativo ignora-o – dentre outras razões, pelo “grito” irrefletido de uma massa manobrável pela mídia do espetáculo –, vedar ao Judiciário que declare inconstitucional tal ou qual punição absolutamente não razoável e desproporcional, sob o argumento de que a proporção entre as penas e os respectivos delitos é de competência exclusiva do legislador, é o mesmo que retirar do Judiciário a competência para o controle de constitucionalidade – que em sua modalidade difusa é exercido por todo e qualquer juiz singular –, o que é completamente impensável.

É evidente que não se pode defender e esperar que o Judiciário passe a reformular toda a sistemática de penas com vista a uma almejada proporcionalidade – papel que é, de fato, do Legislativo. Porém, também inspirado pelo outro princípio acima referido, o da razoabilidade, deve, sim, o Estado-juiz fazer um juízo concreto da proporcionalidade das penas em situações absolutamente não razoáveis. Omitir-se neste controle sob o argumento de que se estaria invadindo a competência legislativa é rebaixar o princípio da proporcionalidade, não lhe dando efetividade e o verdadeiro alcance de norma de hierarquia constitucional.

O legislador, ao deixar de prever consequências penais diversas para atos de gravidade bastante díspares, incorreu em inconstitucionalidade, a qual somente é sanável a partir de uma leitura do tipo conforme a

constituição.

Dentre diversos penalistas que já apontaram a desproporção da pena para algumas condutas libidinosas que não carregam em si a gravidade e intensidade de uma ofensa perpetrada com um “ato invasivo vaginal, anal ou oral”, Renato de Mello Jorge Silveira, por

exemplo, sustenta uma proposta de lege ferenda para a punição menos rigorosa de tais atos libidinosos não invasivos4.

Mas enquanto tal não ocorre, ante um Legislativo paralisado e condicionado pelos “gritos” midiáticos sensacionalistas, repita-se, que frutificam um Direito Penal Simbólico não sistemático e cruel, a par de ineficaz, posto não ser a função desta disciplina o combate à criminalidade, tem-se que o Judiciário, cuja função é a garantia de direitos, não pode omitir-se e aplicar cegamente um preceito violador de normas constitucionais.

Assim, ainda que o delito tenha se consumado – em uma leitura formal do tipo – com as carícias do réu no corpo vestido da vítima (na região genital e nos seios – além da tentativa de beijá-la), tem-se que por uma razão de política criminal é o caso de se aplicar à respectiva pena uma diminuição de 2/3 (dois terços), compatibilizando-se, assim, a reprimenda para o caso concreto com a Constituição.

Nesse sentido, confira-se o voto da Eminente Desembargadora do e. TribuNalde JuSTiçado rio GraNdedo Sul, Genacéia da Silva

alberToN5:

“A conduta do réu, segundo a vítima, limitou-se a tentar agarrar, beijar e tocar em seus seios. Segundo o réu, houve a tentativa de um beijo no rosto e, não, na boca. Não houve qualquer ato invasivo. Note-se que a vítima estava vestida quando o réu passou a mão no Note-seu seio. Há evidente desproporcionalidade entre a conduta do agente de manter ato libidinoso e a conduta de tentar beijar e agarrar a vítima passando a mão em seu seio por cima da roupa, inobstante ambas tenham por fim a satisfação da lascívia. Cabível, pois, aplicar o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade e reconhecer a forma tentada do delito, pois não é possível cominar à conduta do réu a mesma pena que seria cominada a ato libidinoso mais grave, como o sexo oral ou anal, de conteúdo nitidamente invasivo. Atenta, portanto, ao princípio da razoabilidade e da proporcionalidade entre a ofensa advinda da conduta do réu e a sanção penal, cumpre reconhecer a

forma tentada do delito e, em face do ‘iter criminis’ percorrido pelo agente, reduzir a pena em 2/3.”

O voto citado fora vencido.

Os votos vencedores, na verdade, absolviam o réu pela insignificância de sua conduta (em cotejo com a alta pena prevista para o estupro). Segue o voto do Desembargador Amilton Bueno de carvalho:

“Vênia da ilustre Relatora, estou a prover o apelo defensivo para absolver o denunciado. Explico. A denúncia narra que o acusado, mediante violência presumida em razão da idade da vítima, com ela praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal, consistente em beijos no rosto e apalpadelas nos seios. A voz da vítima delimita o fato como mera apalpadela nos seios, como se colhe do voto da eminente Relatora: ‘Relatou Nara que foi até a casa do réu pegar o leite. Viu que havia esponjas na cerca e pediu uma. O réu entrou no quarto para buscar uma esponja. Chamou a depoente para que escolhesse uma delas. Pegou a esponja, momento em que o réu tentou agarrar a depoente e passou a mão em seus seios. Pegou o leite e saiu. O réu pediu à depoente para que não falasse nada. A depoente disse ao réu que ‘era coisa que não se fazia’ e saiu correndo. Mencionou que o réu pediu desculpas’. Ora, trata-se de toque fugaz, superficial e, ao que tudo indica, sobre as vestes, conduta esta que não chega a configurar ato libidinoso diverso da conjunção carnal, pelo menos não no sentido legal do termo, que exige condutas de considerável gravidade (equiparadas ao coito). A conduta narrada pela vítima, é certo, tem lesividade muito aquém daquela necessária à configuração do delito de atentado violento ao pudor. Por ocasião do julgamento da apelação-crime nº 70008233793, a Câmara entendeu que:’Direito Penal e processual penal. Atentado violento ao pudor. - O prazo para interpor recurso, em caso de intimação por precatória, começa a fluir de sua juntada aos autos. - Não é qualquer toque carnal que enseja crime de atentado violento ao pudor. - O tipo está a exigir comportamento sexual agressivo, com alguma espécie de penetração – v.g., sexo oral ou anal – pena de agredir o princípio da proporcionalidade entre o crime e o castigo. - Apelo provido para, rejeitada a preliminar, absolver o acusado’. (Apelação crime 70008233793, 5ª Câmara Criminal, TJRS, Rel. Des. Amilton Bueno de Carvalho, j. em 07.04.04) Pelo exposto, dou provimento ao apelo defensivo para absolver o réu da imputação que lhe foi dirigida, com fundamento no art. 386, III, do Código de Processo Penal”.

Já no caso ora em julgamento não é de se ter simplesmente por atípica a conduta do acusado porque, ao contrário do que entendeu o Desembargador Amilton Bueno de carvalho no voto reproduzido

acima, para aquele caso. Aqui não houve mero “toque fugaz”. Ainda que também “sobre as vestes”, tem-se que o réu empregou forte lascívia, ofendendo significativamente a dignidade sexual da jovem vítima, ao colocá-la no seu colo e ao acariciá-la na forma descrita na denúncia.

Não há dúvida de que o tipo “exige condutas de considerável

gravidade (equiparadas ao coito)”. Mas não se pode excluir a priori qualquer outra conduta que não envolva “alguma espécie de penetração”, uma vez que há atos graves de ofensa à liberdade

sexual da vítima que podem se dar, por exemplo, por meio de uma masturbação (sem penetração), etc.

O que se deve exigir, certamente, é a gravidade da ofensa. Mero

“toque fugaz, superficial e, ao que tudo indica, sobre as vestes”, de

fato, pode revelar a atipicidade da conduta.

Porém o toque persistente, intenso, ainda que sobre as vestes, já ultrapassa o limite da insignificância.

Isso não quer dizer que mereça a pena de um estupro (que deve ser reservada, aí sim, a “comportamento sexual agressivo, com alguma

espécie de penetração – v.g., sexo oral ou anal – pena de agredir o princípio da proporcionalidade entre o crime e o castigo”, conforme

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o Desembargador em questão (em outro julgamento citado no voto supra). Mas que merece atenção do Direito Penal, isto parece claro no caso concreto.

Assim, a procedência parcial da denúncia, com as ponderações supra, impõe-se.

DECIDO

Ante o acima exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial do Ministério Público, de modo a CONDENAR o réu AAA pela prática do(s) delito(s) capitulado(s) pelo art. 217-A do Código Penal (com a ressalva apresentada na fundamentação, no sentido de se diminuir a pena a fim de torná-la constitucional face à gravidade em concreto da conduta do réu). Em relação à contravenção do art. 61 da respectiva lei, absolvo-o por tê-la por inconstitucional (irrelevância do fato para fins penais).

Passo a dosar a pena do réu.

Observando as diretrizes dos artigos 59 e 68, ambos do Código Penal, passo a dosimetria da pena, analisando, isoladamente, cada uma das circunstâncias judiciais, sendo que culpabilidade será considerada em cada uma das demais circunstâncias.

Nesse sentido, no que se refere aos antecedentes do acusado6,

às circunstâncias do crime, aos seus motivos, suas consequências, ao comportamento da vítima, à conduta social e à personalidade do agente7, tem-se que não há qualquer elemento que torne a conduta do

réu mais fortemente reprovável além do que já previsto no tipo penal em abstrato. Assim, aplico a pena base em 8 (oito) anos de reclusão.

Não há agravantes ou atenuantes. Não há causas de aumento.

Diminuo a pena em 2/3 (dois terços), ponderando-se a gravidade em concreto da conduta do réu, conforme fundamentado acima, com vista a compatibilizar a punição dos fatos com os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Assim, fica a pena final fixada em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão.

Atentando-se ao disposto no art. 33 do Código Penal, bem como à análise das circunstâncias do art. 59 do mesmo diploma, o réu iniciará o cumprimento de sua pena no regime aberto.

O art. 44, I, do Código Penal permite a substituição em delito doloso cuja pena não seja superior a quatro anos e desde que não cometido com violência ou grave ameaça.

É o caso dos autos.

O tipo penal de estupro de vulnerável nada fala sobre eventual violência presumida. Mas ainda que assim não fosse, não se pode interpretar prejudicialmente ao réu a restrição do citado art. 44, I, do Código Penal. Ele afasta a pena substitutiva, portanto, apenas se demonstrada a violência real (ou a grave ameaça).

Assim, SUBSTITUO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO consistentes em uma prestação de serviço à comunidade pelo mesmo prazo, de acordo com determinação do juízo da execução, bem como por uma medida de sujeição à psicoterapia pelo mesmo período, com frequência mínima de duas horas por semana (comprovando-se por relatório mensal ao juízo, sem menção ao conteúdo das sessões – para se preservar os direitos de personalidade do condenado e em observância à própria lógica da terapia).

Tal pena restritiva é aplicada em analogia à limitação de fim de semana, na qual se pode sujeitar o apenado à frequência de cursos, palestras ou à participação de atividades educativas por 10 (dez) horas semanais no total (art. 48, parágrafo único, do CP). Como se vê, trata-se de analogia em benefício do condenado, posto que fixada a restritiva em período bem inferior às dez horas. Ademais, a pena, além de compatível com a natureza dos citados cursos, palestras ou à

participação de atividades educativas, mostra-se plenamente adequada ao caso concreto. E não se trata de procurar moldar a personalidade do condenado ou de tolher sua liberdade psíquica. Mas sim de, em razão de uma condenação penal relativa a delito sexual, oportunizar que obtenha auxílio que lhe permita eventual melhor elaboração de seus impulsos – sem qualquer carga de vigilância ou controle psíquico por parte do Estado, posto que, conforme determinado, não haverá qualquer relatório sobre a “evolução do tratamento”.

Tendo em vista que o(a/s) réu(s) ficou(aram) preso(s) cautelarmente, e apenas por este feito, tem-se que não basta a mera possibilidade de detração do respectivo período sobre o tempo a que foi(ram) condenado(a/s) o(a/s) réu(s) para se chegar a um saldo para o cumprimento da(s) pena(s) restritiva(s) de direito.

É preciso ir além e reconhecer que cada dia de privação total de liberdade (prisão preventiva que se dá em regime equivalente ao fechado, como se sabe) é pena certamente mais severa do que o cumprimento de pena(s) restritiva(s) de direito pelo mesmo prazo.

Assim, tendo em vista o princípio da proporcionalidade, é evidente que não se pode admitir que apenas se desconte, de modo simples, o período de prisão cautelar da(s) pena(s) restritiva(s) de direito. Um dia de privação total da liberdade certamente vale muito mais (em termos de reprimenda) do que um dia de pena(s) restritiva(s) de direitos.

Assim, por analogia à remição prevista pelo art. 126, § 1º, II, da Lei de Execução Penal, tem-se por adequada a proporção de 1 (um) dia de prisão cautelar para 3 (três) dias de pena restritiva de direito, de modo que determino a detração das penas restritivas de direito nessa proporção.8

No caso concreto há ainda saldo de pena a cumprir, não sendo, portanto, o caso de se declarar extinta a pena.

Não tendo havido a formulação de pedido determinado a respeito, deixa-se de fixar o valor mínimo de indenização (art. 387, IV, do Código de Processo Penal), em respeito ao devido processo legal.

Caso tenha havido requerimento(s) da(s) vítima(s) neste sentido, proceda(m)-se à(s) devida(s) comunicação(ões), nos termos do art. 201, § 2º, do Código de Processo Penal.

Transitada em julgado, lance(m)-se o(s) nome(s) do(s) réu(s) no rol dos culpados.

Expeça-se o respectivo alvará de soltura clausulado. Custas conforme a lei.

P.R.I.C.

Notas

1 Crimes Contra a Dignidade Sexual – Comentários à Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2009, p. 17.

2 Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, 5ª ed, São Paulo, Revista

dos Tribunais, 2010, pp. 222-223.

3 Princípios Constitucionais Penais e Processuais Penais, São Paulo, Re-vista dos Tribunais, 2010, p. 211.

4 Bases Críticas para a Reforma do Direito Penal Sexual, Tese de

Livre--docência defendida perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2007, pp. 403 e ss.

5 Apelação Crime nº 70036998797, Quinta Câmara Criminal, j. 20 de abril de 2011.

6 Neste ponto, vale consignar que se adota a posição defendida por, e.g, Guilherme de Souza Nucci, Código Penal Comentado, 7ª ed, São Paulo,

Revista dos Tribunais, 2007, pp. 370-372, para quem as indicações cri-minais relativas a inquéritos ou a processos em andamento, por exemplo, somente podem ser levadas em conta como maus antecedentes para efeito processual penal, tal como na aplicação da custódia cautelar.

7 No que se refere à conduta social e à personalidade do agente, é de se notar que tais elementos somente devem ser levados em conta na me-dida em que, evidenciados nos autos, estejam relacionados e tenham se refletido no caso concreto, uma vez que em um Estado Democrático de Direito (conforme o próprio preâmbulo da Constituição Federal de 1988),

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JURISPRUDÊNCIA ANOTADA

Supremo Tribunal Federal

DIREITO PROCESSUAL PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA.

DENÚNCIA ANÔNIMA. AUSÊNCIA DE INVESTIGAÇÃO

PRELIMINAR

1. Elementos dos autos que evidenciam não ter havido investigação preliminar para corroborar o que exposto em denúncia anônima. O Supremo Tribunal Federal assentou ser possível a deflagração da persecução penal pela chamada denúncia anônima, desde que esta seja seguida de diligências realizadas para averiguar os fatos nela noticiados antes da instauração do inquérito policial. Precedente. 2. A interceptação telefônica é subsidiária e excepcional, só podendo ser determinada quando não houver outro meio para se apurar os fatos tidos por criminosos, nos termos do art. 2º, inc. II, da Lei n. 9.296/1996. Precedente. 3. Ordem concedida para se declarar a ilicitude das provas produzidas pelas interceptações telefônicas, em razão da ilegalidade das autorizações, e a nulidade das decisões judiciais que as decretaram amparadas apenas na denúncia anônima, sem investigação preliminar. Cabe ao juízo da Primeira Vara Federal e Juizado Especial Federal Cível e Criminal de Ponta Grossa/PR examinar as implicações da nulidade dessas interceptações nas demais provas dos autos. Prejudicados os embargos de declaração opostos contra a decisão que indeferiu a medida liminar requerida. (STF – 2.ª T. – HC 108.147 – rel. Cármen Lúcia – j. 11.12.2012 – public. 01.02.2013 – Cadastro IBCCRIM 2832). Pesquisador: José Carlos Abissamra Filho

Anotação: Inicialmente, o acórdão em estudo tratou de firmar a posição de julgados anteriores sobre como o Estado precisa se portar diante de uma denúncia anônima, reiterando que a autoridade, ao recebê-la, “deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os

fatos narrados nessa ‘denúncia’ são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações” (HC 98.345, 1.ª T., Rel. Min. Marco

Aurélio, Redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe 17.09.2010). Esse também é o entendimento do STJ, que “tem admitido a utilização

de notícia anônima como elemento desencadeador de procedimentos preliminares de averiguação, repelindo-a, todavia, como fundamento propulsor à imediata instauração de inquérito policial ou à autorização de medida de interceptação telefônica” (HC 204.778/SP, 6.ª T., rel.

Min. Og Fernandes, j. 04.10.2012, DJe 29.11.2012). Foi com base na jurisprudência consolidada de nossas Cortes Superiores que a Ministra Carmen Lúcia analisou o caso concreto e entendeu que, após a denúncia anônima, não houve uma efetiva, formal e consistente investigação para reunir os indícios de autoria aptos a configurar a justa causa autorizadora da escuta telefônica.

Uma denúncia anônima não serve nem mesmo para instaurar inquérito policial, quanto mais para um decreto de interceptação telefônica. Rogério Lauria Tucci adverte que o seu recebimento autoriza apenas “uma investigação preambular no sentido de apurar

a verossimilhança da informação, instaurando o inquérito somente em caso de verificação positiva” (Persecução penal. Prisão e liberdade.

São Paulo: Saraiva, 1980. p. 34-35). Passada essa prudente e criteriosa constatação de confiabilidade, a investigação deve seguir seu rumo

sem manter vínculos com sua fonte, desenvolvendo-se com a cautela preconizada por José Frederico Marques, “como se o escrito anônimo

não existisse, tudo se passando como se tivesse havido nottitia criminis inqualificada” (Elementos de direito processual penal. 2. ed. atual.

Campinas: Millennium, 2000. v. 1, p. 147).

O recente julgado do Supremo Tribunal Federal é providencial, já que algumas autoridades elegem a interceptação telefônica como primeiro e automático ato de investigação, movidos por comodismo, autoritarismo ou pelo desejo de uma punição antecipada do averiguado, que não raro tem sua intimidade exposta para todo o país. Para os arbitrários que se comprazem em devassar a vida alheia, uma denúncia anônima é o ponto de partida ideal para se chegar a um grampo. Produzem então algumas diligências protocolares, que serviriam, quando muito, para justificar a instauração de um inquérito, e, pronto, já se tem a denúncia anônima como confirmada e a escuta é solicitada. Esta prática, tão preocupante quanto comum, impõe uma rígida análise da consistência dos indícios recolhidos, de forma a identificar os casos em que a apuração se restringiu a confirmar alguns elementos do informe anônimo, no único intuito de impingir “ares de legalidade à medida de quebra de sigilo

telefônico, ao argumento de que ela não derivou exclusivamente da denúncia anônima” (HC 190.334/SP, 5.ª T., Rel. Min Napoleão Nunes

Maia Filho, j. 10.05.2011, DJe 09.06.2011).

A solução que o acórdão em comento nos fornece requer a admissão da precariedade da denúncia anônima e uma efetiva demonstração da justa causa, que, nos termos da lei de interceptação telefônica, é constatada pela presença de “indícios razoáveis de autoria ou

participação em infração penal”. É possível encontrar uma adequada compreensão para o conceito de “indícios razoáveis” em debates sobre o indiciamento no inquérito policial, nos quais esse ato somente é autorizado diante de “um mínimo probatório que torne possível reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilícito penal e que, mais do que isso, o comportamento atribuído a tal agente encontraria correspondência típica na legislação penal” (HC 111.534/MC, Rel.

Min. Celso de Mello, j. 07.12.2011, public. em processo eletrônico,

DJe-235, divulg. 12.12.2011, public. 13.12.2011).

Entre a denúncia anônima e a interceptação telefônica há uma enorme distância, exigindo, de início, uma cautelosa verificação da plausibilidade da denúncia inominada, gerando, em sequência, a instauração de um inquérito policial que, por sua vez, deve se desvincular do informe que lhe deu origem e produzir uma razoável prova indiciária. O direito à intimidade poderá ceder se neste inquérito surgirem indícios razoáveis contra o cidadão, permitindo a visualização de um quadro probatório que não se confunde com meras conjecturas, uma vez que, na lição de Sérgio Marcos de Moraes Pitombo, as suspeitas, “por si

sós, não são mais que sombras; não possuem estrutura para dar corpo à prova da autoria” (O indiciamento como ato da Polícia Judiciária. RT

577/313-31).

Rodrigo Dall’Acqua

Advogado Criminalista.

que se propõe, inclusive, pluralista (art. 1º, V, da Constituição Federal) e garantidor da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), não se admite a censurabilidade em função daquilo que é ou pensa o ser humano, mas sim em razão daquilo que pratica em termos de tipicidade penal, ainda que na análise de determinadas condutas seja imprescindível adentrar-se no campo da intenção, o que em nada infirma a teoria da culpabilidade do fato. De mais a mais, quaisquer das circunstâncias do delito somente de-vem influir na fixação da pena à medida que se reflitam no caso concreto.

8 Vale deixar claro que, nada obstante a sujeição à psicoterapia deva se dar por dois dias na semana, o tempo de detração deve corresponder à duração da terapia e não a cada um dos respectivos dias.

Roberto Luiz Corcioli Filho

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1642

Superior Tribunal de Justiça

Direito Penal. Lei 11.340/2006 (Maria da Penha). Coabitação.

Constitucionalidade do art. 41.

1. Consoante entendimento desta Corte, a relação existente entre o sujeito ativo e o passivo de determinado delito deve ser analisada em face do caso concreto, para verificar a aplicação da Lei Maria da Penha, sendo desnecessário que se configure a coabitação entre eles. 2. Hipótese que se amolda àqueles objeto de proteção da Lei nº 11.340/2006, já que caracterizada a relação íntima de afeto entre os agentes e a vítima. 3. A alegação de inconstitucionalidade do art. 41 da Lei Maria da Penha já foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal (ADC 19), oportunidade em que se concluiu pela sua constitucionalidade. 4. Ordem denegada. (STJ – 6.ª T. – HC 184.990 – rel. Og Fernandes – j. 17.05.2012 – public. 09.11.2012 – Cadastro IBCCRIM 2833)

Pesquisadora: Milene Maurício

Anotação: Questiona-se a aplicabilidade da Lei nº 11.340/2006 (Lei Maria da Penha - LMP) em caso de crime de ameaça (art. 147 do CP, c/c art. 29), supostamente praticado por três irmãos contra sua irmã. Em conflito de competência suscitado pelo Juízo da 4ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria/RS, o TJ/RS entendeu pela aplicação da referida lei. Pede-se, então, o afastamento da aplicação da lei, trancamento da ação penal e remessa dos autos ao JECrim, já que (i) não havia coabitação e nem dependência financeira ou hipossuficiência entre os pacientes e a vítima; e (ii) o art. 41 da referida lei seria inconstitucional. A Sexta Turma do STJ, por maioria, denegou a ordem, nos termos do voto do Relator Min. Og Fernandes, vencida a Min. Maria Thereza de A. Moura.

Denega-se a ordem com relação ao art. 41, questão já decidida pelo STF na ADC 19, reconhecendo-se a constitucionalidade do dispositivo e a inaplicabilidade da Lei 9099/95 “aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista”. Com relação à alegação de não-coabitação entre

irmãos, a denegação da ordem fundamenta-se em interpretações que reconhecem a aplicabilidade da lei em casos de violência praticada entre ex-namorados, pois caracterizada a relação íntima de afeto; in

casu, igualmente caracterizada tal relação, por ter havido coabitação

anterior entre os irmãos, considerando-se, pois, que o espírito da Lei está na “proteção da mulher em situação de fragilidade [...] em decorrência de qualquer relação íntima, com ou sem coabitação”. Em voto vencido, aduz-se a necessidade, diante do tratamento mais rigoroso trazido pela legislação especial, da interpretação mais restritiva possível (entendendo-se não ser aplicável entre irmãos) e da necessidade de ponderação da salvaguarda dos interesses da mulher vítima de violência no contexto do devido processo legal, dentro dos limites impostos pelos princípios da legalidade e da razoabilidade.

Apesar das recentes decisões proferidas pelo STF no julgamento da ADI 4.424 (fixando a interpretação do art. 16 da LMP, considerando a ação penal, mesmo na hipótese de lesão corporal leve, no âmbito da violência doméstica, como pública incondicionada) e da mencionada ADC 19 (Cf. PUPO, Matheus Silveira. O crime de lesão corporal leve no contexto de violência doméstica (art. 129, § 9º, do CP) após o julgamento da ADI 4.424 e da ADC 19 pelo STF. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 20, n. 234, p.11-12, maio. 2012), e da consequente aplicabilidade de tais interpretações ao caso em questão, em meu

entender estes aspectos não constituem a questão central discutida. Mais do que a controvérsia a respeito da coabitação ou da própria aplicabilidade da LMP entre irmãos, a questão da configuração ou não da violência de gênero (ou, nos termos da lei, de violência familiar) quando a vítima supostamente não é hipossuficiente ou economicamente dependente de seus familiares, apesar de não tão destacada, parece ser a questão de fundo da discussão.

Ao estabelecer, no art. 5º, que a violência doméstica e familiar se configura por “qualquer ação ou omissão baseada no gênero”, “no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas [inc. I]”, ou “no âmbito da família, [...] comunidade formada por indivíduos [...], unidos por laços naturais [inc. II]”, não parece exigir a lei a cumulação de incisos para a sua caracterização, de modo que, não havendo coabitação, permanece a possibilidade da violência.

O inciso II abre a possibilidade de considerar como violência familiar contra a mulher a ameaça praticada por irmãos contra a irmã. Mas não condiciona a lei esta configuração à prova da dependência financeira da mulher em relação ao familiar que tenha, contra ela, praticado violência. Isso porque a violência de gênero pode, perfeitamente, prescindir dessas relações de subordinação (embora presentes em parcela considerável dessas dinâmicas de violência). Se assim não fosse, não haveria violência familiar quando a mulher trabalha e contribui para o sustento familiar de modo igual ou superior ao homem, ou quando a mulher é a chefe da família. E há.

A dinâmica da violência de gênero, calcada no patriarcalismo, tem raízes históricas e sociais muito mais fundas do que a mera dependência financeira. Sua prática, arraigada na sociedade contemporânea, se manifesta, por vezes, de formas sutis, como no tratamento diferenciado entre irmãos e irmãs, e na prática de violência psíquica contra as mulheres, muitas vezes desde a infância. Assim, apesar de, muitas vezes, parecer não haver relevância do gênero na configuração da violência, esta impressão pode não resistir a um olhar mais acurado.

Do ponto de vista político-criminal, é possível, portanto, caracterizar-se a violência doméstica e familiar ainda quando não haja dependência econômica, hipossuficiência ou coabitação, como se decidiu no caso em questão. Esta conclusão, obviamente, não afasta os já mencionados efeitos nefastos que daí advêm, que implicam violações de garantias constitucionais penais e processuais; tais questões, já consolidadas nas decisões da corte constitucional, precisam ser repensadas e remodeladas, buscando-se conciliar a necessária proteção às vítimas de violência de gênero com os princípios constitucionais de (cf., entre outros, CAMPOS, Carmen Hein de; CARVALHO, Salo de. Violência doméstica e Juizados Especiais Criminais: análise a partir do feminismo e do garantismo. Estudos Feministas, Florianópolis, 14(2): 409-422, maio-agosto/2006 e CELMER, Elisa Girotti; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli de. Violência de gênero, produção legislativa e discurso punitivo: uma análise da lei n. 11.340/2006. Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 14, n. 170, p.15-17, jan. 2007).

Maria Emilia Accioli Nobre Bretan

Doutora em Direito pela USP.

Professora da FACAMP e do

Instituto Presbiteriano Mackenzie.

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1643

1643

Tribunal Regional Federal

DIREITO PENAL. LAVAGEM DE DINHEIRO. ATIPICIDADE.

1. Para que se caracterize o crime de lavagem de dinheiro previsto no art. 1º, inciso VI, da Lei 9613/98, é imprescindível que o agente desenvolva uma das duas condutas ali previstas (ocultar ou dissimular), incidindo sobre o fruto da atividade criminosa precedente, praticada contra o Sistema Financeiro Nacional. 2. Inexistindo ocultação ou dissimulação sobre natureza, origem, localização, disposição, movimento ou propriedade do produto derivado de crime contra o Sistema Financeiro Nacional, é possível a caracterização de simples exaurimento desse crime ou até mesmo receptação ou favorecimento real, delitos previstos no Código Penal e merecendo apuração em sede própria, inexistindo, a rigor, lavagem de dinheiro, sob pena de desatenção ao princípio da legalidade estrita (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXIX, e Código Penal, art. 1º). 3. Provimento da apelação, com a absolvição da Recorrente. (TRF 5.ª R. – 3.ª T. – AP 0001109-76.2007.4.05.8100 – rel. Ivan Lira de Carvalho – j. 02.02.2012 – public. 14.02.2012 – Cadastro IBCCRIM 2834).

Pesquisador: José Carlos Abissamra Filho

Anotação: O precedente que ora nos convidam a examinar trata de um dos temas mais controvertidos da atual jurisprudência criminal: o alcance da definição penal do crime de lavagem de dinheiro. A questão agitada na apelação julgada pelo TRF da 5.ª Região atina com a configuração ou não do crime de lavagem em razão da movimentação financeira considerada atípica pelo Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, órgão vinculado ao Ministério da Justiça.

A conclusão do acórdão foi no sentido de que “... a movimentação

financeira de que trata o presente feito, mesmo que operada por pessoas já com implicações judiciais na área de crimes contra o sistema financeiro (por exemplo, evasão de divisas – art. 22 da Lei n. 7.492/86 (...), com vultosa quantia (três milhões, duzentos e sessenta mil reais), passando por três agências bancárias entre Fortaleza e Salvador, através de operação bancária muito primária e descoberta (a TED – transferência eletrônica), não patenteia a prática de lavagem de capitais”.

O entendimento de certa forma vai de encontro ao firmado anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal – nos autos do RHC 80.816-6/SP (DJU 18.06.2001), de relatoria do e. Min. Sepúlveda Pertence –, e objeto de severas críticas, na época, em artigo publicado pelo advogado Celso Vilardi (O crime de lavagem de dinheiro e o início de sua execução, RBCCrim 47/2004, mar.-abr. 2004, republicado em Doutrinas Essenciais Penais, vol. VIII, p. 1071/1085.

Para melhor entender a questão, convém recorrer à definição fenomenológica da lavagem de capitais, a qual, tanto quanto possível, deve ser levada em conta na interpretação do tipo penal cunhado pelo legislador brasileiro. Para Blanco Cordeiro, a lavagem de capitais é

“... el proceso de ocultación de bienes de origen delictivo con el fin de

dotarlos de una apariencia final de legitimidad” (blaNco cordero,

Isidoro. El delito de blanqueo de capitales. 2. ed. Navarra, Espanha: Aranzadi, 2002. p. 91, g.n.).

Como o tipo penal do art. 1.º da Lei n. 9.613/1998 utiliza os verbos ocultar e dissimular, e para atrapalhar ainda mais a tarefa do intérprete, o nomen juris do crime é “dos crimes de ‘lavagem’, ou ocultação de

bens ou valores”, há quem sustente que a mera ocultação de bens ou

valores já configuraria lavagem. Pese este entendimento, parece claro que os verbos ocultar e dissimular traduzem uma conduta comissiva, destinada a tornar oculto algo que, sem esta intervenção anômala, ficaria exposto ou à vista, conduta inversa à de quem faz os valores circularem

em contas de sua própria titularidade pelo sistema financeiro, ambiente cada vez mais fiscalizado pelos órgãos de controle.

Ademais, consectário lógico da definição supraposta é que não se oculta algo que já está oculto. Logo, esconder em uma gaveta o dinheiro em espécie recebido em transação ilícita – e clandestina – não é lavagem.

Assim, a única interpretação possível do art. 1.º é no sentido de que a conduta incriminada é a de dar ao bem ou valor aparência de licitude, seja ocultando sua propriedade (simulando propriedade de terceiro), seja dissimulando sua origem (criando receitas fictícias de negócios lícitos), seja dissimulando a movimentação (fazendo dezenas de movimentações bancárias de pequenos valores, para fugir aos órgãos de controle), entre outras, mas sempre presente a ideia do incremento oficial, mediante uma conduta comissiva, destinada a garantir a propriedade dos bens ou valores como se legítimos fossem. Ou seja, o crime de lavagem só se configura se tiver sido conferida origem lícita para estes valores, como a venda simulada de um imóvel, ou a criação fictícia de receita por intermédio de um estabelecimento comercial, mas não com a mera movimentação a descoberto de valores provenientes da prática de crime.

A incriminação da lavagem deve visar algo que a tipificação de outros crimes não conseguiu alcançar. E nem poderia ser diferente, pois o mero ato de auferir lucro com a prática do crime e usufruir as benesses do capital ilícito já é ínsito aos delitos que visam ao enriquecimento.

Sendo assim, a intenção do legislador é uma só, sob pena de que incorresse até mesmo em um bis in idem punitivo: impedir que o sistema jurídico e suas regras de proteção da propriedade sejam promiscuamente utilizados pelo delinquente como meio de preservação do patrimônio ilícito. E com razão, pois significaria a própria ordem jurídica alimentando em seu ventre a besta que visa a destruí-la.

É natural, de outro giro, que a primeira etapa do crime de lavagem seja a da colocação. Sim, porque só é possível dar aparência lícita a um bem já inserido na economia. A questão que surge então é quanto à incriminação da etapa da colocação. Seria uma tentativa de lavagem? A resposta só pode ser afirmativa se houver certeza de que aquela

colocação pertence a um processo maior destinado a conferir, ao fim

e ao cabo, aparência de licitude ao bem, algo difícil de ser feito, a não ser por mera especulação.

Agora uma coisa é certa: a mera colocação, sem vínculo com um processo mais amplo destinado a legitimar o bem ou o valor, não pode configurar lavagem, porque é obviamente o inverso da ocultação. É o trazer à luz.

No caso do depósito bancário, seria o caso até de se sustentar a tentativa impossível por inadequação do meio (art. 17 do Código Penal), pois, nos dias de hoje, é praticamente impossível pretender ocultar a propriedade de alguns milhões de reais, introduzindo-os no sistema financeiro oficial. Diga-se mais: ao depositar valores elevados em uma conta bancária, o que ocorre é que a soma, antes mantida fora do alcance e do conhecimento das autoridades, agora se torna conhecida e sujeita a controle, e até a bloqueio. É o oposto da lavagem.

Enfim, o mero depósito em conta bancária não constitui mecanismo hábil a ocultar bens ou valores e muito menos apto a conferir-lhes aparência de licitude, a fim de que se possa falar em crime de lavagem.

Fábio Tofic Simantob

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1644

Tribunal de Justiça

Direito Processual Penal. Resposta à acusação. Motivação

adequada. Artigo 93, IX, da Carta Constitucional.

“É cediço que a decisão que aprecia a resposta à acusação não precisa ser exaustivamente fundamentada. Mas deve ao menos indicar à defesa o caminho intelectual trilhado pelo Magistrado para afastar suas alegações. Do contrário, a inovação processual da Lei nº 11.719/08 não teria sentido algum. In casu, a decisão em questão foi excessivamente genérica, não evidenciando mínima correlação com o caso concreto. Limitou-se a d. Autoridade Judicial apontada como coatora a afirmar em seu decisório que estava a designar audiência de instrução e julgamento, por não ser o caso de absolvição sumária (fls. 71). Decisão judicial carente de adequada motivação é nula, por violar a regra insculpida no artigo 93, IX, da Carta Constitucional. Como bem anotou a propósito o i. Procurador de Justiça oficiante, Dr. Luis Antonio de Sampaio Arruda: ‘(...) lastimavelmente, observa-se que o despacho judicial impugnado realmente incidiu em nulidade por falta de fundamentação, posto que não abordou quaisquer das questões levantadas pela Defesa dos réus em sua manifestação anterior, limitando-se a consignar, tão somente e de forma lacônica, que não era caso de absolvição sumária. Ora, é notório que Juízes das mais diversas comarcas do interior estão assoberbados de serviço e muitas vezes são obrigados a acumular competências diversas, entretanto, não se há admitir que venham a deixar de observar princípio básico do direito, insculpido na própria Constituição Federal (art. 93, IX). Dessa forma, configurado o vício do ato decisório, inevitável é o acolhimento do writ quanto a esse aspecto, conforme, inclusive, já antecipou o ilustre Relator sorteado. (...)’. Nesse particular, enfim, e apenas nele, razão assiste aos impetrantes, como reconhecido ab initio.” (Ementa não oficial) (TJSP – 7.ª Câm. Crim. – HC 0220292-08.2012.8.26.0000 – rel. Roberto Mortari – j. 16.12.2012 – public. 11.12.2012 –Cadastro IBCCRIM 2831)

Pesquisador: Matheus Silveira Pupo

Anotação: Trata-se de habeas corpus impetrado com o objetivo de reconhecer a nulidade de decisão proferida por juiz de primeiro grau que, ao analisar resposta à acusação apresentada por um acusado, rejeitou-a sob o singelo argumento de que não seria caso de absolvição

sumária. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por meio de

sua 7.ª Câmara de Direito Criminal, concedeu a ordem pleiteada, determinando ao magistrado de primeiro grau que efetivamente analise a resposta à acusação apresentada pelo paciente.

Segundo entendeu o órgão colegiado, a simples menção ao não cabimento de absolvição sumária – cujas hipóteses estão previstas no art. 397 do CPP – não atende ao postulado constitucional da motivação

das decisões judiciais (art. 93, IX, da CF), o que caracteriza a nulidade

da decisão. E, segundo nosso entendimento, o Tribunal de Justiça de São Paulo agiu corretamente.

Com a entrada em vigor da Lei 11.729/2008, introduziu-se no ordenamento jurídico brasileiro a fase denominada juízo de acusação (iudicium acusationis). E, muito antes de 2008 – mais precisamente em 1937 – Joaquim Canuto Mendes de Almeida (cf. A contrariedade na

instrução criminal. São Paulo: Saraiva, 1937, p. 20) já se manifestava

favoravelmente à adoção do referido instituto, necessário para “(...)

preservar a inocência contra as acusações infundadas e o organismo judiciário com o custo e a inutilidade que estas redundariam”.

Assim, imbuído desse espírito lastreado na justiça e na celeridade processual, o legislador alterou substancialmente diversos dispositivos

da legislação processual penal. Após o recebimento da denúncia ou queixa (art. 396 do CPP), o legislador criou a possibilidade de o acusado apresentar resposta escrita à acusação. Em seguida, o juiz poderá absolvê-lo sumariamente, se presente alguma das hipóteses previstas no art. 397 do CPP, ou receber, em juízo definitivo, a exordial acusatória, diante da ausência dos requisitos previstos nos arts. 395 e 397 do mesmo Código, dando-se início à instrução criminal.

Ao apresentar resposta à acusação, pode o acusado não apenas suscitar questões de mérito que ensejem sua absolvição sumária, mas também alegar toda e qualquer questão que interesse a sua defesa, inclusive inépcia da inicial, ausência de justa causa ou outra questão processualmente relevante que permita a rejeição da acusação, até mesmo porque o art. 396 do CPP nada mais é do que um recebimento provisório da denúncia ou queixa (cf. FerNaNdeS, Antonio Scarance;

lopeS, Mariângela. O recebimento da denúncia no novo procedimento.

Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, n, 190, p. 2, set.

2008).

Seria incongruente interpretar, à luz dessas mudanças, que ao juiz seja dado reconhecer, de forma imotivada, a validade da acusação sem qualquer argumentação ou justificativa condizente com as hipóteses concretas de cada caso. Ora, se é proporcionada ao denunciado a possibilidade de rebater as imputações que lhe são lançadas na denúncia para que seja feito um juízo de admissibilidade, é consequência lógica e forçosa que o magistrado deve fundamentar qualquer decisão que desacolhe suas alegações defensivas, até mesmo para que demonstre que efetivamente analisou a viabilidade da acusação.

Cabe ressaltar que o dever de motivação das decisões judiciais, sob a égide de um Estado Democrático de Direito, é imposto ao juiz pelo próprio exercício da função jurisdicional. A motivação de uma sentença ou decisão interlocutória não interessa somente ao cidadão, como garantia de sua liberdade em face ao Poder Estatal, mas também

ao próprio Estado, que tem o interesse de que a prestação jurisdicional

seja corretamente administrada.

E, sob um prisma objetivo, a garantia da motivação também se presta para convencer as partes das razões da decisão, de forma a que fique claro que o resultado do processo, longe de decorrer da sorte ou do acaso, representa a verdadeira atuação da lei sobre os fatos submetidos a juízo (cf. Tucci, Rogério Lauria; cruze Tucci,

José Rogério. Constituição de 1988 e processo. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 74); permite-lhes, ainda, saber se a decisão foi o fruto da vontade pessoal do magistrado, resguardando a independência e a imparcialidade do julgador (cf. GomeS Filho, Antonio Magalhães. A

motivação das decisões judiciais. São Paulo: RT, 2001. p. 96-107).

E, não menos importante, a motivação tem como função possibilitar o controle crítico da decisão, permitindo o seu reexame por meio da interposição do recurso ou do remédio constitucional adequado.

Evidentemente, não se espera na fase de iudicium acusationis que o julgador, ao apreciar resposta à acusação ofertada, efetue profunda análise de mérito, até mesmo para que se evite um prejulgamento da causa. Espera-se, contudo, que haja pelo menos uma análise, ainda que simples e enfrentando minimamente as teses defensivas (consoante, inclusive, entendimento jurisprudencial predominante no E. Superior Tribunal de Justiça – cf. HC 232.842/RJ), de forma a que a exigência constitucional da garantia, tal como explicitada acima, seja efetivamente cumprida.

Luís Fernando Silveira Beraldo

Advogado.

Mestre em Direito Processual Penal pela USP.

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