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SÃO PAULO DE 1930 A 1945: VERTICALIZAÇÃO, EXPANSÃO HORIZONTAL E GRANDES OBRAS VIÁRIAS *

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SÃO PAULO DE 1930 A 1945: VERTICALIZAÇÃO,

EXPANSÃO HORIZONTAL E GRANDES OBRAS VIÁRIAS

*

Luís Octávio da Silva

Universidade São Judas Tadeu

O período compreendido entre 1930 e 1945 foi de crucial importância nos desígnios da cidade de São Paulo. Isso tanto do ponto de vista dos processos econômicos, da evolução do quadro demográfico, como também pela consolidação das bases de um determinado modelo de organização espacial assumido pela metrópole nas décadas subseqüentes. Na São Paulo de 1930, dois dos grandes traços da urbanização brasileira já estavam delineados: um determinado modelo de organização urbana envolvendo um grande desenvolvimento extensivo e a ocorrência do fenômeno de verticalização, naquele momento ainda em pequena escala e concentrado na área central.

Três elementos são centrais para compreensão do padrão extensivo de desenvolvimento urbano, característico da urbanização brasileira. Primeiramente, a atividade de parcelamento contínuo do território periférico. Em segundo lugar, essa atividade de parcelamento e de ocupação das periferias deu-se articuladamente com a implantação de um sistema de transportes baseado principalmente nos veículos automotivos. Por fim, há que ressaltar que esses dois elementos se articularam a um sistema, largamente difundido, de acesso à moradia popular baseado na propriedade própria e na autoconstrução.

A verticalização constitui um dos traços característicos da urbanização brasileira, pela própria intensidade com que ela se dá, mas também pelas formas que ela assume. São Paulo é o grande ícone desse fenômeno. Nessa cidade, a verticalização só adquiriu proporções de peso a partir das décadas de 1960 e 70. Antes disso, entretanto, os edifícios altos e áreas verticalizadas constituíam toda uma simbologia que tem o seu espaço na própria história da cidade, associados à idéia de modernização, de progresso e aos êxitos econômicos da metrópole. Durante as décadas de 1920, 30 e 40 estabeleceram-se os alicerces para o desenvolvimento desse fenômeno. Este trabalho procura apresentar os principais marcos ligados a esses dois fenômenos entre os anos 1930 e 1945.

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losilva@emurb.com.br 1

SÃO PAULO DE 1930 A 1945: VERTICALIZAÇÃO,

EXPANSÃO HORIZONTAL E GRANDES OBRAS VIÁRIAS

*

Luís Octávio da Silva

Universidade São Judas Tadeu

INTRODUÇÃO

O período compreendido entre 1930 e 1945 foi de crucial importância nos desígnios da cidade de São Paulo. Isso tanto do ponto de vista dos processos econômicos, da evolução do quadro demográfico, como também pela consolidação das bases de um determinado modelo de organização espacial assumido pela metrópole nas décadas seguintes.

É difícil aquilatar toda a conjuntura do período de 1930 a 1945 sem levar em conta o legado dos anos 1920. Difícil não mencionar o significativo crescimento da economia cafeeira e, conseqüentemente, das receitas tanto estaduais quanto municipais provenientes do imposto sobre exportações. Em 1921, no município de São Paulo, esses recursos eram de 17 mil contos de réis, saltando para 80 mil em 19301. Os anos 1920 foram também marcados pelo grande desenvolvimento industrial, inclusive com a implantação de uma indústria de base no país. A crise de 1929, entretanto, significou uma severa restrição às receitas municipais: em 1931 elas haviam descido para 52 mil; em 1932 eram de 60 mil e em 1933 de 62 mil contos de réis. A euforia dos anos 1920, assim como as restrições financeiras dos primeiros anos da década seguinte, se defrontavam com uma série de desafios, legados aos anos 1930: as precárias condições habitacionais da população de baixa renda; a incessante expansão horizontal da cidade e a decorrente necessidade de recursos públicos crescentes para dotar esses territórios de pavimentação e de infra-estrutura; o congestionamento do centro; a precariedade das ligações entre os bairros e a área central. Isso tudo configurava um quadro generalizado de despreparo para o fenômeno de crescimento colocado2.

A EVOLUÇÃO ECONÔMICA, DEMOGRÁFICA E URBANA DO PERÍODO DE 1930 A 1945 No que diz respeito ao desenvolvimento econômico, as décadas de 1930 e 1940 significaram a consolidação e o aprofundamento do processo de industrialização do país. Esse período abarcou dois importantes momentos da industrialização brasileira: os anos de recuperação pós-crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Em ambos períodos, as restrições às importações foram cruciais para o desenvolvimento de uma industrialização de substituição. No primeiro caso, após alguns poucos anos de declínio das atividades comerciais e financeiras, a recuperação da indústria brasileira deu-se sobre uma base não mais tão dependente da economia cafeeira, que, aliás, perdia espaço para outros produtos3. A era Vargas, de forma geral, e o Estado Novo, em particular, foram marcados por uma nova relação do Estado com a economia. É importante ressaltar que, concomitantemente a esse processo, deu-se a consolidação do estado de São Paulo como principal pólo econômico e industrial do Brasil e da cidade de São Paulo como principal foco desse processo4. Em 1939, pela primeira vez, o valor da produção industrial desse estado já ultrapassava o valor da produção agrícola5.

Foi no bojo desse processo de desenvolvimento econômico e, especialmente, industrial que houve uma aceleração do processo de urbanização. O município de São Paulo tinha, em 1930, cerca de 890 mil habitantes. Em 1933, esse número já ultrapassava um milhão. Em 1945, já eram 1.608 mil (1.800 mil na região metropolitana). Mesmo que, em números absolutos, os incrementos demográficos fossem cada vez maiores, houve um arrefecimento no ritmo desse crescimento. De 1920 a 1930, o acréscimo foi de 56%; de 1930 a 1940, foi de 47%. Por outro lado, o peso demográfico do município no total do estado, assim como no do país, não cessou de aumentar. Em 1900, o município abrigava 1,4% da população do Brasil; em 1920, esse percentual já era de

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1,9%; em 1940, 3,2% e, em 1950, 4,2%. Durante o nosso período de interesse (1930 a 1945), a maior parte desse incremento já se dava por crescimento vegetativo. No que diz respeito à chegada de novos habitantes, os anos 1930 e as décadas seguintes foram marcados pela intensificação dos fluxos migratórios internos, que se tornaram mais importantes do que a chegada de imigrantes estrangeiros6.

Um outro traço característico do período foi a consolidação, também, do processo de metropolização7. Na Planta da Cidade, organizada pela Comissão Geográfica de São Paulo de 1922, o que se observa é uma grande disponibilização de territórios para a expansão urbana. A quase totalidade dos novos loteamentos e esboços de arruamentos encontravam-se quase isolados da trama maior e desprovidos de edificações, assim como a maior parte dos loteamentos mais antigos. Já no Mapa Sara Brasil de 1930, apesar de mantido o caráter pouco compacto, a maioria dos antigos bairros isolados já se encontrava conurbada ao resto da mancha urbana através dos novos loteamentos. Ainda que vastas áreas vazias assim permanecessem, novos loteamentos se justapunham aos antigos8. Os limites da zona urbanizada contígua já ultrapassavam as fronteiras municipais. Na verdade, foi só a partir da metade dos anos 1930 que os loteamentos periféricos começaram, efetivamente, a ser ocupados. Até os anos 1940, os cortiços continuavam a ser a principal alternativa de moradia popular.

Na São Paulo de 1930, dois dos grandes traços da urbanização brasileira já estavam delineados: um determinado modelo de organização urbana envolvendo um grande desenvolvimento extensivo e a ocorrência do fenômeno de verticalização, naquele momento ainda em pequena escala e concentrado na área central da cidade.

O PADRÃO EXTENSIVO DE DESENVOLVIMENTO URBANO

Três elementos são centrais para compreensão do padrão extensivo de desenvolvimento urbano, característico da urbanização brasileira e que, em São Paulo, pelas suas próprias dimensões demográficas, tomaram corpo na sua forma mais avançada. Primeiramente, a atividade de parcelamento contínuo do território periférico implicou uma explosão da demanda por serviços públicos, por infra-estrutura e pela implantação e manutenção de um extenso sistema viário carroçável. Isso implicou, desde o princípio, um alto encargo para o poder público9. Em segundo lugar, essa atividade de parcelamento e de ocupação das periferias deu-se articuladamente com a implantação de um sistema de transportes baseado principalmente nos veículos automotivos. Houve também parcelamento das periferias dos subúrbios ferroviários acessadas complementarmente pelos ônibus, assim como dos subúrbios desenvolvidos ao longo das rodovias, tanto as já existentes quanto aquelas implantadas durante o período. Por fim, há que ressaltar que esses dois elementos se articularam a um sistema, largamente difundido, de acesso à moradia popular baseado na propriedade própria e na autoconstrução. Para isso também contribuiu a emergência de um sistema de controle sobre o reajuste dos aluguéis (Lei do Inquilinato), que inibiu a produção rentista de moradias. Todos esses fatores tiveram, na cidade de São Paulo, desdobramentos importantes durante o nosso período de interesse. Vejamos sucintamente o desenvolvimento desse panorama.

Nas primeiras décadas do século XX, a atividade de abertura de ruas e de parcelamento do solo foi imensamente potencializada pelo crescimento demográfico. A principal problemática suscitada por essa prática ligava-se à atribuição dos custos dessa urbanização, principalmente os de pavimentação10 e também à falta de controle público, almejada por alguns, sobre o desenvolvimento e organização física do hábitat urbano. Os embates e definições ocorridos entre 1930 e 1945 foram cruciais para a estruturação assumida pela metrópole paulistana durante as décadas seguintes. A compreensão das definições ocorridas entre 1930 e 1945, entretanto, depende de uma contextualização dessa questão durante o período antecedente.

Seguindo uma tradição que buscava o controle sobre a retidão das ruas e dimensões mínimas do sistema viário, o Código de Posturas, de 1886, exigia traçados retilíneos, ortogonais e largura mínima das vias de 16m. Já em 1909, a Lei Municipal nº1.193 exigia dos arruadores metade dos

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custos de pavimentação. A definição do controle sobre a atividade dos loteadores – bem como a cobrança dos custos de pavimentação –, durante as primeiras décadas do século XX, foi uma história de idas e vindas. Em 1913, outra Lei Municipal, nº 1.666, revogava a cobrança dos custos de pavimentação, além de flexibilizar as exigências de ortogonalidade. Em 1923, foi aprovada a Lei Municipal nº2.611, conhecida como Lei de Loteamentos. Essa lei finalmente viabilizava um novo modelo urbanístico de traçados sinuosos e ruas exclusivamente residenciais, de dimensões mínimas bem mais reduzidas do que aquelas tradicionalmente exigidas. Esse preceito definia também percentuais a serem reservados para espaços livres públicos, lote mínimo de 300m², frente mínima de 10m, assim como procedimentos de aprovação dos empreendimentos que incluíam imposição de diretrizes e possibilidade de recusa, caso parâmetros estéticos e técnicos não fossem atendidos. Não menos importante era a definição de uma taxa de calçamento, para as ruas novas, a ser paga pelos adquirentes. Todas essas definições significavam um avanço considerável na instrumentalização do poder público para o controle sobre a atividade de parcelamento do solo. As pressões contrárias, entretanto, se fizeram sentir por intermédio da inclusão do Artigo 23, que abria a possibilidade de desrespeito a todos os parâmetros então definidos, caso a via, em vez de pública, fosse aberta como “rua particular”. Isso significava exatamente a negação de todo o avanço que a nova lei pretendia. Mais do que o Artigo 23, foi a falta de fiscalização e conivência do poder público que permitiu a proliferação de loteamentos clandestinos antes, durante e depois do período de 1930 a 1945.

Já em 1924, um novo projeto de lei isentava vilas e conjuntos de “casas econômicas” das exigências da Lei de Loteamentos. Mas os embates pela cobrança da taxa de pavimentação continuavam a ter desdobramentos à medida que os investimentos municipais se viam cada vez mais comprometidos com essas obras11. Ganhava corpo a pressão sobre a cobrança da taxa de calçamento, inclusive sobre os arruamentos já existentes. Foi exatamente isso que foi definido pela Lei Municipal nº2.689, de 1924. O município ficava com a incumbência de um terço dos custos, enquanto aos proprietários lindeiros cabia dois terços. Isso não significava que a Prefeitura conseguisse, efetivamente, arrecadar a totalidade dos recursos devidos. Em 1926, uma nova Lei Municipal, nº3.008, atribuía a totalidade dos custos aos proprietários. Uma grande pressão contra a aplicação dessa lei forçou o prefeito Pires do Rio a voltar ao sistema de um terço ou dois terços da lei de 1924. Além disso, cabia à Prefeitura arcar sozinha com os custos da infra-estrutura de drenagem12. Em 1927, a cobrança integral da taxa de calçamento foi revogada pela Câmara Municipal.

Nesse contexto de avanços e recuos, em 1930, Anhaia Mello veio a ser indicado prefeito da capital paulista. Com a Câmara Municipal fechada, a atividade legislativa passou a ser exercida por meio de Atos Municipais. O Ato Municipal nº 21, de dezembro de 1930, reintroduziu a cobrança total dos custos de calçamento dos proprietários. O Ato Municipal nº 25, também de dezembro de 1930, era ainda mais radical, pois proibia construções em ruas particulares, invalidando o Artigo 23 da Lei de Loteamentos. De um lado, radicalizavam-se os enfrentamentos entre as posições liberais, de respeito absoluto à propriedade privada, e as posições que advogavam uma intervenção mais firme por parte do poder público na defesa de um urbanismo regulatório. Por outro lado, proliferavam os arruamentos e as construções clandestinas. Em 1930, os arruamentos irregulares já cobriam área superior à das áreas regulares.

As pressões em prol de uma flexibilização eram intensas. Em março de 1931, um novo Ato Municipal, nº 129, substituiu o de nº 25. Ele permitia construções em ruas particulares sob certas condições13. Mas as restrições continuavam inaceitáveis pelos interesses contrariados. Em abril do mesmo ano, por apenas três meses, Francisco Machado de Campos substituiu Anhaia Mello. A revogação do Ato nº 129 virara uma bandeira de luta. Ao novo prefeito foi encaminhado um abaixo-assinado solicitando tal medida. Anhaia Mello, reconduzido à Prefeitura municipal, na qual permaneceu por apenas um mês, recusou-se a revogar o referido Ato. Porém, o prefeito que o sucedeu cedeu às pressões. Em fevereiro de 1932, Henrique Jorge Guedes assinou o Ato Municipal nº 304, revogando o de nº 129. Pela nova regra, os recuos mínimos foram minimizados e a oficialização dos loteamentos clandestinos tornou-se possível. Para tanto, era necessária uma solicitação dos loteadores ou compradores e mediante análise caso a caso por parte da Diretoria

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de Obras. A revisão do Código de Obras, realizada em 1934, através do Artigo 762, reiterou essa possibilidade de regularização dos loteamentos clandestinos. Nesse novo contexto, além da falta de fiscalização, ficava consolidada a prática das regularizações. Isso foi de importância significativa para a reprodução dos loteamentos clandestinos.

Também em 1934, durante a gestão de Fábio Prado, uma decisão judicial declarou a cobrança da taxa de calçamento inconstitucional. A Prefeitura de São Paulo ficou obrigada a devolver os montantes arrecadados desde 1926. Essa medida só não onerou mais os cofres municipais pela falta de correção monetária dos montantes devidos e pelos acordos que permitiram a redução dos valores. Após mais de duas décadas de idas e vindas nos embates pró e contra o estabelecimento de controles sobre a atividade dos loteadores clandestinos, os primeiros anos da década de 1930 foram decisivos para a definição das regras do jogo: à falta de fiscalização e consolidação da prática de regularização dos que não tivessem respeitado a lei, somava-se, doravante, a não-cobrança dos custos de urbanização desses empreendimentos14.

OUTROS FATORES INDUTORES DA EXPANSÃO HORIZONTAL

Como já mencionado anteriormente, foi apenas a partir da segunda metade dos anos 1930 que os loteamentos periféricos começaram a ser, efetivamente, ocupados. E, até os anos 1940, os cortiços continuavam a ser a principal alternativa de moradia popular. Por um lado, a ocupação efetiva dos loteamentos mais afastados estava diretamente ligada à conexão dessas localidades com o centro e com o restante da cidade. O modelo urbano de expansão horizontal embutia uma opção pelo transporte sob pneus, naquela circunstância, muito mais condizente com as baixas densidades do que o transporte sobre trilhos. Os acontecimentos dos anos 1920, 1930 e 1940 materializaram a transformação de uma cidade cujo sistema de transporte público funcionava sobre trilhos em uma cidade onde o transporte sobre pneus se tornou hegemônico. O serviço de bonde era operado pela Companhia Light & Power, que se ocupava também da produção e distribuição de energia elétrica, da iluminação pública, do fornecimento de gás e do serviço de telefonia. Nos anos 1920, a lucratividade da concessão era comprometida pela concorrência das companhias de ônibus, que passaram a operar naquela década15, pelo congelamento tarifário, que se estendia desde 1909, e pelo aumento dos custos de operação decorrente dos congestionamentos na área central16. Em 1926, a companhia propôs à Prefeitura um plano de investimentos e de modernização dos serviços vinculado a um aumento das tarifas.A esse plano, conhecido como Plano Light, opunha-se um outro, de autoria de Ulhôa Cintra/Prestes Maia (mais tarde formatado no Plano de Avenidas), que propunha justamente outro modelo de desenvolvimento urbano, de orientação rodoviarista e de priorização do transporte individual. Tanto pela disponibilidade de recursos financeiros quanto pela disputa na ocupação do sistema viário, esses dois planos eram antagônicos e excludentes. O plano rodoviarista tornou-se hegemônico, e a proposta da Light nunca foi aceita. Na falta de novos investimentos que acompanhassem o desenvolvimento da cidade, os bondes circulavam lotados e desenvolvia-se a operação do serviço de ônibus17. Em 1937, a Light & Power comunicou à Prefeitura seu desinteresse em dar continuidade ao contrato, após 1941, quando ele expirasse. Foi obrigada, entretanto, a prosseguir com a operação do serviço até 1946. Em 1947, foi constituída a Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC), que incorporou o patrimônio da Light, mas efetivamente continuou sem investir no sistema de bondes. A ampliação da operação do sistema de ônibus, por sua vez, deu-se num quadro de desregulamentação e/ou de clandestinidade, tanto antes quanto depois da criação CMTC, que teoricamente, teria o monopólio da prestação do serviço. Essa atitude do poder público para com as operadoras clandestinas de ônibus, um misto de omissão e conivência, apresentava similaridades marcantes com aquela adotada em relação aos loteamentos clandestinos.

Dois outros acontecimentos foram também nevrálgicos para a difusão e consolidação do modelo extensivo de desenvolvimento urbano. Primeiramente, a implantação da Lei do Inquilinato, em 1942, fator altamente inibidor da produção rentista da moradia popular. Também importante foi a instituição do sistema de vendas à prestação, ocorrida em 1937. O próprio crescimento demográfico e a crise da produção rentista empurraram a população de renda mais baixa para a

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autoconstrução em lotes periféricos. Em sua maioria, esses eram desprovidos de infra-estrutura, mas podiam ser adquiridos a prazo e eram acessíveis através de ônibus.

Ainda que não totalmente materializado, o modelo do desenvolvimento urbano extensivo teve suas bases e hegemonia consolidadas durante os anos 1930 e 1940. Esse padrão se tornou uma das principais características assumidas pela cidade nas décadas que se seguiram. A configuração atual de São Paulo, em certa medida, foi delineada durante esse período.

CONSTROEM-SE OS ALICERCES PARA A VERTICALIZAÇÃO DE SÃO PAULO

Edifícios altos e verticalização não são conseqüências naturais da urbanização, mas opções possíveis de configuração no largo espectro das soluções urbanísticas18. A verticalização constitui um dos traços característicos da urbanização brasileira. Primeiramente, pela própria intensidade com que ela se dá, mas também pelas formas que ela assume. São Paulo é o grande ícone desse fenômeno. Nessa cidade, ele adquiriu proporções de peso apenas a partir das décadas de 1960 e 1970. Antes disso, entretanto, edifícios altos e áreas verticalizadas constituíam uma simbologia que encontrou seu espaço na própria história da cidade. Eles eram associados à idéia de modernização, de progresso e aos êxitos econômicos da metrópole. Durante as décadas de 1920, 1930 e 1940, estabeleceram-se os alicerces para o desenvolvimento desse fenômeno.

Do ponto de vista da tecnologia, os primórdios da verticalização brasileira podem ser contados pelo “embate” entre a opção pelo emprego de estruturas metálicas e a moldagem da estrutura em concreto armado. A segunda opção significava a constituição de um modo de produção muito mais nacionalizado do que o emprego de estruturas metálicas, geralmente projetadas e produzidas no exterior. A partir de 1926, com o estabelecimento da indústria de cimento no país, a segunda opção passou a significar uma opção ainda mais nacional19. Foi principalmente no período de restrição às importações, durante a Segunda Guerra Mundial, que se consolidou o emprego do concreto armado.

Nas primeiras décadas do século XX, São Paulo e Rio de Janeiro já apresentavam diferenças em seus respectivos processos de verticalização. No Rio, os primeiros focos de construção de edifícios altos estiveram todos eles ligados a importantes intervenções urbanísticas governamentais, como foi o caso da Avenida Central, Cinelândia e Avenida Beira-Mar. Já em São Paulo, tratou-se de um fenômeno, de certa forma, mais protagonizado pela iniciativa privada. No Rio, em 1910, existiam apenas 33 edifícios com mais de seis andares. Assim como em São Paulo, tratava-se de um fenômeno de dimensões reduzidas. A partir desse ano, a verticalização carioca destinou-se progressivamente ao uso residencial ou misto (térreo não-residencial e apartamentos nos andares superiores)20. Em 1900, a cidade de São Paulo já apresentava alguns raros edifícios verticalizados. Vinte anos mais tarde, edifícios altos continuavam a ser exceção na paisagem urbana. Durante os anos 1920, a construção de edifícios novos apresentou um certo desenvolvimento. Mas, em 1929, eles ainda eram em número modesto, pouco mais de cinqüenta edifícios com mais de quatro andares, principalmente localizados no Centro Velho e no Centro Novo, misturando uso residencial com locações do setor terciário. Quando ocorreu a retomada econômica pós-crise de 1929, em meados da década de 1930, o processo de verticalização em São Paulo assumiu proporções muito superiores às da década anterior. Em 1939, já havia 813 edifícios com elevadores, e tratava-se de uma verticalização já predominantemente destinada ao uso terciário (65%). Essa tendência consolidou-se na década de 194021.

A passagem dos anos 1920 para os anos 1930 coincidiu também com mudanças dos modelos arquitetônicos aplicados às construções verticalizadas. Durante os anos 1920, o Modernismo dava os seus primeiros passos no país, mas o ecletismo ainda era largamente hegemônico, inclusive na arquitetura dos edifícios. Do ponto de vista da morfologia urbana, a verticalização deu-se sobre um parcelário colonial, caracterizado por lotes estreitos e profundos, e os edifícios não apresentavam recuos nem de frente nem laterais. Internamente, esses edifícios procuravam reproduzir os programas arquiteturais das edificações não-verticalizadas. A grande ênfase estética dava-se nas fachadas frontais. As empenas cegas eram uma conseqüência natural e indesejada

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da heterogeneidade das volumetrias. Os anos 1930 coincidiram com a emergência do art decô e com o despojamento ornamental identificado como estilo modernizado. As mudanças morfológicas deram-se também por conta das normativas que, progressivamente, foram permitindo edifícios cada vez mais altos, pela implantação de mecanismos que justamente procuravam evitar a configuração de empenas cegas e também através da difusão do estilo moderno que implicou uma valorização também das fachadas não frontais.

Principalmente durante os anos 1930, quando houve um grande aumento da produção de edifícios de apartamentos para alugar, a aceitação desse tipo de solução arquitetônica ainda era objeto de ressalva por parte do público-alvo. Esse tipo de moradia coletiva ainda era associado aos estigmatizados cortiços. Os promotores que produziam edifícios de escritórios no Centro Novo, por sua vez, inquietavam-se quanto à aceitação dessa nova localidade. O Centro Velho ainda era o território de maior prestígio na geografia da cidade.

Em 1928, entrou em vigor o Decreto Federal nº5.481, que dispunha sobre a alienação parcial de edifícios com mais de cinco pavimentos, estabelecendo, assim, normas de co-propriedade. Isso foi de fundamental importância, pois o decreto deu base institucional para ações de incorporação, ou seja, os prédios eram construídos sem que fosse necessária a disponibilização de recursos exclusivamente por parte do empreendedor. Na verdade, não foi de imediato que essa possibilidade instrumentalizou a atividade de incorporação. A construção de edifícios em condomínio, na cidade de São Paulo, disseminou-se apenas a partir dos anos 1940. Isso se casou com o desestímulo à produção rentista decorrente da vigência da Lei do Inquilinato, de 1942. Assim como acontecia em relação à expansão horizontal, o processo de verticalização suscitava um embate muito claro entre duas posturas distintas. Uma advogava o controle e a limitação do processo por parte do poder público. A outra propunha uma atitude liberalizante em relação aos interesses privados da promoção imobiliária. Esse embate já estava presente quando da definição do Padrão Municipal, em 1920. Nessa ocasião, ficou estabelecido que a verticalização ficaria restrita à área central. Entretanto, os limites definidos já eram bem superiores àqueles preconizados por Victor Freire, que então respondia pela Diretoria de Obras da Prefeitura. Freire era um defensor ativo da limitação e do controle do processo de verticalização. A legislação que se seguiu, durante o período de 1930 a 1945, obedeceu algumas tendências que poderiam ser sintetizadas como uma normatização, que foi se alterando ao longo do tempo. Além disso, ela ainda era definida de acordo com a região da cidade e, ao longo dos eixos viários de maior interesse, pelo estabelecimento de limites máximos em função da largura da via, mas também pela flexibilização desses limites (estabelecimento de recuos escalonados, como era usual na legislação americana). Em algumas localidades, a legislação estabelecia alturas mínimas, com o objetivo de conseguir conjuntos homogêneos, minimizando o efeito, considerado negativo, das empenas cegas. O aprimoramento dessa legislação deu-se ao sabor das conjunturas políticas, mas a macrotendência foi a liberalização progressiva. Durante o período de 1930 a 1945, a legislação municipal teve um papel muito mais incentivador do que limitador do processo de verticalização. O controle zonal dos usos foi, durante essa fase, aplicado de forma limitada a bairros específicos, sobretudo com o intuito de preservar características de uso exclusivamente residencial em bairros das classes mais abastadas.

AS GRANDES OBRAS PÚBLICAS DO PERÍODO DE 1930 A 1945

Além da constituição das bases para os processos de expansão horizontal e de verticalização, o período de 1930 a 1945 caracterizou-se, para a cidade de São Paulo, como uma fase de realização de grandes obras públicas, em proporções raramente alcançadas ao longo da história da metrópole. O elemento central desse cenário foi a existência de recursos financeiros de uma monta não vista anteriormente. Para essa abundância de recursos convergiram vários fatores. O revés da aplicação da taxa de calçamento foi largamente contrabalançado pela instituição do Imposto Predial e Territorial Urbano e também pelo o Imposto de Indústrias e Profissões, que a partir de 1934 passou a ser repartido com o governo estadual. Na verdade, essa nova base tributária foi potencializada por uma reforma administrativa implantada pelo prefeito Fábio Prado,

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que aumentou muito a capacidade de arrecadação da Prefeitura. Foi também de importância considerável a disponibilização e a aplicação de um instrumental de âmbito federal. Esse possibilitou uma grande agilidade nos processos expropriatórios, além de fixar limites máximos para indenizações22. Isso, obviamente, teve impactos consideráveis sobre o volume de obras exeqüíveis. Uma das limitações características das intervenções ocorridas em São Paulo, durante a República Velha, era justamente o alto valor das indenizações, muito de acordo com a ideologia radicalmente liberal, então hegemônica.

Assim como acontecera em relação à constituição das bases para os processos de expansão horizontal e de verticalização, o período de 1930 a 1945 foi crucial não só pelo volume de obras empreendidas, mas também porque essas obras delinearam o modelo de desenvolvimento urbano adotado pela cidade, nas décadas seguintes. Também em relação às obras, reproduzia-se o debate que opunha dois tipos de posição: as pró-expansionistas e rodoviaristas opostas a uma outra posição que advogava uma cidade estruturada a partir dos transportes de massa, na qual os custos e benefícios da urbanização fossem repartidos de uma maneira mais igualitária. Esta última pressupunha um controle do processo de crescimento. Esses diferentes projetos já estavam colocados durante os anos 1920 e continuaram a se defrontar durante os anos 1930. O projeto rodoviarista e expansionista foi apresentado em uma forma mais acabada, em 1930, através do Plano de Avenidas de Prestes Maia. Sua principal ênfase era a constituição de um sistema viário que combinasse a implantação de um Perímetro de Irradiação com um conjunto de avenidas radiais e perimetrais. OPerímetro de Irradiação, que ampliaria a área central através da construção de um anel de acesso e de distribuição, abarcaria o Centro Novo e superaria o congestionamento do restrito Triângulo Histórico. As avenidas radiais fariam a ligação com os bairros periféricos, e o sistema perimetral se articularia com as avenidas radiais, constituindo assim as bases para uma progressiva expansão territorial da cidade.Na verdade, essa orientação rodoviarista já começara a ser implantada durante a administração de Pires do Rio, entre 16/1/1926 e 23/10/1930, obras essas em grande medida possíveis graças ao aumento da arrecadação municipal, anteriormente mencionado.

De certo modo, a década de 1930 pode ser sintetizada como um período de transição entre uma fase de hegemonia relativa dos partidários de um urbanismo regulatório para outra, durante a qual tornou-se claramente hegemônica a tendência expansionista, rodoviarista e liberalista. Os primeiros anos da década de 1930 coincidiram com a estagnação da arrecadação municipal, decorrente da crise de 1929. Nesse período, como ocorreu uma limitação dos recursos disponíveis para investimentos, o enfrentamento entre as duas posições tomou corpo, principalmente no debate sobre a cobrança da taxa de calçamento e, em seguida, da contribuição de melhoria. Não que a posição pró-urbanismo regulatório fosse totalmente hegemônica, mas, de qualquer maneira, o principal arauto dessa posição, Anhaia Mello, galgou o posto de prefeito indicado pelo novo regime. A crise política de 1932, por sua vez, tornava especialmente delicado o enfrentamento das elites locais. A ação dos administradores municipais, indiretamente indicados pelo governo central, esbarrava nos interesses de proprietários e de promotores imobiliários. De 1930 a 1945, houve duas longas administrações, a de Fábio Prado (1934-38) e a de Prestes Maia (1938-45). Antes deles, vários foram os prefeitos indicados23.O retorno à normalidade constitucional conduziu Fábio da Silva Prado à Prefeitura. Prado foi indicado por Armando Salles de Oliveira, confirmado governador após a promulgação da nova constituição e do pleito que se seguiu. O prefeito continuava a ser indicado pelo governo estadual.

A administração Fábio Prado (7/9/1934-31/1/1938) materializava um novo compromisso político. Além de importantes intervenções viárias, sua principal característica foi a implantação de políticas sociais aliadas a um programa de modernização administrativa, que se revelou bastante efetiva. Deu-se o já mencionado incremento na arrecadação de tributos, que permitiu a essa gestão uma considerável capacidade de investimento. Sua principal marca foi a implantação de grandes e pequenos equipamentos nas áreas de lazer, educacional e cultural. Nesse âmbito, as principais obras empreendidas foram parques infantis, bibliotecas públicas, equipamentos desportivos, educacionais e culturais. Foi durante essa gestão que Mário de Andrade chefiou o

(9)

Departamento de Cultura. Tiveram início as construções da Biblioteca Municipal (posteriormente denominada Biblioteca Pública Municipal Mário de Andrade) e do Estádio Municipal do Pacaembu, concluídos por Prestes Maia.Fábio Prado apresentou também uma faceta de certa ambigüidade a em relação aos principais “paradigmas”urbanísticos então implementados. Durante a sua gestão tiveram espaço tanto Anhaia Mello (consultor) e Arthur Sabóya (Diretoria de Obras), advogados do urbanismo regulatório, quanto Ulhôa Cintra (chefe da Divisão de Urbanismo), de claras posições pró-expansionistas. Em 1936, por exemplo, foi criada uma divisão especificamente para cobrança da contribuição de melhoria. O embate desses “paradigmas” revelava-se também nas posições pró e contra a cobrança dessas taxas. Ele deu, também, andamento à contratação de estudos com vistas à implantação do metrô. Por outro lado, houve grande ênfase às obras viárias, inclusive algumas diretamente ligadas ao Plano de Avenidas de Prestes Maia. Em relação ao próprio Plano de Avenidas, por exemplo, Fábio Prado tanto empreendeu ações que vieram ao seu encontro, quanto outras que justamente o inviabilizaram, pelo menos em relação à proposta física já apresentada. Tal foi o caso, por exemplo, da Biblioteca Pública. Exatamente por ali passava o trajeto do Perímetro de Irradiação, cujo traçado original foi assim inviabilizado. Uma parcela significativa das obras viárias vinha diretamente ao encontro dos interesses da Companhia City, notadamente a abertura Av. Rebouças, a retomada das obras da Avenida Nove de Julho e seu prolongamento até o Jardim América, a abertura do túnel sob Trianon, o início da implantação do Parque do Ibirapuera, o asfaltamento do Jardim América e o calçamento das avenidas Europa e Cidade Jardim. Aliás, favorecimento dessa companhia foi um fator presente também na administração Anhaia Mello e também na Prestes Maia.

Após a instauração do Estado Novo, em 1937, Fábio Prado continuou prefeito por mais alguns meses. Francisco Prestes Maia assumiu a prefeitura em 1/5/1938, permanecendo no cargo até 10/11/1945, totalizando aproximadamente sete anos e meio de gestão ininterrupta. Diferentemente de Fábio Prado, Prestes Maia era totalmente alinhado com os ideais de desenvolvimento urbano rodoviarista, expansionista e liberalizante em relação aos interesses da promoção imobiliária. Foi durante a sua gestão que a idéia de implantação do metrô foi definitivamente postergada em proveito da implementação do seu Plano de Avenidas. Prestes Maia, de maneira muito hábil, evitava confrontos com interesses que pudessem por em risco seus objetivos políticos. Durante sua gestão, um importante instrumental de âmbito federal possibilitou tanto a cobrança da taxa de melhoria quanto a desapropriação com revenda e reloteamento24. Prestes Maia recusou-se a lançar mão desses instrumentos evitando, assim, potenciais conflitos com proprietários ou promotores imobiliários. Posição análoga foi adotada em relação à não-aplicação de um zoneamento de forma mais abrangente. Essa postura de contemporização em relação aos interesses hegemônicos locais, assim como seu renome do ponto de vista técnico, tiveram papel central para sua manutenção no poder por um período tão prolongado.

Nos primeiros anos de sua gestão, houve um grande comprometimento orçamentário devido às importantes obras iniciadas por Fábio Prado, como o prolongamento das avenidas Rebouças e Nove de Julho, a construção do túnel sob o Trianon e do novo Viaduto do Chá . Em seguida, o novo prefeito lançou-se ao seu ambicioso projeto viário. Tendo como principal referência o Plano de Avenidas, que foi revisto, um grande número de obras foi empreendido. Cabe destaque à implantação de grande parte do Perímetro de Irradiação; o início do alargamento da avenida da Liberdade; a complementação da avenida São João; a abertura das avenidas Vieira de Carvalho, Duque de Caxias, Amaral Gurgel e Rui Barbosa; a construção da Ponte Grande (atual Ponte das Bandeiras) e o projeto de retificação do rio Tietê, que futuramente daria lugar às avenidas marginais. Nem todas as obras que figuravam no Plano de Avenidas foram implantadas, como, por exemplo, a avenida Itororó (futura 23 de Maio) ou a ligação do Anhangabaú com a avenida Tiradentes. Muitas dessas obras não realizadas, entretanto constituíram uma agenda de obras viárias que foram realizadas nas décadas seguintes.

Indubitavelmente, a gestão de Prestes Maia significou a superação de um urbanismo de orientação estética e sanitarista em proveito das preocupações viárias. A cronologia dessa metamorfose torna inevitável sua associação com a transformação de São Paulo de capital da economia cafeeira em uma cidade que se preparava para a nova era industrial. A ênfase viária

(10)

consolidou a constituição da territorialidade do automóvel. A retificação do rio Tietê significou o abandono da idéia de uma área verde de lazer e de contenção urbana em prol do modelo de ocupação dos fundos de vale com avenidas. No vale do Anhangabaú, o parque de Bouvard foi transformado num grande estacionamento antes de se tornar o grande eixo viário da ligação Norte-Sul da cidade. Mas a gestão Prestes Maia apresentava também um forte componente de racionalidade administrativa, muito pertinente para o projeto político do Estado Novo.

CONCLUSÃO

A morfologia da cidade de São Paulo, moldada durante o período de 1930 a 1945, resultou numa curiosa combinação de expansão horizontal e verticalização. As grandes intervenções viárias materializaram a opção por um modelo de desenvolvimento urbano baseado no transporte sobre pneus e no crescimento extensivo, retroalimentado pela liberalização dos loteamentos periféricos. A abertura de avenidas, especialmente na área central, de imediato, contornou o problema dos congestionamentos e conseguiu vender a imagem de uma opção racional pelo automóvel que prepararia a cidade para o bem-vindo crescimento ilimitado. As avenidas abriram espaço também para a promoção imobiliária e o processo de verticalização, da mesma forma progressivamente liberalizado.

O período tratado caracterizou-se pela implantação de uma modernização urbanística, cujos instrumentos regulatórios foram progressivamente limitados. Isso pode ser identificado pelas posições vencedoras em todos os principais embates que pautaram o período em questão: a limitação da expansão horizontal, a cobrança da taxa de calçamento e de melhoramento, o controle e limitação do processo de verticalização e a aplicação do zoneamento de forma muito limitada à salvaguarda dos bairros-jardins. Foi também desse período a consolidação de uma opção que implicou grande precariedade para o desenvolvimento do transporte de massa. Essa opção foi sucessivamente confirmada nas décadas seguintes. Em relação aos dois prefeitos de mandato mais longo, há que enfatizar que a gestão Prestes Maia foi de maior duração e dispôs de recursos mais avantajados. O caráter limitado da modernização urbanística por ele empreendida espelhava, de maneira muito clara, as ambivalências e contradições do contexto político, econômico e social brasileiro daquele período. Sob um discurso de racionalidade, um grande número de prementes demandas coletivas foi indefinidamente postergado, ao sabor dos interesses hegemônicos. A modernização empreendida por Prestes Maia foi portadora de uma racionalidade distorcida e desprovida de qualquer traço socializante mais efetivo, portanto, bastante diferenciada da modernização idealizada pelo movimento moderno de então.

Receitas do município de São Paulo

(mil contos de réis)

1920

17

1921

17

1930

80 - 57

1931

52

1932

60

1933

62

1935

76

1936

115

1937

126

1939

150-200

1940

250

Após 1943

quase 250

(11)

Fonte: Quadro montado a partir de citações de Campos, 2002: 487, 507, 578p. Nos primeiros anos, são praticamente absolutos os impostos sobre exportações agrícolas. Em 1930, a taxa de calçamento chegou a representar 20% da arrecadação total. Com a evolução da economia industrial e de serviços ganhou peso o imposto de indústria e profissões. A partir da constituição de 1934, esse imposto passou as ser repartido entre prefeitura e governo do estado e a maior fonte de renda passou a ser o IPTU.

COMPILAÇÃO DE LEGISLAÇÃO

Compilação da legislação com implicação sobre o processo de verticalização, de constituição do zoneamento e de disponibilização de instrumentos para implementação de obras públicas. A legislação referente ao processo de urbanização extensiva consta no próprio texto.

Lei 2.332 de 1920, o Padrão Municipal restringiu a verticalização à área central.

Lei 3.427, de 1929, instituiu o Código de Obras, dividiu a cidade em zonas e definiu regras gerais

de ocupação e normas específicas para cada zona. Artigo 142 “define para os edifícios da zona central a altura mínima de 5m (como na Lei nº2.332/20) e com altura máxima dependendo da largura da via (exata/ como Lei nº2.332)”

1930 IV Congresso Pan-americano de Arquitetos sugeriu a regulamentação da construção e

localização dos arranha-céus.

Ato Municipal nº 58 de 15 de janeiro de 1931 instituiu a Divisão de Censura Estética

Ato Municipal 127, de 1931 (administração Anhaia Mello) restringiu ao uso residencial os bairros

jardins (em 1934 essa norma, posteriormente migrou para o Artigo 40 do Código Arthur Sabóya)

Ato Municipal nº 663 de 1934 (atualizou o Código de Obras, passou a ser conhecido como

Código Arthur Sabóya) Artigo nº 39 e 40 incorporaram o Ato n° 127, de 1931, que estabelecia o zoneamento residencial nos bairros jardins. Artigo 762 reiterou a possibilidade de regularização dos loteamento clandestinos (dada por Henrique Guedes). Reafirmou os limites para verticalização da área central (adotados em 1920) e fora do centro, foi mantido o limite estabelecido em 1929. No centro, esses limites eram restritos, fora dele, prédios de apartamentos continuavam restritos às avenidas mais largas. Deu-se a possibilidade de verticalização suplementar via escalonamento, tetos de 50 e 80 m. Consolidação da censura estética instituída por Anhaia Mello.

Ato Municipal n.1.146 de 4 de julho de 1936 “Em 1936, criou divisão especial para cobrança as

taxas de melhorias” (Campos, 2002: 508)

Lei 3.571 de 1937 definia como residenciais outro conjunto de vias (estendendo Art. 40 do Código

Arthur Sabóya)

Ato 1.366 de 19 fev 1938 estabeleceu gabaritos para altura das ruas do Centro Novo. Não mais

em relação à largura das ruas, como do Código A Sabóya, mas em exigência de um número mínimo de pavimentos (6 na S.Bento; 10 num outro grupo de vias), acima desse limite poderia haver verticalização suplementar via escalonamento com recuo. Não deveria ser ultrapassado o limite de 50m de altura. Nas demais vias a altura máxima seria de 80m. R. Marconi e Xavier de Toledo as fachadas deveriam ser contínuas.

Ato 1.496 de 25 de outubro 1938 regulamentou construções ao longo da Av. 9 de Julho (da Al.

(12)

Decreto-lei federal nº 311 de 2 março 1938 “Extensão a todos os estados e municípios das

facilidades expropriatórias colocadas à disposição da União e do Distrito Federal em 1903 (Decreto Federal n. 4.956 9 set. 1903), por ocasião da reforma Passos no Rio de Janeiro. Agilizando os processos de desapropriação e fixando um limite máximo para as idenizações.” (Ibid.: 599-60p.)

Decreto-lei federal n. 3.665 de 21 julho 1941 “ampliou avanços de 1938 previu desapropriação

com revenda e reloteamento; permitindo a imposição de regras edilícias rigorosas nos lotes resultantes; e autorizando a cobrança de taxas de melhoria” (Ibid.: 561p.)

Decreto lei nº 26, de 6 de abril de 1940 institui vistoria nos elevadores e implementa registro de

elevadores, criado desde 1925

Decreto lei nº 41 de 1940 Estipulou altura mínima de 39m (13 andares), na Av.Ipiranga, com

possível escalonamento até 80m e em casos especiais até 115 ou 135m. Prédios que não atingissem a altura mínima estabelecida arcariam com o acréscimo de 20% no IPTU.

Decreto lei n° 75 de 11 fevereiro 1941 Regulamenta construções na Av. 9 de Julho, estabeleceu

alturas máximas e usos permitidos, autorizando aumentos mediante recuos escalonados

Decreto Municipal nº 163 de 23 outubro 1940 estipulou marquises e revestimentos para os

térreos e tratamento de passeios

Decreto-lei Municipal nº 75 de 11 fevereiro de 1941 definiu alturas mínimas e regulamentos

volumétricos a serem aplicados na Av. 9 de Julho

Decreto Lei nº 92 de 2 de maio de 1941, elaborado depois da implantação do Perímetro de

Irradiação, alterou o perímetro da área central (estabelecido pelo Código de Obras); ampliou alturas máximas para área Central (em função da largura das vias); e estendeu altura mínima obrigatória para 39m (10 pav.+ térreo) a uma lista de logradouros; altura mínima de 22m (6 pavimentos+térreo) a uma outra lista de logradouros

1942 Promulgação da Legislação do Inquilinato

1

Aumento bem superior à inflação do período.

2

Campos, 2002: 254, 258-9, 487p.

3 No estado de São Paulo, por exemplo, em 1931, o café respondia por 90% do valor das exportações; em 1936, esse percentual caíra

para 60% (Ibid.: 494p.)

4

Em 1907, o estado de São Paulo concentrava 15,9% do valor bruto da produção industrial do país, enquanto o equivalente ao estado da Guanabara concentrava 30,2%. Em 1919, esses percentuais já eram de 31,5% contra 20,8%; em 1939 os dados eram de 45,4% e 17% (fonte: Censos Industriais, apud. Cano, 1977: 253p.)

5

Somekh, 1997a: 118p.

6 Em relação ao estado de São Paulo, por exemplo, entre 1908 e 1934 o saldo migratório interno foi de 92.023, ao passo que o saldo

imigratório foi positivo de 391.152. Já no período entre 1935 e 1945, o saldo migratório interno foi de 401.990 ao passo que o saldo de imigrantes foi de apenas 3.027. Fonte: Secretaria da Agricultura, Indústria e Comércio do Estado de São Paulo. Boletim do Serviço

de Imigração e Colonização nºs 1, 1937; 2, 1940; 3, 1941; 4, 1941. De 1941 a 1945, os dados são provenientes do Serviço de

Imigração e Colonização. Crescimento da população no Estado de São Paulo e seus aspectos econômicos. São Paulo, USP/Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (Boletim nº 153, nº 1, vol. II), 1952. Apud. Emplasa, 1980: 143p.

7

A conceituação, aqui utilizada, é aquela da constituição de uma área conurbada extravasando os limites municipais. Emplasa (2001 vol 1: 23p.), por sua vez, afirma que, em São Paulo, esse processo só se firmou após 1940 e se consolidou apenas nos anos 1950’. Souza (1994: 48-9p.) apresenta um balanço sucinto de diferentes propostas de periodização da constituição metropolitana.

8 Langenbuch, 1971.

9 Campos (op.cit.: 236p.) menciona um ofício do prefeito à Câmara Municipal apresentando um dado referente ao ano de 1922,

segundo o qual “dos 124km abrangidos pelas zonas central, urbana e suburbana, apenas 14,5km estavam edificados”.

10

Durante as primeiras décadas do século XX, na verdade, a principal implicação para a prefeitura eram os custos de pavimentação, posto que energia elétrica e transportes estavam a cargo da Light & Power e a infra-estrutura hidráulica e sanitária eram de competência do governo estadual (Ibid.: 236p.).

11 Em 1925, 25% do orçamento municipal se destinava às despesas de reposição do calçamento (Ibid.: 249p.) 12

Ibid.: 251p.

13

Que as ruas tivessem mais de 8m de largura, que as obras de drenagem fossem executadas e que o recuo frontal fosse de no mínimo 10m e os laterais de no mínimo 3m.

(13)

14

Na verdade, em 1936 e 37, uma Lei Estadual, nº 2.509, e dois Atos Municipais, nº1.074/36 e nº1.238/37 instituíram a contribuição de melhoria, mas o prefeito Prestes Maia foi contra a sua aplicação. No mesmo período foi implantada a cobrança de IPTU. A essa nova e poderosa fonte de arrecadação somaram-se os efeitos dos programas de modernização administrativa implantados por Fabio Prado que potencializaram a capacidade de tributação do município. O boom de recursos tanto para o estado quanto para a prefeitura foi estrondoso. Isso explica parte das grandes realizações empreendidas nos anos Prestes Maia.

15

No verão 1924-25 uma forte seca implicou uma crise energética sem precedentes que comprometeu a circulação dos bondes e constituiu um incentivo suplementar à proliferação dos ônibus.

16

Osello, 1986: 81p.

17 Em 1941, eles já ultrapassavam o número de 1.000, ao passo que o número de bondes permanecia na casa dos 500 (Zioni, 2002:

78p.).

18

Parafraseando Fisher, 1994: 61p., onde troquei “políticas urbanas” por “configurações”.

19

Se bem que, em 1940, a importação de cimento ainda fosse significativa.

20

Essa tendência permanecia inalterada até a década de 1950. Um levantamento feito em 1933, apontou que o Rio de Janeiro possuía, então, 122 prédios com mais de seis andares, sendo 60% de uso residencial (Ficher, op.cit.: 64p.).

21 Somekh, 1997b: 70-1p. 22

Decreto-lei federal nº 311 de 2 de março de 1938.

23

Joaquim José Cardoso de Mello Neto (24/10/1930-05/12/1930), Luiz de Anhaia Mello (06/12/1930-25/07/1931), Francisco Machado de Campos (26/07/1931-13/11/1931), novamente Anhaia Mello (14/11/1931-04/12/1931), Henrique Jorge Guedes (05/12/1931-23/05/1932), Goffredo da Silva Telles (24/05/1932-02/10/1932), Arthur Sabóya (03/10/1932-28/12/1932), Theodoro Augusto Ramos (29/12/1932-01/04/1933), de novo Arthur Sabóya (02/04/1933-22/05/1933), Oswaldo Gomes da Costa (23/05/1933-30/07/1933), Carlos dos Santos Gomes (31/07/1933-21/08/1933) e Antônio Carlos Assumpção (22/08/1933-06/09/1934).

24

Decreto-lei federal nº 3.665 de 21 de julho de 1941.

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