• Nenhum resultado encontrado

A figura de Mãe Susana na obra Úrsula de Maria Firmina dos Reis em 1859.

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A figura de Mãe Susana na obra Úrsula de Maria Firmina dos Reis em 1859."

Copied!
7
0
0

Texto

(1)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

A figura de Mãe Susana na obra Úrsula de Maria Firmina dos Reis em 1859.

Aline Eiko Hoshino– Campus de Assis- Faculdade de Ciências e Letras-Orientadora: Lúcia Helena Oliveira-FAPESP

Palavras-chave: gênero; escravidão; representação. Keywords: gender; slavery; representation.

A literatura por trabalhar com uma ficção, muitas vezes ela é deixada de lado, porém como ressalta Pesavento é na literatura que se é capaz de resgatar a sensibilidade, o que torna o documento literário uma rica fonte historiográfica.

A união entre literatura e história é possível, além do “fato de que as obras literárias possuem em seus conteúdos riquíssimas informações sobre uma teia de códigos culturais, convenções e citações. (COSTA, 2007, p.27)”.

Além do mais, é relevante perceber que a literatura é um elemento para que as mulheres possam falar e escrever sobre si. Portanto, quando Maria Firmina escreve, fica aberta uma entrada para que ela possa expressar a sua subjetividade e criar sua história. Ao colocar no livro a história de Mãe Susana, ela deixa entrever o imaginário social da época em que foi escrita e, principalmente, a influência do romantismo que estava em voga no período.

É na literatura que se é capaz de perceber os medos e sonhos de personagens, seus maiores desejos e decepções, sua crueldade e bondade, sua história. E todos esses sentimentos são humanos, nada impede que muitos dos personagens que se encontram numa obra tenham existido, parafraseando Pesavento a literatura é algo que não foi, mas poderia ter sido. Assim, Calíope, deusa que registra a vida e suas impressões, torna-se um lugar privilegiado onde se podem buscar essas informações.

A impressão de vida que Maria Firmina passa em sua obra, é uma visão de mundo diferenciada em que negro e branco poderiam ser iguais, mas isso aconteceu porque mesmo vivendo em uma sociedade que diferenciava as pessoas, cuja base era o patriarcado, e que havia diferenças entre brancos, negros, senhores e escravos, Maria Firmina por ser filha bastarda e conviver com sua tia que era rica, ficou à margem da dominação patriarcal, criando uma visão de mundo diferente.

Essa visão de mundo aguda é que torna a obra Úrsula especial, porque é neste momento que é permitido que um negro ganhe voz e possa falar sobre sua experiência, fornecendo uma outra visão da escravidão, uma micro-história. Ravel explica a importância da micro-história (1998):

(2)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

“Quanto ao mais, parece-me evidente que a prática microhistórica é hoje uma das mais vivas e uma das mais fecundas do ponto de vista analítico: a escolha essencial de uma escala de observação se baseia na convicção central de que ela oferece a possibilidade de enriquecer as significações dos processos históricos por meio de uma renovação radical das categorias interpretativas e de sua verificação experimental”.(RAVEL, 1998, p.252).

A micro-história tem sido muito utilizada por historiadores como Ravel (1998) e Carlos Ginzburg (1987), e tem-se mostrado um caminho metodológico importante para lidar com os eventos cotidianos e as pequenas temporalidades. Assim, analisar o romance de Maria Firmina dos Reis é procurar recuperar os diferentes olhares sobre a questão da escravidão.

Maria Firmina nasceu em São Luís, Maranhão, em 11 de outubro de 1825. Mestiça, é filha ilegítima de Leonor Felipe dos Reis e João Pedro Esteves. A maior parte da vida conviveu com sua tia materna. É prima do escritor maranhense Sotero dos Reis1. E em 1859, publicou o romance

Úrsula, que trazia na capa o pseudônimo “uma Maranhense”, hoje considerado o primeiro romance

de uma autora brasileira.

A recuperação das obras de Maria Firmina é importante, porque ela é uma das pioneiras abolicionistas na literatura afro-brasileira. E um dos aspectos primordiais que define a literatura afro-brasileira é quando o negro passou de objeto a sujeito de sua literatura e começou a criar sua própria história.

Através de sua obra ela desnuda a essência do período da segunda metade do século XIX, além de lançar um outro olhar sob a mulher escrava que no romance é personagem secundária, mas tem tanta importância quanto a protagonista(Úrsula).

Desse modo, considerar a história das mulheres por meio deste romance é buscar decodificar as representações feitas sobre este grupo e refletir sobre o discurso da história das mulheres escravas.Todavia, ao se trabalhar este discurso, não se está desconstruindo o discurso masculino, mas acrescentando um olhar até pouco tempo inexistente sobre as mulheres.

Numa leitura relacional os personagens masculinos deste livro (semelhante ás mulheres) têm as suas representações, aqui há o senhor patriarcal o qual pretende exercer sua influencia ao máximo seja através da dominação sobre seu filho e esposa . Há o escravo representado por Túlio,

1

Francisco Sotero dos Reis, S. Luís, Maranhão, 1800-1871. Distinguiu-se como gramático e filólogo. Lente de latim e primeiro diretor do Liceu Maranhense. Fundou jornais. Autor do curso de Literatura Portuguesa e Brasileira,1867-1873, muito citado e consultado à época.

(3)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

que é jovem e acredita na alforria e Antero que possui seu vício pela bebida e é velho.Também há o capelão representação da bondade, e da consciência do vilão do livro (Fernando P.).

Todos os personagens estão carregados de sentimentos, angústias, desejos; todos eles são representações de mundo que a autora cria. Cada personagem representa algum estereotipo seja a de um senhor patriarcal, um preto velho, cada um traz arraigado em si idéias e conceitos. Fernando P., por exemplo, traz a idéia do senhor patriarcal que é cruel com os escravos.

A personagem Úrsula é o maior simbolismo do retrato da época no Brasil oitocentista em que os ideais do romantismo estavam em voga. Ela é a mulher pura que precisa de apoio e proteção, um homem que cuide dela, a virgem que esperava pelo seu “príncipe”.Típico dos romances da época onde havia a idealização da mulher

No entanto, existem os personagens que saem da linha comum, como mãe Susana que relembra seu passado e se recusa a ajudar Fernando P. que era seu patrão e exercia grande poder sobre todos os escravos.

Logo, no que pauta sobre a questão da escravidão, Maria Firmina é inovadora porque permiti que o negro passe de objeto para uma pessoa que tenha voz e possa contar seu passado, sua vida, suas dores; além dela denunciar os maus tratos advindos da escravidão, e recuperar o cotidiano desses escravos.

Diferentemente de outras obras, como Vítimas algozes, de Joaquim Manuel de Macedo, cuja obra foi lançada dez anos depois da publicação de Úrsula, Macedo representa os senhores como “bons”, enquanto os escravos seriam dissimulados, malcriados, e presunçosos. Quanto a aparência física, o autor ressalta que o negro é “feio”, enquanto o branco é uma “linda criatura”. Úrsula ao contrário não dá esses adjetivos pejorativos ao escravo, com conotações altamente negativas.

Vítimas- algozes, além disso, coloca os escravos como vítimas por causa da escravidão, mas se tornam algozes no momento em que eles conseguem envenenar o café dos senhores ou transformar “senhoritas brancas puras” a ponto de tirar sua “candura”.

Macedo dirige seu livro para os senhores de escravos e afirma que se deve abolir com a escravidão para que os senhores não sofram com a “má” influência dos escravos, a qual pode ser fatal já que os senhores poderiam se tornar as vítimas e os escravos algozes.

Tanto Maria Firmina quanto Macedo são abolicionistas, no entanto, a autora acredita que se deve abolir a escravidão porque todos são iguais perante Deus, enquanto Macedo acha que se deve abolir porque senão os senhores sofrerão com o contato desses “infames” escravos.

Assim, numa mesma época pode se ter várias idéias sobre a abolição da escravidão só que sobre diferentes perspectivas.

(4)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

O que torna o livro de Úrsula diferente é o fato de que, partindo de sua respectiva visão, ela resgata a história desses escravos e fornece uma outra visão sobre a escravidão para os leitores; isso é importante para que não se propague uma ideologia sobre o escravo muito presente em outros livros que o degenera e o torna cheio de uma carga semântica negativa.

Sidney Chalhoub em seu livro Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da

escravidão coloca que o escravo não pode ser visto como escravo-coisa, já que estes também são

sujeitos históricos.Chalhoub aponta que “o mito do caráter benevolente ou não-violento da escravidão no Brasil já foi sobejamente demolido pela produção acadêmica das décadas de 1960 e 1970 e, no momento em que escrevo, não vejo no horizonte ninguém minimamente competente no assunto que queira argumentar o contrário”.(CHALHOUB, 1990: 35).

Parafraseando o autor ele também coloca que os negros são seres capazes de ações e não são passivos, e que eles vão de acordo com as suas próprias tradições e ensinamentos.

Sílvia Lara em Blowin’ in the wind: E. P. Thompson e a experiência negra no Brasil trabalha com a resistência diária , “na qual homens e mulheres que, como escravos, impunham limites à vontade senhorial, possuíam projetos e idéias próprios, pelos quais lutavam e conquistavam pequenas e grandes vitórias”.( LARA, 1995: 47).

Nesse ponto Silvia Lara e Chalhoub definem que os escravos tem seus pensamentos e suas próprias ações, ao jogar essa idéia no campo da escrita de Maria Firmina fica evidente que mãe Susana é uma escrava que “impões limites á vontade senhorial”, como fala Silvia Lara, já que Susana se recusa a ajudar Fernando P., o patriarca.

E também se percebe que Mãe Susana é “uma pessoa de ação”, que é a idéia de Chalhoub sobre os escravos. Ou seja, ao não ajudar Fernando P., pode ser uma pequena vitória diante dos olhos de muitos, mas isso faz toda a diferença porque Mãe Susana não quebra com seu código e se mostra uma pessoa não passiva.

Ao dar voz aos escravos, Firmina mostra a importância deles enquanto sujeitos históricos e pessoas capazes de através de pequenos gestos, contra atacar o poder patriarcal. Susana é o reflexo desse maior exemplo.

Bibliografia:

BARBOSA, Adriana de Oliveira. Gênero e etnicidade no romance Úrsula,de Maria dos Reis.

Dissertação de mestrado. Belo Horizonte:UFMG, 2007.

CANDIDO, Antonio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: Ed da Universidade de São Paulo, 1975. p. 16

(5)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

CHALHOUB, Sidney. “Diálogos político em Machado de Assis”. Capítulo 4. In: História

Contada: Capítulos de História Social da Literatura no Brasil, Rio de janeiro: Nova Fronteira,

1998.

CARPEAUX, Otto Maria. “Prosa e ficção do Romantismo”. In: GUINSBURG, J.(Org). O

romantismo. São Paulo: Perspectiva, 1978.

COSTA, Renata.J. Subjetividades femininas : mulheres negras sob o olhar de Carolina Maria

de Jesus,Maria Conceição Evaristo e Paulina Chiziane. Dissertação de mestrado.São Paulo:

PUC,2007.

DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres No Brasil.São Paulo: Contexto/Ed.Unesp,1997.

DUARTE, Eduardo de Assis. Literatura, Política, Identidades. Belo Horizonte:UFMG, 2005. ________________________ “Maria Firmina e os primórdios da ficção Afro-brasileira.” In:

Úrsula, A escrava. Atualização do texto e posfácio de Eduardo de Assis Duarte. Florianópolis:

Editora Mulheres; Belo Horizonte: PUC Minas, 2004.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder.Formação do patronato político brasileiro.Editora Globo,Volume 1, 5 edição, 1979.

FOUCAULT,Michel. História da sexualidade- a vontade do saber,Trad. Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de janeiro: Graal, 1980.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do discurso- Aula inaugural no Collége de France pronunciada em dois de dezembro de 1970.

GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes:o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras,1987.

GIRAUDO, José E . F. Poética da memória uma leitura de Tony Morrison, Editora da UFRGS,1997.

GOFF, Jaccques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes,1990.

GRAHAM, Richard. Construindo uma nação do Brasil do século XIX: Visões Novas e Antigas

sobre classe, cultura e Estado. Diálogos.DHI/UEM v.5 n.1. 2001, p.11-47.

HOVET, Ted. Harriet Martineau’s Exceptional American narratives: Harriet Beecher Stowe,

John Brown, and the “Redemption of your national soul. American Studies, Spring Vol. 48, nº

1, 2007.

LAVAU, Janine M. “Sexualidade e religião: o caso das mulheres muçulmanas na França”. In:

Revista Estudos Feministas v. 13 nº2 Florianópolis: 2005, p.377-386.

(6)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

LOVEJOY, Paul E. A escravidão na África: uma história das suas transformações. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2002.

MENDES, Algemira Macêdo. Maria Firmina dos Reis e Amélia Beviláqua na história da

literatura brasileira: representação, imagens e memórias nos séculos XIX e XX, dissertação de

doutorado. PUCRS, 2006.

MUZART, Zahidé Lupinacci. Maria Firmina dos Reis. In: MUZART, Z. L. (Org.). Escritoras

Brasileiras do século XIX. Florianópolis: Editora Mulheres, 2000, p.264-284.

PAIXÃO, Sylvia. A fala-a-menos: a repressão do desejo na poesia feminina. 1ª ed. Rio de Janeiro. Ed.: Numen, 1991.

PESAVENTO, Sandra. J. Com os olhos de Clio ou a literatura sob o olhar da história a partir

do conto o Alienista, de Machado de Assis In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA, v.16,

nº31 e 32, São Paulo,1996, p.108-119.

_____________________ Leituras cruzadas, diálogos da história com a literatura. Porto Alegre:Ed. Universidade/UFRGS,2000.

RAVEL, Jacques. Jogos de escalas: a experiência da micro-análise, Rio de Janeiro: FGV,1998. REIS, Maria Firmina. Úrsula, Coleção Resgate, 1988, com introdução de Charles Martin e notas por Luiza Lobo.

RICOUER,Paul. “A realidade do passado histórico”. In: Tempo e narrativa: Tomo III. Trad. Roberto Leal Ferreira.Campinas, São Paulo: Papirus,1997.p.315-355.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador. D. Pedro II um monarca nos trópicos. 2 edição Companhia das Letras.

SCOTT, Joan. “História das mulheres”.In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo, Editora da Unesp,1992.

____________ Gênero uma categoria útil de análise histórica. v.15,nº2,1990.

SHARPE, Jim. “A história vista de baixo” In: BURKE, Peter. A escrita da história. São Paulo, Editora da Unesp,1992.

SILVA, Silvane A. Racismo e sexualidade nas representações de negras e mestiças no final do

século XIX e inicio do XX . dissertação de mestrado.São Paulo: PUC, 2007.

SILVA, Alberto da Costa e. A enxada e a lança: A África antes dos portugueses;2ºedição,Rio de Janeiro:Editora Nova Fronteira,1996.

SLENES, Robert W. Na senzala uma flor: esperanças e recordações na formação da família

(7)

Texto integrante dos Anais do XX Encontro Regional de História: História e Liberdade. ANPUH/SP – UNESP-Franca. 06 a 10 de setembro de 2010. Cd-Rom.

Referências

Documentos relacionados

A tem á tica dos jornais mudou com o progresso social e é cada vez maior a variação de assuntos con- sumidos pelo homem, o que conduz também à especialização dos jor- nais,

Nessa situação temos claramente a relação de tecnovívio apresentado por Dubatti (2012) operando, visto que nessa experiência ambos os atores tra- çam um diálogo que não se dá

Para preparar a pimenta branca, as espigas são colhidas quando os frutos apresentam a coloração amarelada ou vermelha. As espigas são colocadas em sacos de plástico trançado sem

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

O objetivo do curso foi oportunizar aos participantes, um contato direto com as plantas nativas do Cerrado para identificação de espécies com potencial

In Section 2.2 we first review the method of soft local times that permits us to construct sequences of excursions of simple random walks and random interlacements, and then prove

Tal afastamento, a meu ver, configura violência ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. Tendo em vista que a nulidade ora reconhecida decorre de ato do