PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE TERCEIRA CÂMARA CÍVEL
Processo: APELAÇÃO CÍVEL - 0808359-32.2017.8.20.5124
Polo ativo DEFENSORIA PUBLICA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
: Advogado(s)
Polo passivoESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE e outros
: Advogado(s)
PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Gab. Des. Vivaldo Pinheiro na Câmara Cível
Remessa Necessária n° 0808359-32.2017.8.20.5124
Remetente: Vara da Fazenda Pública da Comarca de Parnamirim/RN Entre Partes: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Norte Def. Público: André Gomes de Lima
Entre Partes: Estado do Rio Grande do Norte
Relator: Desembargador VIVALDO PINHEIRO
EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA. OBRIGAÇÃO DE O ESTADO CUSTEAR OS EXAMES DE DNA A PARTES HIPOSSUFICIENTES. INVESTIGAÇÃO DE IDENTIDADE
GENÉTICA QUE REPRESENTA DESDOBRAMENTO DO
DIREITO DA PERSONALIDADE E PRINCÍPIO DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DIREITO ASSEGURADO PELA LEI ESTADUAL Nº 9.535/2011 EM COTEJO COM O ART. 98, §1º, V, DO CPC E ART. 5º, LXXIV, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DIREITO RECONHECIDO
INDEPENDENTEMENTE DE PRÉVIA DOTAÇÃO
ORÇAMENTÁRIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
CONHECIMENTO E DESPROVIMENTO DO REEXAME OFICIAL.
ACÓRDÃO
Acordam os Desembargadores que integram a Terceira Câmara Cível deste Egrégio Tribunal de Justiça, por unanimidade de votos, em harmonia com o parecer ministerial, conhecer e negar provimento à Remessa Necessária, nos termos do voto do Relator, parte integrante deste.
RELATÓRIO
Trata-se de Remessa Necessária a que se submete a sentença proferida pelo Juízo da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Parnamirim/RN, nos autos da Ação Civil Pública nº 0808359-32.2017.8.20.5124, que julgou procedente a pretensão inicial, nos seguintes termos:
“(...) confirmo a decisão que antecipou os efeitos da tutela e julgo procedente a pretensão autoral, para determinar ao demandado a obrigação de fazer consistente em custear os exames de DNA para
os beneficiários da assistência judiciária gratuita nos processo em trâmite e futuros desta comarca, em que se faça necessário tal exame, bem como em feitos extrajudiciais de investigação de paternidade instaurados, nesta Comarca, no âmbito da Defensoria Pública do Estado, desde que as partes interessadas possuam renda mensal familiar per capita de até um salário mínimo, nos termos da Lei Estadual nº 9.535/2011.”
Ausente recurso voluntário, subiram os autos por força da Remessa Oficial.
Com vista dos autos, a 15ª Procuradora de Justiça opinou pelo conhecimento e desprovimento da Remessa Necessária.
É o relatório.
VOTO
Preenchidos os requisitos de admissibilidade, conheço da Remessa. Discute-se nos autos o dever de o Estado do Rio Grande do Norte de custear os exames de DNA nas demandas em que o beneficiário tenha renda per capita de até um salário mínimo, de acordo com a Lei Estadual nº 9.535/2011.
A Lei Estadual nº 9.535/2011, que instituiu, no âmbito estadual,o Programa Público Paternidade Responsável, com o objetivo de promover a busca pelo reconhecimento de paternidade em relação a crianças e adolescentes estudantes da rede pública estadual de ensino, apresenta, dentre as medidas, o custeio dos exames de DNA, confira-se:
“Art. 2º. Constituem ações do Programa Público Paternidade Responsável:
(...)
IV - o custeio, pela SETHAS, de exames de Ácido Desoxirribonucléico (ADN), solicitados em procedimentos extrajudiciais de investigação de paternidade instaurados no âmbito da DPE. Parágrafo único. O custeio do teste de ADN de que trata o inciso IV, do caput, deste artigo somente é realizado pela SETHAS no caso de as partes interessadas ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE – SECRETARIA LEGISLATIVA possuírem renda mensal familiar per capita de até um salário mínimo e não abrange o pagamento de eventual exame de contraprova. Art. 3º. As despesas decorrentes da implementação da presente Lei correrão por conta de dotações da Lei Orçamentária Anual consignadas em favor da SETHAS.
Paralelamente, o Código de Processo Civil, em seu art. 98, §1º, V, estendeu a gratuidade judiciária às "despesas com a realização de exame de código genético
.
"
- DNA e de outros exames considerados essenciais
E, mais, a Constituição Federal, em seu art. 5º, LXXIV, garante que
"o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem ".
insuficiência de recursos
Ademais, é certo que a busca pela identidade genética configura-se como direito fundamental do cidadão, eis que representa um desdobramento lógico dos direitos da personalidade e do princípio da dignidade da pessoa humana, ambos consagrados constitucionalmente.
Logo, cotejando o texto da legislação de regência acima transcrito com o dispositivo do CPC e a norma constitucional, ressoa lógico o dever do Estado de viabilizar os meios necessários à investigação da identidade genética para aqueles reconhecidamente hipossuficientes.
Aliás, o Superior Tribunal de Justiça possui entendimento consolidado no sentido de reconhecer a obrigação do ente público no custeio dos exames de DNA às partes economicamente hipossuficientes, confira-se:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. AÇÃO DE
INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. PARTES
HIPOSSUFICIENTES. GRATUIDADE DE JUSTIÇA DEFERIDA. EXAME DE DNA. ABRANGÊNCIA. ART. 98, § 1º, INCISO V, DO CPC/2015. OBRIGAÇÃO DO ESTADO EM CUSTEAR O RESPECTIVO EXAME. ART.
5º, INCISO LXXIV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO DESPROVIDO.
1. Cinge-se a controvérsia a definir se o Estado deve arcar com os custos referentes ao exame de DNA determinado em ação de investigação de paternidade, tendo em vista a hipossuficiência das partes.
2. Nos termos do que dispõe o art. 98, § 1º, inciso V, do Código de Processo Civil de 2015, a gratuidade da justiça compreende as despesas com a realização de exame de código genético - DNA e de outros exames considerados essenciais.
3. Em relação à responsabilidade pelo pagamento da despesa correlata, cabe ao Estado o custeio do exame de DNA em favor dos hipossuficientes, a teor do que proclama o art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição Federal ("O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos"), viabilizando, assim, o efetivo exercício do direito à assistência judiciária gratuita e, em última análise, ao próprio acesso ao Poder Judiciário, não sendo admissível a discussão de questões orçamentárias pelo poder público na tentativa de se eximir da responsabilidade atribuída pelo texto constitucional. Precedentes do STF.
4. Recurso desprovido. (RMS 58.010/GO, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 26/04/2019)
Desse modo, não pode o Estado escudar-se em suposta violação à legalidade orçamentária, tendo em vista que não se está criando ou majorando despesa pública, mas apenas aplicando legislação estadual já existente e que, portanto, já teve sua previsão orçamentária.
Pelo exposto, em harmonia com o parecer ministerial, nego provimento ao Reexame Obrigatório, mantendo a sentença recorrida em todos os seus termos.
É como voto.
Natal, data da assinatura eletrônica.
Desembargador VIVALDO PINHEIRO
Relator
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