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40º. ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

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40º. ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

SEMINÁRIO TEMÁTICO: ST04 / 1426-1

ADOLESCÊNCIAS E JUVENTUDES: DESAFIOS E PERSPECTIVAS INTERPRETATIVAS DO CONTEXTOBRASILEIRO

TÍTULO TRABALHO:

ASPIRAÇÕES E PROJETOS DE CONTINUIDADE DOS ESTUDOS DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DE ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL DA REGIÃO

METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE

Autora: Maria José Braga Viana

24 a 28 de outubro de 2016

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ASPIRAÇÕES E PROJETOS DE CONTINUIDADE DOS ESTUDOS DE ALUNOS DO ENSINO MÉDIO DE ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL DA REGIÃO

METROPOLITANA DE BELO HORIZONTE1

Maria José Braga Viana2

“ (...) um grande passo é não parar de estudar”. “Um passo de cada vez”. (Depoimentos de alunos no grupo focal)

Introdução

Esse trabalho tem origem numa pesquisa que buscou analisar aspirações e projetos de continuidade dos estudos de alunos do ensino médio de uma escola estadual da região metropolitana de Belo Horizonte. Essa escola atende atualmente a cerca de 1.300 alunos, oferecendo o ensino Médio nos turnos matutinoe noturno e as séries finais do Ensino Fundamental. Do ponto de vista metodológico, a investigação se desenvolveu em dois momentos.O primeiro constou de uma investigação quantitativa, realizadapor meio de 370 questionários autoaplicados, 75% do total de alunos que constavam nas listas de presença fornecidas pela escola. Responderam ao referido questionário, composto por 34 questões, os alunos que estavam presentes em sala de aula no dia da aplicação do instrumento. As questões do questionário versaram sobre as variáveis relacionadas às características adscritivas dos alunos, à trajetória escolar, ao contexto familiar e escolar.3 O segundo momento se desenvolveu por meio de três grupos focais (com 15 alunos em cada grupo - do 1º., 2º. e 3º. ano) e buscou o aprofundamento nas questões centrais da pesquisa.

1Pesquisa financiada pela FAPEMIG/CAPES - Edital 13/2012 – Pesquisa em Educação Básica 2

Profa. Associada da FaE/UFMG. Membro do Observatório /Sociológico Família- Escola (OSFE)

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Buscou-se compreender os projetos, aspirações e escolhas no que tange ao prosseguimento, ou não, dos estudos. Outras dimensões da vida vieram à tona nessa busca, mas não constituíram o foco da investigação. O ensino médio cobre uma etapa da vida que ocorre na adolescência e na juventude, não constituindo apenas o momento de continuidade do ensino fundamental e de preparação para o ensino superior, mas também de elaboração de projetos fundamentais de transição para o futuro. A continuidade dos estudos representa uma dimensão específica dessa transição.

A transição para a vida adulta – da escola básica para o ensino superior, para o trabalho, para a constituição de família, por exemplo - já constitui tema de importantes pesquisas empíricas, no Brasil (PIMENTA 2007; CAMARANDO, 2006; FALCÃO, 2015) e no estrangeiro (PAIS, 2005; GUERREIRO e ABRANTES, 2007), Casal et al. , 2006).4 Estes estudos apontam para uma diversidade de itinerários de transição.

No que tange à entrada e à permanência dos jovens de meios populares no ensino superior, já se tem disponível um número importante de pesquisas empíricas, no estrangeiro e no Brasil. A busca de elucidação das razões que tornam possível uma escolarização prolongada a indivíduos, cuja probabilidade de chegar à Universidade é estatisticamente reduzida, passou a constituir, a partir do início da década de 90 do século passado, a problemática central desses estudos A pergunta básica norteadora, no caso brasileiro e alhures, tem sido a seguinte: o que possibilita a esses indivíduos chegar ao ensino superior, contra adversidades de toda ordem? A maioria desses estudos nomeia esse fenômeno como “sucesso escolar” em meios populares, mas há também quem o rubrique de “longevidade” escolar.

De minha parte especificamente, venho desenvolvendo estudos que se inserem no quadro dessa problemática, desde meados dos anos 90 (VIANA, 2007). Outros pesquisadores brasileiros, todos pela via de estudos empíricos, desenvolvendo investigações de doutorado ou mestrado, buscaram

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igualmentecompreender as condições específicas de longevidade escolar no contexto da realidade brasileira e das condições específicas de vida dos jovens investigados.5

A referência a esses estudos objetiva mostrar um interesse da autorapela escolarização das camadas populares. Ou seja, um lastro nointeresse de compreensão da permanência no sistema escolar desses segmentos sociais, de forma mais ou menos prolongada. Se antes se investigou as condições de entrada no ensino superior – em situações de efetivo acesso a esse nível de ensino -, nesse estudo, focalizando as expectativas e projetos de continuidade dos estudos, investiga-se o momento de passagem pelo final do ensino básico, entendido como momento de travessia, de encruzilhada.Pergunta-se, basicamente, se essa passagem aponta para a continuidade dos estudos, da perspectiva de expectativas e projetos, ou “apenas” para uma terminalidade do/no ensino médio?

O interesse de investigar os projetos de futuro no que tange à continuidade dos estudos de jovens/alunos do ensino médio de escola pública, se justifica, portanto, de forma mais geral, pela busca de compreensão desse momento de passagem, de travessia. Mas se justifica também pela compreensão de que o período do ensino médio, que cobre uma etapa da vida que ocorre na adolescência e a juventude,6 coincide com o ensino médio, que não seria apenas o momento de continuidade do ensino fundamental e de preparação para o ensino superior, mas também de elaboração de projetos fundamentais de transição para o futuro. A continuidade dos estudos constitui uma dimensão específica dessa transição, conforme acima apontado.

5ALMEIDA (2006): estudo de estudantes com desvantagens sócio-econômicas e educacionais na USP

(dissertação de mestrado);LACERDA (2006): famílias e filhos de iteanos na construção de trajetórias escolares pouco prováveis (tese de doutorado); PIOTTO (2007): estudantes de camadas populares na USP (tese de doutorado); PORTES, (1993): trajetórias e estratégias escolares do universitário das camadas populares na UFMG (dissertação de mestrado); SILVA (1999): caminhada de estudantes da Favela da Maré para a UFRJ (tese de doutorado); SOUZA (2009):o acesso de filhos de seringueiros ao ensino superior público no Acre (tese de doutorado).

6 Embora o objeto dessa pesquisa faça fronteira com os estudos sobre juventude, não vamos nos debruçar

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Elaboração de aspirações e projetos de continuidade dos estudos e diferentes modos de vivenciar e conceber o tempo futuro

⌠Em momento histórico anterior⌡Tornava-se adulto, em pleno sentido, aquele que tivesse percorrido o trajeto, que previa, em uma sucessão rápida, “etapas” como a conclusão dos estudos, a inserção no mundo do trabalho, o abandono da casa dos pais para morar independentemente, a construção de um núcleo familiar autônomo e o nascimento dos filhos. Hoje, embora esses acontecimentos ainda devam, em algum momento, verificar-se, desapareceram, tanto em sua ordem e irreversibilidade (...). (LECCARDII, p. 48).

Para abordarmos a problemática da elaboração de aspirações e projetos, entendemos ser pertinente discutir o tema da relação do sujeito com o tempo, mais especificamente, com o futuro. Buscamos subsídios teóricos em Mercure (1995), Leccardi (2005) e Pais (2005) para o estudo da constituição das maneiras de conceber e vivenciar o tempo, pelo jovens. Segundo Mercure (1995, p.20-21), “o campo de projetos, de planificações, de previsões e de visões antecipadas, de expectativas e esperanças”, constitui o cenário básico da noção de horizonte temporal.JáLeccardi (2005), aborda tipos predominantes de relação com o tempo, considerando dois momentos históricos: uma “primeira modernidade” e uma “modernidade contemporânea”. Para esse trabalho, focalizamos, sucintamente, as novas tendências de temporalização apontadas pela autora. Contrapondo um modo tradicional das sociedades ocidentais de conceber e vivenciar o tempo, quando a preparação dos jovens para a vida adulta pressupunha um horizonte temporal estendido (capacidade de autocontrole, de disciplina), na contemporaneidade (a partir de fins do sec. XX), aparece um componente de incerteza. Os imediatismos, assim como as “vivências contingentes”, tendem a dominar o cenário. Torna-se pouco sensato pensar/investir em projetos de longo prazo e, mais ainda, adiar satisfações. Produz-se, assim, um “horizonte temporal comprimido”, a vida se estruturando mais em torno do presente. Surgem novas formas de “temporalização”, uma delas, básica, sendo a de “pulverização da experiência de tempo”. Não prevalece um continuumtemporal; “os intervalos de tempo dispõem-se um ao lado do outro e não em uma progressão lógica” (BAUMAN apud LECCARDI,

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2005).Bauman (2007, p.7) defende, de maneira próxima, que, numa modernidade “líquida”,“para as ações humanas, assim como para as estratégias existenciais a longo prazo”, as organizações sociais não podem mais manter sua forma por muito tempo. Formas ou estruturas que “asseguram a repetição de rotinas, padrões de comportamento”.Leccardi(2005) utiliza a imagem da

bricolagepara abordar a ideia de esgotamento de projeto, mas mostrar um

movimento que se constrói guiado por uma lógica essencialmente prática. Além disso, o horizonte de futuro passa a ser construído no contexto de riscos. Esse tempo “fragmentado em episódios” tende a apagar a ideia de projeto; a figura do “nômade” é utilizada por Melucci (1998) como metáfora das biografias contemporâneas, caracterizadas como tendência à experimentação, à provisoriedade, diferentemente de biografias construídas em torno de metas.

Segundo Pais (2009), “a nível das representações continuam a persistir normatividades etárias, isto é, idades consideradas ideais para se darem determinados passos ao longo do curso de vida”. No entanto, com base em pesquisas empíricas, esse mesmo autor contrapõe essa normatividade ao fenômeno dos “ritos de impasse”, que corresponde a uma “anormatividade” na transição para a vida adulta, propiciada sobretudo por dificuldades, por exemplo, no emprego e no mercado matrimonial. Nesse caso, o autor afirma que, nos dias atuais, “são mais fluidos e descontínuos os traços que delimitam as fronteiras entre as diferentes fases da vida” (p. 373).

Bourdieu (1998), com a idéia de causalidade do provável, fundamenta a discussão de relação dos sujeitos com o futuro, sucintamente discutida acima, por meio das noções de disposição e de habitus. As disposições de futuro podem ser compreendidas, segundo esse autor, no contexto das condições materiais, simbólicas e de socialização das trajetórias individuais e de grupos, disposições que são potentes para explicar as práticas, expectativas e estratégias em cada dimensão da vida. As ações e expectativas seriam comandadas pelas condições passadas, estas produtoras de um princípio gerador daquelas. As propensões e aspirações seriam comandadas, para cada grupo social, pelacompreensão prática do possível; as escolhas, sobretudo as das camadas populares, seriam pautadas pelo senso do “necessário”, do provável. As práticas (projetos, expectativas, aspirações) seriam engendradas

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pelo habitus, porque ajustadas às condições objetivas, às condições de possibilidade. As disposições subjetivas, portanto, tem sua origem nas probabilidades objetivas. Assim, as chances de entrar na universidade para os jovens e adolescentes dos meios populares – o caso da maioria dos alunos investigados nessa pesquisa - são fracas. Observa Bourdieu (1998) que, dentre os colegas de jovens adolescentes um pouco mais velhos e pertencentes ao mesmo meio, nenhum ou quase nenhum atinge o nível universitário, o que implica numa interiorização dessa realidade; num conhecimento prático das condições de possibilidade. “As aspirações efetivas, capazes de orientar realmente as práticas, por serem dotadas de uma probabilidade razoável de serem seguidas de efeito, não tem nada em comum com as aspirações sonhadas, desejos, ´sem efeito, sem ser real, sem objeto´(BOURDIEU, 1998, p. 86).

Bourdieu introduz, assim, a noção de pertencimento social para explicar a elaboração de aspirações de futuro, colocando as condições objetivas de vida como fatores determinantes de perspectivas de futuro;as escolhas sendo realistas. Nesse sentido, o grupo estudado nessa pesquisa, majoritariamente oriundo dos meios populares ou de setores mais desfavorecidos das classes médias, encontra respaldo interpretativo na teoria de causalidade do provável desse autor.

Por sua vez, o estudo sobre as condições de possibilidade de longevidade escolar em meios populares de Viana (2007), acima referido, mostrou que uma relação com o futuro que seja ampliada, distendida, ajuda a explicar as trajetórias investigadas. O fenômeno da longevidade escolar, nessa pesquisa, revelou-se atípica do ponto de vista estatístico, porque realizada com jovens das camadas populares. Segundo Mercure (1995), o tipo de relação com o futuro marcada por uma disposição “de conquista” (p. 44), seria facilitadora de ruptura com o tempo presente. Os dados empíricos da pesquisa - resultado de entrevistas com universitários de origem popular e suas famílias - corroboraram essa hipótese/tese. Assim, concluímos que uma disposição em relação ao futuro marcada pela temporalidade de longo prazo pode facilitar trajetórias escolares longevas, pelas atitudes e práticas de investimento que ela engendra.

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Perspectivas de escolarização num contexto de incertezas e estratégias modestas: dados dos grupos focais

Os grupos focais foram realizados no período de agosto a setembro de 2015. A implementação dos mesmos ofereceu algumas dificuldades, no que se refere a indisponibilidades de horário para a realização dos grupos e de espaço físico na escola; com exceção do turno noturno, onde existem poucas turmas. Isso a despeito do investimento da equipe de profissionais que nos auxiliaram no trabalho. A discussão ocorreu com três grupos de15 alunos cada, um no turno da noite e dois no matutino, sendo, no turno da manhã, uma constituída de alunos do 2º. ano e outra, de 3º..

Para efeito de contextualização dos resultados dos grupos focais no conjunto da investigação, apresentamos a seguir um breve panorama dos resultados dos dados quantitativos, extraídos da análise do questionário aplicado na primeira fase da pesquisa, que mostram a afirmação/aspiração do desejo de continuidade dos estudos, nuanceadas pelas variáveis: características adscritivas (sexo e cor), contexto familiar, trajetória e contexto escolares por aspiração de cursar o ensino superior. Cada uma das variáveis mostrou uma relação diferenciada com as aspirações dos alunos.

A relação entre o sexo e as aspirações foi significativa (pelo teste do qui-quadrado), com vantagem para as meninas. Pretendem cursar o ensino superior 92,6% das meninas e 78,1% dos meninos. Por sua vez, a diferença na distribuição entre brancos e negros não foi estatisticamente significativa: não se identificou associação entre cor e pretensão de ingresso no ensino superior. Neste quesito,ocorre uma significativa homogeneidade entre os alunos da escola.

Considerando as variáveis relacionadas ao contexto da família dos alunos, observa-se que, embora a maioria dos alunos afirme pretender cursar o ensino superior, estes estão mais concentrados entre aquelas famílias que

possuem escolaridade mais elevada, renda mais alta, que

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possuem condições econômicas para ajudar o filho/aluno nesse empreendimento.7

No que tange aos grupos focais, as perguntas que nortearam as discussões foram as que se seguem. O núcleo de indagação é voltado para o momento de travessia para o ensino superior, na perspectiva da aspiração e do

projeto. A participação nessas discussões permitiu ver “mais de perto” as

aspirações e projetos de continuidade dos estudos, assim como as mediações que perpassam essas escolhas no contexto de vida mais geral e de trajetos de escolarização a serem efetivamente empreendidos.

1) O que fazer quando terminar o ensino médio?

2) Quais são as perspectivas efetivas de se concluir o ensino médio, em curso?

3) Qual a importância da participação dos pais para a continuidade dos estudos?

4) Quais os passos para se transitar do ensino médio para o superior (ENEM, Prouni, Cursinho, etc.)?

5) Qual o peso do próprio desempenho escolar, sobretudo no ensino médio, na decisão de continuar os estudos?

6) Qual a visualização projetada para o futuro no sentido de se imaginar

daquele momento da entrevista coletiva há 5 anos,

aproximadamente?

As discussões nos grupos focais nos apontaram alguns temas recorrentes, apresentados a seguir.

1. O curso técnico como horizonte necessário, mais provável e, assim, intermediário entre o ensino médio e o curso superior

Constamosque a continuidade dos estudos não significava necessariamente e antes de tudo, para maioria dos alunos participantes, ter acesso ao ensino superior. O curso de nível técnico representava para muitos essa continuidade eum projeto. Esse constituiu um dado recorrente e forte. O

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ensino superior apareceu como uma possibilidade mais distante, frequentemente (necessariamente?) precedida do curso técnico. Entre o ensino médio e o superior, foi apontadauma sistemática projeção de passos intermediários com forte destaque para a realização desse curso técnico: por exemplo, um curso de mecânica, no SENAI, por exemplo, para depois fazer engenharia; um curso de enfermagem preparando para cursar medicina.“Começar de baixo” é a argumentação de alguns para essa trajetória a ser construída marcadamente na transitoriedade. Alguns afirmaram, genericamente, que não sabem que curso superior escolher, porque tem que fazer ainda ´um curso técnico’. Ou mesmo, “fazer vários cursos técnicos ... pra depois... um passo de cada vez”, afirma um aluno.Poderíamos concluir que o curso técnico constituiria uma perspectiva final no projeto de continuidade dos estudos para muitos?

2. A “opção”, ao mesmo tempo, por cursos altamente concorridos na seleção para acesso ao curso superior (medicina, engenharia)

Curioso apontar também o fato desses alunos apontarem como aspiração, pelo menos na narrativa, dois dentre os cursos superiores mais concorridos na seleção para a entrada na universidade, medicina e engenharia. Talvez seja o caso de problematizar como contradiçãoesse horizonte tão difícil de alcançar, sobretudo se se considera, por um lado, a grande disputa que se trava para a entrada nesses cursos no Brasil, sobretudo no de medicina e, por outro lado, as projeções desenhadas por eles próprios para a construção da sua caminhada pós ensino médio focada na frequência a um curso técnico.Vargas (2010) analisa a existência das chamadas profissões/carreiras“imperiais” em nosso país (medicina, engenharia, direito); “imperiais” em função da atração que exercem seu prestígio e hierarquia sociais, que são percebidas e desejadas, também, pelos alunos da pesquisa.

Osimpedimentos para o alcance dessa aspiração não foram explicitados, a não ser na afirmação de que se era necessário preparar para essa disputa fazendo previamente um curso técnico na área desejada – enfermagem para se preparar para medicina, por exemplo.Se a frequência a um cursinho aparece

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como um recurso a ser buscado para suprir lacunas de formação, é a frequência ao curso técnico que aparece com mais força. Não estariam, nesse caso, sendo construídas, por um lado, aspirações prováveis (BOURDIEU,1998)e, por outro lado, “sonhos”, considerando a realidade de vida desses jovens?Supõe-se que os cursos de medicina e engenharia se apresentaram comodesejados, porquevalorizados pela sociedade, mas tendo sua realização sendo obstaculizada por questões materiais e culturais.

Temos também como hipótese que ”ritos de impasse”, conforme Pais (2009),estariam obstruindo a afirmação preferencial por uma aspiração mais ambiciosa, como essa.Estariam esses jovens substituindo o projeto pelo sonho? (p.50).

Bourdieu (1998), discutindo a influência do capital cultural sobre o êxito escolar, aponta as desigualdades de informação sobre o mundo universitário como uma forma importante desse capital, que depende, em grande medida, das transmissões culturais que advêm da família.8Esse conjunto de informações escolarmente rentáveis estariam menos disponíveis para os jovens oriundos dos meios populares. Temos como hipótese que uma dose significativa de desinformação sobre o funcionamento sobre o sistema escolar brasileiro e, mais especificamente, sobre as instituições de ensino superior no Brasil, sobretudo as públicas, estaria na base dessa “expectativa” de cursos altamente elitizados e, portanto, altamente seletivos, voltados para alunos com um perfil socioeconômico mais favorecido.

O projeto de fazer o curso superior numa escola privada, embora diferenciada da aspiração a essas profissões “imperiais”, guarda, a nosso ver, alguma semelhança com ela, no que tange ao seu nível de ambição. Considera-se, no entanto, que existem diferentes tipos de faculdades/universidades de natureza privada, algumas de acesso mais facilitado que as públicas.

8O capital cultural é constituído de um “conjunto de bens simbólicos”, que teria como marca principal uma “cultura legítima”, podendo se manifestar no estado incorporado, objetivado e institucionalizado (Nogueira, 2010).

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3. A presença incerta dos pais na continuidade dos estudos e a entrada no mercado de trabalho como necessária

A possibilidade da presença incerta dos pais na continuidade dos estudos, mesmo do ponto de vista estritamente material, constituiria um impasse, supomos.Indagados sobre a possibilidade dos pais de ajudá-los a fazer o curso superior, as respostas foram significantemente reticentes e imprecisas, apontando principalmente para impedimentos materiais. Quando eles falam de falta de “condições” de ajuda familiar, é sobretudo de ausência de bases financeiras é que estão falando. “A crise tá feia”, argumenta uma aluna.

Nesse ponto eles e elas, de um modo geral, ligam essas dificuldades com a necessidade d´eles próprios entrarem parao mercado de trabalho num futuro bem próximo.Argumenta um aluno a respeito:

Eu tenho que começar a trabalhar a fazer meu próprio dinheiro, fazer a minha vida... tem crise, a gente que é jovem tem que começar a pensar...eles ...porque até pra eles tá ajudando dentro de casa tá difícil; agora tem que ajudar na faculdade também...? Mas assim, quando a gente chega numa certa idade, a gente tem que correr atrás e trabalhar.

Assim, concomitante a fazer um curso técnico, projeta-se a entrada no mercado de trabalho que possibilite, inclusive, a realização desse estudo de nível técnico. “Eu tenho que começar a trabalhar, a fazer meu próprio dinheiro, a fazer a minha vida”, declara um aluno. Alguns já trabalhamdurante o ensino médio. Trabalham em empresas, trabalham como vendedores(as) em lojas, como cabeleireiro, nesse caso como pequeno empresário (um aluno).

Começando a trabalhar agora pra ter condições de estudar... fazer um curso técnico. Por exemplo, eu quero fazer medicina.... (...) começar de baixo, fazer igual (nome de um colega), enfermagem...; ter renda, porque eu não tenho condições de pagar uma faculdade. Hoje em dia não tá tão fácil... não tenho condições de pagar uma faculdade.

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Convém ressaltar, ainda, que um dos resultados do questionário é que, em torno de 11% dos alunosdizem que não pretenderem fazer o curso superior, mesmo no caso dos pais poderajudá-los. O que explicaria esse dado? Estaria ligado, por hipótese, com outra razão que fragiliza opções para fazer um curso superior, que é a de uma certa noção do valor do diploma de curso superior no mercado para jovens detentores de um capital social frágil? Eles afirmam que precisariam de “indicação” para o acesso às empresas voltadas para os cursos específicos que fariam. “Minha prima, ela formou em engenharia civil, hoje ela trabalha de atendente de hotel; (...) você tem que conhecer gente lá dentro (da empresa)”. Medo de investir e de não ter retorno? Essa ideia parece reforçada pelos pais. Para fazer referência a ela, eles se apoiam na “sabedoria dos pais”. Uma imagem utilizada a esse respeito: “o jovem vê o nariz dele, os pais, não, os pais vêm a curva...”

5. A busca por um cursinho também como necessária, como estratégia compensatória para as lacunas do ensino básico.

Dentre esses passos intermediários a serem trilhados figuram ainda a frequência ao cursinho e a um curso de língua estrangeira. “Fazer um cursinho porque... escola pública ela não aprofunda.. fazer um cursinho no ano que vem pra poder chegar bem na prova... na prova do ENEM. Esse ano fiz só pra testar...”, afirma uma jovem. A estratégia do cursinho aparece como compensação pela fragilidade do ensino médio que estavam cursando; estratégia apresentada de forma reiterada por alguns.

Finalmente, por meio de respostas marcadas por reticências, e em poucos casos, apareceram dúvidas até acerca da possibilidade de conclusão do ensino médio. Esse tipo de manifestação tem como base a realidade objetiva do próprio desempenho escolar, o que coloca o jovem, pressupõe-se, ancorado no presente.

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A realidade do ensino médio no Brasil, uma fase da educação básica, constitui o cenário mais amplo para as discussões que foram produzidas nesse trabalho.Poderíamos ter abordado aspectos dessa realidade mais geral que nos ajudassem a entender a problemática trabalhada, mas não foi essa a opção. O que não nos impede de tecer breves comentários a respeito, à guisa de conclusão do trabalho.

Um nível de ensino marcado por constante criseque advém de suas contradições – crise algumas vezes denominada de “apagão”. Uma crise constituída de diferentes e complexos problemas, como: deficiências noprocesso de formação dos professores, baixo desempenho dos alunos, falta de infraestrutura das escolas, gestão e políticas norteadoras, processo de universalização inacabado, dentre outras (CURY,1998,apud MESQUITA E LELIS.2015).

Os jovens dos setores populares constituem hoje o grande contingente do ensino médio, quando se considera a escola pública. No entanto, tudo indica a existência de um desencontro entre os jovens e esse nível de ensino. O processo de inserção dos mesmos neste segmento de ensino teria passado por fases, a última caracterizando-se como frustrante, sobretudo porque

“ a proximidade de um novo ciclo de vida fica mais evidente, e os alunos se confrontamcom um frustrante universo de possibilidades: o ingresso na universidade não se configura como uma possibilidade para a maioria e o desejo de trabalhar ou melhorar profissionalmente também se torna uma experiência muito difícil de ser concretizado” (KRAWVZYK, 2011, p. 6).

Para Mesquita e Lelis (2015),os principais norteadores para a expansão do ensino médio no Brasil hoje, são os seguintes, dentre outros: “a necessidade de tornar o país mais competitivo no cenário internacional, as novas lógicas do trabalho, a desvalorização crescente dos diplomas que exigem níveis de escolarização cada vez mais altos (...)” (p. 2). Assim, por um lado, uma educação secundária de qualidade que permita a inserção dos jovens no mundo social e do trabalho, constitui uma demanda social nos dias atuais e,

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particularmente, para os jovens alunos. Por outro lado, a desvalorização dos diplomas de ensino médiocoloca para esses mesmos jovens a “necessidade” de buscar/aspirar o nível superior. “Necessidade” que, muitas vezes – como mostra o trabalho empírico aqui apresentado – coloca os jovens em situação de difícil indefinição no momento de formular suas aspirações e projetos de futuro/continuidade dos estudos. Indefinição que vem de suas condições objetivas de vida que, por sua vez, leva a diferentes e difíceis tipos de relação com o futuro, mais próximo ou mais distante.

Concluímos, a partir do estudo desses casos, que não háum tipo de percurso previsível para o ingresso no ensino superior e, de forma mais geral, na vida adulta, mas que esses jovens lidam com a imprevisibilidade, de forma realista e criativa. As escolhas nessa fase de transição apresentam-se sistemática e fortemente marcadas pelo possível/provável.O possível torna-se uma categoria chave para lidar com o futuro, quando estamos diante de jovens das camadas populares. Fazer um curso técnico representa esse possível diante da “necessidade” de tomar uma posição diante de continuar os estudos e de inserir no mercado de trabalho de forma mais imediata. Um contexto de riscos e de incertezas leva a adiar satisfações, tendendo a apagar a ideia de “projeto” de fazer um curso superior, mas, diferentemente, de construir projetos de curto prazo.

Mesmo se se aponta a estratégia do cursinho com o fim de preparação para o acesso ao curso superior – o que pressupõe esse nível de ensino como aspiração -, não podemos pensar também que o curso técnico possa assumir o caráter determinalidade dos estudos para muitos jovens oriundos dos meios populares? Ou, diferentemente, o curso técnico constituiria um “passo intermediário”, estratégico, para uma entrada mais tardia no ensino superior?

Segundo Enguita (2014,p. 8-9):

O ensino médio foi e é, há muito tempo, a encruzilhada estrutural do sistema educativo, o ponto no qual uns fatalmente terminam e outros verdadeiramente começam, no qual se jogam os destinos individuais à medida que podem depender da educação, no qual se encontram ou se separam (...) os distintos grupos sociais.

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Aponta-se, como pano de fundo, para concluir, o fenômeno da desigualdade de acesso ao ensino superior para os jovens dos meios populares. Ou seja,aponta-se a dependência da origem, para romper a barreira do ensino médio para o superior, expressa, nesse estudo, nas aspirações e projetos em relação ao futuro.

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