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Os grupos musicais juvenis e a participação das jovens mulheres

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Academic year: 2021

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Gênero e Juventude – ST 01 Camila do Carmo Said UFMG

Identidade - grupos musicais juvenis - mulheres jovens

Os grupos musicais juvenis e a participação das jovens mulheres

Este texto tem como objetivo apresentar os pressupostos e os referenciais teóricos de uma pesquisa de mestrado, ainda em andamento, desenvolvida no campo de estudos acerca das relações entre juventude e educação. Não se pretende, aqui, expor, na íntegra, o projeto de pesquisa em questão, mas compartilhar com os leitores uma parte das reflexões e discussões referendadas por esse processo de investigação.

Nos últimos anos, os trabalhos produzidos sobre a juventude brasileira, mostram um aumento de mobilização desse segmento em torno de práticas coletivas, principalmente as vinculadas às atividades culturais e de lazer, acentuando a importância da dimensão simbólica na compreensão desses diversos grupos existentes. No entanto, observa-se que as instâncias sociais que possibilitam as manifestações culturais da juventude são raras, assim como é limitada a participação do Estado na formulação de políticas públicas destinadas a esse fim. As formas mais significativas de agrupamento juvenil são gestadas nos espaços extra-escolares e extra-familiares, espaços não convencionais de socialização.

Segundo Dayrell (2004), a cultura1 e a produção cultural, principalmente em torno do cenário

musical, vêm se tornando um espaço privilegiado de formação e produção dos jovens2 enquanto atores

sociais, proporcionando articulações de identidades e referências na consolidação dos projetos de vida coletivos e individuais. Esses espaços podem também ser considerados como o meio pelo qual a juventude busca uma forma de intervenção na sociedade, constituindo-se como uma maneira própria de participação social. Dessa forma, a dimensão cultural se encontra como um espaço privilegiado de práticas, representações, símbolos e rituais no qual os jovens buscam demarcar uma identidade juvenil.

Nessa mesma direção, Carrano (2000) reafirma que nesses espaços, preenchidos pelos grupos juvenis, as experimentações permitem aos jovens possibilidades concretas de construção de identidades, em razão de um pertencimento de grupo. Como nos explica Melucci (2004), a identidade individual é, sobretudo, uma relação social, trazendo consigo uma tensão intrínseca entre o auto-reconhecimento e o hetero-auto-reconhecimento. Os laços e vínculos que se estabelecem nos grupos não se

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dão apenas pelo fato de haver interesses incomuns, mas, principalmente, porque esta é a condição para o sujeito reconhecer o sentido daquilo que faz.

Barral (2004) acrescenta que a identidade é construída social e simbolicamente e essa construção, no segmento juvenil, tem nos espaços de lazer um dos aspectos diferenciadores das múltiplas identidades que emergem em vários modos de ser jovem. Segundo o autor, na sociedade contemporânea, as práticas de lazer e os movimentos culturais ligados aos jovens estão ocupando espaços que até então eram exclusivos da família, do trabalho e da escola na construção ou formação das identidades das novas gerações. Ao desenvolver sua argumentação, o autor afirma que a juventude tende a se agrupar em torno de grupos culturais e de estilos não apenas por procurarem diversão, mas também porque desejam construir e firmar uma nova identidade e pertencer a um novo grupo.

Nessa perspectiva, os grupos parecem assumir, então, um papel central na construção e elaboração das identidades sociais dos sujeitos. Justamente por isso, pensar a identidade do jovem implica compreender as esferas da vida que são significativas na construção da sua auto-imagem, bem como aprender as relações existentes entre ela. Ao mesmo tempo, permite detectar o significado de cada uma dessas esferas nesse processo de construção individual (Dayrell, 2002).

Nesses termos, tomando como orientação a discussão proposta por Sposito (1996), pode-se afirmar que a temática da identidade é fundamental para a compreensão da juventude. Primeiro, porque esse momento da vida humana é naturalmente o momento de construção de identidades, sendo a percepção que o jovem tem sobre ele mesmo e o reconhecimento externo dessa percepção, extremamente importante. Segundo, porque há uma tendência de se considerar a questão da identidade juvenil a partir de estereótipos, o que acarreta dois sérios problemas.Primeiro, porque aliado ao estereótipo, há o preconceito que impossibilita apreender os jovens como sujeitos, em sua plena condição. Além do mais, porque lhe atribuem, antecipadamente, determinadas características e não se considera o que eles pensam e têm a dizer sobre si mesmos.

A definição da categoria juventude deve ser tomada como um conceito cultural e histórico e abordada sob uma perspectiva relacional (Sposito, idem). Nessa ótica, historicizar a definição dessa categoria significa visualizar a sua inserção em um contexto social, e compreender os diversos processos de construção da sua identidade. Por outro lado, definir essa categoria em termos relacionais permite ampliar os estreitos limites etários que a definem, uma vez que sua delimitação está diretamente relacionada à interação que se estabelece com o universo infantil e adulto.

Nessa perspectiva, entende-se que é fundamental considerar, ao se pensar as idades da vida, as relações entre as dimensões culturais e biológicas, pois se há características universais (dadas pelas transformações biológicas) que acontecem numa determinada fase, a forma como cada sociedade e, no

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seu interior, cada grupo social representa essas transformações é muito diversificada. Nesses termos, compreende-se que a vivência da experiência juvenil tem um sentido em si mesma, não sendo somente uma passagem para a vida adulta. Trata-se, portanto, de pensarmos a juventude como parte de um processo mais amplo de constituição de sujeitos, mas que tem especificidades que marcam a vida de cada um.

Compreende-se que qualquer tentativa de categorização será aleatória e se destinará, especificamente, a uma realidade, a um contexto social, histórico e cultural da juventude. Nesse sentido, compartilho com as propostas de diversos autores que ressaltam a necessidade de expressar o termo juventude no plural para não se esquecer as diferenças e as desigualdades que perpassam essa condição.

Acredita-se que para apreender os desafios e impasses enfrentados pela juventude contemporânea é necessário conhecer os grupos culturais em torno dos quais esse segmento se articula. Contudo, não basta apenas compreender os grupos e seus integrantes, é necessário avaliar também em que medida e extensão participar desses grupos interfere na identidade de cada um. Isto porque, acredita-se que a compreensão da construção das identidades dos jovens revela-se um importante material de análise para a compreensão desse segmento. Parte-se da hipótese de que abordar as identidades juvenis implica em uma tentativa de conhecer e considerar as expectativas, os desejos e os interesses desses sujeitos.

Em relação à identidade, entende-se aqui que ela não é resultado de uma única escolha, mas de múltiplas possibilidades que podem resultar na elaboração de múltiplas identidades (Hall, 1999). Contudo, esse processo não se dá linearmente, mas num constante movimento que é próprio das relações sociais e que possibilita ao jovem a busca de identificação através dos diversos grupos dos quais ele faça parte.

De acordo com alguns autores3, o sujeito contemporâneo não possui uma identidade fixa,

singular, essencial ou permanente.Esta é (re) construída continuamente e definida historicamente. Não se trata apenas de compreender a identidade como algo preexistente, mas de apreendê-la também como uma construção histórica nas diferentes fases da vida e nos diferentes contextos em que o sujeito atua. Pois esses sujeitos não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente utilizando-se apenas de uma “única” identidade, mas assumindo diferentes identidades em diferentes momentos. A identidade é, antes de tudo, um processo de aprendizagem, o qual é vivenciada como uma ação e não tanto como uma situação.

Todavia, apesar dessa percepção da importância da dimensão cultural na compreensão dos jovens contemporâneos e do aumento significativo de pesquisas sobre os grupos de estilos juvenis,

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encontra-se um número limitado de estudos que aborde diretamente as relações entre a temática de gênero e essas expressões culturais, principalmente em relação à participação de mulheres jovens nesses espaços.

Ao analisar algumas produções teóricas sobre grupos juvenis, pelo menos aquelas a que tive acesso4, foi possível apreender que as culturas desse segmento tendem a ser masculinas ou

masculinizadas. Pôde-se observar que, principalmente em grupos de estilo musical essencialmente juvenis5, há uma predominância da presença masculina, pois poucos são os grupos em que há a

participação feminina e raros são os grupos formados apenas por mulheres. Alguns estudos descrevem as jovens mulheres como coadjuvantes, enquanto outros apontam a ausência da participação feminina, principalmente em grupos de estilo essencialmente juvenis. O que se pode notar é que, nesses estudos, as formas particulares de expressão e vinculação das jovens não são consideradas porque ao assumirem que as jovens estão contempladas no termo “jovens”, ao falar sobre a “juventude”, os trabalhos não consideraram suas especificidades e a diversidade de condições em que elas vivem. Isto é, tais estudos ignoram a variável gênero como uma variável socialmente importante e válida.

No entanto, conforme nos lembra Alpízar e Bernal (2002), as mulheres jovens formam um grupo social diversificado, no qual é possível encontrar diversas condições, tais como a de classe, de religião, de etnia, de orientação sexual, entre outras. Nesse sentido, quando a condição juvenil relaciona-se com outras condições, como a de gênero, a situação é ainda mais complexa, pois socialmente há características e condições que são mais valorizadas que outras, assim como há condições que provocam fortes desvantagens sociais.

Parte-se da compreensão de que o conceito de gênero é socialmente construído, atribuindo diferentes papéis e identidades sociais aos homens e mulheres. Como nos explica Scott (1990), é no âmbito das relações sociais que as relações e as práticas de gênero são construídas. Nesse sentido, a diferença não é natural, sendo discursivamente produzida e essencialmente relacional. E são as relações de poder que fazem com que a diferença adquira um sinal negativo ou positivo.

Considera-se que essa compreensão é importante para as questões e propósitos da pesquisa porque nos permite entender que alguns comportamentos considerados como essenciais ao universo masculino ou feminino, são construções históricas, sociais e culturais. Portanto, não são dados e nem biologicamente determinados, mas sim construídos por meio de práticas culturais.

Acredita-se que ao se acrescentar a análise de gênero nessa proposta de investigação, questiona-se o masculino como parâmetro dos grupos musicais juvenis, bem como a dicotomia entre questiona-ser “parâmetro” e ser o “outro”. No caso específico em questão, o que interessa é realizar uma análise de gênero a partir da experiência das jovens mulheres da periferia de Belo Horizonte. O que implica,

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segundo Montejo (2004), em uma análise a partir da perspectiva de um ser que ocupa um lugar de menos poder e de menor privilégio que um jovem homem de sua mesma classe, raça, etnia, sem desconsiderar a análise da situação do sexo dominante e das relações entre os sexos.

É com base nessas considerações que a pesquisa buscará refletir sobre os processos e práticas culturais experimentados por jovens mulheres, na tentativa de compreender o lugar que a dimensão cultural assume nas práticas coletivas juvenis e suas possíveis implicações na construção de identidades femininas. Parte-se do pressuposto que essas práticas constituem-se como uma das formas de linguagem, talvez a mais presente, nas atitudes e comportamentos dos jovens, através das quais eles têm se articulado, se posicionado e comunicado com as outras esferas.

Considera-se, portanto, que para compreender as identidades juvenis, em especial, a identidade feminina, é necessário problematizar os espaços nos quais ela vem sendo construída. Em palavras, é necessário compreender, no âmbito de pesquisa proposta, em que medida os grupos musicais são espaços de produção e/ou reprodução de práticas, de papéis e de relações de gênero.

Nessa perspectiva, se é possível perceber que a cultura e a produção cultural, principalmente a produção relacionada à música, podem ser consideradas como um dos espaços privilegiados de práticas, representações, símbolos e rituais, nos quais os jovens procuram demarcar uma identidade própria, em que medida esses grupos são espaços de elaboração da identidade feminina?

Pretende-se discutir e analisar o(s) significado(s) que os grupos culturais assumem para as jovens mulheres e quais seriam as suas possíveis implicações na construção de identidades femininas. Para compreender essas questões, toma-se como foco um determinado segmento da juventude; às jovens advindas de classes sociais de baixa renda e que são integrantes de dois grupos de rap da periferia de Belo Horizonte.

No intuito de contribuir para essa discussão, acredita-se que a articulação entre estudos sobre juventude e estudos sobre gênero apresenta uma importante contribuição para a desconstrução de algumas concepções vigentes sobre juventude, assim como para uma maior compreensão dos contextos sociais a partir dos quais os/as jovens elaboram suas visões de mundo e constroem suas identidades.

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ALPÍZAR, Lydia. BERNAL, Marina. “Construção Social da Juventude”. In: Mulheres Jovens e Direitos Humanos. Manual de Capacitação em direitos humanos das mulheres jovens e a aplicação da CEDAW. ILANUD/REDLAC, Edição Brasileira, p. 21 –32, 2004.

ANDRADE, João Marcos de Castro. Falas, Práticas e Sons: Vivendo e Educando-se no Grupo Arautos do Gueto. Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação/UFMG, Belo Horizonte, 2003.

BARRAL, Gilberto Luiz Lima. Considerações históricas e sociológicas sobre lazer e múltiplas identidades jovens na modernidade. 2004. (mimeo).

CARRANO, Paulo César Rodríguez. “Juventudes: as identidades são múltiplas”. Movimento: Revista da Faculdade de Educação da UFF. RJ: DP&A Editora, n.1, maio, p. 11-27, 2000.

DAYRELL, Juarez T. Anotações da exposição realizada na sessão especial “Processos de construção das identidades juvenis na contemporaneidade”, 25º ANPED, outubro, 2002.

_________ “Juventude e produção cultural na Periferia de Belo Horizonte”. Outro olhar: Revista de Debates, BH, ano II, pg 22-26, 2001.

_________. Juventude, Grupos Culturais e Sociabilidade. In: XXIV Reunião Brasileira de Antropologia, 2004, Recife. Anais. Recife: ABA – Associação Brasileira de antropologia, p. 102 –102, 2004.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. SILVA, Tomaz Tadeu e LOURO, Guacira Lopes (trads.). Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

MARTINS, Carlos Henrique dos Santos. Charme: território urbano popular de elaboração de identidades juvenis. Dissertação. (Mestrado em Educação). Faculdade de Educação / UFF, Niterói. 2004.

MELUCCI, Alberto. “Metamorfose do eu múltiplo”. O Jogo do eu: a mudança de si em uma sociedade global. São Leopoldo: Editora Unisinos, p.59-73, 2004.

MONTEJO, Alda Facio. “Marco Teórico Geral: Quando o gênero se consolida, mudanças promove”. In: Mulheres Jovens e Direitos Humanos. Manual de Capacitação em direitos humanos das mulheres jovens e a aplicação da CEDAW. ILANUD/REDLAC, Edição Brasileira, p. 86 –113, 2004.

SANTOS, Cláudio Emannuel dos Santos. A música percussiva: uma experiência sociocultural dos jovens do Bloco Oficina Tambolelê. Dissertação. (Mestrado em Educação) Faculdade de Educação, UFMG, Belo Horizonte, 2003.

SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade. Porto Alegre, n.16, v.2, p. 5-22, jul/dez 1990.

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SPÓSITO, Marília Pontes. Juventude: Crise, Identidade e Escola. In: DAYRELL, Juarez (org). Múltiplos olhares sobre educação e cultura. BH: Ed. UFMG, pgs 96 – 104, 1996.

VIANNA, Cláudia. A Identidade coletiva e a ação do professorado. In: Os nós do “nós”: crise e perspectivas da ação coletiva docente em São Paulo. São Paulo, EC. Xamã, p. 45-72, 1999.

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1 Entende-se o conceito de cultura, sob uma perspectiva antropológica, não apenas como um conjunto de realizações concretas de uma sociedade, mas, sobretudo como uma teia de significações através das quais o sujeito elabora simbolicamente sua identidade (GEERTZ, 1978).

2 É importante ressaltar que toda vez que o texto utilizar os termos jovem e/ou jovens, está implícito que essas palavras referem-se tanto os jovens homens quanto as jovens mulheres.

3 Carrano (2000), Dayrell (2002), Hall (1999) e Vianna (1999) 4 Andrade (2003), Dayrell (2001), Martins (2004) e Santos (2003).

Referências

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