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ENSINAR E APRENDER BRINCANDO: AS LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA

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79 ENSINAR E APRENDER BRINCANDO: AS LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA

VICTOR LAGE – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP) Laboratório de Atividade Física e Saúde (LAFIS-FAMERP)

Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH)

RESUMO: Atividades relacionadas à prática das lutas nos diferentes contextos, com vivências e discussão dos seus possíveis processos de ensino e aprendizagem, por meio de jogos e brincadeiras envolvendo as lutas de maneira lúdica, fornecendo recursos pedagógicos para Professores de Educação Física ou educadores em academias/dojos.

Palavras-Chave: Lutas; Educação; Motricidade Humana.

A proposta deste minicurso é um fruto dos trabalhos desenvolvidos junto ao Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF-UFSCar), o qual permitiu o contato com diferentes abordagens perspectivas para as lutas junto a motricidade humana.

Neste contexto da motricidade, discutiremos quais elementos suleiam nossas perspectivas e as diferentes formas de atuação para as lutas.

Segundo Elenor Kunz (2004), o movimento humano, ainda hoje, tem sido interpretado a partir das ciências naturais, ou seja, tem sido compreendido como um fenômeno físico que pode ser reconhecido e esclarecido de forma simples e objetiva, independente, inclusive, do próprio ser humano que o realiza, apresentando-se muitas vezes como um estudo do deslocamento do corpo ou de partes deste em tempo e espaço determinado, a capacidade do rendimento físico, a aprendizagem e a performance motora: quantificando, comparando, padronizando e universalizando estes movimentos, muitas vezes dentro de campos restritos de disciplinas como: fisiologia, cinesiologia, biomecânica.

Tais análises privilegiam apenas a forma e a função do corpo humano, ao invés do ser humano e sua motricidade, ou seja, suas experiências culturalmente contextualizadas, a complexidade que engloba o ser que se movimenta intencionalmente, pois a motricidade supõe uma visão encarnada do ser humano e, segundo Manuel Sérgio (1994, p.33) é “difícil de ser apreendida, a partir da perspectiva da ciência clássica, porque requer modificações significativas de muitos conceitos e ideais clássicos”.

Em meados da década de 1980, surge uma proposta crítica sobre este conceito de ser humano e movimento, e ficou conhecida como Ciência da Motricidade Humana, proposta pelo filósofo português Manuel Sérgio Vieira e Cunha1, que teve grande repercussão, tanto em Portugal, originando a mudança do nome da Faculdade de Educação

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80 Física e Desporto da Universidade Técnica de Lisboa para Faculdade de Motricidade Humana, como no Brasil, onde Manuel Sérgio atuou como professor convidado da UNICAMP, bem como realizando inúmeras palestras e conferências em eventos da área, culminando, entre outras coisas, com a criação de cursos de pós-graduação e sociedades científicas sob o título Motricidade Humana.

Os trabalhos deste filósofo iniciam sua discussão debatendo o paradigma cartesiano de ser humano fragmentado em corpo e mente, legado de uma visão mecanicista, na qual Sérgio (1996) afirma ser:

...evidente que o corpo humano não é o que a fisiologia descreve, nem o que a anatomia desenha, nem o que a biologia, em suma, refere. Porque o corpo é a materialização da complexidade humana. (...). De facto, ninguém tem um corpo. Há uma distância iniludível entre mim e um objecto que possuo: posso deixá-lo fora, sem deixar de ser quem sou. Com meu corpo não sucede o mesmo: sem ele, eu deixo de ser quem sou. Por isso, o meu corpo não é físico, no sentido cartesiano do termo (...), mas o fundamento de toda a minha existência da minha própria subjetividade... (p.125).

Assim, neste novo paradigma, rompe-se com a dicotomia do ser e se estabelece uma compreensão de corpo encarnado, conforme apresentada por Merleau-Ponty (1969), ou seja: um corpo que olha todas as coisas e que também é capaz de olhar a si, que se vê vidente, que se toca tateante. Um corpo que não é objeto para um “eu penso”; ele é um conjunto de significações vividas, pois, como afirma Merleau-Ponty (1996):

não reúno as partes de meu corpo uma a uma; essa tradução e essa reunião estão feitas de uma vez por todas em mim: elas são meu próprio corpo (...). Mas eu não estou diante de meu corpo, estou em meu corpo, ou antes sou meu corpo (p.207-208).

Nesta perspectiva, há um corpo (encarnado) e não um físico (no sentido cartesiano) que se move pela reunião de partes e na ignorância de si, porém irradiando de um si, percebido no pano de fundo do mundo, com a coesão de uma coisa, de um anexo ou um prolongamento dele mesmo, incrustados na sua carne, pois o corpo é o lugar de todo o diálogo que envolve o eu e o mundo, que se movimenta não mecanicamente, mas que é todo em tudo que faz (MERLEAU-PONTY, 1969; 1996).

A Motricidade Humana, segundo Luiz Gonçalves Junior, Glauco Nunes Souto Ramos e Yara Aparecida Couto (2003), concebe o ser de modo integral

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81 dos existenciais básicos: afetividade, compreensão e expressão, que estão sempre numa mesma dimensão de importância, sendo equiprimordiais, pois são fundantes da constituição do ser; são modos de existir-aí" (p.28).

Ou seja, da Educação Física para a Motricidade Humana partimos do corpo-objeto para o corpo-sujeito, o corpo encarnado, no qual as “essências, o sentido e a significação do Mundo e das coisas alcançam-se, tão só, através da percepção” (SÉRGIO, 1994, p.28).

Este mesmo Ser Humano que percebe e dirige a sua intencionalidade ao Outro e ao Mundo, na perspectiva da Motricidade não é entendido como um projeto cumprido, acabado, uma existência determinada, dotada de um sentido polarizado por fora, para o

não-eu, mas sim como uma consciência, por uma disponibilidade, para a busca de um sinal e uma

significação que excedem a Natureza; tem a essência de um ser aberto na busca da “transcendência” (SÉRGIO, 1994, p. 24), da possibilidade do ser-mais, do experimentar

mais, conhecer mais sobre Si, sobre o Outro e o Mundo por uma indivisibilidade entre o

ser-mundo.

Em suma, conforme proposição de Sérgio (1999), entendemos Motricidade Humana como o “movimento intencional da transcendência, ou seja, o movimento de significação mais profunda” (p.17) em que o essencial “é a experiência originária, donde emerge também a história das condutas motoras do sujeito, dado que não há experiência vivida sem a intersubjetividade que a práxis supõe. O ser humano está todo na motricidade, numa contínua abertura à realidade mais radical da vida” (p.17-18).

Kunz (2004) também contribui em nossas reflexões sobre as lutas no contexto da motricidade, com sua proposta crítico-emancipadora, baseada na fenomenologia existencial e na pedagogia dialógica, que entende movimento humano como “experiências significativas e individuais, onde pelo seu Se-movimentar o indivíduo realiza sempre um contato e um confronto com o Mundo material e social, bem como consigo mesmo” (p.165).

Segundo Kunz (2004):

a Pessoa do “se-movimentar” não pode simplesmente ser vista de forma isolada e abstrata, mas inserida numa rede complexa de relações e significados para com o Mundo (KUNZ, 2004, p.174)

A partir daí, educador/a e educando/a vão desenvolvendo o seu poder de captação e de compreensão do mundo que lhes aparece em suas relações com ele, não mais

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82 como uma realidade estática, mas como uma realidade em transformação, em processo, no mundo.

De certo, ao tentarmos objetivar nossas ações como educadores/as nas escolas, bairros e comunidades, deparamo-nos com diversas dificuldades: especialmente as nossas como pessoas em construção e as impostas pelo sistema de dominação, que nos condicionam.

Condiciona-nos, mas como seres históricos, inconclusos e incompletos, de

vir-a-ser, não nos limita, sendo sempre possível a transformação nossa, da escola e mesmo do

mundo.

Cientes, portanto, de ideologias dominantes que permeiam o saber da Educação Física, em particular a quase hegemonia da visão dicotômica do ser e do conteúdo esportivo nas aulas em ambientes escolares e não escolares.

Segundo Irene Conceição Rangel Betti (1995) os próprios estudantes costumam estabelecer uma identificação imediata do significado do componente curricular Educação Física com o esporte. Para a autora não haveria problemas nisso, desde que houvesse oportunidade para o conhecimento de outras práticas, e o indivíduo tivesse condições de optar por elas. No entanto, na escolha dos conteúdos encontra-se pouca variedade nas modalidades esportivas, e por vezes um mesmo grupo de modalidades (ou ainda apenas uma modalidade) se repetem ano após ano, sem alterações.

Em acordo, Gonçalves Junior (2007) comenta ser comum nas aulas de Educação Física a predominância do esporte como conteúdo por vezes exclusivo, o que acaba por reduzir o universo da cultura corporal, circunscrevendo-o, não raro, ao contexto cultural estadunidense e/ou europeu do futebol, voleibol, basquetebol e handebol, em detrimento das potencialidades que podem ser exploradas ao propor a vivência de outras práticas corporais (jogos, brincadeiras, danças, lutas), oriundas da diversidade cultural de diferentes povos que construíram e constroem o Brasil além dos europeus, tais como os indígenas e africanos.

Além da excessiva ênfase da educação física escolar em modalidades esportivas, as próprias lutas, segundo Felipe Marta (2004), têm sofrido com o fenômeno da esportivização2 no Brasil, desencadeado especialmente pelo processo de massificação do esporte pela mídia, sobretudo via cinema e televisão.

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“Supervalorização da competição e do elemento espetacular-visual costumeiro no âmbito do esporte de rendimento, vinculado ao interesse da exibição de performance para outrem ou de busca estética compulsiva ao aspecto físico massificado e padronizado pelos meios de comunicação, em detrimento da realização de práticas corporais autônomas e significativas, desenvolvidas pelo prazer desencadeado por elas mesmas, com satisfação pessoal intrínseca” (RODRIGUES e GONÇALVES JUNIOR, 2009).

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83 Ainda Marta (2004), ao dissertar sobre a o Taekwondo, luta de origem coreana, relata que, apesar de na atualidade muitas pessoas aderirem à prática de uma luta pelo interesse na cultura, outros interesses vinculam-se a tal iniciativa, entre eles a prática pela prática, o convívio social, entre outras, o que pode, no ocidente em geral, e mais especificamente no Brasil, conforme sua apropriação e desenvolvimento, até mesmo contrariar as suas raízes originais.

Por conseguinte, em nossa proposta com lutas no contexto da motricidade também nos defrontamos com: a dificuldade da introdução de conteúdos não esportivos na educação física escolar ou não escolar; a necessidade do respeito à diversidade cultural; o perigo da esportivização.

Na perspectiva que ora propomos é fundamental dialogar sobre o conhecimento dos/as educandos/as acerca das lutas, partindo do seu mundo-vida, respeitando sua cultura e seus “saberes de experiência feitos” (FREIRE, 1996), procurando envolver a todos da comunidade.

Conhecer o bairro e sua realidade política, social, econômica e cultural é fundamental nesta proposta de trabalho, para estabelecermos empatias com a comunidade e possibilitar-nos contato com o cotidiano dos seus moradores, observando seus costumes e hábitos, brincadeiras, jogos, e lutas, a partir do qual se torna possível elaborar e desenvolver um conjunto de atividades num formato historicamente distinto daqueles utilizados no ensino e aprendizagem das lutas3.

Sensei Kazuo Nagamine (2004), em uma palestra sobre as lutas e suas relações com a saúde e educação, discutiu a etimologia da palavra “Budô”4, muito utilizada para designar o conjunto de lutas de origem nipônica e o sentido atribuído a elas.

Na sua investigação, Sensei Nagamine, ao desmembrar o kanji5 desta palavra,

Budô = , no qual: Bu = , que é constituído pelos kanji = “parar, prevenir”;

= “arma”; e = Do/Tao, que pode ser interpretado como “caminho”, demonstrou-nos

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O histórico das lutas nos apresenta uma grande aproximação com as características de ensino de ambie ntes militares, havendo fragmentação do corpo (físico e mente), sistematização dos exercícios em prol da disciplina e sobrevivência, práticas de punição àqueles que falham ou não se submetem aos superiores. Tais características se dão, particularmente, devido a serem voltadas as lutas à guerra, em muitas das culturas nas quais se originaram.

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Budô é entendido como “essência/espírito” das lutas orientais. Ressaltamos que arte marcial é a tradução mais aproximada e usual para o ocidente, e decorre de “Marte”, deus da guerra para os gregos. No entanto, a expressão ocidental arte marcial vincula-se geralmente a técnicas de defesa pessoal, relacionadas ou não a preparação militar, e, portanto, não contempla a amplitude do sentido vinculado ao Budô no presente estudo, que envolve uma sabedoria de vida ou modo de viver. (LAGE, 2005)

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84 que a etimologia nos possibilita apreender tais lutas como um caminho para “prevenir a luta”, entendimento que permite uma percepção mais profunda das lutas originadas no oriente, num sentido que transcende a compreensão formal da técnica para o combate “contra o outro”, para a ética e autosuperação pessoal, numa atitude de enfrentamento da vida e seus desafios em busca da paz no/do ser humano.

A transformação desse sentido se percebe na própria modificação dos kanji que compunham o nome de algumas lutas japonesas, por exemplo, o “Karatê Jutsu” passa para “Karatê-Do”, o “KenJutsu” passa para “KenDo”, dentre outras, substituindo o kanji = Jutsu (técnica, habilidade) pelo kanji Do/Tao.

Na presente proposta, as vivências em lutas no contexto da Motricidade Humana são desenvolvidas por meio de brincadeiras estruturadas com os próprios participantes ou mesmo, propondo-se alguns temas, construindo e combinando-se em grupo as possíveis situações e “regras”, junto com as implicações acerca das decisões tomadas pelo próprio grupo.

O questionamento dessas influências e a proposta a partir das brincadeiras, segundo Dulce Mara Critelli (1981), se fazem na preocupação com a educação mesma e não com o nosso engajamento num apenas construir técnicas e métodos de ensinar.

Gonçalves Junior, Ramos e Couto (2003) entendem que a instrução e a educação são fenômenos distintos. A primeira preocupa-se com o treinar, o adestrar, o informar... Enquanto que a segunda prima pelo tirar de dentro para fora, como indica a etimologia da palavra, proveniente do latim: ex-ducere, ou seja, “o sair de um estado de existência para outro” (p.30). Assim, a educação tem como fundamento o cotidiano da existência do ser, do ser-com-os-outros, do estar solícito, do colocar-se na perspectiva do outro e estabelecer a intersubjetividade.

Esta solicitude nos remete a Martin Heidegger (1981), que discute as relações do ser-com-os-outros, afirmando a importância de relacionar-se com alguém de maneira envolvente e significante, que:

imbrica as características básicas do ter consideração para com o outro e de ter paciência com o outro. Ter consideração e paciência com os outros não são princípios morais, mas encarnam a maneira como se vive com os outros, através de experiências e expectativas. Há duas maneiras extremas de solicitude ou de cuidar do outro, onde existem, obviamente, também inúmeras variações. Uma delas é o (...) “por o outro no colo”, “mimá-lo”, fazer tudo pelo outro, dominá-lo, manipulá-lo ainda que de forma sutil. A outra maneira de cuidado para com o outro é o (...) possibilitar ao outro assumir seus próprios caminhos, crescer, amadurecer,

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85 encontrar-se consigo mesmo. Todas as maneiras de indiferença, apatia, falta, competição – sintomas aliás, muito atualizados em nossa vida de grandes cidades – são maneiras deficientes da primordial característica fundamental – solicitude (p.19-20).

Desta maneira, o ser-com-os-outros cotidiano mantém-se entre dois extremos de solicitude – aquele que salta sobre o outro e o domina, e aquele que salta diante do outro e o liberta (HEIDEGGER, 1981).

Partindo desse entendimento, torna-se importante para o/a educador/a sentir/perceber esta solicitude na esfera educacional na qual está inserido com-o-outro (educando/a) e atuar de forma a não “saltar sobre o outro”, mas sim “diante do outro”, respeitando suas experiências e compreendendo-o como ser em construção dialética com o mundo, portanto, sendo-com-os-outros-ao-mundo.

Paulo Freire (2005) nos alerta que não há diálogo sem humildade, e esta última, aliada à solicitude apresentada por Martin Heidegger (1981), torna-se fundamental no ato de educar. Diferente da expressão conhecida como “dar voz” aos/as educandos/as, é necessário ouvi-los, reconhecer o Outro e a sua possibilidade de ser mais, partindo do entendimento de que a autossuficiência é incompatível com o diálogo, e a própria educação “não pode ser um ato arrogante” (FREIRE, 2005, p.92).

Consideramos que o constante diálogo entre todos favorece ao desenvolvimento de processos educativos relacionados a autonomia, cooperação, solidariedade, respeito e, partindo do saber de experiência feito, no qual o planejamento e desenvolvimento das atividades exigirá uma participação contínua e ativa dos integrantes, os quais propõem, modificam, criam, discutem e dialogam sobre diversos conteúdos da Educação Física, como as brincadeiras, os jogos e também as lutas.

Os jogos e brincadeiras são atividades entendidos por nós como uma interessante possibilidade de intervenção para as lutas. O lúdico como expressão humana de significados da/na cultura referenciada no brincar consigo, com o outro, com o contexto, reflete as tradições, os valores, os costumes e as contradições presentes em nossa sociedade. Assim o lúdico é construído culturalmente e oferece oportunidade para (re)organizar a vivência e (re)elaborar valores (PINTO, 2007), questionando que tipo de lúdico está sendo provido nesta sociedade e, nesta esteira, que brincadeiras e lutas.

Sobre o tema, Pinto (2007) rechaça a escolha de brincadeiras com perspectivas utilitaristas, como um meio de “evasão da realidade” (p.143), mascarando injustiças sociais e

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86 estimulando a passividade, sublinhando as ideologias dominantes perceptíveis na sociedade de consumo.

Na presente proposta, as vivências em Karatê-Do na escola serão estruturadas com os próprios participantes ou mesmo, propondo-se alguns temas, construindo e combinando-se em grupo as possíveis situações e “regras”, junto com as implicações acerca das decisões tomadas pelo próprio grupo.

Para brincar, segundo Silvino Santin (2001), não precisamos de treinamento, de instrução, de iniciação; quem brinca gosta de liberdade de sonhar e de inventar, o que significa sentir, amar, viver e vibrar, e não executar tarefas; é uma experiência pessoal, não se trata apenas de uma emoção, de um sentimento, um prazer, mas de um conjunto de valores que são experimentados por aquele que brinca. Nela “não se excluem o esforço, o sacrifício, a frustração, porque fazem parte da paisagem lúdica que é uma forma de viver” (p.57).

Sendo assim, não consideramos as práticas culturais como lúdicas em si, mas a “interação do sujeito com a experiência vivida, que possibilita o desabrochar da ludicidade” (GOMES, 2004, p.145), ou, em outras palavras, não se pode dizer que “há uma atividade lúdica, pois não são as atividades, mas os valores vividos e realizados por aquele que brinca que torna lúdica a ação” (SANTIN, 2001).

Partindo desta concepção de lúdico como experiência vivida, o lúdico pode ser entendido como linguagem humana, podendo manifestar-se de diversas formas: oral, escrita, gestual, visual, artística, dentre outras; e ocorrer em todos os momentos da vida: no trabalho, lazer, escola, família, política, ciência etc. (GOMES, 2004).

A brincadeira apresenta imprecisões na sua definição, porém, neste estudo, a compreendemos como possibilidade para o lúdico, o qual é um componente da cultura historicamente situado e pode significar uma “experiência revolucionária” (GOMES, 2004, p.144), pois permite ao ser humano não só consumir cultura, mas também criá-la e recriá-la, vivenciando valores e papéis externos a ela, significar o próprio mundo, desconstruir e re-construir a realidade (MARCELLINO, 2003).

Portanto, este consumo e (re)criação da cultura levantam discussões sobre quais brincadeiras estão sendo contemplados nas escolas, centros comunitários, espaços de lazer em geral (clubes, academias, etc.), na própria mídia (revistas, gibis, televisão, etc.) dentre outros, e quais as concepções de ser humano e sociedade explícitos ou implícitos em suas vivências, pois, seja nos bairros centralizados, nas praças, nos condomínios fechados, nos quintais ou nas escolas, as brincadeiras ocorrem entre as mais diversas pessoas e faixas

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87 etárias, as conversas entre si, revivendo brincadeiras antigas, populares, do bairro ou comunidade, criando e recriando/inventando outras; combinando, discutindo e interpretando a multiplicidade de oportunidades envolvidas nelas, tornando-as relevantes como prática social a ser investigada, bem como as suas possíveis relações a outras manifestações culturais: as lutas.

O questionamento dessas influências e a proposta a partir das brincadeiras, segundo Dulce Mara Critelli (1981), se fazem na preocupação com a educação mesma e não com o nosso engajamento num apenas construir técnicas e métodos de ensinar.

Luiz Gonçalves Junior, Glauco Nunes Souto Ramos e Yara Aparecida Couto (2003) entendem que a instrução e a educação são fenômenos distintos. A primeira preocupa-se com o treinar, o adestrar, o informar... Enquanto que a preocupa-segunda prima pelo tirar de dentro para fora, como indica a etimologia da palavra, proveniente do latim: ex-ducere, ou seja, “o sair de um estado de existência para outro” (p.30). Assim, a educação tem como fundamento o cotidiano da existência do ser, do ser-com-os-outros, do estar solícito, do colocar-se na perspectiva do outro e estabelecer a intersubjetividade.

Reconhecemos os desafios e crenças dispostos anteriormente neste texto, mas identificamos como primordiais a elaboração e execução comprometidas de novas perspectivas no trabalho com a Educação Física e com as lutas particularmente.

Neste olhar, educar torna-se diferente do instruir e do treinar, muito utilizados nas práticas das lutas quando esportivizadas, os quais trazem consigo relevância ao “resultado” e não ao “processo”.

Consideramos que o contato e conhecimento de diferentes lutas e culturas nos permitirem também (re)conhecer melhor a nossa própria, possibilitando-nos o aprendizado do significado de usos, costumes, tradições, desenvolvendo respeito e valorização ao invés de preconceito e discriminação, incluindo nisto, as abordagens pedagógicas para construção do saber envolvido nas lutas.

REFERÊNCIAS

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CRITELLI, Dulce M. Para recuperar a educação: uma aproximação à ontologia

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88 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 31. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. HEIDEGGER, Martin. Todos nós... ninguém. São Paulo: Moraes, 1981.

KUNZ, Elenor. Educação física: ensino & mudanças. Ijuí: Unijuí: 2004.

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MARCELLINO, Nelson C. Lúdico, educação e educação física. 2 ed. Ijuí: Unijuí, 2003. PINTO, Leila M. S. de M.; Vivência lúdica no lazer: humanização pelos jogos, brinquedos e brincadeiras. In: MARCELLINO, Nelson Carvalho (Org.). Lazer e cultura. Campinas: Alínea, 2007. p.171-193.

MARTA, Felipe E. F. O caminho dos pés e das mãos: taekwondo, arte marcial, esporte e a colônia coreana em São Paulo (1970-2000). São Paulo, 2004. Dissertação (Mestrado em História Social) – Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo.

MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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LAGE, Victor. Karatê-do: a sabedoria de um modo de viver. Relatório (Iniciação Científica – PIBIC/CNPq) – UFSCar/SP, 2005.

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89 ______. Motricidade humana: contribuições para um paradigma emergente. Lisboa:

Instituto Piaget, 1996.

______. Um corte epistemológico – da educação física à motricidade humana. Lisboa: Instituto Piaget, 1999.

Referências

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