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VERÔNICA BARROS DA CUNHA

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VERÔNICA BARROS DA CUNHA

USO DE COCAÍNA DURANTE A GESTAÇÃO:

RISCOS E COMPLICAÇÕES MATERNAS E FETAIS E AS

CONSEQUÊNCIAS PÓS-PARTO

DIADEMA

2020

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VERÔNICA BARROS DA CUNHA

USO DE COCAÍNA DURANTE A GESTAÇÃO:

RISCOS E COMPLICAÇÕES MATERNAS E FETAIS E AS

CONSEQUÊNCIAS PÓS-PARTO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Farmácia, ao Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo – Campus Diadema. Orientador: Professor Dr. Raphael Caio Tamborelli Garcia

DIADEMA

2020

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Agradecimentos

Agradeço primeiramente a meu orientador Professor Dr. Raphael Caio Tamborelli Garcia por todo apoio, dedicação, tempo e atenção que me disponibilizou na elaboração deste trabalho.

Agradeço aos meus pais, Vânia Penha de Barros e Marcos Antônio da Cunha e irmã, Milena Barros da Cunha por todo suporte, compreensão, incentivo e força que dedicaram a mim durante meu período de graduação.

Agradeço aos meus amigos de graduação Ana Beatriz Alves, Bruna Vaz, Cristine Gonçalves, Jéssica Nonato, Júlia Custódio, Maria Cecília Cheganças, Fernanda Oldani e Felipe Ponquio por todas as conversas, apoio, discussões e parcerias que foram essenciais no meu percurso pela Universidade. Tenho certeza que serão profissionais excepcionais.

Agradeço imensamente a todos os mestres com quem tive oportunidade de ter aula, por toda dedicação e amor por ensinar e compartilhar conhecimento.

Agradeço também a minha supervisora de estágio, Beatriz de Toledo Minguzzi e amiga Isadora Zanelatto por todo aprendizado e pela participação direta em meu desenvolvimento profissional. Sou grata por ter tido a oportunidade de trabalhar com vocês e pela experiência que me proporcionaram durante meu período de estágio.

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RESUMO

O uso de cocaína aumentou significativamente em meados da década de 80 e acarretou problemas sociais e de saúde pública devido aos seus efeitos adversos e alto potencial de causar dependência (transtorno por uso de substâncias). A cocaína promove uma sensação de bem estar, prazer e euforia relacionados principalmente ao bloqueio da recaptação de dopamina no núcleo accumbens, causando um aumento expressivo desse neurotransmissor na fenda sináptica. No entanto, essa estimulação constante e o uso crônico levam a uma neuroadaptação que está associada com a dependência e assim, o usuário passa a necessitar a droga. A cocaína pode ser administrada por diferentes vias dependendo da sua forma química: o cloridrato de cocaína, que é um pó hidrossolúvel utilizado pelas vias intranasal e endovenosa; e a base livre, mais barata e potente, da qual deriva o

crack, também conhecida como “pedra”, que é fumado em cachimbos. Os efeitos

adversos mais comuns decorrentes do uso de cocaína incluem perda de apetite, aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, hiperestimulação e vasoconstrição. Além disso, há riscos relacionados à via de administração, de forma que o uso do pó pode levar a necrose da mucosa nasal, o crack a problemas respiratórios e a administração endovenosa tem alto risco de contaminação por infecções como HIV e hepatites. O aumento do uso de cocaína também envolve o grupo de mulheres grávidas e em idade fértil. Tal população tem um alto risco de desenvolver efeitos adversos da cocaína potencializados pelas alterações fisiológicas da gravidez, como mudanças hematológicas e cardíacas. Além disso, o risco do uso da droga também inclui as consequências e possíveis alterações no feto e/ou bebê. Muitos estudos concluíram que o uso de cocaína durante a gestação está associado com maior incidência de abortos espontâneos por descolamento de placenta, nascimentos prematuros e baixo peso neonatal. Além disso, as consequências da cocaína podem ser observadas em longo prazo, como distúrbios neurológicos e comportamentais que se perpetuam na criança. Portanto, o uso da cocaína durante a gestação trata-se de um problema de saúde pública, devido tanto ao impacto direto na saúde da mãe e da criança, quanto à associação com diversos fatores como comorbidades psiquiátricas, pobreza, isolamento social, trauma e violência doméstica.

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ABSTRACT

Cocaine use increased significantly in the mid-1980s and led to social and public health problems due to its adverse effects and high potential for addiction. Cocaine causes a of well-being sensation, as well as pleasure and euphoria related mainly to the blockage of the reuptake of dopamine in the nucleus accumbens, causing a significant increase of this neurotransmitter in the synaptic cleft. However, this constant stimulation and cocaine chronic use lead to neuroadaptation that is associated with addiction and thus, a transition from “like” to “need/seek” the drug. Cocaine can be administered by different routes depending on its chemical form: cocaine hydrochloride, which is a water-soluble powder used by the intranasal and intravenous routes; and the cheaper, more potent free base, from which crack derives, which is smoked in pipes. The most common adverse effects from cocaine use include loss of appetite, increased blood pressure and heart rate, hyperstimulation and vasoconstriction. In addition, there are risks related to the route of administration, cocaine powder can lead to necrosis of the nasal mucosa; crack use may cause respiratory problems; and intravenous administration has a high risk of contamination by infections such as HIV and hepatitis. The increase in cocaine use also involves the group of pregnant women and women of childbearing age. Such a population has a high risk of developing adverse effects of cocaine, enhanced by the physiological changes of pregnancy, such as hematological and cardiac changes. In addition, the risk of using the drug also includes the consequences and possible changes to the fetus and / or baby. Many studies have concluded that cocaine use during pregnancy is associated with a higher incidence of spontaneous abortions due to placental detachment, premature births and low neonatal weight. In addition, the consequences of cocaine can be seen in the long term, such as neurological and behavioral disorders that are perpetuated in the child. Therefore, the use of cocaine during pregnancy is a public health problem, due both to the direct impact on mother’s and child’s health as well as to the association with several factors such as psychiatric comorbidities, poverty, social isolation, trauma and domestic violence.

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Lista de Figuras:

Figura 1 - Consumo de cocaína aspirada na vida e no último ano entre adultos e adolescentes, 2012...10 Figura 2 - Consumo de cocaína fumada (Crack e Oxi) na vida e no último ano entre adultos e adolescentes, 2012...11 Figura 3 - Estágios críticos do desenvolvimento embriofetal e as anomalias causadas pela ação de xenobióticos em diferentes períodos de exposição...16 Figura 4 - Curvas de concentração plasmática de cocaína vs. tempo após a administração por diferentes vias...20 Figura 5 - Biotransformação da cocaína, incluindo a associação com etanol e formação de cocaetileno...21

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Lista de Tabelas:

Tabela 1 – Uso de drogas ilícitas durante a gravidez baseada em análises de mecônio...2 9 Tabela 2 – Estimativa do uso de droga durante a gravidez por meio de entrevistas maternas e análises de mecônio...29 Tabela 3 – Descrição das características de recém-nascidos expostos (ntotal=19) e

não expostos (ntotal=323) à cocaína no período fetal, provenientes do Hospital

Universitário – USP, São Paulo, 2014...35 Tabela 4 – Comparação de dados obstétricos e desfechos perinatais da população exposta à cocaína e população controle...36

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SUMÁRIO 1. Introdução: ... 10 1.1 Drogas de Abuso ... 10 1.2 Farmacocinética da gestação ... 12 1.2.1 Alterações hematológicas ... 12 1.2.2 Alterações cardíacas ... 13 1.2.3 Alterações gastrointestinais ... 13 1.2.4 Placenta ... 13

1.3 Ação de agentes teratogênicos... 14

1.4 Exposição nos diferentes períodos de gestação ... 15

1.5 Impactos sociais e riscos da ação de teratógenos ... 16

1.6 Cocaína ... 17

1.6.1 Vias de administração da cocaína e os seus riscos ... 18

1.6.2 Toxicocinética ... 19

1.6.3 Toxicodinâmica ... 21

1.7 Fenômenos neuroadaptativos causados pela cocaína ... 22

1.8 Outros efeitos relacionados ao uso de cocaína ... 24

2 Objetivos ... 24

3 Material e Métodos ... 25

4 Resultados e Discussão ... 25

4.1 Riscos e efeitos causados pela cocaína em gestantes ... 25

4.1.1 Abortos espontâneos e partos prematuros ... 27

4.2 Riscos e consequências para o feto exposto à cocaína in utero ... 28

4.2.1 Complicações fetais da exposição à cocaína... 28

4.2.2 Malformações congênitas ... 30

4.2.3 Alterações do sistema nervoso central ... 32

4.2.4 Resultados perinatais de bebês expostos à cocaína ... 33

4.2.5 Desfechos a longo prazo de crianças expostas a cocaína in utero ... 36

4.2.6 Questões sociais envolvidas com bebês expostos a cocaína ... 37

5 Conclusão ... 38

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1. Introdução: 1.1 Drogas de Abuso

O consumo de drogas ilícitas representa um importante problema de saúde pública no mundo, principalmente quando se trata de países em desenvolvimento como o Brasil. O uso dessas substâncias está associado com várias consequências como violência, prejuízo do desenvolvimento psicossocial, doenças infecciosas, distúrbios mentais e suicídios (Guimarães, et al., 2018).

A cocaína é a segunda droga ilícita mais consumida no Brasil. Sendo que, de acordo com a United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC), o país foi citado como uma das nações emergentes na qual o consumo de drogas estimulantes como a cocaína está aumentando enquanto que em contrapartida, na maioria dos demais países tem-se observado o oposto. Dessa forma, a utilização crescente de cocaína no país retrata um problema de saúde pública diante das consequências causadas pelo uso da droga. De acordo com o Segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD) realizado no Brasil em 2012 pelo Instituto Nacional de Políticas Públicas do Álcool e Outras Drogas (INPAD) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), a cocaína aspirada foi consumida pelo menos uma vez na vida por 2,3% dos adolescentes e 3,8% dos adultos (Figura 1), enquanto que, a cocaína fumada foi consumida pelo menos uma vez na vida por 1,0% dos adolescentes e 1,4% dos adultos entrevistados no Brasil (Figura 2).

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Figura 1 - Consumo de cocaína aspirada na vida e no último ano entre adultos e adolescentes, 2012. (II LENAD 2012)

Figura 2 - Consumo de cocaína fumada (Crack e Oxi) na vida e no último ano entre adultos e adolescentes, 2012. (II LENAD 2012)

Ainda, segundo o levantamento domiciliar sobre o uso de drogas psicotrópicas no Brasil realizado em 2005 pelo CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas), o consumo de cocaína entre os 7.939 entrevistados foi de 2,9%, representando uma estimativa de 1.459.000 pessoas que já fizeram uso de cocaína na vida. Dentre esses, o uso está presente na faixa etária de 12-17 anos e atinge um máximo na faixa dos 25-34 anos.

De acordo com os levantamentos realizados nos últimos anos relacionados ao consumo de drogas no Brasil, evidencia-se que o consumo de cocaína é prevalente entre a população jovem e, além disso, nota-se um consumo crescente da droga. O que enfatiza o problema de saúde pública causada pela cocaína.

Pensando na faixa etária com maior prevalência de uso de cocaína, mulheres em idade fértil estão entre a população de maior consumo da droga. Diante disso, sabe-se que o consumo de drogas ilícitas na gestação também é um problema de saúde pública, envolvendo um potencial efeito no feto/embrião, dentre eles, o baixo peso neonatal, restrição de crescimento intrauterino assim como, o nascimento

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prematuro e aborto espontâneo. Dentre as drogas ilícitas, a cocaína e seus derivados como crack têm efeitos prejudiciais na gravidez. A extensão desse problema pode ser estimada em uma maior demanda por cuidado médico e custos com hospitalização e tratamento especializado para mulheres grávidas dependentes, assim como, o aumento no número de nascimentos prematuros (Mazzu-Nascimento, et al., 2017).

1.2 Farmacocinética da gestação

A gravidez está associada a consideráveis mudanças fisiológicas, anatômicas e bioquímicas nas mulheres a fim de nutrir e acomodar o feto em desenvolvimento. Essas mudanças começam depois da concepção e afetam os sistemas do organismo. Algumas dessas mudanças têm um efeito direto na cinética de xenobióticos e podem predispor a uma maior susceptibilidade do feto/embrião aos efeitos tóxicos. Essas mudanças incluem alterações nos níveis de atividade enzimática do citocromo P450 que está relacionada com o a regulação alterada pelos altos níveis de hormônios como estradiol e progesterona. E, além disso, o volume de plasma, débito cardíaco e ligação a proteínas plasmáticas também sofrem alterações que serão discutidas a seguir (Abduljalil, et al., 2012).

1.2.1 Alterações hematológicas

O volume do plasma aumenta progressivamente durante a gestação e a maior parte desse aumento ocorre na 34ª semana e é proporcional ao peso do embrião. Devido à expansão do volume do plasma ser maior que o aumento de massa de células vermelhas, ocorre uma diminuição na concentração de hemoglobina, hematócrito e na contagem de células vermelhas (Soma-Pillay, et al., 2016). O mecanismo fisiológico para essa hipervolemia é complexo e está ligado principalmente com o aumento da produção da aldosterona induzida pelo estrogênio. O aumento da aldosterona resulta no acúmulo de 500-900 mEq de sódio e 6 a 8 litros de água, resultando na hemodiluição, que tem como propósito um efeito benéfico na circulação uteroplacentária pela diminuição da viscosidade do sangue. Além disso, a expansão do volume do plasma está ligada ao crescimento fetal (Troiano, 2018).

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Com a hemodiluição, ocorre uma queda nos níveis plasmáticos de albumina levando a um aumento da fração livre de substâncias, de maneira que, há uma maior disponibilidade de xenobióticos livres na circulação sanguínea, que ficam mais disponíveis para o feto/embrião. Além disso, o aumento no volume plasmático pode resultar em um maior volume de distribuição de drogas hidrofílicas (Dallmann, et al., 2017).

1.2.2 Alterações cardíacas

As mudanças no sistema cardiovascular são profundas e começam no início da gestação, sendo que, na oitava semana o débito cardíaco está aumentado em 20%. O primeiro evento provável é a vasodilatação periférica, que é mediada por fatores endoteliais, incluindo síntese de óxido nítrico, regulada positivamente pelo estradiol. A vasodilatação periférica leva a uma queda de cerca de 25% na resistência vascular sistêmica e para compensar isso, o débito cardíaco aumenta em 40% durante a gravidez (Soma-Pillay, et al., 2016). Além da vasodilatação periférica, ocorre o aumento do volume plasmático, que também induz o aumento do débito cardíaco e está relacionado com a diminuição do volume de distribuição de xenobióticos.

A mudança na resistência vascular sistêmica está relacionada principalmente com o efeito da progesterona nos músculos lisos vasculares, resultando em uma dilatação geral, o que implica na diminuição da resistência vascular periférica causando um aumento do débito cardíaco como mecanismo compensatório (Troiano, 2017).

1.2.3 Alterações gastrointestinais

A expansão do útero durante a gravidez afeta diretamente o trato gastrointestinal e em combinação com o aumento da pressão intra-gástrica e alterações induzidas pela progesterona no tônus dos músculos lisos do esfíncter orofaríngeo, predispõe a grávida a refluxos e pirose. Além disso, a motilidade gástrica e intestinal também são afetados, e por isso, há diminuição no tempo de trânsito(Carlin, e Alfirevic, 2008). Tal característica pode interferir na absorção de substâncias administradas pela via oral.

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A placenta é um órgão altamente especializado da gravidez que junto com as membranas fetais e o líquido amniótico, suporta o crescimento e desenvolvimento do feto. É através da placenta que ocorre o contato direto do sangue materno com células do trofoblasto, permitindo assim uma relação íntima entre o embrião em desenvolvimento, o suprimento de nutrientes e a remoção de substâncias produzidas pelo feto (Gude, et al., 2004).

A placenta tem diversas funções, entre elas, prover oxigênio, água, carboidratos, aminoácidos, lipídeos e outros nutrientes para o feto. A membrana placentária é altamente permeável por gases respiratórios, e dessa forma, ocorre uma rápida difusão de oxigênio do sangue materno para o sangue fetal e de dióxido de carbono do sangue fetal para o materno. Somado a isso, a placenta também tem função de produção de fatores endócrinos, parácrinos e/ou autócrinos que incluem, progesterona, gonadotrofina coriônica e hormônio de crescimento da placenta (Gude, et al., 2004).

A placenta tem uma função protetora muito importante, de modo que, age contra diversos xenobióticos que podem estar circulantes no sangue materno. Muitas moléculas pequenas podem passar pela placenta por difusão e alternativamente, alguns xenobiótios podem ser transportados pelos sistemas de transportadores da própria placenta. No entanto, há uma série de características protetoras da placenta, nas quais ajudam a reduzir a transferência de potenciais substâncias tóxicas. Esses mecanismos incluem bombas de efluxo na face maternal do sincitiotrofoblasto e proteínas carreadoras do complexo MDR1 (multidrug

resistance proteins). Além disso, a placenta contém uma série de enzimas do

citocromo P450 capaz de biotransformar diversas substâncias. Porém, mesmo que a placenta ajude a reduzir a exposição do feto a alguns xenobióticos, há muitas substâncias que podem passar por ela e ter efeitos maléficos como o álcool, cocaína e varfarina (Gude, et al., 2004).

1.3 Ação de agentes teratogênicos

Os teratógenos são definidos como qualquer substância, agente físico ou estado de deficiência que se presentes podem produzir alterações na estrutura ou função no embrião/feto durante a gestação por interferir nos processos de desenvolvimento. Tais danos podem se refletir em abortos espontâneos,

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anormalidades morfológicas embriofetais, retardo de crescimento intrauterino, baixo peso neonatal, retardo do desenvolvimento da criança, deficiência de aprendizado e retardo mental. (Shepard, 1982).

Dessa forma, a teratologia estabelece uma relação entre os xenobióticos com as mudanças anatômicas e fisiológicas no feto. Os teratógenos podem ter diferentes mecanismos de ação e sempre se considera o princípio básico de dose-resposta, de maneira que, a exposição prolongada a teratógenos leva a uma maior sequela embriofetal (Cohlan, 1963; van Gelder et al., 2010).

1.4 Exposição nos diferentes períodos de gestação

Os teratógenos podem levar a diferentes consequências dependendo do período de gestação. O concepto é uma célula ovo fertilizada até a terceira semana e o período entre a terceira e oitava semana é a chamada fase embriogênica e da nona semana em diante, a fase fetal. As duas primeiras semanas de gestação são um período decisivo para o embrião, chamado de “tudo ou nada”, no qual, se exposto a um agente tóxico pode sofrer morte celular e resultar em aborto ou o pode haver reparo dos danos e o desenvolvimento embriofetal continua (Mazzu-Nascimento, et al., 2017).

Há estágios críticos do desenvolvimento embriofetal (Figura 3) e a exposição a um xenobiótico pode levar a consequências diferentes dependendo do estágio do desenvolvimento intrauterino. Na terceira semana, ocorre a formação do coração e do sistema nervoso central, seguido pela formação de olhos e membros entre a quarta e quinta semana. Durante a sexta e sétima semana, ocorre formação de orelhas. Assim, da terceira a oitava semana, o embrião passa pelo período de organogênese, em que ocorrem múltiplas divisões e diferenciação celular e por isso, está susceptível a alterações morfológicas, como alterações no sistema nervoso, membros e face, quando exposto a substâncias tóxicas (Mazzu-Nascimento, et al., 2017). Da nona semana em diante, há formação de cérebro e genitália externa, sendo, portanto, o período em que o feto está mais susceptível a alterações fisiológicas se exposto a agentes tóxicos.

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Figura 3 – Estágios críticos do desenvolvimento embriofetal e as anomalias causadas pela ação de xenobióticos em diferentes períodos de exposição. (Mazzu-Nascimento, et al., 2017).

1.5 Impactos sociais e riscos da ação de teratógenos

Uma das explicações para o contato de mulheres grávidas com agentes teratogênicos é a associação de um problema de saúde pública preexistente, como falta de cuidado médico, consumo de álcool e drogas, falta de acesso a saneamento básico e outros problemas sociais como pobreza e analfabetismo. Portanto, os filhos de mulheres socialmente desfavorecidas são mais susceptíveis aos defeitos congênitos, causando impacto na mortalidade infantil e nos gastos com saúde e atenção especializada, dessa maneira, qualificando os teratógenos como problema de saúde pública (Reidpath and Allotey, 2003; World Health Organization, 2015).

Segundo dados do ministério da saúde disponíveis no DATASUS, encontrados no tabnet, no ano de 2018 foram registrados 6.758 óbitos fetais em todo Brasil e o número de nascimentos com anomalias congênitas foi de 25.932.

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Além disso, o número de neonatos com peso menor de 500g foi de 3.926, peso de 500g a 999g de 14.320 e entre 1000g a 1499g foi de 22.259, ou seja, o número total de neonatos com baixo peso (inferior a 500g até 1500g) nascidos em 2018 foi de 40.505. Tais dados evidenciam o problema de saúde pública relacionado aos nascimentos com algum comprometimento e/ou morte fetal.

As anomalias congênitas causadas por agentes teratogênicos podem ser evitadas com políticas públicas de prevenção, cuidado e tratamento com as deficiências, o que impactaria positivamente na saúde pública e nos aspectos econômicos e sociais.

1.6 Cocaína

A cocaína é uma substância natural que é extraída das folhas da planta

Erythroxylon coca, conhecida popularmente como coca. Foi usada por centenas de

anos em comunidades nos Andes como estimulante, ou seja, um psicofármaco com propriedades de aliviar a fadiga e manter o alerta e alto desempenho. Desde o final do século XIX, a cocaína era vendida na forma de tônicos ou usada na medicina por suas propriedades como anestésico local. No início do século XX, passou a ter sua venda e consumo restritos pelos governos e somente a partir de 1980, nos Estados Unidos, a cocaína passou a ser reconhecida como um problema de saúde pública em decorrência dos problemas médicos causados pelas intoxicações agudas e da constatação de que era uma substância com alto potencial de dependência (Negrão, 2013).

A cocaína pode chegar até o usuário de diferentes formas, como de sal, o cloridrato de cocaína, conhecido como “pó”, que é aspirado (via intranasal) ou dissolvido em água para uso endovenoso. A forma mais barata e potente é o crack, que é obtido a partir da mistura do cloridrato de cocaína com bicarbonato de sódio e água, solução que é aquecida até que se forme uma pedra, que tem propriedades químicas de uma base. Durante o aquecimento, a cocaína se volatiza, permitindo que o usuário fume a droga em cachimbos (Negrão, 2013). Também sob a forma base, a merla é um produto com muitos contaminantes da extração e ainda sem refino, é apresentada na forma de pasta e também é fumada. Por fim, o oxi é uma mistura da pasta base de cocaína com substâncias químicas como querosene, cal

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virgem ou outros solventes e geralmente é consumida em uma mistura com cigarros (CEBRID, 2007).

1.6.1 Vias de administração da cocaína e os seus riscos

Alguns efeitos tóxicos causados pelo uso de cocaína, como perda de apetite, aumento da pressão arterial e frequência cardíaca, hiperestimulação e vasoconstrição, independem de como a droga foi utilizada. Entretanto, de acordo com a via de administração, o usuário pode estar susceptível a diferentes riscos e consequências.

Nas formas fumadas (crack e merla), a cocaína atinge o pulmão rapidamente, órgão extremamente vascularizado e com grande área superficial, o que promove uma absorção e início dos efeitos quase que imediatos. A droga é absorvida rapidamente através do pulmão, atingindo o sistema nervoso central. Com isso, os efeitos da cocaína surgem de forma imediata pela via pulmonar, sendo equiparada a administração endovenosa. (Kramer, 2001).

Logo após fumar, o usuário experimenta euforia intensa, prazer, e sentimento de poder. Pelo fato de serem sensações agradáveis, logo após o desaparecimento do efeito, o usuário utiliza a droga novamente, fazendo isso inúmeras vezes. A essa compulsão pelo uso da droga dá-se o nome de “fissura”. Além da sensação de prazer, o crack e merla resultam também em um estado de excitação, hiperatividade, insônia, falta de apetite, fadiga e perda de peso.

Os efeitos provocados pela cocaína são observados em todas as vias de administração (aspirada, inalada, endovenosa), que incluem prejuízo da visão como consequência da midríase, dor no peito, contrações musculares, convulsões e coma. Em alguns casos, o uso crônico da cocaína pode estar relacionado com a degeneração irreversível dos músculos esqueléticos. No entanto, o sistema vascular é o mais afetado e os efeitos são mais intensos, com aumento da pressão arterial e taquicardia. Em casos extremos, pode ocorrer fibrilação ventricular e uma consequente parada cardíaca. Além disso, a cocaína também está relacionada com a diminuição de atividade de centros cerebrais que controlam a respiração o que também pode ocasionar na morte do usuário. (CEBRID, 2007).

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Na administração inalatória os efeitos diretos da cocaína podem levar a perda da sensibilidade olfativa, atrofia da mucosa, rinite crônica, perfuração do septo e necrose da mucosa nasal. Além disso, ocorre fibrose intersticial que leva a uma diminuição da capacidade de oxigenação no sangue podendo acarretar em lesões pulmonares (CEBRID, 2007).

Enquanto que, na via endovenosa, os riscos vão além dos efeitos da cocaína. De maneira que, podem ocorrer reações alérgicas, necrose e fibrose de vasos, embolia e reações de irritação local. Somado a isso, estes usuários estão extremamente susceptíveis a doenças como hepatites, malária, dengue e AIDS, visto que, muitas dessas pessoas compartilham seringas e agulhas. No estudo epidemiológico “Projeto Brasil”, realizado entre 1995 e 1996 com 701 usuários de drogas injetáveis, que envolveu diversos centros do país e foi coordenado pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em AIDS de Santos (IEPAS) mostrou que entre usuários de drogas injetáveis as taxas de prevalência de infecção por HIV eram de 71%, 64% e 51% em Itajaí, Santos e Salvador respectivamente. Com relação ao âmbito nacional, 21,3% dos casos de AIDS registrados até maio de 1997 eram referentes à categoria de usuário de drogas injetáveis (Projeto Brasil – IEPAS 1996).

1.6.2 Toxicocinética

Na forma de base livre, o crack e merla, podem ser comparados a administração endovenosa em termos de velocidade de absorção, tempo para atingir o pico de concentração plasmática e duração dos efeitos, que pode ser observado na Figura 4.

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Figura 4 – Curvas de concentração plasmática de cocaína vs. tempo após a administração por diferentes vias (Jones RT. The pharmacology of cocaine smoking in humans).

A cocaína na forma fumada (crack e merla) é absorvida rapidamente pelos alvéolos pulmonares e os primeiros efeitos ocorrem de 8 a 15 segundos, enquanto que os efeitos após a administração endovenosa e intranasal surgem após 3 a 5 minutos e 10 a 15 minutos, respectivamente. Em média, a duração dos efeitos do

crack é em torno de 5 minutos, enquanto que após a administração endovenosa ou

intranasal, os efeitos duram de 20 a 45 minutos (Kramer, 2001).

A rápida duração dos efeitos da forma fumada é devido ao fato da rápida absorção pelos alvéolos pulmonares que é favorecida pela grande área superficial e alta vascularização dos pulmões, assim, a droga chega à corrente sanguínea e é distribuída para todo organismo produzindo assim seus efeitos. Tal fato faz com que o usuário da cocaína fumada utilize a droga com maior frequência, levando-o assim à dependência muito mais rapidamente quando comparado aos usuários de cocaína por outras vias (intranasal, endovenosa) (Kramer, 2001).Ainda, na forma intranasal, a absorção é dificultada pelo efeito vasoconstritor da droga e a via oral tem baixa velocidade de absorção, pois há ionização da cocaína no meio ácido estomacal.

Uma vez absorvida, a cocaína é distribuída aos tecidos do corpo com uma moderada afinidade (volume de distribuição = 2,3 L/ kg) e ultrapassa a barreira hematoencefálica, placenta e também é encontrada no leite materno. A

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biotransformação da cocaína é iniciada no sangue e se completa no fígado onde é hidrolisada por colinestarases liberando seus principais metabólitos, a benzoilecgonina e a metil-éster de ecgonina. Frequentemente, a cocaína é administrada juntamente com o etanol e assim, há formação do metabólito cocaetileno (Figura 5) (Benowitz, 1993).

Figura 5 – Biotransformação da cocaína, incluindo a associação com etanol e formação de cocaetileno (Benowitz NL, 1993).

A vida média da cocaína livre é aproximadamente de 60 minutos enquanto que de seus metabólitos oscila entre 4 a 6 horas. A eliminação se efetua principalmente por via renal. Os testes para verificar o uso de cocaína podem ser realizados por análise do sangue, urina e cabelo, sendo o teste toxicológico de referência é o que utiliza a urina como amostra biológica, permitindo identificar o metabólito benzoilecgonina que pode ser detectado de 4 a 48 horas após a administração da droga (Augusta, et al., 2016).

1.6.3 Toxicodinâmica

A cocaína é responsável por aumentar a concentração de noradrenalina e dopamina nas fendas sinápticas do sistema nervoso central, seguido por uma queda destes neurotransmissores abaixo dos níveis normais, por isso, há a sensação de euforia seguida de depressão. A cocaína atua através do aumento da concentração de dopamina na fenda sináptica, pois se liga a transportadores do neurotransmissor

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e inibe sua receptação. Dessa forma, há um acúmulo de dopamina nos receptores pós-sinápticos, responsável pela sensação de euforia.

A cocaína também tem um potencial cardiotóxico por inibir a recaptação de catecolaminas e inibir canais de sódio que influenciam no potencial de membrana do coração. Além disso, leva a uma vasoconstrição periférica causando um aumento de pressão arterial e aporte por oxigênio. Assim, ocorre um aumento da frequência cardíaca como sistema compensatório, que pode levar a efeitos isquêmicos no coração acarretando no infarto (Benowitz, 1993).

1.7 Fenômenos neuroadaptativos causados pela cocaína

O uso de drogas de abuso muitas vezes leva à dependência, que se trata de uma doença crônica que geralmente é caracterizada pelo aumento do consumo ao longo do tempo e um comportamento patológico compulsivo em busca da droga, apesar de claras as consequências adversas do seu uso (Rosário, et al., 2019). A transição do uso recreativo para a dependência é explicada por neuroadaptações significativas, de forma que, usuários crônicos de cocaína relatam que para sentirem os mesmos efeitos iniciais de prazer, há a necessidade de aumentar a dose, reforçando assim, o fato de que a cocaína induz tolerância (CEBRID, 2007).

A cocaína afeta as células cerebrais de várias maneiras sendo que, alguns de seus efeitos voltam rapidamente ao normal, enquanto outros persistem por semanas. Com a exposição contínua à cocaína, esses efeitos de curto e médio prazo cumulativamente dão origem a outros efeitos que duram por meses ou anos e podem ser irreversíveis. Sabe-se que as alterações promovidas pela cocaína envolvem tanto alterações na atividade genética que duram semanas quanto alterações da estrutura das células nervosas que duram meses e possivelmente muito mais. (Nestler, 2005).

A cocaína produz acúmulo de dopamina nas regiões do cérebro que possuem transportadores deste neurotransmissor. No entanto, a habilidade da droga em produzir prazer, euforia, perda de controle e respostas compulsivas estão relacionadas ao impacto no conjunto de regiões interconectadas na parte frontal do cérebro que compõe o sistema límbico (Hyman e Malenka, 2001; Kalivas e McFarland, 2003; Kook, Sanna e Bloom, 1998; Nestler, 2001). As células

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responsivas à dopamina estão altamente concentradas nesses sistemas, que controla as respostas emocionais e as associa com memórias (Nestler, 2005).

O núcleo accumbens é uma parte do sistema límbico que está fortemente associado com os efeitos da cocaína. Quando estimulado pela dopamina, as células desta região produzem sensações de prazer e satisfação. Quando se realiza atividades prazerosas, o núcleo accumbens é inundado com dopamina, produzindo uma sensação de bem estar e a vontade de repetir a atividade para que o prazer ocorra novamente. Dessa forma, a cocaína causa artificialmente um acúmulo de dopamina no núcleo accumbens promovendo, assim, sentimentos poderosos de prazer (Nestler, 2005).

O sistema límbico também inclui um centro de memória importante, localizado na região do hipocampo , que é responsável por armazenar atividades em que o prazer foi sentido e está associado com a liberação de dopamina no núcleo

accumbens. Por outro lado, o córtex pré-frontal atua como um freio nas outras

regiões do sistema límbico, em que, traz racionalidade para abrir mão de um prazer para evitar suas consequências negativas (Nestler, 2005). Porém, quando um indivíduo se torna dependente, o córtex pré-frontal fica prejudicado e menos provável de prevalecer sobre os impulsos (Nestler e Malenka, 2004; Volkow, Fowler e Wang, 2003).

A exposição à cocaína pode alterar as quantidades dos transportadores e receptores de dopamina presentes nas superfícies das células nervosas e, além disso, a droga também afeta a expressão de genes do núcleo accumbens. Um importante componente genético que é afetado pela cocaína é o fator de transcrição ΔFosB, que é presente naturalmente em pequenas quantidades nas células do núcleo accumbens, mas com a exposição crônica, a cocaína causa o seu acúmulo em altos níveis (Nestler, Barrot e Self, 2001). Assim, o ΔFosB pode constituir uma importante alteração molecular na transição de abuso de drogas para a dependência (Nestler, 2005).

O ΔFosB tem a vida útil de dois meses e dessa forma, não dura tempo suficiente para explicar o motivo de ex-usuários de cocaína continuarem a sentir desejos e recaídas por meses e anos de abstinências. Por isso, a extrema persistência dessas características da dependência indica que a cocaína deve

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causar um efeito neurobiológico duradouro, que está relacionado com a alteração da estrutura física das células nervosas no núcleo accumbens. De forma que, a exposição crônica à cocaína, faz com que essas células se estendam e tenham novas ramificações em seus dendritos (Nestler, 2001; Robinson e Berigde, 2001) e assim, conseguem coletar um maior volume de sinais vindos de outras regiões. Isto leva uma maior influência das outras regiões no núcleo accumbens, que pode conduzir algumas alterações comportamentais de longo prazo associados ao vício (Nestler, 2005).

Somado aos prováveis fatos da modulação neurobiológica que leva à dependência, George et al. em 2008 concluiu que o acesso estendido á autoadministração da cocaína induziu um padrão escalonado de administração da droga associado a danos de longa duração no córtex pré-frontal. Considerando o papel desta região no comportamento direcionado a um objetivo, a disfunção do córtex pré-frontal pode diminuir a autorregulação, refletindo uma perda de controle, e contribuindo assim para a natureza compulsiva do processo de dependência. Dessa forma, também está relacionado com a transição do uso recreacional de drogas para a dependência (George, et al., 2008).

1.8 Outros efeitos relacionados ao uso de cocaína

O uso da cocaína desencadeia diversos efeitos no usuário entre eles, aumento de humor e estado de vigília, sensação de bem-estar, além de euforia e autoconfiança. No entanto, o uso crônico da droga pode resultar em alterações neuropsicológicas como diminuição da atenção, da gestão dos processos cognitivos, da memória visual de longa duração e da aprendizagem verbal (Barroso e Guidoneri, 2018).

Além dos efeitos e complicações no usuário, a droga também gera diversos problemas para a sociedade geral que está relacionado com o aumento dos transtornos sociais, econômicos e principalmente devido ao fato de elevar as taxas de violência em virtude do tráfico. Somado a isso, gestantes também são um grupo que fazem abuso de drogas, especialmente de cocaína, o que pode acarretar em complicações para a gestação, feto e problemas a longo prazo para a criança. 2 Objetivos

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Essa revisão tem como objetivo avaliar o impacto do uso e dependência da cocaína por mulheres grávidas, com relação à saúde da mulher, ao desenvolvimento do feto, as complicações geradas na criança e por fim, evidenciar os impactos sociais e de saúde pública envolvidos nesse consumo.

3 Material e Métodos

A literatura científica que baseou essa revisão foi buscada no Pubmed, Google Acadêmico e Scielo. A busca foi realizada nas línguas portuguesa e inglesa seguindo uma estratégia de combinação das palavras: “gravidez”; “gestação”; “cocaína”; “uso”; “efeitos maternos”; “intrauterino”; “neonatos”; “complicações” e em inglês “cocaine”; “abuse”; “pregnancy”; “during”; “risk”; “fetal”. Além dos estudos observacionais e randomizados com mulheres expostas e não expostas a cocaína, foram incluídos estudos em animais. Os artigos que foram selecionados tinham maior nível de evidência científica e excluídos relatos de caso e cartas. No início, vinte e um artigos foram selecionados e depois da leitura e triagem, foram incluídos para a revisão dezesseis artigos sobre gestações com exposição à cocaína e consequências maternas e fetais da dependência da droga entre os anos de 1985 e 2019.

4 Resultados e Discussão

4.1 Riscos e efeitos causados pela cocaína em gestantes

Os registros de uso de cocaína são semelhantes entre homens e mulheres, entretanto, é reconhecido que mulheres têm uma maior vulnerabilidade em desenvolver o uso indevido e abuso da droga que está relacionado aos hormônios estrógeno e progesterona. Dessa forma, mulheres possuem maiores chances de progredirem rapidamente da primeira exposição para a dependência da droga quando comparadas aos homens. Em 2015, cerca de um milhão de mulheres em idade reprodutiva relataram o uso de drogas estimulantes no último mês nos Estados Unidos da América, sendo 0,7% dessas relacionadas ao uso indevido de cocaína (Smid, Metz e Gordon, 2019). O uso de drogas estimulantes por mulheres grávidas aumenta a preocupação pela saúde pública tanto devido aos efeitos da cocaína na mãe e no feto/bebê quanto nos diversos fatores sociais envolvidos como problemas de saúde, pobreza e violência doméstica.

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Durante a gravidez, a mulher apresenta alterações fisiológicas em razão da preparação para o crescimento e nutrição do embrião e além disso, as mudanças hormonais também são pronunciadas. Dentre essas mudanças, o sistema cardiovascular se evidencia pelas alterações de volume plasmático, resistência cardiovascular periférica e consequentemente, pressão arterial. Diante disso, do ponto de vista cardiovascular, a cocaína pode ser mais perigosa para mulheres grávidas comparadas com mulheres não grávidas (Chao, 1996).

As complicações maternas pelo uso da cocaína incluem hipertensão, infarto do miocárdio, falência renal, ruptura hepática, isquemia e morte cerebral (Smid, Metz e Gordon, 2019). Nas avaliações da toxicidade cardiovascular da cocaína em experimentos com roedores evidenciou-se que tanto o uso agudo quanto crônico levou a um aumento significante da pressão arterial, taquicardia e diminuição do débito e frequência cardíaca em animais prenhes comparados com não prenhes. O fluxo sanguíneo através da placenta teve uma diminuição de quase 50% e, além disso, foi observado que as concentrações plasmáticas da cocaína em prenhes eram menores, havendo a hipótese de que a prenhez induz o aumento da captação da droga para os tecidos (Chao, 1996). As complicações cardiovasculares não são dose-dependentes e por isso, uma pequena dose pode levar a morbidades e mortalidades cardíacas principalmente em mulheres grávidas, devido ao fato de que a gestação aumenta a toxicidade cardiovascular da cocaína devido ao aumento de concentrações de progesterona (Smid, Metz, e Gordon, 2019).

Em estudo sobre os efeitos cardiovasculares em mulheres grávidas observou-se que, após a administração de cocaína, há um aumento da frequência cardíaca em cerca de 20 batimentos por minuto seguido de uma diminuição abaixo da linha de base duas horas após o uso. Os efeitos cardiovasculares agudos incluem a diminuição da oxigenação cardíaca que pode levar a isquemia, vasoespasmo coronariano e interferência no sistema de coagulação a partir do aumento da agregação plaquetária e alteração da produção de tromboxanos, aumentando o risco de tromboses. Por outro lado, grandes quantidades de cocaína podem levar a hipotensão, arritmia e colapso cardiovascular com morte súbita devido à inibição de bombas de potássio. (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

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Além da cardiotoxicidade, mulheres usuárias de cocaína apresentam mais infecções como hepatites, herpes, HIV e gonorreia comparadas com mulheres não usuárias (Richardson e Day, 1991). Em muitos casos, as altas taxas de infecções, principalmente doenças sexualmente transmissíveis, estão ligadas ao estilo de vida dessas gestantes usuárias de cocaína como troca de favores sexuais pela droga (Cain, Bornick e Whiteman, 2013). Dessa forma, a prevalência de sífilis, hepatite e HIV é significativamente maior em gestantes expostas a cocaína do que não expostas (Bauer, et al., 2005).

Ademais, mulheres gestantes usuárias de cocaína comumente fazem uso de outras drogas lícitas e ilícitas como álcool, cigarro e maconha, o que pode agravar os efeitos tanto nas mães quanto nos fetos/bebês (Richardson e Day, 1991). Portanto, o uso de cocaína sozinha ou em conjunto com outras drogas, combinadas com as alterações fisiológicas normais e alterações cardiovasculares na gestação, levam a mudanças fisiopatológicas colocando não só a vida da grávida usuária de cocaína, mas também a saúde do feto e recém-nascido em risco (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

4.1.1 Abortos espontâneos e partos prematuros

O uso da cocaína está associado com vasoconstrição, taquicardia e aumento da pressão arterial, o que pode levar a um potencial risco de complicações durante a gravidez, como aborto espontâneo, trabalho de parto prematuro, parto pré-termo e descolamento de placenta (Richardson e Day, 1991). Em avaliações de gestações anteriores, nota-se um número significativo de abortos espontâneos em mulheres usuárias de cocaína comparadas com mulheres não usuárias de nenhuma droga, de maneira que a porcentagem de abortos espontâneos foi de 38% no primeiro grupo comparado a nenhum histórico no segundo grupo (Chasnoff, et al., 1985).

Os abortos espontâneos podem ser explicados pelo efeito vasoconstritor da cocaína que afeta a placenta, levando a uma diminuição do fluxo sanguíneo para o feto somado aos efeitos do aumento dos níveis de noradrenalina e dopamina (Chasnoff, et al., 1985). O primeiro trimestre da gestação é o período de organogênese, no qual, o feto está muito susceptível a sofrer os efeitos adversos da cocaína, por isso, é o período em que pode haver um maior aumento de abortos espontâneos. Ainda, o risco de morte fetal intrauterina de usuárias de cocaína é

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cerca de 18,2% maior quando comparadas a mulheres não usuárias de drogas (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

Dentro de uma população de mulheres conhecidas por usar cocaína durante a gravidez, descobriu-se que o parto prematuro foi associado apenas em neonatos com concentrações positivas de benzoilecgonina na urina, indicando, assim, que o uso recente da droga pela mãe precipita o parto (Wiggins, 1992). Outro estudo reforça que o uso de cocaína durante a gravidez pode induzir o parto prematuro, de maneira que, mulheres usuárias entram em trabalho de parto com descolamento prematuro da placenta após uma única injeção da droga (Chasnoff, et al., 1985). O risco de descolamento de placenta prematuro está associado com a hipertensão materna em conjunto com as alterações do fluxo uteroplacentário (MacGregor, et al., 1987).

A etiologia da prematuridade ainda não é totalmente elucidada. No entanto, o fluxo sanguíneo e a pressão arterial são afetados pela cocaína, assim como o sistema endócrino, infecções e outros fatores associados ao uso da droga e que podem contribuir para o risco da prematuridade espontânea. O uso da cocaína durante a gestação aumenta em 17,4% os partos prematuros (Cain, Bornick e Whiteman, 2013). A prevalência de prematuridade foi significativamente maior em grupos de mulheres usuárias de cocaína comparadas a não usuárias: 42,6% versus 24,2% (Bauer, et al.,2005). E reforçando a relação da prematuridade com a exposição à cocaína, uma meta-análise também obteve como resultado a associação do nascimento prematuro com o uso de cocaína durante a gravidez 3,38 vezes maior (Gouin, Murphy e Shah, 2011).

Cabe destacar que os nascimentos prematuros possuem uma preocupação maior visto que 75% das morbidades e mortalidades pré-natais ocorrem em neonatos pré-termos. (MacGregor, et al., 1987).

4.2 Riscos e consequências para o feto exposto à cocaína in utero

4.2.1 Complicações fetais da exposição à cocaína

Em 2002, 3% dos fetos de mulheres grávidas entre 15 e 44 foram expostos a uma ou mais drogas ilícitas. De meados da década de 1980 até o

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começo da década de 1990 o aumento do número de relatos do uso de cocaína durante a gestação preocupou devido o potencial impacto nos fetos/bebês como anomalias congênitas, retardo de crescimento, microcefalia, infarto do sistema nervoso, atrofia cortical, anomalias no trato urinário e problemas neurológicos. (Bauer, et al., 2005). Os números expressivos do uso e abuso de drogas durante a gravidez são evidenciados na Tabela 1 que demonstra a presença dessas substâncias no mecônio dos bebês. Os biomarcadores da cocaína foram positivos em 3,1% dos casos, enquanto que sua associação com opióides foi encontrada em 1,4% das amostras. Interessante ressaltar que, apesar da análise do mecônio evidenciar que 4,4% das amostras apresentaram a presença de metabólitos das drogas, apenas 1,8% das mães admitiram o uso de cocaína (Tabela 2).

Tabela 1 – Uso de drogas ilícitas durante a gravidez baseada em análises de mecônio (Pichini, et al., 2005).

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Tabela 2 – Estimativa do uso de droga durante a gravidez por meio de entrevistas maternas e análises de mecônio (Pichini, et al., 2005).

Diante desse cenário e sabendo que a cocaína atravessa com facilidade a placenta por simples difusão devido ao seu baixo peso molecular, lipofilicidade e baixa ionização, começou-se a estudar e avaliar os possíveis danos da exposição intrauterina da cocaína nos fetos/bebês. É sugerido que além da exposição por meio do sangue materno, a cocaína e seus metabólitos são armazenados nas membranas da placenta e miométrio, levando a uma exposição potencial e continua após o uso agudo. Além disso, o líquido amniótico também atua como reservatório para exposição fetal a cocaína. (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

Portanto, há indícios de que o feto está exposto a cocaína por mais de um mecanismo e que a droga pode ser possivelmente “reciclada” com a circulação e persistência no feto. Além disso, destaca-se que a toxicocinética da droga e a transferência para o feto é influenciada pela ligação plasmática da droga materna e fetal e a transferência placentária. (Pichini, et al., 2005).

Uma vez que a cocaína atravessa a placenta, ocorre uma vasoconstrição generalizada por afetar diretamente os vasos sanguíneos da mãe e do feto. A vasoconstrição materna também causa efeitos indiretos no feto que podem levar a uma insuficiência uteroplacentária, acidose e hipóxia fetal por meio da diminuição do fluxo sanguíneo do cordão umbilical (Smid, Metz e Gordon, 2019). Outros investigadores reforçam que uma das principais consequências do uso da cocaína na gravidez é a diminuição da oxigenação fetal, primariamente como um resultado da isquemia uterina. (Chao, 1996).

Em resposta para a hipóxia e hipertensão juntamente com as ações diretas e indiretas da cocaína e seus metabólitos sobre os vasos sanguíneos cerebrais fetais, ocorre um aumento do fluxo sanguíneo em direção ao cérebro, levando a um aumento de pressão. Já a frequência cardíaca fetal parece ter uma resposta bifásica, com uma transiente diminuição seguida de uma acentuada e prolongada taquicardia. (Chao, 1996).

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Quando o uso da cocaína começou a aumentar na sociedade em meados da década de 80, havia uma grande preocupação com relação à possibilidade de teratogênese nos fetos expostos à droga por meio de mães usuárias. Por isso, muitos estudos tentaram avaliar anomalias congênitas como resultado do uso da cocaína por mulheres grávidas. No entanto, ainda não há um consenso sobre o risco de malformações estruturais causadas pela cocaína, porém, há relatos do aumento de anormalidades no trato urinário (Smid, Metz e Gordon, 2019).

Chasnoff (1985) avaliou um grupo de 23 mulheres grávidas usuárias de cocaína e não usuárias de nenhum tipo de droga. Nesse estudo, houve um neonato que apresentou síndrome de prune-belly, uma síndrome congênita da musculatura da parede abdominal, incluindo malformações no trato urinário. O bebê nasceu de uma mãe que fez uso de 4 a 5g de cocaína na quinta semana de gestação, o que pode explicar o fato da malformação encontrada, já que, o sistema urinário é formado na quinta semana de gestação. Esse achado permitiu que os investigadores do estudo propusessem que a cocaína teria um efeito teratogênico (Chasnoff, 1985).

Outros estudos sustentaram o efeito teratogênico da cocaína, como Wiggins RC (1992) que encontrou malformações no trato geniturinário em bebês que foram expostos a cocaína. MacGregor et al. (1987) concluíram que o aumento da frequência de anomalias congênitas nos neonatos nascidos do grupo de mulheres usuárias de cocaína foi de 5,7% enquanto que no grupo de não usuárias de droga foi de 1,4%. Ainda, há um aumento do risco de malformações congênitas especialmente do sistema nervoso central e cardíaco de bebês expostos a cocaína durante a gestação (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

Por outro lado, a avaliação de bebês expostos e não expostos à cocaína mostraram que não há diferenças com relação ao desenvolvimento morfológico (Richardson e Day, 1991). No estudo de Bateman (1993,) concluiu-se que as taxas de malformações congênitas e mortalidade não foram significativamente maiores em bebês expostos à cocaína. Reforçando os achados destes estudos, não foram encontrados anomalias estruturais diferenciais do coração, trato

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gastrointestinal, rins ou cérebro, corroborando com a informação de que a cocaína não tem um impacto teratogênico anatômico (Bauer, 2005).

Diante disso, nota-se diferentes conclusões com relação às possíveis malformações congênitas que a cocaína pode causar. O que pode ser explicado pelos fatores de confusão dos estudos como o uso concomitante de drogas lícitas e/ou ilícitas pelas mulheres gestantes avaliadas, estilo de vida e propensão genética. Entretanto, o risco de tais malformações não está totalmente descartado, o que deve ser um alerta para mulheres grávidas e gestores de saúde pública (Gouin, et al., 2011; Ryan, Ehrlich e Finnegan, 1987; Cain,

Bornick e Whiteman, 2013).

4.2.3 Alterações do sistema nervoso central

O uso de cocaína durante a gravidez pode levar a possíveis alterações no sistema nervoso central em bebês expostos a droga, nos quais diferem dos bebês não expostos no que diz respeito à orientação, processos motores e número de reflexos anormais. Outras indicações de uma possível disfunção no sistema nervoso é o diferente comportamento fetal e infantil frente à reatividade a estimulação tátil (Richardson e Day, 1991).

Diante do fato das possíveis sequelas neurológicas que os neonatos expostos à cocaína no útero podem desenvolver, em 1988, Doberczak et al. avaliaram 39 encefalogramas de bebês expostos, dos quais 34 tiveram aumento do tônus muscular, irritabilidade, tremores ou reflexos de tensão profundos. Além disso, observou-se uma anormalidade neurológica transitória mais evidenciada no terceiro dia de vida que melhorou sem intervenção farmacológica em 32 dos 34 bebês. No entanto, dois bebês tiveram disfunção neurológica grave e foi necessário sedação por dois dias. Os encefalogramas foram repetidos e ao longo de 3 a 12 meses não foi observada a permanência de tais alterações neurológicas.

Os distúrbios neurocomportamentais provavelmente estão mais relacionados ao efeito neurotóxico direto da cocaína do que sua abstinência. Isso pode ser explicado, em parte, pelo desaparecimento dos sinais clínicos à medida que os metabólitos da cocaína não são mais encontrados na urina. Portanto, as

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alterações neurológicas clínicas resultantes da exposição à cocaína são transientes (Doberczak et al., 1988).

Em comum acordo, foi observada a presença de lesões isquêmicas não relacionadas a outros fatores médicos em bebês prematuros de usuárias de cocaína, que também possuíam aumentos significativos de sintomas no sistema nervoso central, incluindo tremores, irritabilidade, sucção excessiva e instabilidade autonômica. Esses sintomas ocorreram do segundo ao terceiro dia de vida, enquanto os metabólitos da cocaína permaneceram na urina, sustentando, assim, o fato de que os efeitos neurológicos observados em bebês expostos a cocaína estão relacionados ao próprio efeito tóxico da droga e não a abstinência (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

Em um estudo que avaliou mães usuárias de cocaína entre 1985 e 1986 mostrou que 86% dos bebês expostos não tiveram sintomas neurológicos, 10% tiveram tremores, os quais não ultrapassaram 24 horas e não foi necessário tratamento farmacológico enquanto que, os outros 2% apresentaram tremores e necessitaram de intervenção farmacológica (Bateman, et al., 1993). Outro estudo multicêntrico, prospectivo e randomizado avaliou as consequências da exposição fetal a cocaína por dois anos e concluiu que há um aumento leve da disfunção do sistema nervoso central e autônomo na coorte que foi exposta a cocaína, incluindo sinais como irritabilidade, nervosismo, tremores agudos, choros e sucção excessivos. Tais efeitos neurológicos são sutis, mas a descoberta sugere que a exposição a cocaína in utero pode levar ao desenvolvimento de problemas neurológicos potenciais a longo prazo. (Bauer, et al., 2005).

4.2.4 Resultados perinatais de bebês expostos à cocaína

Foi observado que o uso da cocaína durante a gravidez aumenta o risco de resultados perinatais dos bebês como baixo peso ao nascer, menor idade gestacional, menor peso no nascimento e diminuição das medidas de comprimento. Pelo fato de que peso e idade gestacional ao nascer são determinantes importantes de perinatal, infância e saúde do adulto, a alta prevalência do uso de cocaína durante a gravidez tornou-se um grande problema de saúde, considerando que aproximadamente 15 a 17% dos usuários regulares de cocaína são mulheres em idade fértil (Gouin, Murphy e Shah, 2011).

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O uso da cocaína pode estar associado com baixo peso neonatal e diminuição do comprimento cefálico (Richardson e Day, 1991). Na meta-análise de Gouin, Murphy e Shah (2011) obteve-se como resultados que o uso da cocaína durante a gravidez foi 3,66 vezes mais significantemente associado com baixo peso ao nascer comparados com mulheres não usuárias de cocaína. E, além disso, o uso de cocaína na gravidez também foi 3,23 vezes mais associado com menor idade gestacional e parto prematuro.(Gouin, Murphy e Shah, 2011).

Um estudo que avaliou a presença de cocaína e seus metabólitos em mecônio e realizou as medidas de peso, comprimento e perímetro cefálico de neonatos observou que os bebês expostos à cocaína eram significativamente menores em todas as medidas de crescimento, de forma que, os resultados encontrados foram bebês 536g mais leves (peso ideal de 2500g a 4000g) ao nascerem, 2,6 cm menores (tamanho ideal de 50 cm) e tinham um perímetro cefálico 1,5 cm menor (perímetro cefálico considerado normal é de 33 cm). Além disso, a idade gestacional foi menor em 8,4 dias no grupo exposto à cocaína. A prevalência de possuir menor comprimento para a idade gestacional era mais que o dobro na coorte exposta a cocaína (29.4% versus 13,5%). O estudo coloca como hipótese que o retardo no crescimento durante a gestação pode estar relacionado ao impacto vasoconstritor da cocaína que pode resultar na falta de oxigenação para o feto levando à sua morte, além de gestações mais curtas (prematuridade) e aumento da inibição geral do crescimento, ou seja, bebês considerados pequenos para a idade gestacional (Bauer, et al., 2005).

Devido ao sentimento de culpa e medo de ações punitivas, as puérperas dificilmente assumem o consumo da droga de abuso durante a gestação e por isso, como alternativa ao relato materno, a detecção e identificação de amostras biológicas tem se mostrado mais eficiente para mensurar a exposição fetal. Nesse sentido, foram avaliados 342 amostras de mecônio provenientes de recém-nascidos do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo (USP). Destas, 19 (5,6%) apresentaram resultado positivo para um ou mais biomarcadores da exposição fetal à cocaína. Dentre a amostra de bebês foram realizadas medidas como peso ao nascer, comprimento fetal e perímetro cefálico no intuito de comparar bebês expostos e não expostos á cocaína, que podem ser observados na Tabela 3 (Mantovani, 2014).

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Tabela 3: Descrição das características de recém-nascidos expostos (ntotal=19) e não

expostos (ntotal=323) à cocaína no período fetal, provenientes do Hospital

Universitário – USP, São Paulo, 2014. (Mantovani, 2014).

Sabe-se que os parâmetros fetais dos bebês são piores quando a mãe é dependente de drogas durante a gravidez. As razões para a menor média de pesos, comprimento, perímetro cefálico e idade gestacional podem estar relacionados ao estilo de vida geral das mulheres dependentes de drogas, em particular, os maus hábitos alimentares devido às características do estado hiperativo, além disso, o abuso de cocaína pode estar associado com deficiência de múltiplas vitaminas, especialmente B6, B1 e C. Foi observado que os bebês nascidos de usuárias de cocaína apresentaram menor comprimento que os de não usuárias e uma das explicações é a hipóxia intrauterina resultante da vasoconstrição. No entanto, não houve um aumento na frequência de retardo de crescimento intrauterino dos fetos expostos à cocaína (Ryan, Ehrlich e Finnegan, 1987).

Os bebês expostos à cocaína podem ter o crescimento cerebral fetal afetado negativamente devido ao fato da vasoconstrição intracraniana, como Handler et al. (1991) documentaram que o uso da cocaína tem uma incidência de 16% de microcefalia comparado a 6% nos não expostos. Mulheres que apresentaram urina positiva para metabólitos da cocaína tiveram bebês com 93g a menos de peso, 0,7

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cm de redução no comprimento e 0,43 cm do perímetro cefálico. (Cain, Bornick e Whiteman, 2013).

Reforçando os resultados obtidos nos estudos citados, na Tabela 4 pode-se observar que o peso médio dos bebês foi significativamente menor nas mulheres usuárias de cocaína e a comparação com a incidência de bebês de baixo peso entre os grupos também revelou um significante aumento nas mães usuárias de cocaína. A insuficiência uteroplacentária está associada com a diminuição do peso do feto, o retardo do crescimento intrauterino e a incidência de bebês prematuros. Dessa forma, o estudo também concluiu que o uso da cocaína afeta os desfechos perinatais (MacGregor, et al., 1987).

Tabela 4 – Comparação de dados obstétricos e desfechos perinatais da população exposta à cocaína e população controle (Traduzido de MacGregor, et al., 1987).

4.2.5 Desfechos a longo prazo de crianças expostas a cocaína in

utero

Os bebês de mães usuárias de cocaína estão expostos à droga tanto in utero quanto por meio do aleitamento materno, uma vez que a cocaína é encontrada no leite de mães usuárias. Dessa forma, os bebês continuam sendo expostos à droga mesmo após o nascimento. No entanto, apesar do conhecimento acerca das consequências pós-parto ser escasso, há evidências que crianças expostas à

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cocaína perinatal possuem alteração de comportamento, crescimento e atenção (Smid, Metz e Gordon, 2019).

Sabe-se que a cocaína está ligada a alterações cardiovasculares, entretanto, não está totalmente elucidado quais são os efeitos cardiovasculares na saúde dos adultos devido a exposição de cocaína in utero. Existe a possibilidade do aumento de hipertensão, doenças cardíacas e outras condições adversas à saúde (Cain, Bornick e Whiteman, 2013). Chaplin et al. (2010) realizou um teste de estresse para avaliar a resposta emocional de adolescentes expostos à cocaína in utero que foram comparados com não expostos a partir do cortisol salivar e frequência cardíaca. Observou-se que os adolescentes expostos demonstraram um aumento de cortisol antes e depois do estresse e uma resposta aumentada a ansiedade e raiva comparados com os não expostos.

A preocupação anterior era com o fato da possibilidade de anomalias congênitas com a exposição da cocaína durante a gravidez, porém o foco mudou nos últimos anos diante do potencial efeito a longo prazo de neurodesenvolvimento, comportamento e aprendizado (Bauer, et al., 2005).

Outra grande preocupação a longo prazo é com relação as infecções transmitidas verticalmente, de forma que, em um estudo que avaliou bebês expostos e não expostos a cocaína, o diagnóstico de hepatite foi 42 vezes mais frequente nos bebês expostos e a sífilis foi 15 vezes mais comum. As exposições infecciosas graves associadas ao abuso de cocaína pré-natal que estão relacionadas a custos para a justiça social e criminal são consequências a curto prazo que tem obviamente complicações a longo prazo se não forem abordadas anteriormente (Bauer, et al., 2005).

4.2.6 Questões sociais envolvidas com bebês expostos a cocaína Infelizmente, o risco que o uso de drogas pela mãe representa para a criança não termina no nascimento. No ano de 1987, 91.000 bebês e crianças foram denunciadas à linha estadual de abuso infantil, um aumento de 50% em relação ao ano de 1986. Desses relatórios, 530 foram devido à descoberta de droga de abuso na urina de um recém-nascido. Um estudo conduzido em 1986 avaliou uma amostra de 385 crianças que foram tuteladas pelo estado devido ao abuso ou negligência e

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que foram posteriormente colocadas em orfanatos. Verificou-se que cerca de metade dessas crianças vieram de pais ou responsáveis conhecidos ou suspeitos de abuso de drogas (Chasnoff, 1989).

Muitos outros fatores no ambiente de mulheres grávidas dependentes de alguma substância, incluindo má nutrição, falta de atendimento pré-natal, problemas psicológicos maternos e estilo de vida na procura de droga, afetam o resultado final de exposição passiva infantil. O ambiente de natureza caótica transitória da procura de drogas prejudica o acompanhamento intensivo e processos de intervenção precoce necessários para garantir o máximo desenvolvimento de cada criança. Poucos pais reconhecem que seu estilo de vida, principalmente o uso e abuso de drogas, tem um efeito devastador sobre o seu filho recém-nascido (Chasnoff, 1989). As mulheres que fazem uso de drogas durante o período de gestação podem originar uma situação potencialmente causadora de efeitos maléficos na saúde das crianças tanto no nascimento quanto no desenvolvimento pós-natal bem como do estabelecimento de disfunções na relação mãe-filho. De forma que, mães toxicodependentes possuem dificuldades em manter funções parentais organizadoras, protetoras e satisfatórias, assim como um ambiente de cuidados adequados. Além de, em alguns casos, apresentarem alterações de comportamento, revelando-se mais agressivas e intrusivas, que por sua vez, pode comprometer o comportamento dos filhos (Silva, Pires e Gouveia, 2015).

Neste cenário, muitas mães perdem a guarda de seus filhos. Sendo que, no Brasil, entre os motivos para o acolhimento institucional de crianças, destaca-se a pobreza (35,5%), que pode estar relacionada com o consumo de drogas ou envolvimento com o tráfico. Diante disso, é notória a necessidade de serviços especializados de suporte para mães usuárias de drogas na tentativa de reverter ou evitar a perda da guarda de seus filhos (Menandro, et al., 2019).

5 Conclusão

As implicações do uso da cocaína por mulheres grávidas começam pelo risco à própria saúde da mãe, diante das alterações fisiológicas normais para nutrição e aporte do embrião/feto. As alterações cardiovasculares são as mais evidenciadas e

Referências

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