167
Kanaan D et al. Linfoma de colo de útero: achados na RM
Radiol Bras. 2012 Mai/Jun;45(3):167–169
Linfoma de colo de útero: achados na ressonância magnética
*
Lymphoma of uterine cervix: magnetic resonance imaging findings
Daniel Kanaan1, Daniella Braz Parente2, Carolina Pesce Lamas Constantino1, Rodrigo Canellas
de Souza1
Linfoma de colo uterino é uma doença rara. Cerca de 1,0% a 1,5% dos linfomas extranodais se origina no trato genital feminino. A apresentação clínica é inespecífica e a ressonância magnética é importante para a suspeita diagnóstica. Neste artigo relatamos o caso de uma paciente de 80 anos de idade com dor lombar, cuja ressonância mostrou volu-mosa massa uterina. O diagnóstico final foi de linfoma.
Unitermos: Linfoma; Útero.
Lymphoma of the cervix is a rare disease. About 1.0% to 1.5% of extranodal lymphomas originates in the female genital tract. The clinical presentation of this condition is nonspecific and magnetic resonance imaging is important for diagnostic elucidation. The present report describes the case of a 80-year-old patient with lumbar pain, whose magnetic resonance imaging showed a large uterine mass. The final diagnosis was lymphoma.
Keywords: Lymphoma; Uterus. Resumo
Abstract
* Trabalho realizado no Serviço de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
1. Médicos Residentes de Radiologia do Departamento de Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
2. Doutoranda em Radiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Pesquisadora do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, Radiologista da Rede Labs D’Or, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
Endereço para correspondência: Dr. Daniel Kanaan. Rua Maria Angélica, 643, ap. 201, Jardim Botânico. Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 22461-151. E-mail: daniel.kanaan@hotmail.com
Recebido para publicação em 27/9/2011. Aceito, após revi-são, em 22/11/2011.
Kanaan D, Parente DB, Constantino CPL, Souza RC. Linfoma de colo de útero: achados na ressonância magnética. Radiol Bras. 2012 Mai/Jun;45(3):167–169.
0100-3984 © Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem REL ATO DE CASO • CASE REPORT
gordura adjacente e linfonodos de permeio, promovendo dilatação ureteral e do sistema pielocalicinal esquerdos, além de linfono-domegalias pericardiofrênicas, no retrope-ritônio perivascular, raiz do mesentério e cadeias ilíacas externas. A ressonância magnética (RM) da pelve evidenciava le-são infiltrativa isointensa em T1 (Figura 1), levemente hiperintensa em T2 (Figuras 2 e 3) e com restrição à difusão (Figura 4), ocupando todo o útero, com extensão bi-lateral ao paramétrio, anexos e vagina. A lesão também determinava ectasia ureteral à esquerda.
Apesar da volumosa lesão infiltrativa comprometendo todo o útero, chamava a atenção a preservação da anatomia zonal uterina e do endométrio, assim como as linfonodomegalias difusas. A biópsia por videolaparoscopia revelou linfoma B di-fuso de grandes células.
A TC de tórax, realizada como parte do estadiamento, demonstrou infiltração da gordura mediastinal e linfonodomegalias mediastinais. O estadiamento, de acordo com a classificação de Ann Arbor para lin-fomas extranodais, foi estágio IIIA (massa volumosa na pelve).
O tratamento escolhido foi quimiotera-pia exclusiva segundo o esquema de três sessões com ciclofosfamida, vinblastina e prednisona. A quimioterapia foi suspensa senta baixa acurácia diagnóstica e a
ultras-sonografia transvaginal (USTV) é limitada para detecção e estadiamento de câncer cervical(1–4).
O objetivo deste trabalho é apresentar um caso de linfoma do colo do útero, com ênfase nos achados de imagem que levaram à suspeição deste diagnóstico, bem como as características que o diferem do carci-noma epidermoide de colo uterino, seu principal diagnóstico diferencial.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 80 anos de idade, procurou o serviço de emergência com quadro de lombalgia com piora pro-gressiva, evoluindo com náuseas, vômitos, cefaleia e hiporexia. Na admissão, o exame físico era normal. Os exames laboratoriais mostraram elevação da ureia e creatinina. O exame ginecológico e a USTV realizados um ano antes não mostravam alterações.
Na admissão, a ultrassonografia (US) mostrava acentuada dilatação pielocalici-nal e ureteral à esquerda por compressão ureteral distal, devido a volumosa forma-ção expansiva pélvica, sem plano de cliva-gem com o útero. A tomografia computa-dorizada (TC) de abdome e pelve eviden-ciava espessamento e irregularidade do contorno do útero, com densificação da
INTRODUÇÃO
apre-168
Kanaan D et al. Linfoma de colo de útero: achados na RM
Radiol Bras. 2012 Mai/Jun;45(3):167–169 devido a neutropenia e a paciente
perma-neceu sob cuidados paliativos até o óbito.
DISCUSSÃO
O linfoma de colo de útero é raro e, na maioria das vezes, relacionado a
acometi-mento de múltiplos órgãos. Seu diagnós-tico é difícil pelo exame colpocitopatoló-gico e pelos métodos de imagem. Seu prin-cipal diagnóstico diferencial é o carcinoma epidermoide do colo uterino, sendo a dife-renciação entre eles bastante difícil. A RM tem papel importante na suspeição
diag-nóstica de linfoma do colo uterino. Os prin-cipais achados desta doença pela RM são útero de volume aumentado à custa de le-são de aspecto infiltrativo, com sinal inter-mediário em T1 e T2, realce moderado e uniforme pelo meio de contraste e restrição à difusão, apresentando preservação da Figura 1. Imagem ponderada em T1 no plano do eixo curto do útero demonstra
lesão de aspecto infiltrativo com isossinal na topografia do colo uterino, apre-sentando extensão à gordura adjacente (setas).
Figura 2. Imagem ponderada em T2 no plano do eixo longo do útero mostra volumosa lesão infiltrativa uterina apresentando leve hipersinal, porém com anatomia zonal uterina preservada (seta).
Figura 4. Imagem ponderada em difusão no plano do eixo curto do útero evi-dencia restrição à difusão (setas), o que indica lesão com alta celularidade. Figura 3. Imagem ponderada em T2 no plano sagital demonstra endométrio
169
Kanaan D et al. Linfoma de colo de útero: achados na RM
Radiol Bras. 2012 Mai/Jun;45(3):167–169 zona juncional e do endométrio, apesar do extenso envolvimento do útero(5,6). A lesão é homogênea e mostra nenhuma ou pouca necrose(2,5–7). O diagnóstico definitivo é realizado por biópsia da lesão(1–4).
Os programas atuais de prevenção ao câncer de colo uterino diminuíram sensi-velmente o número de casos de estágios avançados. Desta maneira, grandes massas no colo uterino, sem áreas de necrose, com manutenção da integridade da anatomia zonal, apesar do envolvimento extenso do corpo uterino, devem apontar para diagnós-ticos diferenciais menos comuns, como o linfoma não Hodgkin(8). O diagnóstico di-ferencial dos linfomas do colo uterino deve incluir inflamações benignas, carcinoma de pequenas células ou carcinomas pouco di-ferenciados e sarcomas(7).
No caso apresentado, a paciente abriu o quadro de forma atípica, com síndrome urêmica devido a obstrução ureteral. Ini-cialmente, foi pensado tratar-se de carci-noma epidermoide de colo uterino em es-tágio avançado. O achado de volumosa le-são expansiva ocupando todo o útero, com preservação da anatomia zonal e do endo-métrio, associado a linfonodomegalias di-fusas, fez questionar o diagnóstico inicial
de carcinoma escamoso, que geralmente não preserva a anatomia zonal e o endomé-trio. Da mesma forma, a história ginecoló-gica de exame preventivo e USTV normais de um ano antes também não corroboravam a hipótese inicial. Nesta situação, linfoma foi incluído entre as hipóteses diagnósticas. A biópsia por videolaparoscopia foi essen-cial para a confirmação diagnóstica.
O caso aqui relatado apresenta a maio-ria dos achados de imagem descritos na li-teratura associados ao acometimento nodal difuso. Além disso, sua evolução clínica também não era compatível com o carci-noma escamoso. Os principais sintomas re-latados na literatura são sangramento vagi-nal, dor abdominal e dor lombar. A paciente iniciou com quadro de dor lombar persis-tente(3,4). O tipo histológico foi linfoma B difuso de grandes células, que é o tipo his-tológico mais frequente de linfoma de colo de útero(3). Diferentemente da experiência relatada na literatura, que refere bom prog-nóstico, a paciente não tolerou o esquema de quimioterapia e faleceu(3).
Em resumo, em paciente apresentando volumosa massa uterina infiltrativa que preserva a zona juncional e o endométrio, sem necrose, deve-se pensar em linfoma
uterino como possibilidade diagnóstica, cujo tratamento e prognóstico são bastante distintos do carcinoma escamoso do colo uterino.
REFERÊNCIAS
1. Köhler HF, Novik PR, Campos AH. Lymphoma of the uterine cervix: report of two cases and review of the literature. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008; 30:626–30.
2. Thyagarajan MS, Dobson MJ, Biswas A. Case re-port: appearance of uterine cervical lymphoma on MRI: a case report and review of the literature. Br J Radiol. 2004;77:512–5.
3. Sohaib SA, Verma H, Attygalle AD, et al. Imaging of uterine malignancies. Semin Ultrasound CT MR. 2010;31:377–87.
4. Okamoto Y, Tanaka YO, Nishida M, et al. MR imaging of the uterine cervix: imaging-pathologic correlation. Radiographics. 2003;23:425–45. 5. Michniewicz K, Oellinger J. Diagnostic imaging
in invasive cervical carcinoma: MRI, CT, and ul-trasonography. Zentralbl Gynakol. 2001;123:222– 8.
6. Bellin MF, Roy C, Kinkel K, et al. Lymph node metastases: safety and effectiveness of MR imag-ing with ultrasmall supermagnetic iron oxide par-ticles – initial clinical experience. Radiology. 1998; 207:799–808.