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INFLUÊNCIA DE REPRESENTAÇÕES E DE SIGNIFICADOS DA DIVISÃO EM PROBLEMAS COM RESTO

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Academic year: 2021

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EM PROBLEMAS COM RESTO

Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – UFPE – rborba@ce.ufpe.br

Ana Coêlho Vieira Selva – UFPE – anaselva@.com

Alina Galvão Spinillo – UFPE – spin@ufpe.br

Noeme Araújo de Sousa – UFPE – noemesousa@bol.com.br Introdução

O objetivo desta pesquisa foi o de investigar o efeito de significados dados à divisão e de representações simbólicas na resolução de problemas de divisão com resto. A operação de divisão pode ter diferentes significados – como a partição na qual é dado um todo e a quantidade de partes em que o mesmo deve ser distribuído e o resultado é o valor de cada parte e a quotição na qual é dado um todo e o valor de cada parte que forma o todo, e o resultado consiste na quantidade de partes. Assim sendo, esta pesquisa investigou se há alguma influência do significado dado à divisão no tratamento que crianças dão ao resto de uma divisão. Também foi investigado se o resto de divisões é tratado diferentemente se os problemas forem resolvidos por meio de representações simbólicas distintas, tais como representação oral, escrita, com uso de manipulativos e com uso de calculadora. Investigou-se, finalmente, se restos pequenos são tratados diferentemente de restos grandes.

Segundo Vergnaud (1982, 1997) todo conceito é composto por três dimensões: 1) situações que dão significado ao conceito, 2) as propriedades invariantes do conceito e 3) os sistemas simbólicos utilizados na representação do conceito. Embora as dimensões de um conceito sejam interligadas de um modo complexo e nem sempre se possa claramente fazer uma distinção de qual dimensão está sendo tratada quando da resolução de problemas, é possível experimentalmente manipular estas três dimensões e observar os efeitos isolados de cada uma e se há interação entre as mesmas.

Borba (2000, 2002) pesquisou o efeito das três dimensões sugeridas por Vergnaud – significados, invariantes e representações – na compreensão de problemas

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aditivos com números inteiros relativos. No total, 120 crianças de 7 e 8 anos de idade – bem antes de serem ensinadas na escola sobre o conceito de número inteiro relativo – foram entrevistadas sobre problemas que resultavam em números positivos ou negativos. Observou-se que o desempenho das crianças foi afetado pelos significados dados ao conceito de número relativo (medidas e relações) bem como as formas de representação utilizadas (implícitas ou explícitas) e as propriedades invariantes (de problemas diretos – final desconhecido – e inversos – início desconhecido).

O presente estudo utilizou o mesmo referencial teórico e metodológico utilizado por Borba (2000, 2002) mas investigou outro conceito matemático – a divisão com resto diferente de zero – no intuito de observar como o desempenho de crianças é afetado pelos significados dados à operação de divisão e por diferentes formas de representação. Os efeitos isolados das dimensões do conceito de divisão – significados da divisão, propriedades invariantes desta operação e possíveis representações – foram investigados em estudos anteriores e a proposta do presente estudo é observar o que destes estudos anteriores é ou não replicado, sendo a principal contribuição de nosso estudo a manipulação experimental de fatores combinados: significados dados à divisão e diferentes formas de representação na análise do resto. O desenvolvimento da compreensão de diferentes significados, do uso de diferentes formas de representação e das propriedades invariantes da divisão também será objeto de investigação uma vez que na pesquisa crianças de diferentes séries foram entrevistadas.

O que concluíram estudos anteriores sobre a resolução de problemas de divisão

Desforges e Desforges (1980) investigaram como 30 crianças resolviam problemas de divisão com resto igual e diferente de zero. As crianças pertenciam a três faixas etárias: a) três anos e seis meses a quatro anos e seis meses; b) quatro anos e seis meses a cinco anos e seis meses e c) cinco anos e seis meses a seis anos e seis meses. Os problemas apresentados eram todos de partição nos quais de 5 a 30 bombons eram divididos entre duas, três ou cinco bonecas. As principais estratégias observadas foram: a) utilização de correspondências um – a - um; b) formação de grupos em função do número de bonecas e c) distribuição de grupos de dois ou três entre as bonecas. Nos casos em que a divisão era de resto diferente de zero, outras estratégias foram observadas: a) solicitação de maior quantidade de bombons para completar a distribuição nos grupos; b) remoção do resto; c) subdivisão do resto; d) movimentação do que sobrou entre alguns dos grupos e e) colocação de todo o resto em um dos grupos.

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Nas duas últimas estratégias as crianças não atentavam para a desigualdade entre os grupos. Estas duas estratégias foram as mais utilizadas pelas crianças menores e a da remoção do resto foi a mais freqüente entre as crianças mais velhas. As crianças mais novas estavam atentas ao fato de que todos os bombons deveriam ser distribuídos e as mais velhas estavam atentas ao fato de que a distribuição não poderia ser desigual e, portanto, para estas crianças o resto teria que ser desprezado. Apenas duas crianças, uma do grupo intermediário e a outra do grupo mais velho, levantaram a possibilidade de se subdividir o resto. Estas duas crianças levaram em consideração os dois fatos: o esgotamento do todo e a igualdade das partes nas quais o todo foi dividido.

Kouba (1986, 1989) investigou as estratégias utilizadas por crianças de primeira, segunda e terceira séries para resolver problemas de divisão de dois tipos: de partição e de quotição. Todos os problemas eram de divisão com resto igual a zero. Não foram observadas diferenças de desempenho nos dois tipos de problemas. As principais estratégias classificadas por Kouba como apropriadas foram: a) representação direta da estrutura do problema; b) representação concreta de grupos e contagem mental do total; c) uso de múltiplos de um dos fatores do problema; d) adição e subtração repetidas e e) uso de fatos memorizados. As crianças de primeira série tenderam a resolver os problemas por representação direta. Os da segunda série utilizavam a representação direta, da adição e subtração repetidas, de múltiplos e alguns fatos memorizados. As crianças da terceira série, em sua maioria, utilizavam fatos memorizados.

Selva (1993, 1998) analisou a influência de diferentes representações na resolução de problemas de divisão por crianças de alfabetização, primeira e segundas séries. As crianças foram distribuídas em grupos com diferentes materiais (fichas, papel/lápis, sem material) para apoiar seus cálculos. Foi verificado que o desempenho das crianças era favorecido tanto no grupo que utilizava fichas, quanto no grupo com papel e lápis. Entretanto, analisando as estratégias utilizadas constatou-se que o grupo de crianças que utilizou o papel e o lápis apresentou estratégias mais sofisticadas de resolução (adição/subtração repetida e fato numérico, por exemplo). As crianças do grupo com fichas usaram basicamente a estratégia de representação direta das quantidades e ações do problema.

Em relação ao tratamento dado ao resto, Selva (1993, 1998) não encontrou diferenças entre problemas de partição e quotição. Após reconhecerem a existência do resto, as crianças tendiam a tratá-lo como algo novo, isolado do problema apresentado. Poucas crianças retornaram ao problema para julgar o que fazer com o resto.

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Silver, Mukhopadhyay & Gabriele (1992) analisaram o desempenho de 545 alunos de 6º, 7º e 8º ano na resolução de problemas de quotição. Foram perguntados às crianças problemas somente do resto, problemas somente do quociente e problemas de quociente aumentado. A ordem desses problemas foi variada. Em alguns testes também havia problemas de quociente aumentado precedido ou seguido de problemas de multiplicação ou subtração. Os resultados indicaram que problemas de quociente aumentado foram mais difíceis em todas as séries, seguidos de problemas quociente somente e de resto somente.

Li e Silver (2000) observaram a resolução de 14 crianças de 3a serie de um problema de quotição com resto diferente de zero. No problema apresentado, 22 fitas deveriam ser distribuídas em caixas nas quais cabiam cinco fitas. Nenhuma das crianças conhecia ainda o algoritmo formal da divisão. Apesar de não conhecerem o procedimento formal para a solução de um problema de divisão, 13 das crianças foram bem sucedidas na resolução do problema. Estas crianças apresentaram respostas corretas ao problema por apresentarem o quociente aumentado de uma unidade (5) ou por apresentarem justificativas plausíveis de tratamento do resto. As crianças utilizavam procedimentos que envolviam a adição, subtração ou multiplicação e resolviam o problema baseando-se no contexto envolvido. Utilizando-se fortemente do contexto as crianças conseguiam dar um tratamento adequado ao resto.

Lautert e Spinillo (2001) investigaram as relações entre o significado que as crianças atribuem à divisão e o desempenho delas em problemas de divisão. Os participantes do estudo foram divididos em dois grupos: sem instrução sobre a divisão (40 crianças de Jardim e Alfabetização, 5-7 anos de idade) e com instrução sobre a divisão (40 crianças de 1a e 2a séries, 7-9 anos de idade). Inicialmente as crianças respondiam a duas questões de divisão com resto, sendo um problema de partição e outro de quotição. Em um segundo momento entrevistava-se as crianças e perguntava-se ‘O que é dividir?’. As respostas das crianças foram classificadas em 4 tipos: 1) a criança não sabe definir divisão; 2) a definição da criança está associada a estar cortado, estar longe, compartilhar algo, separar sílabas ou algarismos; 3) a criança apresenta um significado matemático associado a outras operações que não são de divisão e 4) a criança apresenta um significado matemático associado exclusivamente à divisão. Este quarto tipo foi classificado em quatro subcategorias: 4a) a criança se refere à divisão de modo geral; 4b) a criança associa a divisão à idéia de partição e 4c) a criança associa a divisão à idéia de quotição. As definições mais freqüentes foram os tipos 2, 4a e 4b, ou

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seja as crianças tendiam a não atribuir um significado matemático à divisão ou quando o faziam, este era de natureza geral ou associado à idéia de partição.

Ao relacionar-se o desempenho das crianças na resolução de problemas de divisão e as definições fornecidas por elas observou-se que as crianças com baixo desempenho apresentavam definições que não expressam um significado matemático. As crianças com bom desempenho nos problemas forneciam definições que expressam não apenas um sentido matemático geral mas explicitam a idéia de partição e de quotição.

Este conjunto de estudos anteriores ainda deixam algumas questões relativas à divisão a serem investigadas. Alguns estudos concentraram-se na investigação de um dos significados dados à divisão – partição ou quotição – e outros analisaram a resolução dos dois tipos de problemas. Alguns estudos investigaram a resolução de problemas cujo resto era zero e outros investigaram a resolução de problemas de resto igual e diferente de zero. Nestes estudos as formas de representação utilizadas variavam e alguns dos estudos comparavam diferentes formas de representação. Em alguns destes estudos também havia a preocupação de observar o desempenho de crianças de diferentes faixas etárias.

Na presente pesquisa foi proposta a investigação num só estudo da resolução de problemas de divisão com resto diferente de zero com diferentes significados e por meio de diferentes formas de representação. O tratamento dado ao resto foi enfocado. Participaram do estudo crianças de diferentes séries. Este desenho metodológico possibilitou a investigação dos efeitos isolados e de interação de significados dados à divisão, de diferentes formas de representação e de diferentes séries.

Metodologia

Participantes

Participaram do estudo 128 crianças cursando 3ª e 5a séries de duas escolas públicas da cidade do Recife. As crianças de cada série (64) foram emparelhadas em quatro grupos que diferiam em relação ao tipo de representação disponível para auxiliá-las na realização dos cálculos necessários à resolução dos problemas: grupo 1 teve à disposição material manipulativo (fichas); grupo 2 teve papel e lápis; grupo 3 usava a calculadora e o grupo 4 não tinha nenhum material disponível, ou seja, respondia os problemas oralmente.

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Anteriormente à coleta propriamente dita, foi realizada uma sondagem das habilidades matemáticas das crianças. O objetivo dessa sondagem foi emparelhar os resultados obtidos pelas crianças de modo a se realizar a distribuição homogênea das mesmas entre os quatro grupos citados acima.

Tarefas

O exame de sondagem consistiu na resolução de seis problemas sendo dois de multiplicação e quatro de divisão. Eram dois problemas de divisão de partição e dois de quotição, sendo que um problema de cada tipo era de divisão exata e o outro de divisão inexata.

Na tarefa da coleta propriamente dita, todas as crianças resolveram os mesmos 16 problemas de divisão inexata, que variavam em relação ao tipo de problema (partição e quotição) e em relação ao valor do resto (resto pequeno e resto grande). Os dividendos dos pares numéricos utilizados eram números variando entre 09 e 46 e como divisores os números oito e quatro. Resto pequeno consistia em restos no valor de uma unidade ou duas, enquanto que resto grande indicava um valor do resto mais próximo ao valor do divisor. No caso dos problemas com divisor no valor de quatro, o resto pequeno era “um” e o resto grande era “três”. Quando o divisor era oito, o resto pequeno era “dois” e o resto grande era “seis”.

Era o seguinte o esquema de problemas:

Resto Pequeno (4 problemas) Partição (8 problemas)

Resto Grande (4 problemas)

16 problemas

Resto Pequeno (4 problemas)

Quotição (8 problemas)

Resto Grande (4 problemas)

A ordem de apresentação dos problemas também foi controlada. Metade das crianças de cada grupo iniciaram por um problema de partição e metade por um problema de quotição, sendo que cada um desses tipos de problemas envolviam resto pequeno ou resto grande.

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Em relação ao contexto dos problemas, o mesmo sempre envolvia quantidades discretas mas que são comumente particionadas pelas crianças, tais como sanduíches, bolinhos, morangos, maçãs, pêras, chocolates, etc. O contexto foi fixo para todos os testes.

Procedimento

Inicialmente aplicou-se coletivamente o exame de sondagem. Nenhum material foi fornecido, de modo que as crianças resolveram o exame utilizando cálculo mental e/ou escrito.

No estudo propriamente dito, as crianças selecionadas na sondagem foram entrevistadas individualmente pelo experimentador. As crianças da 3a série responderam os problemas em duas sessões (oito problemas em cada sessão) e as crianças de 5a série responderam os problemas em uma sessão única (16 problemas). Os problemas eram lidos pelo experimentador e ficavam disponíveis para a criança ler quando quisesse. As crianças tinham à disposição, ou não, recursos para auxiliá-las na resolução dos problemas de acordo com o grupo ao qual pertenciam. O experimentador estimulava o uso do material específico de cada grupo, solicitando que a criança utilizasse o material disponível na resolução dos problemas apresentados.

Resultados

Após a coleta de dados das duas séries, os mesmos foram analisados de acordo com as seguintes comparações:

• resolução de problemas de partição x resolução de problemas de quotição,

• o uso de representação oral x o uso de calculadora x o uso de representação escrita x o uso de material manipulativo,

• resolução de problemas de resto pequeno x resolução de problemas de resto grande,

• desempenho de crianças de 3a serie x desempenho de crianças de 5a serie.

Será aqui apresentada uma análise de estratégias de resolução utilizadas pelas crianças de 3a série e de tratamentos que as mesmas deram ao resto.

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Estratégias utilizadas para resolver problemas de partição e de quotição

Algumas das crianças utilizaram as mesmas estratégias para resolver todos os problemas, independente do significado de divisão neles contidos. Já outras crianças utilizaram estratégias diferenciadas, evidenciando que percebem diferenças nas estruturas destes problemas.

O protocolo a seguir descreve a estratégia utilizada por uma das crianças entrevistadas, Marcelo, ao resolver oralmente um problema de partição. (E representa a fala do examinador e C representa a fala da criança).

E (lendo o problema): Em uma festa de aniversário, a mãe de João tinha 13 chicletes para serem dados a 4 crianças. Ela quer que cada criança receba a mesma quantidade de chicletes. Quantos chicletes cada criança vai receber? (Marcelo fez quatro riscos na mesa com os dedos).

C: Eu fiz assim, três chicletes pra um (criança 1), três chicletes pra (criança) 2, três chicletes pra (criança) 3, três chicletes pra (criança) 4. Aí já dá 12. Aí vai sobrar um.

E: Então você resolveu dando três chicletes pra cada criança. Como foi que você decidiu dar três pra cada? Pensasse logo de cara?

C: Não, eu tentei assim, quatro pra um, quatro pra dois...Aí eu vi, “eta, não vai dar”.

E: Por que?

C: Porque faltava mais uma criança. Aí eu fiz com dois. Dois pra um, dois pra dois, dois pra três, dois pra quatro. Aí ficou só em oito. Não deu. Tentei de um em um, aí vi que também não ia dar. Aí fiz de três em três e sobrou um.

E: Um o que? C: Chiclete.

E: E faz o que com ele?

C: A mulher que deu o confeito come esse.

Marcelo ao imaginar quatro riscos na mesa marca quantos são os que receberão chicletes. Ele resolve este problema de partição por distribuição dos elementos (chicletes) entre os recipientes (crianças). Ele fez diversas tentativas de distribuição até que confirma que será possível dar três chicletes para cada criança e que ainda sobrará um chiclete.

Marcelo decide dar o chiclete à mãe de João. Assim, o tratamento dado ao resto neste problema foi o de dar um novo fim ao resto – fim este não previsto no enunciado do problema.

Marcelo utiliza uma estratégia de resolução diferente ao lidar com os problemas de quotição, como se pode observar no protocolo que segue.

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E (lendo o problema): Marcelo comprou 15 pêras na feira. Cada saquinho cabe 4 pêras. Quantos saquinhos vão ser necessários?

C: Vai precisar de um, quatro num... quatro noutro...já tá em oito...mais quatro....três saquinhos. Foi quatro num, quatro noutro e quatro em três saquinhos.

E: Sobrou alguma coisa?

C: Deixa eu ver...só cabia quatro né? Não cabe três também não? E: Aí é você que tem de resolver.

C: Ele botou quatro em um, quatro em outro e quatro em outro. Aí sobrou três pêras.

E: E o que faz com o que sobrou? C: Dá pra mãe, pro pai, pra avó.

A estratégia utilizada por Marcelo neste problema é o de ir separando o todo em quotas: quatro pêras em cada saquinho. De forma diferente à sua maneira de resolver os problemas de partição – nos quais ele distribuía o todo entre os recipientes, Marcelo mantém fixa a quota dita no enunciado do problema e conta quantos serão os recipientes.

Embora ele tenha utilizado estratégias diferentes para os problemas de partição e os de quotição, o tratamento dado ao resto para os dois significados de divisão foi o mesmo: criar um novo fim para os objetos que sobraram. Em alguns dos problemas de quotição, Marcelo ainda cogita a possibilidade de acrescentar em uma unidade o quociente por ele obtido, de modo a acomodar o todo citado no problema. No caso do problema citado anteriormente ele pergunta à examinadora se não poderia deixar um outro saquinho com três pêras – o que corretamente resultaria em ter quatro saquinhos ao invés de três – mas no final decide que dará um novo fim às três pêras que sobraram: dará uma para a mãe, outra para o pai e outra para a avó.

Algumas crianças perceberam que era preciso tratar o resto diferentemente em problemas de partição e em problemas de quotição. Alef, um menino de 3a série que resolveu os problemas oralmente, tratou os restos diferentemente, como se pode observar nos protocolos a seguir:

Ex (lendo o problema): Na organização de uma festa, Tânia preparou 34 sanduíches. Cada bandeja cabe 8 sanduiches. Quantas bandejas ela vai usar? C (fica pensativa e utiliza as mãos para auxiliar na contagem. Em uma mão conta de oito em oito e na outra marca quantas vezes já contou).

E: Como é que estás fazendo?

C: É... oito vezes um, oito. Oito vezes dois... (continua fazendo esta contagem em silêncio usando os dedos para marcar quantas vezes já contou de oito em oito). Oito vezes... oito vezes 4, trinta e ...Ah, não! Não é não!

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C: É oito vezes quatro, dava... dá ... eu errei, ia dizer 34 mas não dá não! (a criança ri).

C: Oito vezes dois, 32. Para 34, dois. E: Oito vezes dois?

C: Não. Oito vezes quatro, 32, para 34... (conta nos dedos o que faltaria para alcançar o 34).

C: Falta três. Não, falta dois.

E: Ai eu vou perguntar de novo. Quantas bandejas ele vai usar? C: É quatro. ... Sobrava dois.

E: E você vai fazer o que com esses dois?

C: Esperava o garçom botar uma bandeja na mesa e botava as duas na bandeja. Alef neste problema de quotição decide corretamente acrescentar mais um recipiente para esgotar o todo. No problema de partição a seguir, a criança trata o resto diferentemente.

E (lendo o problema): Augusto foi passear a tarde no zoológico e levou 22 bananas para dar aos 8 macacos que ele visitou. Ele quer que cada macaco receba a mesma quantidade de bananas. Quantas bananas cada macaco vai receber?

(A criança utiliza a mesma estratégia anteriormente usada de usar as mãos para registrar sua contagem de oito em oito. ... Após uma tentativa na qual a criança se perde em sua contagem, ela reinicia a sua solução do problema).

C: Oito vezes dois, 16 (continua sussurrando e contando nos dedos). 17,18,19,20,21,22 ... Oito vezes dois, 16, para 22 ... seis.

(A criança fica confusa se este seis é o numero de bananas que cada macaco vai receber ou se é o que sobra. Refaz todo o processo de solução da mesma forma anteriormente feita).

E: Ai vou perguntar: Quantas bananas cada macaco vai receber? C: Três.

E: E vão ficar quantas bananas sobrando? C: Seis.

E: Vai sobrar alguma coisa? C: Só as seis bananas.

E: Só as seis bananas. Tu ias fazer o que com essas seis bananas? C: Dava para os macacos mas ia sobrar.

E: Ia sobrar?

C: Ia sobrar macaco. ... Então eu dividia. E: Como é que tu ias dividir?

C: Metade e metade.

Alef subdivide o resto neste problema de partição mas parece ter percebido que este não deve ser o tratamento dado aos problemas de quotição nos quais a quota de cada recipiente deve ser mantida e subdividir o resto implicaria em aumentar a quota já pré-estabelecida.

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O uso de diferentes formas de representação

Resolvendo os problemas por uso de material manipulativo

Júlio, outra das crianças de 3a série entrevistadas, utilizou fichas para resolver os problemas. Ao utilizar este material manipulativo, ele fez uso de estratégias diferenciadas para resolver os problemas de partição e os de quotição. Os problemas de quotição eram resolvidos mais rapidamente uma vez que ele já sabia as quotas nas quais deveria separar o todo. Os problemas de partição eram resolvidos por tentativa. Ele distribuía uma certa quantidade de fichas entre o número de recipientes citados no enunciado do problema e fazia ajustes – aumentando ou diminuindo a quantidade dada a cada recipiente – de maneira a esgotar o todo da forma mais eqüitativa possível.

Embora Júlio tenha utilizado estratégias diferenciadas para efetuar partições e quotições, por meio do uso do material dado, ele não utilizou procedimentos diferentes para lidar com o resto nestes dois tipos de problemas. O tratamento mais comumente dado ao resto para esta criança foi a estratégia de subdividir o mesmo – estratégia incorreta para os problemas de quotição mas correta para os de partição. A seguir pode-se obpode-servar o tratamento dado a um problema de partição no qual Júlio corretamente subdividiu o resto, embora não soubesse nomear corretamente a fração do todo obtida.

Ex (lendo o problema): Em uma festa de aniversário a mãe de João tinha 26 chicletes para serem dados a 8 crianças. Ela quer que cada criança receba a mesma quantidade de chicletes. Quantos chicletes cada criança vai receber? (A criança distribuiu as fichas em oito fileiras de três fichas cada e ainda sobraram duas fichas).

C: Cada criança ficará com três.

E: Ficaram com três. E sobrou alguma coisa?

(A criança descarta as duas fichas que sobraram, juntando-as ao monte original de fichas. Porém, ao recontar as fichas percebe que faltam duas e pega duas fichas e as deixa à parte).

C: Sobrou dois.

E: Sobrou dois. E ai, essas duas, vai fazer o que com elas? C: Dividir com eles.

E: Faça ai a divisão.

(A criança recorta uma ficha em oito pedaços e faz da mesma forma com a outra ficha, ficando as duas assim):

(A criança distribui os pedaços cortados nas oito fileiras). E: E ai? Ficaram quantos chicletes para cada criança?

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C: Três e meio. E: Três e meio, foi?

C: Três chicletes e mais um pedaço.

Resolvendo os problemas usando papel e lápis

Entre as crianças de 3a serie o uso mais comum de papel e lápis foi por meio de desenhos. Sabrina foi uma das crianças desta serie que utilizou desenhos para representar as situações enunciadas. O protocolo a seguir evidencia como esta forma de representação facilitou a sua solução dos problemas.

E (lendo o enunciado do problema): Para o picnic da escola Tia Rute preparou 13 cachorros quentes. Cada prato cabe 4 cachorros quentes. Quantos pratos ela vai usar?

(A criança desenha 13 bolinhas e agrupa-as de quatro em quatro, conforme a reprodução de seu desenho abaixo).

C: Eu botei aqui quatro cachorros-quentes pra cada prato. Deu três pratos, sobrou um cachorro-quente.

E: Tá. Dá pra fazer alguma coisa com esse que sobra? C: Dá pra comer.

Na solução deste problema de quotição a criança separou as quotas – quatro cachorros-quentes por prato – e pode perceber que ainda sobraria um cachorro-quente.

Ao resolver um problema de partição, descrito a seguir, Sabrina fez um desenho com outra estrutura, ou seja, no qual os objetos foram distribuídos entre recipientes. Desta forma, observamos que a criança percebia a diferenciação entre os significados de partição e de quotição e que sua representação a auxiliava na solução dos problemas, embora em nenhum dos dois casos tenha tratado o resto corretamente.

E (lendo o enunciado do problema): Pedro assou 17 espigas de milho para o lanche. Ele convidou 4 amigos para o lanche e quer que cada amigo receba a mesma quantidade de espigas de milho. Quantas espigas cada amigo vai receber?

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(A criança desenha os quatro amigos e seis círculos ao lado de cada amigo, representando seis espigas de milho. Ao perceber que daria mais que o total enunciado (17 espigas) ela risca dois círculos de cada amigo).

E: E aí, quantas espigas cada amigo vai receber? C: Quatro.

E: Como foi que tu resolveste aqui? Eu vi que você desenhou os quatro amigos... C: Eu tinha desenhado seis...

E: Seis espigas, né?

C: Seis espigas. Aí tinha passado da conta...Aí cada um só deu quatro. E: E sobrou alguma coisa?

C: Sobrou. E: O quê?

C: Uma. Uma espiga.

E: E dá pra fazer alguma coisa com ela? C: Dá pra ele comer.

E: Ele quem?

C: O menino que deu as espigas. E: Pedro, né?

C: Pedro.

Ao utilizar desenhos algumas crianças também subdividiam o resto. Gabriela subdividiu corretamente o resto na sua solução descrita abaixo mas não soube nomear esta fração e a denominou de ‘meio’, procedimento muito comum entre as crianças – a de denominar de ‘meio’ a qualquer fração do todo.

E (lendo o enunciado do problema): Em uma festa de aniversário a mãe de João tinha 26 chicletes para serem dados a 8 crianças. Ela quer que cada criança receba a mesma quantidade de chicletes. Quantos chicletes cada criança vai receber?

(A criança faz o desenho a seguir, inicialmente sem os quadrados à esquerda subdivididos).

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E: Como foi que você fez? Me explique.

C: Botei três em cada um.

E: Então deu quantos chicletes para cada criança? C: Três.

E: Ai sobrou alguma coisa, não foi? (A criança confirma com a cabeça). E: Sobrou o que?

C: Sobrou dois. E: Dois o que? C: Chicletes.

(A criança subdivide os ‘dois chicletes’).

E: E agora? Quantos chicletes cada criança vai receber? C: Três e meio.

Resolvendo os problemas por uso da calculadora

As crianças da 3a serie possuíam pouca, ou nenhuma, prática de manuseio da calculadora. Ao efetuarem as operações na calculadora nenhuma das crianças analisadas foi capaz de corretamente interpretar os resultados mostrados no visor da calculadora. Algumas crianças desprezavam a parte decimal e apenas consideravam a parte inteira em suas respostas ou tentavam ler o número resultante como sendo dois números (3.25 seria neste caso lido como ‘três e 25’) ou como sendo um número sem o ponto decimal (325, por exemplo, ao invés de 3.25).

Resolvendo os problemas oralmente

Em geral, as crianças ao serem solicitadas a resolverem os problemas oralmente utilizavam recursos auxiliares para realização dos cálculos necessários. Ora elas faziam marcos imaginários na mesa (como se pode observar nos protocolos de Marcelo), ora elas utilizavam as mãos (como Alef) para realizarem contagens e manterem o controle de quantos dos objetos mencionados nos problemas já foram distribuídos.

Ao serem solicitadas a resolverem oralmente problemas de divisão com grandes quantidades, as crianças buscavam recursos auxiliares – como o uso de dedos – e mesmo por meio do uso destes muitas vezes se perdiam nas contas efetuadas.

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A não visualização do todo a ser dividido – seja por distribuição entre recipientes, seja por quotas – parece também dificultar o tratamento que as crianças dão ao resto. Na análise efetuada até agora muito poucas crianças que resolveram os problemas oralmente têm lidado corretamente com o resto, ou seja, muito poucas têm subdividido o resto nos problemas de partição ou aumentado em uma unidade o quociente (que representa o número de recipientes) nos problemas de quotição.

Observa-se, assim, que a representação oral pode ter uma forte influência no desempenho de crianças ao resolverem problemas de divisão. As crianças têm como resolver problemas de divisão oralmente mas esta forma de representação as faz criar mecanismos auxiliares para a realização de cálculos.

O tratamento dado a restos pequenos e a restos grandes

Os dados inicialmente analisados não apontam para tratamento diferenciado dado ao resto em função do tamanho do mesmo. A hipótese inicial de que as crianças não desprezariam restos maiores e buscariam soluções nas quais estes restos fossem subdivididos, no caso dos problemas de partição, ou que levassem ao aumento do quociente, nos problemas de quotição, não foi confirmada. A estratégia mais comumente observada na analise até aqui efetuada tem sido a de dar um novo fim ao resto, independente do tamanho do mesmo. O novo fim em geral consiste em dar o resto a um recipiente não mencionado no enunciado do problema: “ficava pra mim”, “eu comia”, “dava para a minha professora”, “eu como porque eu gosto muito de pizza”, “eu dou pra minha mãe pois eu não gosto de morango”, “guardava”, “botava no fruteiro”, dentre muitos outros fins descritos pelas crianças.

Conclusão

Nos dados aqui apresentados pode-se observar que algumas crianças de 3a série percebem que problemas de partição são diferentes de problemas de quotição, pois muitas utilizam procedimentos diferenciados para lidar com cada um destes significados.

Apesar de procederem diferentemente para a solução dos dois tipos de problemas, muitas das crianças trataram os restos das divisões da mesma forma – independente de serem problemas de partição ou de quotição ou dos mesmos serem pequenos ou grandes.

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Pode-se também observar que a representação utilizada para a resolução de problemas de divisão influencia na realização da operação necessária. Algumas formas de representação – como o cálculo oral – exigem um maior controle de quanto do total já foi dividido e quanto ainda está por dividir. Algumas formas de representação podem apresentar maior transparência – como o uso de material ou de desenhos nos quais as subdivisões necessárias podem ser efetuadas com maior visibilidade – e outras são menos transparentes – como o cálculo oral ou a calculadora na qual a subdivisão efetuada pode não ter sentido para o aluno. A falta de familiaridade das crianças com a calculadora merece ser destacado pois embora muitos educadores matemáticos defendam o seu uso em sala de aula, efetivamente poucos professores fazem da mesma um instrumento de aprendizado por parte dos seus alunos.

Ao prosseguir na análise dos dados coletados será dada continuidade nas comparações entre estratégias utilizadas para resolver problemas de partição e de quotição, entre tratamentos dados ao resto para estes dois tipos de problemas e para o tamanho do resto, entre formas de representação utilizadas e entre os desempenhos das crianças de diferentes séries.

O conhecimento de como crianças lidam com o resto de divisões de acordo com significados dados a esta operação, dos tamanhos do resto a serem tratados e das formas de representação utilizadas para resolver os problemas pode em muito auxiliar o trabalho em sala de aula. Ao se conhecer mais profundamente os fatores que afetam a compreensão das crianças da operação de divisão, o professor poderá mediar de forma mais eficiente a aprendizagem deste tão importante conceito.

Palavras-chave Divisão com resto

Significados da divisão

Representações simbólicas

Referências

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