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Saúde e Saneamento: Interfaces possíveis. Adriana Branco Correia Souto* 1

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Academic year: 2021

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Saúde e Saneamento: Interfaces possíveis.

Adriana Branco Correia Souto*1 As pesquisas em torno da malária se difundiram ao longo de todo o século XIX e início do XX e a evolução de suas controversas teorias só conheciam um ponto convergente: a doença tem maior incidência nos locais próximos aos pântanos e lagoas. Assim mesmo antes de ser encontrada, aceita e disseminada a existência do micro-organismo responsável pelo “mal de Laveram” a relação contágio/ambiente já era feita e consequentemente a necessidade de promover a alteração das condições sanitárias através do saneamento.

Com a descoberta da forma de transmissão (homem-mosquito-homem) o combate a doença deveria se organizar em torno evitar a transmissão do parasita Plasmodium2. As formas de contaminação geraram discussão, onde uns preconizavam combater as larvas e os mosquitos; outros defendiam o uso profilático de quinino3; alguns tentavam divulgar as benesses de medidas sanitárias e de saneamento; até aqueles que disfarçadamente opinavam pela “extinção” dos infectados.4

No Brasil o combate ao mosquito foi identificado como essencial ao fim da malária e a defesa em prol do saneamento e dessecamento para combater a insalubridade atingiu seu auge durante a centralização proporcionada pela Revolução de 1930. Foi no governo Varguista que a Segunda Comissão Federal de Saneamento de 1933 promoveu tanto o dessecamento das áreas pantanosas próximas ao distrito federal (Baixada Fluminense) e consequentemente uma ocupação urbana da região a partir dos anos 40, como fortaleceu-se o combate ao mosquito transmissor da malária, através de parcerias, como a efetuada com a Fundação Rockefeller.

A Fundação Rockefeller apoiou a formação de serviços permanentes de higiene, não somente na Baixada Fluminense, onde mantinha postos de combate a malária, como em outras unidades federativas do país. A fundação também financiou projetos de “ensino,

1 UFRRJ, Mestre em desenvolvimento Territorial e Políticas Públicas.

2 Identificado por Charles-Louis-Alphonse Laveran, médico francês, patologista e parasitologista como

Oscillaria. Recebeu, por esse e outros trabalhos posteriores, sobre as doenças causadas por protozoários, o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 1907. (Encyclopedia Britannica Online) e (CAMARGO, 1995: 218).

3 A malária foi tratada com quinino a partir do século XVII, quinino é o extrato da casca da Cinchona, ou

quinaquina, uma rubiácea. ( CAMARGO, 1995: 213).

4 Para maiores informações consultar “ A malária encenada no grande teatro social” de Ernet Plessmann

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pesquisa, profilaxia da malária e da febre amarela. ”A atuação da Rockefeller caminhou junto ao estado e colaborou para “...preencher os espaços vazios de autoridade e repletos de

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Campanhas contra endemias rurais, e contra a malária em particular, são elementos constitutivos da saúde pública no Brasil. Desde o início do século XX, inúmeras ações que incluíam investigação, tratamento e profilaxia do impaludismo foram executadas pelo governo federal e por alguns estados da federação. Uma tradição de pesquisa sobre a malária e demais endemias se constituiu no eixo Rio-São Paulo em especial no IOC a partir dos trabalhos de cientistas como Carlos Chagas, Adolfo Lutz e Arthur Neiva. Entre meados da década de 1910 e meados da de 1920, no rastro do movimento político pelo saneamento rural, a malária juntamente com a ancilostomíase e a doença de Chagas adquiriram status de trindade maldita, entrave à civilização, ou dos principais males que tornavam o Brasil, nas palavras do médico e professor Miguel Pereira em 1916 um imenso hospital. (Hochman, 1998; Lima e Hochman, 1996, apud, HOCHMAN, 2002: 239). A Comissão de 1933 construiu vários gráficos para fazer um demonstrativo da intensidade da malária entre 1922 e 1924 na Baixada Fluminense onde as localidades mais afetadas nesse período foram Porto das Caixas (Itaborai), que chegou a ter 86% de seus moradores atacadas pela doença; Santana do Japuiba (hoje somente Japuiba), com o máximo de 85,4% dos habitantes acometidos e Magé com 16,22%. Os números mais baixos em Magé foram associados, pelo relatório da Comissão de 1933, como resultado de saneamento e dos serviços de defesa das populações realizados pela união em conjunto com a Fundação Rockefeller.

Nesse documento, o relatório dos trabalhos da Comissão de 1933, encontramos a defesa de combinação de esforços para conter a doença. Ao mesmo tempo que deveria ser levada a efeito uma ação continua de extermínio dos mosquitos no período larvário de forma ininterrupta e organizada, os brejos deviam ser aterrados, os rios retilinizados, ampliando os espaços beneficiados pelo saneamento e dessecamento.

Esta formula, combate ao agente transmissor e controle das águas via saneamento e dessecamento foi largamente utilizada em toda a Baixada Fluminense proporcionando uma significativa diminuição dos casos da doença. No entanto a malária nunca foi definitivamente expulsa do território brasileiro, como afirma o pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, Erney Plessmann Camargo, “...a campanha contra a doença atingiu

objetivo de controlar, mas não de erradicá-la. A malária sumiu das cidades e se refugiou em um paiol de pólvora na Amazônia, onde permanece intocada. ” (CAMARGO, 2003: 28).

Segundo esse pesquisador (Camargo), o trabalho realizado nos anos 30 e 40 no Brasil foi essencial para propagar as benesses do combate ao mosquito. A descoberta do Anopheles

Gambiae, natural da África, mobilizou uma intensa companha no nordeste brasileiro.

No fim da década o Gambiae disseminou-se pelo Rio Grande do Norte e por todo o vale do Jaguaribe no Ceará e com ele a malária. Em certos vilarejos 100% da população apresentou a doença que se acompanhava de alta mortalidade, da ordem de 10-20%. Nos primeiros seis meses de 1938 surgiram 100 mil casos novos de malária no estado, com 24 mil mortes. Foi o caos. Crônicas relatam que não havia

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uma única família da região a não vestir luto ao início dos anos quarenta. (CAMARGO, 1995: 224).

A crise endêmica fez o governo de Getúlio Vargas criar em 1939 o Serviço de Malária do Nordeste e entrega-lo ao comando da fundação Rockfeller. Tanto governo como fundação trabalharam de maneira conjunta, aplicando elevados recursos, capital e humano no combate a doença, privilegiando o ataque a forma larvária do mosquito transmissor. Como resultado no ano de 1944, ou seja, cinco anos depois de instaurada a crise, o Gambiae estava extinto na região e a malária controlada. “Foi a primeira vez na história em que se conseguiu a erradicação e extermínio em nível continental de uma espécie transmissora de doença. ” (CAMARGO, 1995: 223).

No entanto o sucesso brasileiro logo foi identificado como resultado de condições específicas, o mosquito era importado e não teve tempo hábil para fazer a adaptação aos larvicidas utilizados. “Com espécies nativas, firmemente estabelecidas em seus nichos há milhares e milhares de anos, as mesmas medidas haviam se mostrado infrutíferas em vários lugares do mundo. ” (CAMARGO, 1995: 223). Estimulando assim a continuidade de pesquisas em prol da eliminação da doença, que vitoriosa pairava a séculos afligindo a humanidade.

A partir da eficiência do verde de Paris5, o investimento em novos inseticidas levou ao DDT (Neocid), desenvolvido como arma química durante a segunda guerra mundial e apesar de efeitos muito promissores mais uma vez foi identificado uma especificidade, sua atuação só obtinha bons resultados em locais minimamente saneados.

...os países de sucesso foram aqueles que já apresentavam um certo desenvolvimento sanitário, em que obras de engenharia hidráulica haviam drenado terras alagadas e que tinham recursos para prover tratamento em massa e manter um serviço de vigilância ativo contra a malária. Mais que isso, países ou regiões em que o mosquito não dispunha de nichos ecológicos alternativos onde pudesse se encastelar. Nesses casos o DDT apenas aplicou o golpe definitivo no mosquito e a cadeia de transmissão da malária, já enfraquecida, rompeu-se definitivamente. Estados Unidos e certos países da Europa erradicaram a malária em alguns anos. Assim foi na Itália, que em cinco anos acabou completamente com a malária, tarefa que não havia conseguido em mais de 400 anos de luta, quando os papas primeiro tentaram recuperar as terras da Campagna Romana. ” (CAMARGO, 1995: 225). Observou-se que o combate ao agente transmissor deveria ser associado a medidas de saneamento, drenagem e dessecamento para que o mosquito não desenvolvesse novas formas de reprodução e adaptação, possível em ambiente alagados ou propensos ao alagamento.

5 Larvicida utilizado no Brasil e no Egito responsável pela eliminação do Anopheles Gambiae nas

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Destarte o controle da malária na região da Baixada Fluminense pode ser associado tanto a fabricação, distribuição e aplicação de inseticidas, como ao saneamento proporcionado pelas intervenções da Segunda Comissão Federal de Saneamento de 1933. A liberação do espaço via dessecamento trouxe a possibilidade de ocupação urbana, fazendo a terra ser ganha das águas e os homens ocuparam o espaço do grande habitat dos mosquitos. Não que esses pequenos seres tenham sido vencidos, só foram forçados a novas adaptações, novos espaços e retornam com força endêmica sempre que convocados pela ausência de vigilância de seus maiores afetados.

Bibliografia

CAMARGO, Ernet Plessmann. A malária encenada no grande teatro social. Estudos Avançados 9 (24), 1995. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ea/v9n24/v9n24a10.pdf, acesso 01 de março de 2016.

CAMARGO, Ernet Plessmann. Malária, Maleita, Paludismo. Ciência e Cultura, vol.55, São Paulo, 2003. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?pid=s0009-67252003000100021&script=sci_arttext, acesso 01 de março de 2016.

COSTA, D. A. Martins. A malária e suas diversas modalidades clinicas. Rio de Janeiro, Lombaerts & Comp., 1885.

DORO, Mariana Ratti. Uma visão geral da Malária: ocorrência, manifestação, prevenção e

principais tratamentos. IQ-UNICAMP, 2011. Disponível em:

http://gpquae.iqm.unicamp.br/textos/T6.pdf.

ENCYCLOPEDIA BRITANNICA ONLINE. Alphonse Laveran, 2014. Disponível em:http://global.britannica.com/biography/Alphonse-Laveran, acesso 01 Março de 2016. GÓES, Hildebrando Araújo de. Relatório apresentado pelo engenheiro chefe da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense. S/E, Rio de Janeiro, 1934.

HOCHMAN, Gilberto. Logo ali, no final da avenida: Os sertões redefinidos pelo movimento sanitarista da Primeira República. História, Ciências, Saúde Manguinhos, vol. V

(suplemento), 217-235 julho, 1998. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59701998000400012, acesso 2 março de 2015.

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___________, Gilberto; MELLO, Maria Teresa Bandeira de; SANTOS, Paulo Roberto Elian dos. A malária em foto: imagens de campanhas e ações no Brasil da primeira metade do século XX. Revista História, Ciências, Saúde, vol. 9 (suplemento):233-73, Manguinhos, Rio de Janeiro, 2002.

PORTO, Hélio Ricardo Leite. Saneamento e Cidadania: Trajetórias E Efeitos Das Políticas Públicas De Saneamento Na Baixada Fluminense. UFRJ – Ippur, 2001. (Dissertação de Mestrado).

Referências

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