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Transdisciplinaridade: Aprender a Pensar

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Academic year: 2021

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Transdisciplinaridade: Aprender a Pensar

Rui Simon Paz

1) A Revolução Científica do Século XX

A partir do século XVII, a Humanidade experimentou os benefícios da grande revolução do pensamento renascentista e o advento da ciência moderna, com as surpreendentes descobertas de Newton, Leibniz e outros, com inegáveis avanços para o conhecimento. Mas este progresso trouxe benefícios e consequências. Efeitos colaterais negativos não previstos, gerados a partir da mesma matriz que inaugurou a revolução científica moderna, assentaram uma intensa fragmentação do conhecimento, com o advento dos especialismos, que aprofundavam-se na parte, dificultando a percepção do todo e da totalidade.

No rastro desse magnífico desenvolvimento, inaugura-se o período marcado pelo paradigma newtoniano-cartesiano, no dizer de Fritjof Capra (2002), tendo como base a concepção de uma realidade composta por objetos distintos e separados, que encerram, em si mesmos, verdades absolutas a serem perscrutadas pela ciência. Portanto, sujeito do conhecimento e objeto do conhecimento (res cogitans e res extensa) separam-se, fortalecendo a crença na existência de uma verdade objetiva, independente daquele que indaga, investiga.

Com efeito, essa forma de conceber da verdade trás como corolário a acumulação de conhecimentos consagrados e supostamente definitivos, pois testados pelos métodos tido como inquestionáveis pela ciência positiva. Assim, o mecanicismo cartesiano-newtoniano nos induz a aprender o que pensar, em face da doxa acadêmica, alimentando, portanto, uma ortodoxia baseada em verdades científicas hipoteticamente inquestionáveis(1). Este tem sido o substrato condicionante do

1 Conforme o próprio Descartes: “Não admito como verdadeiro o que não possa ser deduzido, com a clareza de uma demonstração matemática, de noções comuns de cuja verdade não podemos duvidar. Como todos os fenômenos da natureza podem ser explicados desse modo, penso que não há necessidade de admitir outros princípios da física, nem que sejam desejáveis”.

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pensamento acadêmico, particularmente nas Universidades brasileiras, com raras exceções.

Em 1900, o grande cientista Lord Kelvin vaticinava: "Agora, não há mais nada novo para ser descoberto pela Física. Tudo o que nos resta são medições cada vez mais precisas”()2. Concomitantemente, Max Planck, físico alemão, assentava as bases do que viria a ser a Mecânica Quântica, a partir das pesquisas que fazia acerca da radiação dos corpos negros(3). O mundo nunca mais seria o mesmo.

Em 1905, Einstein publica a primeira versão de sua grande teoria, a “Relatividade Restrita”, constatando a relatividade do tempo e do espaço, concepção que desafia o entendimento newtoniano de espaço e tempo fixos, independentes dos fenômenos que ocorrem em seu contexto. Em 1915, completa a teoria com a introdução de uma nova concepção sobre a lei de gravitação universal, inaugurando a Teoria da Relatividade Geral.

Estas duas teorias ofereceram uma nova concepção de natureza, que irá alterar profundamente a visão de mundo, do outro e de nós mesmos. A partir dessa nova concepção, novas percepções e conhecimentos advieram: o princípio da complementaridade(4), o princípio da incerteza()5 e, sobretudo, o “retorno do observador na sua observação”(6).

2) A Transdisciplinaridade emerge no Cenário

A partir da segunda metade do Século XX, mais precisamente em 1970, Jean Piaget, questionando a excessiva fragmentação das disciplinas e antevendo o

2 Lord Kelvin, matemático, físico e presidente da Royal Society Britânica, palestra para a British Association for the Advancement of Science em 1900.

3 Em 1900 Planck postulou que a matéria só poderia emitir ou absorver energia em pequenas quantidades, chamadas “quanta”, pois as partículas só podem emitir a radiação por pacotes, porque a energia não é contínua.

4 Segundo Niels Bohr, no que se refere à matéria, os aspectos ondulatório e corpuscular não são contraditórios, mas complementares. Um elétron ora pode revelar-se como partícula, ora como onda, conforme o instrumento usado para a medição.

5 Werner Heisenberg, um dos pais da Mecânica Quântica, formulou enunciado, em 1927, revelando a impossibilidade de precisão com que se podem efetuar medidas simultâneas de uma classe de pares observáveis em nível subatômico. Dito de outra forma, se medimos o momento de uma partícula, não teremos a sua velocidade, e vice-versa.

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necessário e inevitável retorno à concepção da unidade do conhecimento, cunhou o termo TRANSDISCIPLINARIDADE. À época, a disciplinaridade já avançara para a multidisciplinaridade e a interdisciplinaridade. A complexidade da vida moderna exigia novas abordagens e aproximações. No entanto, ainda permaneciam e ainda permanecem estanques, blindadas pelas paredes impermeáveis dos departamentos acadêmicos. Em algumas áreas acadêmicas, passaram a admitir a fusão das epistemes, como no caso da interdisciplinaridade, para chegar a conhecimentos e tecnologias novos. A ressonância magnética nos diagnósticos médicos, por exemplo, resulta dessas aproximações. O que impõe a necessidade de um segundo olhar sobre os saberes então instituídos. Esse novo enfoque é a transdisciplinaridade que, segundo Nicolescu(7), “diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas,

através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina...” (grifo nosso). O

imperativo essencial é justamente a unidade do conhecimento, não se constituindo numa superdisciplina, nem na rainha de todas elas, mas em um nova visão das disciplinas e, portanto, da busca da verdade.

A transdisciplinaridade sustenta-se em três pilares básicos: a transdimensionalidade do espírito, a lógica do terceiro incluído e a complexidade.

Vamos ao primeiro. Na ótica acadêmica dominante, o que chamamos de realidade manifesta-se por vários ângulos, correspondentes a diversas formas de percepção humana. Por exemplo, há o mundo subatômico, do infinitamente pequeno, com sua lógica própria revelada no arcabouço conceitual proporcionado pela mecânica quântica. Nessa dimensão, há paradoxos inerentes às suas manifestações, incompreensíveis à lógica do cotidiano das pessoas. Por exemplo, como entender que uma partícula subatômica mostre-se, ora como onda, ora como corpúsculo? No pensamento clássico não há lugar para esse tipo de manifestação, pois seus axiomas não contemplam realidades paradoxais, pois, assentam-se na lógica clássica aristotélica: 1) axioma da identidade: A é sempre A; 2) axioma da não-contradição: A não pode ser não-A; e, 3) axioma do terceiro excluído: não existe um terceiro termo T que possa ser, ao mesmo tempo, A e não-A.

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A meu ver, esta ótica ainda encontra-se atrelada à visão cartesiana de realidade objetiva. Há o predomínio de um pensamento materialista turvando a visão de pesquisadores e estudiosos, dificultando o avanço para além das evidências materiais que permitiram o seu aparecimento, como por exemplo, as contribuições da física quântica. Mas, essas contribuições apenas abriram as primeiras portas para a revelação do existente. É preciso abrir a mente também.

Muitos cientistas ainda concebem os níveis de realidade como entes concretos e, portanto, exteriores ao sujeito, que se revelam em "espaços" próprios, com epistemologia própria. Ao mesmo tempo em que a física quântica induz, aparentemente, a esse raciocínio, também expõe uma realidade probabilística que tem uma tendência a existir. Quando o sujeito indaga, provoca, especula, revela uma das manifestações possíveis desse fundamento da realidade. Logo, o sujeito tem papel decisivo nesse processo (o famoso "Gato de Schrödinger"). Com efeito, em vez de níveis de realidade, não poderíamos considerar a existência de dimensões do próprio sujeito, que é capaz de perceber o exterior através de uma multidimensionalidade? Por exemplo, além dos cinco sentidos da matéria, o sujeito opera o apercepcional através da intuição, da precognição, da premonição, etc., que se revelam por dimensões atemporais e transespaciais. São acontecimentos que se revelam absolutamente instantâneos, como se os sujeitos e os fatos estivessem contíguos, mesmo estando a milhares, ou milhões de quilômetros de distância. Ora, os cinco sentidos, por exemplo, estão sujeitos à tridimensionalidade do espaço. O ouvido recebe sons que foram emitidos segundos antes. Mesmo estando ao lado do emissor, ainda assim haverá uma "delay", ainda que imperceptível, entre emissão e recepção. Já a precognição permite ao sujeito tomar conhecimento de algo que ainda não está revelado. Como é possível? Ora, não revelado não significa inexistente, apenas um existente em trânsito, como acontece, por exemplo, com uma partícula subatômica antes de se "aparecer" na forma corpuscular ou ondulatória. Antes disso, ela não é nem uma coisa, nem outra. Portanto, onda ou partícula não são contraditórias, mas complementares, pois são revelações de um mesmo fundamento, que se torna tangível de forma diversificada em face das diversas escolhas possíveis feitas pelo sujeito do conhecimento, como uma experiência de laboratório, um determinado

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instrumento de medida, as indagações escolhidas, etc. Esse fundamento se torna sensível de diversas formas, não sendo nenhuma, necessariamente, mais verdadeira que as outras.

Se aceitarmos, conforme Nicolescu, a existência de uma zona de não-resistência(8) aos nossos conceitos, absolutamente insondável ao espírito, porque não se mostra, mas se revela como manifestação tangível e imaginável da realidade, é possível conceber uma forma de revelação onde A e não-A constituem-se em um terceiro elemento representativo de ambos, chamado T, o terceiro incluído, onde a partícula é, ao mesmo tempo, corpúsculo e onda, porque ela só se revela em ato, de uma maneira ou de outra, conforme o instrumento de medição ou a indagação formulada. Antes disso, é potentia de todas as formas imagináveis e não imagináveis(9).

Uma outra abordagem, Massimo Citro(10) denomina o que chamamos de invisível como “matéria” pura e aquilo que se revela, o visível, como matéria informada. Em outras palavras, quando o sujeito do conhecimento busca interação com “a zona de não resistência”, ou “matéria pura”, ou simplesmente “o invisível”, informa através dos meios escolhidos para perscrutar, medir, pesar, indagar, e torna aquilo que não percebemos, sensível aos sentidos da matéria.

8 A zona de não-resistência aos nossos conceitos é a fonte do existente, tangível ou não. É a proto-realidade, por assim dizer, onde o que designamos como real existe latente, in potentia. Torna-se ato pela ação da inteligência. Emerge, então, como existente revelado. Enquanto in potentia, permanece como o existente em trânsito, que existe, mas não foi revelado (A. Grimm).

9 Erwin Schrödinger, um dos pais da Física Quântica, propôs a experiência idealizada conhecida como o “Gato de Schrödinger”, onde haveria um felino encerrado em uma caixa, juntamente a um dispositivo que, acionado, liberaria um gás mortal. Como saber se o gato estaria vivo ou morto? Ora, enquanto não se abrisse a caixa, o bichano permaneceria tão vivo, quanto morto, pois as duas possibilidades são igualmente “reais”. Ou seja, enquanto não “obrigamos” a zona de não-resistência aos nossos conceitos revelar-se, todo o imaginável existe in potentia. È de se indagar: depois da Física Quântica restarão, ainda, verdades absolutas? A constatação do estado do gato, após a abertura da caixa, revelaria apenas a manifestação de uma ordem implícita, mais profunda, generativa, do que chamamos realidade e que não produz respostas únicas, fechadas ou terminativas, mas ajusta-se à indagação ou ao instrumento de medida.

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Como afirma A. Grimm11, “... as coisas não terminam nos limites dos sentidos da matéria”. Portanto, o que se denomina “invisível” torna-se visível pelos meios de mensuração. Mas, antes, é atemporal, assim como o espírito, quando se torna visível entra no tempo e passa a ocupar um espaço, sai da transdimensionalidade para a tridimensionalidade. O invisível é o perene, é o atemporal (Grimm, op.cit).

Tais constatações nos remetem ao segundo pilar, o terceiro incluído. Ora, uma lógica que só admita uma assertiva possível a qualquer indagação não pode consentir uma terceira visão, que não seja nem A, tampouco, não-A, mas ambas simultaneamente, ou seja, uma lógica ternária. Se a fonte do que definimos como verdade – o existente - permite uma multireferencialidade e, portanto, a transreferencialidade, haverá sempre mais de uma resposta possível para qualquer investigação. Assim sendo, quem deterá o pretenso monopólio da verdade? O que alcançou primeiro o santo graal? Ou estará, em graus diferenciados, com ninguém e com todos, ao mesmo tempo? Do ponto de vista transdisciplinar, é mais lógico admitirmos todo ser humano como portador de uma parcela de verdade, de acordo com o seu possível, do que apenas alguns “iluminados” que, por privilégio ou esperteza, alcançaram-na. A verdade, conforme as constatações que assombraram os físicos quânticos, está na inseparabilidade entre sujeito e objeto, ou segundo Citro (op.cit, pág. 235), “jazendo entre a matéria pura e a combinada. Por conseguinte, pertence a nenhum e a todos ao mesmo tempo. Uma vez alcançada essa nova concepção, o respeito, a tolerância, a aceitação do diferente, ou seja, a inclusão do terceiro no grupo, formarão a nova mentalidade deste século.

Finalmente, a complexidade constitui-se no terceiro alicerce de sustentação da transdisciplinaridade. Complexidade vem de complexus, aquilo que está interligado, entrelaçado. Se há uma zona de não-resistência invisível aos nossos conceitos, da qual emergem todas as formas tangíveis e racionalizáveis da realidade, há uma interligação subjacente a tudo, e o elo dessa ligação é justamente esta zona de não-resistência.

Aqui, encontramo-nos diante de um outro importante dilema: se eu sou portador de uma verdade, de acordo com o meu possível, e você também, todos

11 CRUZ, Maury Rodrigues da. “Doutrina Espírita e o Plenum Cósmico”, ditado pelo Espírito Antonio Grimm. Eslética Editora, Curitiba (PR), 2018..

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estaríamos certos, independentemente das escolhas ou decisões que assumirmos? Evidentemente que não. Como objetou o sábio Sócrates diante da relatividade sofística de Protágoras, que afirmava ser o homem “a medida de todas as coisas”: é possível admitir-se o homem como medida de todas as coisas, mas, quais os parâmetros usados para medir? Há uma “régua” interior a orientá-lo? Aqui chegamos a um ponto emblemático da nossa reflexão, a essencialidade do pertencimento, ou a existência de valores universais, transculturais e transreligiosos (Grimm, ibidem). Por exemplo, a vida se sustenta na liberdade, na diversidade, na não linearidade e na auto-organização e na autoadministração que gerem os ecossistemas. Esse é um dado universal. Sem liberdade não há evolução-adaptação; sem diversidade não há sustentabilidade; e, sem auto-organização da entropia permanente do universo , a neguentropia, não há continuidade. Com efeito, a preservação da vida, o respeito ao outro, à diversidade, a fraternidade, a tolerância, são corolários da busca da verdade.

A transdisciplinaridade apresenta-se, portanto, como uma nova visão do conhecimento, onde a verdade é sempre uma verdade possível relativa a diversas manifestações não hierarquizadas da realidade dos objetos, cada qual com seu próprio estatuto lógico e exigindo correspondência direta com as diversas formas de percepção dos sujeitos. Permite e, de certa forma, conduz à transreferencialidade. Sendo o espírito o ator, o autor e o portador da cultura, está permanentemente inferindo e referindo a essência do universal que existe na experiência acumulada pela Humanidade. Há uma substancialidade generativa registrada em todas as formas manifestas da cultura. É essa substancialidade que permite, por exemplo, compararmos línguas, costumes, instituições. Os antropólogos sabem que a família, a proibição do incesto, a exogamia, etc., revelam-se em todos os quadrantes do planeta onde o homo sapiens registrou sua passagem. A Teoria da Complexidade já revelou ser essa universalidade não só humana, mas inerente a todos os sistemas vivos, onde há, invariavelmente, ordem, desordem, informação, comunicação, código, mensagem, transauto-organização dos organismos vivos e transauto-administração e sistemas vivos, portanto, complexidade e hipercomplexidade, revelações universais dos fundamentos da vida.

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Diante de todo o exposto, não haverá aprendizado satisfatório, eficiente, eficaz e efetivo, num mundo em permanente transformação - a única coisa permanente é a mudança -, se continuarmos insistindo em aprender “o que pensar”, porque as coisas permanentemente se dissolvem e se biodegradam, pelo princípio entrópico universal. Mas, se mudarmos radicalmente nossa visão de mundo, do outro e de nós mesmos, em face da concepção, percepção e inteligibilidade de que o que denominamos realidade é uma construção neguentrópica permanente do espírito e que, como tal, está em constante desconstrução, pela desordem, ordem e organização, teremos que “aprender a pensar”, para alcançarmos uma prontidão para enfrentarmos o incerto, o aleatório, o inesperado, o eventual, ou seja, a incerteza, a indeterminação e a não linearidade. Este é o grande desafio que se coloca diante de uma realidade que se desfaz para se refazer, a cada instante, pelo concurso espírito.

Referências

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