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AS PROJEÇÕES DA ENUNCIAÇÃO NO DISCURSO JULIO NEVES PEREIRA (UNICASTELO E UMC-SP) RESUMO:

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AS PROJEÇÕES DA ENUNCIAÇÃO NO DISCURSO DE AUTO-AJUDA

JULIO NEVES PEREIRA (UNICASTELO E UMC-SP) RESUMO:

Apresenta-se parte dos resultados de pesquisa de doutora-do, em que se estudou o funcionamento do discurso de auto-ato. Especificamente, nesse trabalho, serão apresentados os resultado de analise que focalizaram a questão da projeção da enunciação nesse discurso.

Os pressupostos teóricos que direcionaram as análises vêm da semiótica discursiva, que discute a questão do discurso embre-ado desembreembre-ado e seus efeitos de sentido. Constatou-se que: (1) os actantes discursivos simulam os papéis actanciais assumidos pelo sujeito da enunciação; a organização narrativa baseia-se em narradores oniscientes, que submetem os sujeitos ignorantes e iludidos (o narratário) a sua competência cognitiva (saber-ser); (2) sinalizando, como promessa, a transformação do estado do sujei-to- leitor (não-saber para o de saber); (3) em relação à projeção do narrador, ela se dá, no discurso, lingüisticamente, tanto por meio do imperativo – em sua forma canônica ou na forma de infi-nitivo –, pronomes de primeira pessoa – marcados pelas desinên-cias número-pessoa, quanto pela terceira pessoa; (4) esse actante discursivo (narrador onisciente) instala interlocutores em situação

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de diálogo (discurso direto) ou age também como narrador-personagem.

A instalação dos sujeitos no discurso é realizada pela alter-nância constante entre o processo enunciativo e o enuncivo, a construir um jogo entre discurso subjetivo e discurso objetivo.

Introdução

Nas análises da sintaxe discursiva, seu princípio norteador é o de que o modo de constituição da subjetividade, que ocorre por meio de mecanismos sintáticos de discursivização (projeção da enunciação), é uma estratégia utilizada para promover a persu-asão, já que “(...) as diferentes projeções da enunciação explicam-se, em última instância, como procedimentos utilizados pelo e-nunciador para levar o enunciatário a crer e a fazer” (BARROS, 2002, p. 72).

A partir desse principio, neste trabalho, é tratada a questão da projeção da enunciação, verificando como o sujeito projeta-se no discurso, e quais implicações decorrem desse processo. Para tanto, analisam-se os procedimentos sintáticos que explicitam a relação entre enunciação e discurso em apenas um dos livros de auto-ajuda.

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Os modos de projeção da enunciação

O ato de enunciar desemboca, necessariamente, na consti-tuição da subjetividade porque “É na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque só a linguagem fundamenta na realidade, sua realidade que é a do ser, o conceito de ego” (BENVENISTE, 1995, p. 286), momento em que se constituem o sentido e o próprio sujeito.

Para Greimas (1979, p. 147-8), é por meio da enunciação que a língua é discursivizada, assegurando que ocorra a passagem do estado virtual para o estado atual (conversão das estruturas virtuais em estruturas atualizadas), cujo resultado é o enunciado. Na produção do discurso, elementos lingüísticos indiciam a exis-tência do ato de enunciação, o que permite ao analista, pelo me-nos em parte, reconstituí-lo e, conseqüentemente, saber do pro-cesso de subjetivação da língua.

Nesse processo enunciativo (a constituição do discurso), de acordo com Benveniste (Ibidem), é necessário que, no ato indivi-dual de enunciar, o “eu” seja pronunciado, designando seu locu-tor, ato que funda a subjetividade. Isso implica afirmar que: “A categoria de pessoa é essencial para que a linguagem se torne discurso” (FIORIN, 2002, p. 41), pois, ao instaurar-se o “eu”, relações de tempo e de espaço atrelam-se à sua manifestação e assumem posições relacionais significativas.

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Esse mecanismo constitutivo da linguagem pode ser deno-minado de debreagem e embreagem, por meio do que ocorre a projeção das instâncias do eu, do aqui e do agora. De acordo com Fiorin (Ibidem), a debreagem é o processo pelo qual se opera a discursivização, porque, sendo a enunciação a instância da pesso-a, do tempo e do espaço, são projetados (ato de disjungir) para fora dela, em direção à manifestação do enunciado, um não-eu, um não-agora e um não-espaço. Esse mecanismo implica dois efeitos de sentido: subjetividade e objetividade, gerados pelos modos de relação estabelecida entre enunciado e enunciação, quer seja por uma relação de contigüidade (o enunciado é parte da enunciação pressuposta), quer seja de similaridade (a enunciação-enunciada equivale à enunciação) (BARROS, 2002, p. 75). O ato de enunciar no discurso de auto-ajuda

As análises, de modo geral, mostram que, nas projeções da enunciação, encontra-se um sujeito, o narrador, que se confunde com o autor do livro; um outro sujeito, o narratário, que se con-funde com o leitor. De acordo com Barros (Ibidem), os actantes discursivos, em uma perspectiva narratológica, pertencem à estru-tura da narrativa da enunciação. Quando projetados no discurso, simulam os papéis actanciais assumidos pelo sujeito da enuncia-ção. Nesse caso, instala-se no discurso um ator que engloba os papéis actanciais de Sujeito e Destinador discursivos e os papéis

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temáticos da ”narração“, também discursivos. A cobertura semân-tico-temática do discurso define, nesta perspectiva, o ator-narrador (Id., ibid., p. 75).

Além disso, todo narrador instalado no discurso pelo sujei-to da enunciação é dotado de alguma competência modal para o narrar: poder e dever assumir a palavra; e de existência modal: saber ser. Essa caracterização implica modos variados de o narra-dor agir como sujeito do discurso. Sua organização narrativa ba-seia-se em narradores consciente de si mesmos, como escritores, oniscientes, que agem sobre os sujeitos “ignorantes” e “iludidos” (o narratário), no papel de detentores dos saberes, e no de intro-metidos em todos as situações.

Esse discurso, no geral, sinaliza, como promessa, a trans-formação do estado do sujeito-leitor. O livro faz crer que o narra-tário sairá de um não-saber para um saber (sobre a fonte do poder, a oportunidade, o poder infinito da mente), a fim de se realizar como sujeito do sucesso. Para tanto, é manipulado a entrar em conjunção com os valores expressos nos livros.

Em relação à projeção do narrador, ela se dá, no discurso, lingüisticamente, tanto por meio do imperativo – em sua forma canônica ou por meio do infinitivo com valor de imperativo –; por meio de pronomes de primeira pessoa – marcados pelas desinên-cias número-pessoa, quanto pela terceira pessoa. Esse actante discursivo (narrador onisciente) instala interlocutores em situação de diálogo (discurso direto) ou age também como

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narrador-personagem, quando, por exemplo, nos casos narrados, apresenta-se como protagonista ou coadjuvante de um caso que supostamente tenha participado.

O segundo actante, o narratário, é instalado no texto por meio do pronome de tratamento você (e pronomes sua, seu), que funciona como pronome pessoal de segunda pessoa, por meio do imperativo (de segunda pessoa), principalmente, no momento em que ocorrem prescrições, aconselhamentos e advertências. Obser-va-se a presença, em alguns casos, das palavras “leitor”, “A gen-te” como referência ao narratário.

A instalação dos sujeitos no discurso é realizada pela alter-nância constante entre o processo enunciativo e o enuncivo. O discurso enunciativo surge via de regra quando o narrador apre-senta um caso particular (ilustração e modelo) tecendo algum tipo de comentário ou explicação ou mesmo prescrições. Já no mo-mento em que apresenta uma regra geral, vê-se o discurso objeti-var-se, pois passa a fazer com que seu enunciado tenha o valor de uma lei geral (conceitos, definições). Quer dizer que o narrador estabelece uma relação ora de proximidade ora de distanciamento, divisando entre efeitos de identidade entre narrador/ narratário e de não-identidade, momento em que o narrador assume o papel de doador de competência cognitiva.

No livro de Lauro Trevisan (1980, p. 13-4), na primeira se-ção, por exemplo, o narrador dirige-se ao narratário por meio do imperativo e por meio do pronome você. Essa forma verbal de

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interação pressupõe (ou quer construir essa pressuposição), que os participantes tenham um mínimo de conhecimento anterior um do outro, porque ocorre de uma forma franca e direta de dizer algo. No entanto, essa aproximação é relativizada pela presença cons-tante do imperativo, visto que a forma de se enunciar presentifica uma relação marcada pelo poder do narrador sobre o narratário.

Existe um fosso nessa relação, a partir da fala verticalizada do narrador, de cima para baixo, instauradora de uma alternativa jurídica em que o actante ouvinte terá de, necessariamente, obe-decer ou desobeobe-decer à ordem, na medida em que se estabelece a relação de autoridade.

É como ocorre na relação de pai e filho (relação tradicional, evidentemente), em que existe uma cumplicidade, porque o “pai” em relação ao filho (numa família tradicional), apesar dessa rela-ção pressupor uma aproximarela-ção, preserva-se o papel de autorida-de constituída, o que causa distanciamento, ao se manter os pa-péis nas esferas de atuação esperadas: o pai é dono de um saber que precisa ser passado e respeitado e o filho possui um não-saber.

Essa proximidade, entretanto, altera-se com o emprego do nós inclusivo (eu + tu), quando o papel de sujeito patemizado (dó, pena) passa a ser desempenhado e tem-se a simulação de que há, por parte do narrador, o compartilhamento do problema existenci-al do narratário, como se este fizesse parte do mundo daquele:

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Será que vivemos sob o fluxo e o refluxo do imprevisível? Será que teremos que dizer, como Shakespeare, que há mais mistérios neste mundo do que a nossa vã filosofia pode ima-ginar?

O enunciador fala num tom que grita junto com o outro. Mas é, simplesmente, uma atitude interpretativa desse sentimento, pois quem grita, e sozinho – como um sujeito da carência –, é o narratário que se encontra existencialmente em conflito, identifi-cado com as pessoas de azar, com os desgraçados. Isso fica evi-dente porque esse nós é ambíguo, no sentido de que remete não só à inclusão eu-tu, mas também ao tu (nós com valor de tu). Nesse sentido, a relação, aspectualmente, passa a ser ainda mais próxi-ma.

Após a utilização desse recurso lingüístico-discursivo, em que se marca a impossibilidade de solução do problema existenci-al, logo em seguida, passa-se a projetar o narrador em primeira pessoa do singular. O enunciado torna-se mais subjetivo, no sen-tido de que o enunciador está marcado pela primeira pessoa do singular, simulando que o dizer manifestado é o de Lauro Trevi-san, um conhecedor profundo do poder da mente, produzindo a imagem do salvador: “Foi para abrir a sua mente que escrevi este livro. Finalmente, aqui, você descobrirá o seu verdadeiro desti-no”.

Esse emprego marca a atitude de um indivíduo forte e ca-paz de resolver problemas diante do desespero daquele que se encontra perdido e fechado para a “verdade”. O narrador é a

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solu-ção do problema, e encontra-se patemizado pela obstinasolu-ção, quer salvar o narratário. Assim, esse herói (aquele que manipulará o outro a saber algo), como no mito da caverna, desacorrentará o “escravo da escuridão”, “Agora você começa a levantar o véu do mistério (...)”.

O narrador (seção Semelhante atrai semelhante) está mais afastado do seu dizer, mesmo quando instala o narratário empre-gando o pronome você, porque visa consolidar o narrador como a pessoa do saber – os discursos da ciência e da religião são toma-dos pelo narrador, ao apresentar uma lei, que é posta como geral e inequívoca :

Há uma lei mental que é assim enunciada: o semelhante atrai o semelhante, ou, em outras palavras, o igual atrai o igual. Is-to quer dizer que o pensamenIs-to atrai a realidade do seu conte-údo. A partir desta verdade, você estará se dando conta de que pensamentos de fracasso atraem o fracasso, pensamentos de sucessos atraem o sucesso, pensamentos de amor atraem o amor, pensamentos de ciúmes atraem o conteúdo do ciúme, pensamentos de alegria atraem a alegria, pensamentos de tris-teza atraem a tristris-teza, assim por diante. O pensamento é uma realidade mental que atrai a realidade física. Já há milhares de anos, o profeta David, pai do sábio Salomão, afirmava: abys-sus abyssum ínvocat, ou seja, o abismo atrai o abismo. (TREVISAN, 1980, p. 16)

O destinador dirige-se ao narratário por meio do pronome de segunda pessoa, sem, no entanto, instalar-se em primeira pes-soa. Evidentemente, o enunciado é subjetivo devido à presença lingüística do narratário. Essa forma de manifestação produz o

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efeito de superioridade, uma vez que evidencia o saber e a autori-dade do narrador em relação ao narratário. Ou seja, a presença do narrador é controlada: nem tão próxima nem tão distante, de mo-do que se pode dizer que ela é aspectualizada.

Mas se verificar em outras seções, como, por exemplo, em Você é o resultado de sua mente, vê-se que o narrador parece afastar-se do narratário, sobre o qual insidia toda uma argumenta-ção impositiva, e passa a conceituar, explicar. Com isso, o enun-ciado passa a ser objetivado, debreagem enunciva:

Você é o que for a sua mente. A mente age, gerando em si mesma um estado de paz ou de agitação, de alegria ou de tris-teza, de amor ou de ódio, de riqueza ou de pobreza, de suces-so ou de fracassuces-so, e o corpo reage gerando bem-estar ou do-enças, de acordo com o conteúdo que a mente lhe envia. O homem é a sua mente. O corpo é a manifestação da mente. A estrutura humana é a expressão da mente.

Quando a mente de deteriora, o corpo se deteriora; quando a mente deixa o corpo, a energia corpórea se transforma em ou-tros tipos de energia.

O corpo, portanto, é o resultado da mente.

Como a mente é controlável, a saúde e a doença podem ser controláveis.

A mente em estado de perfeita ordem e harmonia gera um corpo em perfeita ordem e harmonia, ou seja, em estado de saúde.

Por outro lado, a mente é o agente de todos os estados intelec-tuais, emocionais, sensoriais, extra-sensoriais e espirituais. (Id., ibid., p. 23)

Ao passar para um enunciado com força de explicação, conceituação e definição, o narrador cria relações lógicas entre os enunciados (portanto, por outro lado), e, deixando de empregar a

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segunda pessoa, afasta-se do discurso, simulando enunciar uma verdade. Esse tipo de enunciação, que se inicia enunciativa e de-pois se torna enunciva, visa, por parte do narrador, apartar-se do narratário para que este se identifique com o tipo de perfil traçado no próprio enunciado: pessoas de sorte (pólo positivo) versus pessoas de azar (pólo negativo), ou pessoas que pensam “direito” e pessoas que pensam ”errado”. Evidentemente, o destinador i-dentifica o narratário com o pólo disfórico, pois todas as formas de se dirigir a este são disfóricas.

O texto apresenta, portanto, um jogo por meio do qual, num movimento contínuo de gradação, o discurso transita entre a sub-jetividade (parcialidade) e obsub-jetividade (imparcialidade). Com seu uso, o narrador procura construir a relação de cumplicidade e de autoridade: quando pretende conceituar, definir, estabelecer uma lei, o narrador onisciente assume o lugar do sujeito do saber, o que confere a ele o direito de proferir leis a serem seguidas; quando comenta, explica, imputa responsabilidade ao narratário, subjetiviza o discurso, colocando-se ora próximo ora distante a este.

Assim, o que se observa é que o discurso é tecido entre a perspectiva de cientificidade e de religiosidade. O narrador, por meio de um discurso objetivado, faz parecer que mostra o cami-nho para o reencontro da “realidade em si“: tudo está dado, basta saber encontrar. Esse discurso é construído segundo a crença de

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que a ciência tem o poder de resolver os problemas do mundo e os individuais. De acordo com Fourez,

Alguns acreditam na ciência como em uma tecnologia inte-lectual. Para eles, acreditar na ciência é acreditar que ela pode resolver um certo número de questões que lhe são colocadas. “acreditar na ciência” corresponde então à atitude de confian-ça que se pode ter em uma tecnologia (...) Esse tipo de confi-ança significa que eles estão persuadidos de que essas tecno-logias lhe permitiram realizar o que eles desejam (...) (Id., ibid.)

Assim sendo, a objetivação do discurso pretende criar este laço persuasivo de modo que o narratário prenda-se nas malhas deste raciocínio de que a ciência, como uma tecnologia, resolverá os problemas. É um recurso que faz com que as leis enunciadas, os conceitos proferidos sejam críveis como são as tecnologias, que, pelo menos no imaginário, resolvem algum problema com um simples tocar no botão ou simplesmente com o tomar uma pílula. Quer dizer que ao objetivar o discurso, em meio a debrea-gens enunciativas, que aproximam os actantes, constrói-se uma ambiência de segurança, em que se viverá o absoluto e não o rela-tivo.

Por isso, o discurso é o discurso da certeza e da ausência de dúvida. Isso confere na relação actancial “algo sólido a que se pode segurar”. O discurso de auto-ajuda, ao querer simular-se racional, por vezes, faz uso de representações do pensamento

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científico, buscando estabelecer fé, pois a divulgação é realizada com sensacionalismo.

Conclusão

O discurso de auto-ajuda, como se observa, pretende (essa é a sua promessa) dar as condições cognitivas para que haja uma alteração de estado: sair do não-saber para um saber. Nesse per-curso, o narrador age sobre o narratário por tentação e por sedu-ção. Quanto à projeção da enunciação, estabelece-se um jogo de debreagem, pelo qual o narrador ora se coloca objetivamente ora subjetivamente.

Essa constante alternância, ao que parece, é uma caracterís-tica deste gênero. Levando-se em conta que a objetividade visa à ilusão de ausência do sujeito que enuncia, cujo resultado é a im-parcialidade, aos moldes do discurso científico. Ela ocorre, no discurso de auto-ajuda, quando o autor-narrador apresenta um enunciado com força de lei (geral), ou mesmo quando conceitua ou define algo. Após a apresentação, dirige-se ao narratário, com um discurso enunciativo, pois passa a designar este actante pelo pronome você e outros com a mesma função. Nesse momento, comenta a lei, cria relações com as ilustrações, para em seguida, fazer prescrições e ordenações.

Esse discurso, portanto, quer simular ser científico. Mas, diferentemente da ciência, que deve provar as leis, seguindo um

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ritual metodológico, o gênero auto-ajuda trata de leis, conceitos que nem sempre são aceitos pela comunidade (científica ou ou-tra). Como na religião, pretende-se que as leis ou conceitos enun-ciados sejam compreendidos mediante a uma crença envolta de uma fé “forte” e “cega”, porque nem sempre as afirmações são comprovadas.

De acordo com Morginbesser (1975, p. 31), toda atividade de ciência é submetida a certos valores. Esta atividade exige que se negue a aceitar contradições como sendo verdadeiras, ou assu-mir asserções emitidas por fontes duvidosas. É necessário ser submisso “a um modo científico de fazer as coisas sempre com base em dada evidência”. No entanto, as provas, no gênero auto-ajuda, advêm de casos particulares que serão generalizados e, sendo assim, refutáveis.

De outro modo, o discurso científico é utilizado, contradi-toriamente, para proferir uma crença religiosa como se fosse cien-tificamente comprovada. Assim, o modo de projeção parece cor-responder a esta “deficiência” de não se pautar por provas que pareçam fidedignas. Subjetivando o discurso, cria-se identidade entre os actantes, proximidade necessária para fazer com que o narratário aceite a verdade do discurso.

Mas, ao mesmo tempo, a objetivação deste discurso cria um ambiente discursivo de cientificidade, afastamento necessário para criar confiabilidade, pois parecerá que as leis proferidas cor-respondem a uma espécie de neutralidade construída graças ao

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efeito de racionalidade, em abrir mão do discurso religioso que perpassa essa literatura. Essa junção entre os discursos quer, co-mo efeito, a anulação das oposições forjando ser a auto-ajuda o lugar em que ciência e religião sejam na verdade a mesma coisa

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Referências

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