Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXIV, nº 94, pág. 27-32, Abr.-Jun., 2012
Recebido a 29/09/2011 Aceite a 10/01/2012
Artigo de Revisão / Review Article
Lesões Císticas Cervicais: O Trinómio
Radiologia-Anatomia-Embriologia
Cervical Cystic Lesions: Radiology-Anatomy-Embriology
José Traila Campos
1, Diogo Monteiro Rocha
1, Rui Ramos
2, Daniela Pinto
1, João Calheiros Lobo
11
Serviço de Radiologia, FMUP, H.S. João, Porto, Portugal
2Serviço de Radiologia, H. D. Santarém, Portugal
Resumo
Objetivo: Discutir e ilustrar os achados imagiológicos em TC e RM das lesões císticas cervicais. Identificar os achados imagiológicos típicos. Realçar a importância do estudo da anatomia e embriologia para o diagnóstico diferencial.
Introdução: As lesões císticas na cabeça e pescoço são entidades relativamente raras, mas cada vez mais encontradas como achados ocasionais por diferentes técnicas de imagem.
A avaliação por TC e RM, são muitas vezes os passos subsequentes necessários para elucidar a etiologia e extensão profunda da lesão.
Achados imagiológicos: A topografia típica, a sua extensão, as características imagiológicas em adição às informações clínicas ( como a idade e sintomatologia), permitem discernir o diagnóstico diferencial das lesões císticas cervicais nas suas categorias: Cisto do ducto tireoglosso, cistos das fendas branqueais, cistos dermoides e epidermoides, cistos de retenção mucosa, cisto de Thornwaldt, linfangioma, rânula, laringocelo, adenomegalias císticas, cistos tiroideus, de retenção e salivares.
Conclusão: A Imagiologia através das suas diferentes técnicas, permite, devido à existencia de características distintivas, podem fazer um diagnóstico diferencial entre todo o espectro de lesões císticas do pescoço. As técnicas de imagem também permitem a avaliação da extensão profunda tecidual, essenciais para a avaliação pré-cirurgica e prognóstico clínico.
Palavras-chave
Ressonância Magnética (RM); Tomografia Computarizada (TC); Pescoço; Cística.
Abstract
Objective: To discuss and illustrate the imaging findings on CT and MRI of cervical cystic lesions. To identify the typical imaging findings. To highlight the importance of studying the anatomy and embryology to the differential diagnosis.
Introduction: Cystic lesions of the head and neck are relatively rare entities, but increasingly found as incidental findings on different imaging techniques. The evaluation by CT and MRI, are often the subsequent steps necessary to elucidate the etiology and the extent of the lesions.
Imaging features: The typical topography, its length, the imaging features in addition to clinical information (such as age and symptoms), allow to discern the differential diagnosis of cervical cystic lesions in their categories: thyroglossal duct cysts, branchial cleft cysts, epidermoid and dermoid cysts, mucous retention cysts, Thornwaldt cyst, lymphangioma, ranula, laryngocele, cystic lymph node enlargement, thyroid cysts and salivary cysts.
Conclusion: The imaging through its various techniques, allows, due to the existence of distinctive features, the differential diagnosis of the entire spectrum of cystic lesions of the neck. Imaging techniques also allow assessment of the deepness of tissue extension, essential for assessing pre-surgical and clinical prognosis.
Key-words
Magnetic Resonance (MR); Computed Tomography (CT); Neck, Cystic.
Introdução
As lesões císticas na cabeça e pescoço são entidades
importantes que estão cada vez mais encontradas como
achados ocasionais nas mais diferentes técnicas de imagem.
A história clínica e o exame físico do paciente são os
factores mais importantes na avaliação de uma massa
cervical congénita.
Um conhecimento adequado da embriologia e da anatomia
da região cervical frequentemente permite a redução dos
possiveis diagnósticos diferenciais.
A ecografia pode ser a modalidade de imagem usada pela
primeira vez, demonstrando a natureza cística da lesão.
A avaliação por TC e RM, são muitas vezes os passos
subsequentes necessários para elucidar a etiologia e
extensão profunda da lesão.
Lesões císticas cervicais
Cisto do ducto tireoglosso
A massa cervical congénita mais comum é o cisto do ducto
tireoglosso (70%).
É o remanescente do ducto tireoglosso que se origina entre
o foramen cego da base da língua e a glândula tiróide.
(Fig. 1)
O cisto da 2a fenda branquial é o mais comum,
representando cerca de 95% de todas as anomalias
branquiais [5].
A sua localização é típica, a nível do ângulo da mandíbula.
Na TC e RM, visualiza-se uma lesão cística no ângulo da
mandíbula deslocando o músculo esternocleidomastóideo,
posteriormente, a artéria carótida e a veia jugular
Fig. 1- Embriologia do canal tireoglosso. A seta revela a localização
mais típica do cisto do canal tireoglosso.
Se o ducto não involuír completamente, pode-se originar
um cisto do ducto tireoglosso. Cerca de 80% dessas lesões
situa-se ao nível ou inferiormente ao osso hióide, a nível
do músculo esternohioideu e esternotiroideu [1].
A massa cística de baixa densidade na linha media, contida
pelos grupos com musculares, de parede fina e lisa, bem
definida é característica.
Ocasionalmente, podem ser encontradas septações e uma
captação periférica de contraste [2,3,4](Fig. 2 e 3).
Cistos das fendas branquiais
As anomalias das fendas branqueais são originadas pela
hipotética obliteração incompleta de uma parte do
complexo branquial. (Fig. 4)
Um cisto branquial da 1a fenda surge a partir do tracto
residual embrionário que se estende do canal auditivo
externo através da glândula parótida, até à região
submandibular.
Existem dois tipos característicos para sua localização:
Tipo 1- periauricular e tipo 2- periparotídeo
Fig. 2 - Cisto do ducto tireoglosso. Cortes axiais de TC pós-contraste
revelando lesão hipodensa com anel de captação periférica a nível hioideu ( seta).
Fig. 3 - Cisto do canal tireoglosso. Aquisições axiais, coronais e sagitais,
em sequências T1 e T2 fatsat, demonstrando lesão hipointensa em T1 e hiperintensa em T2- seta.
medialmente e a glândula submandibular anteriormente.
(Fig. 5, 6 e 7)
Os cistos da 3a e 4a fenda branquiais são raros.
Os cistos da 3a fenda branqueal apresentam-se no espaço
posterior cervical posterior, posteriormente ao músculo
esternocleidomastóideo.
Os cistos da 4a fenda branqueal são habitualmente tractos
sinusais que surgem a partir do seio piriforme, através da
membrana tireohióidea e descem para o mediastino através
do recesso traqueoesofágico [6].
Fig. 5 - Cisto da 2a fenda branqueal. Imagens axiais e sagitais,
ponderadas em T1 e T2 fatsat, demonstrando lesão cística (seta),a nível do ângulo da mandíbula entre o ECM e o eixo carotídeo-jugular.
Fig. 6 - Cisto da 2a fenda branqueal. Imagens coronais, ponderadas em
T1 e T2 fatsat, demonstrando lesão cística ( seta),a nível do ângulo da mandíbula entre o ECM e o eixo carotídeo-jugular.
Higroma cístico
Trata-se da forma mais comum de linfangioma, surgindo
por sequestração de canais linfáticos embrionários.
A cabeça e o pescoço são os locais mais comuns
(80-90%) , aparecendo em pacientes com idades por volta dos
2 anos.
A maioria dos higromas císticos são assintomáticos ,
apresentando-se com massas moles, indolores no pescoço.
Os achados de imagem consistem em massa cervical ou
facial uni ou multicística, hipoatenuantes, infiltrativa,
insinuando-se entre os vasos e outras estruturas anatómicas
normais [1,7] (Fig. 8, 9 e 10).
Fig. 7 - Cisto da 2a fenda branqueal. TC-Cortes axiais e reconstrucções
sagitais e coronais, após contraste ev, demonstrando lesão hipodensa ( seta),a nível do ângulo da mandíbula entre o ECM e o eixo carotídeo-jugular.
Fig. 8 - Higroma cístico. Aquisições axiais, coronais e sagitais, em
sequências T1 e T2 fatsat, demonstrando lesão multicística hipointensa (seta) em T1 e hiperintensa em T2- seta, infiltrativa, a nível da vertente lateral do pescoço.
Fig. 9 - Higroma cístico. Aquisições axiais, coronais e sagitais, em
sequências T1 e T2 e T2 fatsat, demonstrando lesão multicística/ multiloculada hipointensa (seta) em T1 e hiperintensa em T2- seta, não suprimindo em fatsat ( sem gordura macroscópica), infiltrativa, a nível da vertente anterolateral do pescoço.
É composto de três tipos - interno, externo e misto.
Os laringococelos internos estão localizados no espaço
paraglótico lateral adjacente às falsas cordas vocais na
supraglote.
O laringocelo externo ocorre quando a lesão hernia através
da membrana tireohióidea.
As lesões mistas contêm componentes internos e externos
[1]. (Fig. 13 e 14)
Fig. 10 - Higroma cístico. Cortes axiais de TC sem contraste ev.,
demonstrando lesão hipodensa, mal-definida, infiltrativa, a nível da vertente anterolateral do pescoço.
Cistos dermóides e epidermóides
Estes são lesões císticas e são diferenciados apenas pela
presença de anexos cutâneos dentro da parede de um cisto
dermóide.
Os cistos dermóide e epidermóide são compostos por
elementos epiteliais.
São geralmente encontrados entre as 2a e 3a décadas de
vida.
Em termos imagiológicos , os cistos dermoides geralmente
apresentam evidencias de gordura intralesional e
evidências de calcificação interna, enquanto que o cisto
epidermóide tem densidade hídrica com pouca ou nenhuma
características complexas.
A localização mais comum dos cistos dermóides é na região
lateral da sobrancelha seguido pelo assoalho da boca, que
é tipicamente na linha média.
Os cistos epidermóides são raros e, normalmente,
envolvem também o assoalho da boca incorporando o
espaço sublingual, submandibular e a raiz da língua. (Fig.
11 e 12)
Laringocelo
O laringocelo é uma dilataçao sacular da laringe e aparece
como uma dilatação cística surgindo do ventrículo laríngeo.
Fig. 11 - Quisto epidermoide. Aquisições axiais e sagitais, em sequências
T1 e T2 , demonstrando lesão superficial hipointensa (seta) em T1 e hiperintensa em T2- seta.
Fig. 12 - Quisto epidermoide. Cortes axiais, coronais e sagitais de TC,
pós contraste ev, revelando lesão superficial (seta)hipodensa, com halo de captação periférica.
Fig. 13 - Laringocelo. TC, pós-contraste, cortes axiais. Lesão hipodensa
(seta), com ar no seu interior, com origem no ventrículo laríngeo e protrusão lateral, pela membrana tireohioideia- laringocelo externo.
Cisto de retenção mucosa do espaço faringeo
Trata-se de um cisto de paredes epiteliais da mucosa, pode
ocorrer dentro da nasofaringe, orofaringe ou valécula. Um
cisto bem definido neste local é característico desta lesão.
Cisto de Thornwaldt
É uma lesão benigna de desenvolvimento da linha média
na parede posterior da nasofaringe entre os músculos
pré-vertebrais.
Ela está relacionada com a embriogénese do notocordium.
O conteúdo do cisto é geralmente rico em proteínas.
Assim, em RM, a lesão tem hipersinal em T1 e T2 [8].
(Fig. 15 e 16)
Fig. 14 - Laringocelo. Aquisições axiais, coronais e sagitais, em
sequência T2. Lesão hiperintensa (seta), com origem no ventrículo laríngeo e protrusão lateral, pela membrana tireohioideia- laringocelo externo.
Lesões císticas das glândulas salivares
Uma série de condições podem causar lesões císticas das
glândulas salivares. Estes incluem infecção granulomatosa
e doença auto-imune.
Linfadenopatias cística
As doenças infecciosas (como a tuberculos),
adenomegalias metastáticas de carcinoma de células
epiteliais , carcinoma papilar ou linfoma são causas de
linfadenopatia cística.(Fig. 18)
Fig. 15 - Cisto de Thornwaldt. Cortes axiais e coronais, TC sem contraste
ev. Lesão hipodensa na linha media (seta) com extensão lateral, na nasofaringe.
Fig. 16 - Cisto de Thornwaldt. Aquisições axiais e sagitais, em sequências
T2 e T2 fatsat. Lesão hiperintensa (seta), sem evidência de gordura intralesional, na linha media com extensão lateral, na nasofaringe.
Rânula
A rânula é um cisto de retenção , que se origina da obstrução
das glândulas sublinguais ou salivares minor geralmente
devido à inflamação ou trauma prévio [9]. (Fig. 17)
Fig. 17 - Ránula. Cortes axiais, sagitais e coronais, TC antes e após
contraste ev. Lesão hipodensa (seta), expansiva, com partida no pavimento da boca, com captação periférica, em doente com febre e marcadores inflamatórios.
Fig. 18 - Adenomegalias císticas. Aquisições axiais e sagitais, em
sequência T2. Múltiplas lesões hiperintensas (seta), no eixo jugulocarotídeo, em doente submetido a biópsia com hx clínica de prévia TP.
Cistos tímicos
Existem duas teorias acerca da patogenia: congenital
persistência do ducto timofaríngeo ou adquirida.
Ocorrem mais na 1a década de vida, manifestando-se por
sintomas compressivos.
Eles são geralmente lesões císticas uniloculares
estendendo-se inferiormente, paralelas ao músculo
esternocleidomastóideo, em direcção ao mediastino
[1,10].(Fig. 19)
Cistos broncogénicos
Representam uma causa muito rara de lesões císticas,
aparecendo tipicamente superiormente ao manúbrio e na
região supraclavicular.
Cistos tiroideus
A glândula tiroideia é uma causa comum de cistos cervicais,
geralmente assintomáticos.
Conclusão
A radiologia é essencial para identificar a verdadeira
etiologia das císticas lesões do pescoço.
O TC e a RM devido à existencia de características
distintivas, podem fazer um diagnóstico diferencial entre
todo o espectro de lesões císticas do pescoço.
As técnicas de imagem também permitem a avaliação da
extensão profunda tecidual.
Bibliografia
1. Koeller, K. K. - Congenital Cystic Masses of the Neck:
Radiologic-Pathologic Correlation. Radiographics, 1999, 19:121-146.
2. Reede, D.; Bergeron, R.; Som, P. - CT of thyroglossal duct cysts. Radiology, 1985, 157:121-5.
3. Ahuja, A. T., Wong, K. T.; King, A. D.; Yuen, E. H. - Imaging for
thyroglossal duct cyst: the bare essentials. Clin Radiol, 2005,
60:141-48.
4. Allard, R. - The thyroglossal cyst. Head Neck Surg, 1982, 5:134-46. 5. Harnsberger, H. R.; Mancuso, A. A.; Muraki, A. S.; Byrd, S. E.; Dillon, W. P.; Johnson, L. P.; Hanafee, W. N. - Branchial cleft anomalies and
thier mimics: computed tomographic evaluation. Radiology,
1984,152:739.
6. Benson, M. T.; Dalen, K.; Mancuso, A. A.; Kerr, H. H.; Cacciarelli, A. A.; Mafee, M. F. - Congenital anomalies of the branchial apparatus:
embryology and pathologic anatomy. Radiographics, 1992, 12:942-60.
7. Miller, M. B. - Cystic masses of the head and neck:pitfalls in CT And
MR interpretation. AJR, 1992, 159:601-607.
8. Woo, E. K. - CT and MRI appearances of cystic lesions in the
suprahyoid neck: a pictorial review. Dentomaxillofacial Radiology,
2007, 36:451-458.
Fig. 19 - Cisto tímico. Cortes axiais, TC pós contraste ev.
Lesão volumosa hipodensa (seta), com halo de captação periférica, com insinuação mediastínica, sintomas compressivos. Peça cirúrgica revelou o dx de cisto tímico.
9. Harnsberger, H. - Handbook of head and neck imaging, 2nd ed. St Louis, Mo: Mosby-Yearbook, 1995.
10. Vogl, T. - Hypopharynx, larynx, thyroid, and parathyroid. In: Stark D, Bradley W, eds. Magnetic resonance imaging. 2nd ed. St Louis, Mo: Mosby-Yearbook, 1184-1243, 1992.
Correspondência
José Traila Campos
Departmento de Radiologia, FMUP, Hospital S. João Alameda Prof. Hernâni Monteiro
4200 – 319 Porto Portugal