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1 Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato:

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Isabela Souza Julio1 e Marina Felisberti2

No dia 15 de julho de 2016, a Turquia, comandada pelo AKP, sofreu uma tentativa de

golpe de Estado, barrada, sobretudo, pelo apoio popular a Erdogan e seu regime de inspiração

islâmica.

A questão da minoria curda que reclama sua autonomia em território turco constitui

também uma questão importante relacionada à crise síria, visto que esse grupo tem se tornado

cada vez mais importante nesse conflito.

A deterioração das relações entre a Turquia e seus aliados ocidentais serviu como

subter-fúgio para que a orientação da política externa turca se voltasse para o leste, em busca de novos

aliados.

1 Graduanda em Relações Internacionais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Contato: isabelasjulio@gmail.com 2 Graduanda em Relações Internacionais pela UFRGS. Contato: marinafelisberti@gmail.com

Apresentação

Membro da OTAN e aspirante a uma vaga na União Europeia, a Turquia, dona de uma posi-ção geopolítica indiscutível e um contingente po-pulacional significativo – mais de 73 milhões de habitantes –, apresenta um modelo social e gover-namental marcado pela convivência entre o Islã, o secularismo, o regime democrático e o desenvolvi-mento econômico, baseado em uma economia de mercado mista. Essa foi a mistura que popularizou, nas últimas duas décadas, Recep Erdogan, atual presidente do país e que se propôs como exemplo aos demais países árabes que buscavam proces-sos políticos de renovação – principalmente, após 2011, com o início dos movimentos da Primavera Árabe.

Em 15 de julho de 2016, a Turquia passou por uma tentativa de golpe de Estado, trazendo à tona sinais concretos de uma atmosfera interna dividi-da. A tentativa de golpe, feita por um minoria polí-tica de tendência Gulenista e apoiada na institui-ção do exército, deparou-se, entretanto, com uma atmosfera popular favorável ao governo de Erdo-gan, que tomou as ruas logo após o seu estopim, desfazendo-se em pouco mais de 24 horas após sua tentativa de instauração. No primeiro momen-to, pareceria natural associar a tentativa de golpe mais recente com aquela vivida pelo país em 1997, principalmente, pela presença da interferência do exército em ambos os momentos, utilizando-se do subterfúgio da defesa dos princípios seculares da

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República da Turquia em uma tentativa de abafar as tendências islâmicas advindas da ordem civil. Entretanto, a análise do fenômeno como uma re-petição histórica mostra-se insuficiente – e bastan-te simplista – para o atual cenário multifacetado da política turca.

Política interna turca: um dilema entre

islamismo e secularismo

Para a análise da política externa turca, principalmente após a tentativa falha de golpe em julho de 2016, se faz necessária a compreensão da sua política interna, uma vez que a estabilidade interna desse país é um importante condicionan-te para as suas ações excondicionan-ternas. Considerando que as esferas interna e externa se mostram interde-pendentes, a condição turca enquanto importante ator regional depende em grande medida do seu desenvolvimento interno (Visentini 2014).

Segundo Visentini (2014), na primeira década do século XXI fatores como a fragmentação político--partidária, o surgimento de movimentos islâmicos contestatórios, a emergência de grupos terroristas, a crise econômica e uma política externa sem uma diretriz clara levaram a um quadro de incerteza. Em 2002, após um governo secularista marcado pelas consequências de uma grave crise econômi-ca, o partido conservador de inspiração islâmieconômi-ca, o Adaletve Kalkinma Partisi (AKP), Partido da Justiça e Desenvolvimento, chegou ao poder vencendo as eleições parlamentares sob a liderança de Recep Tayyip Erdogan. Em 2007, o AKP reelegeu seu pro-jeto de governo, que contava com uma franca ten-dência de aproximação com os valores ocidentais – de democracia, liberalização e modernização –, representado, entre outras coisas, pela pretensão turca de tornar-se membro da União Europeia. No que tange à política interna turca e seus

con-dicionantes, é importante destacar a oposição es-truturante entre secularismo e islamismo, a qual se reflete na sua política externa por meio da sua orientação pró-ocidental, demonstrada no seu in-teresse em ingressar na União Europeia, organi-zação composta majoritariamente por países da maioria cristã, enquanto que a conjuntura interna se mostra pró-islã. No entanto, é importante desta-car a posição do partido que está no poder atual-mente: o AKP, diferentemente dos seus antecesso-res islâmicos, não se posicionou contra o Ocidente. Nesse sentido, houve uma inflexão do antigo “an-ti-ocidentalismo” para o “euro-entusiasmo”. Uma série de reformas em diferentes áreas, como na questão da minoria curda, foram empreendidas a fim da aproximar a Turquia do Ocidente, bem como de possibilitar seu ingresso na UE (Visentini 2014).

As singularidades da política externa

turca: um projeto de modernização e

de resgate histórico

A respeito da orientação da política externa turca, cabe destacar a visão que vem sendo de-senvolvida ao longos dos anos da administração do AKP. Arquitetada por Ahmet Davutoğlu – ex--primeiro ministro da Turquia (2014-2016) –, esta visão descreve o país como central e com capaci-dades de liderança na região do Oriente Médio, re-jeitando, portanto, o alinhamento exclusivo com o Ocidente, estritamente secularista, e a inclinação turca de dar as costas para seus vizinhos muçul-manos. De fato, a Turquia, expandiu seus fluxos co-merciais no Oriente Médio, passou a desenvolver um papel diplomático mais ativo na região, mar-cada por sua “política de zero problemas com os vizinhos”, que implicou, nos últimos anos, numa deterioração das relações com Israel, aliado de Washington, e em uma reaproximação e busca por assinaturas de acordos com Estados não tão bem quistos por seus aliados ocidentais ou pela OTAN,

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como o Irã.

A combinação entre os desenvolvimentos políti-cos dentro e fora da Turquia, os atores envolvidos e suas visões de mundo particulares tem gerado uma política externa autônoma, ideológica, asser-tiva, não comprometida e presunçosa. A Turquia, sob a administração de Erdogan, se comporta como se pudesse utilizar-se de seus vizinhos regio-nais sem oferecer grandes contrapartidas, como se pudesse progredir mesmo afastada de seus parceiros ocidentais, partindo do pressuposto de que tem a história a seu favor, demonstrando uma memória turco-otomana ainda bastante significa-tiva nos dias de hoje. Dialeticamente, entretanto, seu ímpeto de projeção de poder regional e seus posicionamentos duvidosos frente a seus aliados, como na questão do combate ao Estado Islâmico, tem colocado a Turquia em uma posição de isola-mento na região (Visentini 2014; Park 2015).

A tentativa de golpe: um ponto de

in-flexão para a política externa turca?

A situação da política turca é mais comple-xa do que o ecomple-xame conjuntural dos eventos de 15 de julho propõem. O presente Boletim busca apre-sentar uma análise mais intrínseca dos eventos da política turca, não somente sobre as possíveis razões que levaram ao golpe, mas, também, suas consequências para o futuro geopolítico do país. Sob essa perspectiva, três fatores destacam-se na análise: o primeiro, uma crise interna de iden-tidade vivida pelo país. A divisão entre partidos secularistas e partidos de tendência conservadora e islâmica, como o AKP, apoiados pelas camadas sociais, tem como um de seus resultados a criação de uma atmosfera interna de embate, contribuindo para o aumento gradual do autoritarismo do regi-me político vigente – como a censura da mídia e interferências diretas nos processos do judiciário.

A segunda, um approach transacional na busca de novas parcerias, incluindo países como Rússia e China, que, além de diversificarem a pauta de tran-sações turcas, demonstram um esforço turco de estabelecimento de espaço de manobra. Entre as parcerias que criam desconfiança com os aliados ocidentais turcos, como Washington, encontra-se a aproximação Turquia-Irã, com fins estratégicos e energéticos, com quem, aliás, divide interesses conjunturais na Crise da Síria. Por fim, a terceira, uma série de ações externas turcas caracterizadas como erráticas – com avanços e recuos sucessi-vos, contribuindo para a desconfiança de seus aliados e abalando sua posição na OTAN e suas pretensões de, finalmente, ser aceita na União Eu-ropéia.

Portanto, faz-se importante questionar se os acon-tecimentos recentes entre a Turquia e seus aliados ocidentais, principalmente após a tentativa de gol-pe, representam mais do que um momento pon-tual de divergência, que irá corrigir-se ao longo do tempo, ou se as relações turcas com o oeste estão experimentando uma mudança de paradigma de orientação de política externa, caracterizando um distanciamento mais definitivo (Park 2015).

A dinâmica regional e a Turquia

Sua posição geográfica estratégica combi-nada à sua herança histórica fazem da Turquia um país central para a geopolítica mundial. Nos últi-mos anos, especialmente após a eclosão das ma-nifestações no Grande Oriente Médio, o país vem se tornando essencial para a compreensão da di-nâmica na região.

É assentada no pressuposto de que a Turquia pos-sui uma localização geográfica multi-regional e única. Mucznik (2011) afirma que a política exter-na turca regioexter-nal visa projetar sua capacidade de

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gerar estabilidade e segurança a fim de contribuir para a sua política de “zero problemas” na região. Importante destacar que, na perspetiva turca, essa opção estratégica não é incompatível com suas alianças tradicionais, mas sim um complemento. A Primavera Árabe parece ter significado à Tur-quia uma oportunidade de tornar-se um líder re-gional, na medida em que esse país procurou se posicionar tanto como um possível mediador das revoltas árabes, quanto como um modelo político a ser seguido pelos países submetido a processos de transformação. Segundo Mucznik (2011), a onda de revoltas que eclodiu em 2011 significou um teste à Turquia, que diante de tal conjuntura pôde testar sua capacidade de exercer um papel de potência emergente na região. No entanto, tal quadro regional também significou um dilema ao posicionamento turco. O país foi confrontado en-tre a necessidade de apoio às transformações e a manutenção das relações com alguns regimes. A sua postura de apoio às revoltas na Tunísia e no Egito e de resistência com relação à Líbia e à Síria refletem esse dilema. O efeito de alastramento das manifestações na região levou a Turquia a optar por não interferir nos assuntos internos de outro países e de prevenir a escalada da violência e das tensões na região, posição que reforça a sua abor-dagem de “zero problemas” (Mucznik 2011). É nesse contexto que a Turquia inicia seu engaja-mento na crise síria. O país se destaca por ter se envolvido no conflito desde cedo, defendendo a queda do presidente sírio, Bashar al-Assad, apesar dessa posição estar se modificando nos últimos meses, especialmente após a tentativa falha de golpe no país. No complexo conflito que envolve diferentes atores, a Turquia ainda enfrenta uma questão particular contra grupos Curdos que, alia-dos tanto a Washington como a Moscou, buscam por autonomia e pela expansão do seu território e

tante ator nesse conflito.

A questão curda e a crise migratória

A Turquia luta contra as posições da milícias curdas na Síria, as chamadas Unidades de Prote-ção de Povo Curdo (YPG), o braço armado do Parti-do da União Democrática (PYD) e aliaParti-do tradicional de Partido dos Trabalhadores de Curdistão (PKK), perseguido há 30 anos na Turquia por buscar au-tonomia curda no país. Nesse sentido destaca-se a situação da minoria nacional curda, a qual vem de-safiando a identidade turca. A posição do Primeiro Ministro Erdogan, contudo, é de que a sociedade turca, composta majoritariamente por praticantes da religião islâmica, encontra sua identidade maior no islã (Visentini 2014).

Outro ponto que merece atenção ao analisar o en-gajamento turco na crise síria é a questão dos re-fugiados. Desde o início da guerra civil que eclodiu na Síria, um dos temores da Turquia era o intenso fluxo de refugiados na fronteira sírio turca. A insta-bilidade na Síria poderia rapidamente transbordar para a Turquia, levando em consideração a frontei-ra de aproximadamente 800 km entre os dois pa-íses. Nesse sentido, deve ser ressaltado o acordo entre Turquia e União Europeia, firmado no início de 2016, o qual prevê o fechamento da fronteira grega aos refugiados irregulares vindos do territó-rio turco. Desde o dia 20 de março da 2016, os refugiados irregulares seriam devolvidos à Turquia. Segundo o acordo, a prioridade seria dada para os refugiados que não tenham entrado ou tentado en-trar irregularmente na UE (Stratfor 2016).

A nova política externa da Turquia:

mudança de orientação ou criação de

espaço de manobra?

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da tentativa fracassada de golpe no país. Antes do evento de julho de 2016, a política externa turca já apresentava divergências significativas em as-suntos-chave tanto nas agendas estadunidenses quanto nas agendas europeias.

Não pela primeira vez, estão em discussão a com-patibilidade e o comprometimento da Turquia com a OTAN. E, ainda, segundo órgãos do governo ame-ricano, há um crescente desconforto com o discur-so turco em assuntos envolvendo, diretamente, os interesses dos Estados Unidos na região do Orien-te Médio, e que a Turquia, já a algum Orien-tempo, havia parado de agir como aliada dos EUA ou, de forma mais abrangente, em consonância com os valores ocidentais. A recusa da Turquia em participar da coalizão anti-Estado Islâmico, a afinidade entre o AKP e a Irmandade Muçulmana, as suspeitas de apoio turco a grupos jihadistas – principalmente nas questões de repressão dos Curdos –, o apoio turco ao grupo Hamas e sua belicosidade para com Israel, as relações com o Irã e a intenção de aquisi-ção de um sistema de mísseis de defesa chineses aumentaram o ambiente desconfiança e indisposi-ção entre os Estados Unidos e a Turquia, além de colocar em cheque a posição turca como membro da OTAN. Após o golpe, as relações entre Turquia e os Estados Unidos tornaram-se ainda mais impa-cientes, diminuindo substancialmente a margem de barganha turca nas negociações envolvendo os norte-americanos (Park 2015).

As contradições da política regional da Turquia são evidentes. Destacando-se a sobreposição das posturas adotadas pelo governo turco referentes às questões curdas, a inexperiência turca em li-dar mais de perto com os problemas da região do Oriente Médio e na pretensão exagerada de con-trole, estabelecendo-se como potência regional de uma região tão complexa. Tudo isso somado a indisposição dos aliados ocidentais de cederem

mento e de ação unilateral que o governo da Tur-quia vem apresentando.

O distanciamento turco de seus aliados ocidentais, entretanto, não está contido apenas nos assuntos da região do Oriente Médio. Após a tentativa de golpe, os flertes entre Turquia e Rússia tornaram--se mais comuns e, gradativamente, mais preocu-pantes aos olhos de Washington. A não aderência da Turquia às sanções impostas pela União Euro-peia à Rússia, em 2015, e o crescimento de trocas bilaterais Istambul-Moscou são sinais de aproxi-mações pontuais. Além disso, acordos envolvendo questões energéticas, como o desenvolvimento de um gasoduto, que passaria em território turco, evi-tando a região da Ucrânia, e os acordos na área nuclear, reafirmaram a disposição amistosa entre os governos, bem como o desconforto de Washing-ton e demais países do continente europeu. Contu-do, as diferentes posições sobre o conflito sírio es-treitam a possibilidade de uma parceria em níveis mais estruturais de ação conjunta entre estes dois estados. O approach turco com a Rússia, diferen-temente de com seus vizinhos e seus aliados de longa data, tem permanecido pragmático, de bai-xo risco, cooperativo e compartimentalizado. Sua postura com o Irã é semelhante (Sputnik 2016a; Sputnik 2016b).

As retóricas do AKP e, especialmente, de Erdogan, contribuem para a atmosfera de desconfiança en-tre a Turquia e o Ocidente. Na mídia turca pró-go-verno, as declarações de oposição à OTAN, aos EUA e a UE não são raras. Há, ainda, uma tendên-cia contrária às instituições ocidentais por parte de setores sociais turcos significativos, e uma tentati-va franca de maior integração ao mundo islâmico. De algum modo, isso ajuda a explicar o abraço oca-sional da Turquia à Rússia, China e Irã – instâncias tradicionalmente “anti-americanas” –, e, também, o que parece ser um interesse mais limitado do governo do AKP em atender às exigências do

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co tem demonstrado, através de suas ações, um perfil de governo menos liberal do que prometera em sua plataforma de campanha. As reações mais assertivas de Erdogan a qualquer rival ou compe-tidor, interna ou externamente, podem ser vistas sob esta perspectiva, assim como suas declara-ções de intolerância a interferências externas nos assuntos domésticos da Turquia.

Ainda, seria simplista demais declarar que a mu-dança na política externa turca representa uma mudança de orientação para o Leste, ou um distan-ciamento completo do Oeste, tendo em vista que, entre outras coisas, a Turquia tem falhado com muitos de seus vizinhos muçulmanos no próprio Oriente Médio – apresentando posturas passivas frente a questões decisivas, como o conflito sírio e a contenção do Estado Islâmico (Park 2015).

Considerações finais

O movimento de distensão das relações entre a Turquia e o Ocidente parece, em primei-ro lugar, não ser tão somente uma consequência direta da tentativa de golpe, mas de um somató-rio de problemáticas. As relações turcas com seus aliados do Oeste nunca foram calmas, da mesma forma que a frustração da Turquia com o seu pro-cesso de aceitação como membro da UE não é re-cente. Ademais, desde a ascensão do governo do AKP, de orientação muçulmana, as relações com os Estados Unidos oscilam entre altos e baixos, as-sim como o desempenho e as dúvidas a respeito da manutenção da Turquia na OTAN.

Contudo, a posição geográfica da Turquia, seu sta-tus de único país-membro muçulmano e sua con-tribuição em termos de capacidades e operações para a OTAN asseguram o valor do país, mesmo com a sua combinação particular entre o Islã e a democratização, para atores-chave da OTAN, e,

do muito remota a possibilidade de exclusão da Turquia da organização. As aproximações pontuais e pragmáticas com países representantes do Les-te, como a Rússia, mostram-se insuficientes para configurar um cenário de reorientação radical da política externa da Turquia.

O que a tentativa fracassada de golpe revela, na verdade, é o fato da Turquia estar vivendo uma crise doméstica, refletida em sua política externa e agravada pela questão curda. Apesar do suces-so eleitoral do AKP estar assegurado, pelo menos no futuro iminente, a insatisfação de alguns seto-res continua viva e insistente, e suas instituições, como o exército, mostram-se cada vez mais vulne-ráveis. Quaisquer crise econômica, turbulência do-méstica ou, ainda, erros de cálculo mais graves na sua política externa poderiam, mais um vez, abalar a frágil estrutura política do país e suas relações exteriores. Desta forma, a Turquia parece ter se tornado imprevisível, tanto no longo quanto no cur-to prazo.

Cabe ressaltar, ademais, que os instintos de Erdo-gan e de seu partido aparecem como representa-tivos da vontade da sociedade e de seu país. Se, eventualmente, a figura de Erdogan não estiver mais no poder, não há sinais de que grandes alte-rações no curso da política do país seriam feitas. Mais especificamente, há poucos sinais de que a Turquia voltaria a votar por estruturas de governo muito próximas do Ocidente, optando por regimes políticos secularistas, por exemplo. Isso revela, portanto, uma tendência estrutural ao conserva-dorismo, quer ele seja de orientação religiosa ou estadista.

As explicações dos países ocidentais para susten-tarem sua relação com a Turquia são baseadas ou em generalizações ou em questões geográficas e geopolíticas. Entretanto, a questão que a tentativa

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a relação entre Turquia e o Oeste consegue supor-tar as diferenças de orientação política e culturais entre estes atores. A localização geográfica não pa-rece ter muito valor quando seu uso é negado, por exemplo, como durante a invasão estadunidense ao Iraque em 2003.

Dito isso, o jogo de alto risco desempenhado pela Turquia na busca de acordos com Rússia e Irã, principalmente, nas questões envolvendo a Síria e em defesa das fronteiras turcas em meio ao ce-nário de crise, e a sinalização de busca por apoio, através da reorientação momentânea da sua polí-tica externa para o Leste, parecem ter surtido efei-to, criando um espaço para a retomada de ações de cooperação entre Turquia e Estados Unidos no Oriente Médio. Como exemplo, tem-se a operação Escudo do Eufrates, realizada em 24 de agosto, que contou com apoio aéreo estadunidense e, após seu sucesso, contou com declarações esta-dunidenses em defesa das fronteiras turcas contra avanços curdos, que deveriam retornar a região a leste do Eufrates ou perderiam o apoio norte-ame-ricano. Esta é uma sinalização de tímida retomada entre aliados, justamente em um dos pontos de di-vergência entre ambos nos últimos meses: a ques-tão curda e o combate ao Estado Islâmico. Resta saber até quando o clima de retomada das rela-ções entre a Turquia e o Oeste irá durar (Karaveli 2016; Park 2015).

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Referências

BBC Brasil. 2016. Entenda a “miniguerra mundial” em curso na Síria. http://www.bbc.com/portuguese/internacional-37103055 Karaveli, Halil. 2016. “Erdogan’s Journey”. Foreing Affairs.https://www.foreingaffairs.com/articles/turkey/2016-10-17/ erdogan-s-journey

Mucznik, Marta. 2011. “A Turquia: um modelo da inspiração para um novo Oriente Médio?” Relações Internacionais, n. 30, Lisboa.

Park, Bill. 2015. “Turkey’s isolated stance: an ally no more, or just the usual turbulence?”. Chatham House: The Royal Institute of International Affairs, v. 91, n. 3. https://www.chathamhouse.org/publication/ia/turkey-s-isolated-stance-ally-no-more-or-just-usual-turbulence

Sputnik. 2016. “Russian-Turkish ‘Reunion’ Makes West Go Hot and Cold”. https://sputniknews.com/ politics/201610121046261497-russia-turkey-reunion/

Sputnik. 2016. “This is Why Moscow-Ankara Deal on Turkish Stream is a ‘Setback for US”. https://sputniknews.com/ business/201610121046254073-turkish-stream-us/

Stratfor. 2016. “Turkey’s Careful Incursion Into Syria”. Geopolitical Diary.https://www.stratfor.com/sample/geopolitical-diary/ turkeys-careful-incursion-syria

Visentini, Paulo. 2014. O Grande Oriente Médio: da descolonização à primavera árabe. Rio de Janeiro: Elsevier. Taylor, Robert H. The State in Myanmar. Honolulu: University of Hawaii Press, 2009.

Thant Myint-U. Where China Meets India: Burma and the New Crossroads of Asia. New York: Farrar, Straus and Giroux, 2011.

Referências

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