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DIREITO PENAL DO INIMIGO

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Academic year: 2021

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Lídio Modesto da Silva Filho1

INTRODUÇÃO

O conceito de Direito Penal do Inimigo surgiu em um Congresso realizado em Frankfurt, em 1985, através da explanação de um dos maio-res juristas da história, o alemão Günther Jakobs, quando afirmou que excepcionalmente haveria necessidade de ser separado o Direito Penal em Direito Penal do Inimigo e o Direito Penal dos Cidadãos, não havendo, na época, muita repercussão em suas reflexões.

A segunda fase de Jakobs sobre o tema ocorreu durante a realização da Conferência do Milênio em Berlim, ocorrida em 1999, entretanto, a rea-ção crítica de juristas foi muito diferente, causando forte atenrea-ção.

O tema do Direito Penal do Inimigo é atual e causa debate jurídico-pe-nal em diversos países do mundo, em razão de sua essência normativa radical. O Brasil, um país pacífico, vive apavorante momento de sua histó-ria, pois a população está desacostumada a lidar com situação de terror orientada por criminosos que se valem de táticas guerrilheiras e arquiteta-da logística, que traz para a sociearquiteta-dade um trauma e multiplica a sensação de insegurança.

Várias cidades de diferentes unidades da Federação, mas principal-mente Rio de Janeiro e São Paulo, que contam com milhões de moradores, são alvos de atentados contra pessoas comuns, bases policiais, agências bancárias, instituições públicas, estações de metrô, supermercados, vários ônibus são queimados, centenas de pessoas são mortas e dezenas de rebe-liões são deflagradas nos presídios, demonstrando a força que emana dos segregados controladores das ações criminosas e a ineficiência do Estado, sobretudo no combate ao crime organizado.

No cenário internacional, em um passado não muito distante, temos a imagem que o mundo testemunhou com incredulidade no dia 11 de se-1 Graduado pela Universidade de Cuiabá – Unic. Juiz de Direito Auxiliar de Entrância Especial

em Cuiabá, MT. Especialista em Direito Penal, Processo Penal, Direito Civil e Processo Civil. Especializando em Poder Judiciário pela FGV – Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. Dou-torando em Direito pela Universidade Católica de Santa Fé, Argentina.

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tembro de 2001, quando aviões de carreira das empresas America Airlines e da United Airlines chocaram contra as Torres Gêmeas – o World Trade Center – e o Pentágono, foi considerada a mais impressionante investida terrorista da humanidade e serviu para demonstrar a vulnerabilidade do mais poderoso país do planeta. O desmantelamento de uma utópica segu-rança do país trouxe a todos um panorama nada fortalecido, do que antes se pensava inatingível.

Situações como estas incentivaram Günther Jakobs a introduzir no mundo jurídico sua teoria do Direito Penal do Inimigo.

Percebe-se pelo cenário da atualidade que fatalmente teses como a de Jakobs, inseridas no contexto jurídico como solução de combate à criminalidade oriunda do fenômeno da globalização, tendem a propor um enrijecimento por parte do Estado, ainda que suprimindo garantias funda-mentais da pessoa, que necessitaram de séculos para serem incorporadas ao Direto Penal.

Não diferente do que pensa Jakobs, Jesús-Maria Silva Sánchez, juris-ta espanhol, anuncia um prognóstico de que em razão da galopante evo-lução da sociedade em razão da globalização econômica e da integração supranacional, haverá de existir um Direito Penal da globalização, crescen-temente unificado e menos garantista. Da sua teoria das velocidades do Direito Penal, aponta o Direito Penal do Inimigo como o Direito Penal de Terceira Velocidade.2

Silva Sánchez conceitua a sociedade atual como a Sociedade da Insegurança Sentida, ou como a Sociedade do Medo, diante da atividade da criminalidade organizada, da criminalidade de Estado, da delinquência patrimonial profissional, da delinquência sexual violenta e reiterada e do terrorismo, sociedade esta que demonstra dificuldade de adaptação em relação à sua contínua aceleração, e que certamente não está disposta a admitir a existência de um Direito Penal mínimo.3

2 SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Expansão do Direito Penal – Aspectos da política criminal nas sociedades

pós-industriais. Tradução da 2ª edição espanhola. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 75, 78.

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TEORIA DAS VELOCIDADES DO DIREITO PENAL, SEGUNDO SILVA SÁNCHEZ

De acordo com a teoria de Silva Sánchez, no Direito Penal existem três velocidades. O Direito Penal de Primeira Velocidade diz respeito ao Direito Penal em que a pena privativa de liberdade é a mais aplicada, sem, contudo, perder de vista as garantias individuais, ou seja, haveria a “rígida manutenção dos princípios político-criminais clássicos, as regras de impu-tação e os princípios processuais”.4

O Direito Penal de Segunda Velocidade se traduz em um modelo em que há uma flexibilização de garantias penais e processuais e concomitan-temente ocorra a exclusão da pena de prisão, mediante sua substituição por penas alternativas, como de “privação de direitos e pecuniárias”.

No Direito Penal de Terceira Velocidade existe um agrupamento entre os dois modelos anteriores, como no Direito Penal de Primeira Ve-locidade que se aplica a pena privativa de liberdade, mas agora com fle-xibilização de garantias penais e processuais, que está prevista no Direito Penal de Segunda Velocidade. O Direito Penal do Inimigo mostra-se como uma nova velocidade do Direito Penal, pois se trata de um sistema com total cerceamento dos direitos e garantias processuais dos indivíduos elei-tos inimigos, mas como o próprio Silva Sánchez frisa, diante da perene situação de emergência da sociedade, vem crescendo e sendo estabelecido nos países, “ainda que ilegitimamente”.5

O DIREITO PENAL DO INIMIGO DE GÜNTHER JAKOBS

As reflexões de Günther Jakobs revelam um Direito Penal com sis-tema de normas rígidas que visam combater o indivíduo eleito inimigo da sociedade. Por outro lado, em recente manifestação o alemão alega não ter realizado uma proposta de um novo ordenamento jurídico, mas que demonstrou a existência de um sistema de normas rígidas já existente em vários países.

4 SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Op. cit., p. 148. 5 Ibidem, p. 151.

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CONCEITO E CARATERÍSTICAS

Em consonância com o desenvolvimento de Günther Jakobs, o Es-tado teria a seu favor a possibilidade de dispensar dois tratamentos aos delinquentes, seriam dois os Direitos Penais, um para o cidadão que even-tualmente vem a cometer delito e outro àquele que por princípio viola a legitimidade do ordenamento jurídico, sendo este indivíduo considerado um inimigo.

Seriam, desta maneira, conhecidos dois polos ou tendências de re-gulação do Direito Penal, um para o cidadão comum, que é reprimido, ou seja, haja a reação estatal quando este exteriorize sua conduta que faz frente à paz social, outro, seria o inimigo, que se reprime mediante interceptação no estado prévio de sua conduta, pois é combatido por sua periculosidade.

Considerando que a ocorrência de delitos somente se observa em um Estado de Direito organizado, diz Jakobs que o “delito não aparece como princípio do fim da comunidade ordenada, mas só como infração desta, como deslize reparável”. Com efeito, o Estado moderno tem o agen-te delituoso, não como um inimigo, mas um cidadão, uma pessoa que, através de sua conduta, viola a norma vigente e, por esta ação deve ser chamado a equilibrar o dano, na vigência da norma, todavia, como cida-dão e não como inimigo.

Este seria o Direito Penal do Cidadão, que continua sendo Direito Penal de todos, ainda quando se refere ao delinquente, que segue sendo pessoa, como um cidadão que ataca a vigência da norma. A esta pessoa é plenamente assegurado o devido processo legal, sendo-lhe asseguradas todas as garantias penais e processuais existentes para que possa se ajustar com a sociedade. Para o Estado esta pessoa não é inimigo, mas apenas um autor de fato normal e que, ainda que cometa um delito, mantém o status de pessoa, mas não vê no indivíduo um inimigo que precisa ser destruído, mas o autor de um fato normal, que, mesmo cometendo um ato ilícito, mantém seu status de pessoa e cidadão dentro do Direito.

O Direito Penal do Inimigo é direito voltado ao indivíduo que in-timida o cidadão e é considerado indivíduo perigoso, que não garante interesse em ajuste com a sociedade e com o ordenamento jurídico. É para o indivíduo que rechaça, por princípio, a legitimidade da vigência da norma e persistentemente comete crimes, e por isso persegue a destruição

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da ordem social, tornando-se inimigo a ponto de o Estado instaurar contra ele, uma guerra.

O foco de atenção do Direito Penal do Inimigo é para aqueles in-divíduos que, sobretudo, cometem crimes resultantes da evolução da glo-balização, como o terrorismo, a criminalidade econômica, delitos sexuais, crimes relacionados a drogas tóxicas, tráfico de pessoas e outras formas de manifestação da criminalidade organizada, em que o sujeito passivo é difuso e o bem jurídico violado é da coletividade.

Jakobs afirmou que “um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”.6

Na teoria de Jakobs, a pessoa é detentora de direitos e obrigações, ainda que cometa um delito lhe são asseguradas as garantias penais e processuais existentes até que uma pena seja estabelecida como sanção ao ilícito praticado, ao passo que, diferentemente, o indivíduo, que não demonstra segurança de um adequado comportamento, não conta com direitos processuais e contra ele é instaurado um procedimento com ações coativas até que a ele seja aplicada uma medida de segurança.

Do cidadão espera-se que ele exteriorize sua conduta criminosa para que haja a reação do Estado, quando lhe é aplicada uma pena na medida de sua culpabilidade e se confirme a prevalência da estrutura nor-mativa da sociedade, sendo certo que após o ajuste com a sociedade lhe é garantido o status de pessoa, de cidadão.

A regra contra o indivíduo selecionado como um inimigo do Estado se prende não no que fez, em sua culpabilidade, mas no que poderá vir a fazer, o perigo que representa, não sendo, portanto, aplicado a ele um Direito Penal retrospectivo, mas sim prospectivo. Ao inimigo não é aplicada uma pena, mas lhe é estabelecida uma medida de segurança, ainda que intensa e desproporcional à medida.

O indivíduo torna-se um objeto de coação do Estado, que lhe es-tabelece um regramento que se adianta ao âmbito de proteção da nor-ma para alcançar até os atos preparatórios para que seja interceptado em estágio prévio, ou seja, um comportamento ainda não realizado, apenas planejado, por ser tratado como indivíduo perigoso.

6 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Direito Penal do Inimigo – Noções e críticas. Editora

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A periculosidade do agente da futura dinâmica delitiva é que o ca-racteriza como um inimigo, de modo que sua punibilidade se baseia no âmbito interno da preparação, e a pena se dirige à segurança frente a fatos futuros, revelando a incompatibilidade do Direito Penal do Inimigo com o princípio do Direito Penal do Fato, sendo, pois, um Direito Penal do Autor.7

A identificação do Inimigo da sociedade se dá pela dimensão do crime por ele cometido, bem como pela participação de organizações cri-minosas, hediondez das práticas delitivas, que o diferencia do delinquente comum, de caráter cotidiano, o Inimigo é um indivíduo que há necessida-de necessida-de reação frente ao perigo que emana necessida-de sua conduta reiteradamente violadora da norma.

Afirma Jakobs que a divisão do Direito Penal do Cidadão e do Ini-migo tende a garantir o Estado de Direito, voltado para o cidadão e o Estado tem o dever de procurar pela mantença da ordem, pois os cidadãos têm um direito à segurança, ainda que a ação estatal seja mediante intensa coação ao Inimigo eleito.

Quem não presta uma segurança cognitiva suficiente de um comporta-mento pessoal, não só não pode esperar ser tratado ainda como pessoa, mas o Estado não deve tratá-lo como pessoa, já que do contrário vulne-raria o direito à segurança das demais pessoas.8

Caracteriza-se o Direito Penal do Inimigo por seu objetivo não ser o de zelar pela garantia atual da vigência da norma, mas neutralizar um perigo de dano futuro.

FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO Remonta de muitos anos o alicerce filosófico do Direito Penal do Inimigo defendido por Jakobs, pois antigos pensadores e filósofos como Kant, Hobbes, Rousseau e Fichte já prepararam e trabalharam teses com figuras de pessoas tratadas como inimigas.9

7 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit., p. 36 e 80. 8 Ibidem, p. 42.

9 KANT, HOBBES, ROUSSEAU e FICHTE apud JAKOBS. In: JAKOBS; Cancio Meliá. Op. cit., p. 25, 30 e 34.

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Jean-Jacques Rosseau, quando publicou sua obra Contrato Social, afirmou que referido contrato seria uma livre associação de pessoas inte-ligentes, que por vontade própria decidem criar determinada sociedade, à qual passam a prestar obediência em respeito à vontade comum, sendo o Estado a unidade que expressaria a vontade geral. Afirmou que um mal-feitor que atacasse o direito social deixaria de ser membro do Estado, pois estaria em guerra com este e deveria morrer como inimigo, e não como um cidadão.

Fichte asseverou que quem se desvincula do contrato cidadão, quan-do deveria ser prudente, perde toquan-dos os seus direitos como cidadão e como ser humano, passando a um estado de ausência completa de direitos.

Hobbes defendeu um contrato de submissão, ainda que sob a forma de violência, com a finalidade de que os “futuros” cidadãos não perturbem o Estado em seu processo de auto-organização, todavia, mantém o delin-quente na primordial função de cidadão, baseando-se na assertiva de que o cidadão não pode, por si, eliminar este status. Contudo, quando há um rompimento com a sociedade civil outra é a opinião, entende que há uma rebelião, uma alta traição, consubstanciada em uma “recaída no estado de natureza... E aqueles que incorrem em tal delito não são castigados como súditos, mas como inimigos”.

Kant fez uso do modelo contratual como ideia reguladora na fun-damentação e na limitação do poder do Estado, no qual qualquer cidadão estaria autorizado a obrigar o outro a ingressar em uma constituição cidadã. Em havendo renitência, descompromisso ou violação à regra assentada no “estado comunitário-legal”, deve abandoná-lo, e “não deve ser tratado como pessoa”, mas como anota expressamente Kant, “como um inimigo”.

Para Kant somente com a instituição do estado civil seria possível a construção de uma sociedade segura com a garantia da inexistência de provocações recíprocas, pois no estado natural os homens vivem em cons-tantes ameaças, podendo um ser considerado inimigo pelo outro, ou seja, viveriam em incessante estado de guerra.

IDENTIFICAÇÃO DO INIMIGO

Jakobs afirma que a periculosidade do agente da futura dinâmica delitiva é que o caracteriza como um inimigo, sua identificação se dá pela dimensão do crime por ele cometido, bem como pela participação

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de organizações criminosas, da hediondez de suas práticas delitivas e por este motivo há a substanciosa necessidade de reação frente ao perigo que emana de sua conduta reiteradamente violadora da norma.10

O Inimigo é o indivíduo que rechaça, por princípio, a legitimidade da vigência da norma e persistentemente comete crimes, e por isso per-segue a destruição da ordem social, não podendo, pois, ser tratado como pessoa.

DIREITO PROCESSUAL PENAL DO INIMIGO

Na obra em que Jakobs expõe o Direito Penal do Inimigo, revela um esboço acerca do que seria o Direito Processual Penal do Inimigo.11

O sujeito processual pode ser preventivamente preso, pois é um indivíduo que “com seus instintos e medos põe em perigo a tramitação ordenada do processo”, pois pode empreender fuga, ocultar provas, ou seja, é um inimigo.

Pode o Estado interferir no âmbito do imputado mediante investiga-ções secretas, uso de interceptainvestiga-ções telefônicas, sem, obviamente, nenhum tipo de comunicação ao investigado.

O sujeito processual poderia ser conduzido a total incomunicabilida-de, inclusive sem contato com seu defensor.

A dinâmica da persecução penal se desenvolve de maneira absolu-tamente rígida, como em uma guerra.

ANÁLISE DA TESE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO POR MANUEL CANCIO MELIÁ

Meliá preconiza que o Direito Penal do Inimigo de Jackobs se trata de uma reação desproporcional do sistema contra o indivíduo eleito como um inimigo, mas que não é eficaz na prevenção da prática de crimes, bem como não assegura a paz social. Entende ser o Direito Penal do Inimigo inconstitucional, pois estabelece o absoluto enrijecimento do Direto Penal, sem observância de princípios fundamentais.

10 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit., p. 35, 36. 11 Ibidem, p. 39, 41.

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O PUNITIVISMO E DIREITO PENAL SIMBÓLICO

A política criminal mundial observada nos últimos anos é fruto da Expansão do Direito Penal, tese esta defendida por Silva Sánchez, que constata a existência de um sistema punitivista, que é funcional e garantis-ta, bem como trata de um segundo sistema, com flexibilização de garantias e regras de imputação, mas que acaba se tornando meramente simbólico. Com a inevitabilidade da globalização, contatou-se a proliferação da ma-crocriminalidade e também da mima-crocriminalidade, que acabam servindo de base para surgimento de novas teorias de combate, como o Direito Penal do Inimigo.

Segundo Manuel Cancio Meliá, existe uma relação fraternal entre o Punitivismo e o Direito Penal Simbólico.12 Da união de ambos temos como produto o Direito Penal do Inimigo.

No Punitivismo o incremento da pena serve como único instru-mento de contenção da criminalidade e no Direito Penal Simbólico, a tipificação penal serve como mecanismo de criação de identidade social. Este geralmente é criado como medida de urgência em uma coletividade, é rigoroso, mas na prática acaba se tornando ineficaz, torna-se efetivamente simbólico, embora sua instituição serve para serenar a sociedade.

CRÍTICAS À TESE DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

Embora haja grande respeito por parte de juristas de todo o mundo em relação a Günther Jakobs, a doutrina vem criticando de forma incisiva a teoria do Direito Penal do Inimigo, ainda que este tenha sido introdu-zido em alguns ordenamentos jurídicos como a Espanha, Alemanha e a Colômbia.

A grande maioria dos criminalistas apresenta um posicionamento crítico em relação às reflexões de Jakobs acerca do Direito Penal do Ini-migo, alegando ser uma teoria inconstitucional, por ser inadmissível uma pessoa ser tratada pelo ordenamento jurídico como um inimigo a ser ani-quilado, despido de sua essência de pessoa. Que a legislação baseada em linhas Jakobsianas não reduziram a criminalidade. Que o Direito Penal do Inimigo é nocivo, inimaginável e desnecessário.

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Até mesmo Manuel Cancio Meliá, que publicou conjuntamente com Jakobs a obra Direito Penal do Inimigo – Noções e Críticas, afirmou em seu prólogo que o “Direito Penal do Inimigo não pode ser Direito”.13 Para que efetivamente seja Direito, o Direito Penal deve estar vinculado à Constitui-ção de um Estado.

Cancio diz se tratar o Direito Penal do Inimigo de “Direito Penal do Autor”, posto que combate e pune o agente delituoso simplesmente pelo que é, pela periculosidade que representa para a sociedade, ou seja, é um Direito Penal Prospectivo. Revela incompatibilidade do Direito Penal do Inimigo com o princípio do Direito Penal do Fato, que é Direito Penal da Culpabilidade, que pune o agente pelo que fez, ou seja, é Direito Penal Retrospectivo.14

O inimigo eleito, ou os inimigos, na verdade violam expressivos bens jurídicos e podem causar clamor social com suas ações, todavia, a periculosidade se resume nisso, diferentemente do que estabelece o Di-reito Penal do Inimigo, cujas consequências dos atos inimigos não têm o condão de abalar a estrutura existencial do Estado.

Seria o Direito Penal do Inimigo inconstitucional, pois, em um Esta-do de Direito, há a garantia da dignidade Esta-do ser humano, onde ninguém pode ser tratado como não-pessoa e como um objeto de coação caso seja identificada como inimigo, pois o procedimento instaurado não segue o processo democrático, uma vez que suprime o devido processo legal e elimina garantias penais e processuais, opção que contraria o regramento que deve prevalecer em um Estado Democrático de Direito.

Para Meliá a garantia de eficiência do padrão estabelecido pelo Direito Penal do Inimigo não foi atingida, pois não restou comprovada a redução de prática de delitos e não conseguiu ser efetivo na prevenção da criminalidade.15

Na teoria de Jakobs, a pessoa é detentora de direitos e obrigações, ainda que cometa um delito lhe devem ser asseguradas todas as garantias penais e processuais existentes até que uma pena seja estabelecida como sanção ao ilícito praticado, ao passo que, diferentemente, o indivíduo, que não demonstra segurança de um adequado comportamento, não conta com direitos processuais e contra ele é instaurado um procedimento de guerra, com ações coativas até que a ele seja aplicada uma medida de segurança. 13 JAKOBS, Günther; MELIÁ, Manuel Cancio. Op. cit., p. 13, 14.

14 Ibidem, p. 36 e 80 15 Ibidem, p. 73, 76.

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ATUAL POSIÇÃO DE JAKOBS SOBRE SUA REFLEXÃO

Miguel Polaino-Orts, escritor argentino, narra em sua obra Dere-cho Penal del Enemigo – Desmitificación de um concepto, com prólogo de Günther Jakobs, que na verdade as reflexões de Jakobs, segundo este mesmo afirma, não se trata de uma proposta de um novo ordenamento ju-rídico, mas que demonstram a existência de um sistema de normas rígidas na essência de ordenamentos jurídicos de vários países.

Aduz Polaino-Orts que simplesmente Jakobs tratou explicitamente o tema e que na realidade traços da teoria existem não somente em ditadu-ras, mas também em várias democracias do mundo.

Polaino-Orts diz que Jakobs apenas afirmou “que existem normas concretas que se enquadram no fenômeno chamado por Jakobs de Direito Penal do Inimigo”. Que não é verdadeiro afirmar que não existiam normas com características do Direito Penal do Inimigo antes de Jakobs, apenas este afirmou a existência.16

As diversas críticas às reflexões de Jakobs, entende este, que é em razão da denominação de inimigo em contraposição à de cidadão, o que faz parecer politicamente incorreto, drástico, beligerante, etc.

Polaino-Orts entende que seriam melhor recepcionadas as reflexões de Jakobs se as tivesse nominado de “Direito Penal de Periculosidade Cri-minal, Direito Penal de Prevenção ou Direito Penal de Proteção ou Defesa diante de Perigos”.17

Citado por Polaino-Orts, Luiz Gracia Martin afirmou que o “termo “inimigo” induz já desde o princípio a um rechaço emocional de um pre-tendido Direito Penal do Inimigo”.18

Que ditas normas existem em vários Estados Sociais e Democráticos de Direito, e que são submetidas a numerosos controles de legalidade, que garantem todas as normativas de Direitos Humanos tratados em docu-mentos internacionais e respeitam os direitos fundamentais constantes das respectivas Constituições, de maneira que não podem ser tratadas, como afirmam os críticos, de normas que suprimem garantias penais e processu-ais existentes e que não podem ser tratadas como Direito.

16 POLAINO-ORTS, Miguel. Derecho Penal del Enemigo – Desmitificación de um concepto. Córdo-ba: Editorial Mediterrânea, 2006. p. 168 e 246.

17 Ibidem, p. 169. 18 Ibidem, p. 255.

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DIREITO PENAL DO INIMIGO NO MUNDO E NO BRASIL

Em recente manifestação, conforme já delineado, Jakobs afirma que jamais propôs um novo ordenamento jurídico, mas que simplesmente expôs uma reflexão sobre normas já existentes em diversos lugares do mundo.

A rigidez tratada por Jakobs realmente pode ser observarda ao longo da história, tanto que na obra de Miguel Polaino-Orts, em sua preliminar nota, cita a obra de ficção Dom Quixote de la Mancha, do escritor espanhol Miguel de Cervantes, quando em um capítulo descreve um encontro de Dom Quixote e Sancho Pança com alguns condenados. O último, chamado Ginés de Pesamonte, que era um delinquente reincidente, diferentemente dos cinco demais presos, estava sendo tratado de forma diversa, pois grande corrente prendia seus pés e contornava todo o corpo e era presa com um grande cadeado. Algemas também prendiam as mãos do preso.

Dom Quixote perguntou a um dos guardas por que o preso era tra-tado daquela maneira e teve como resposta, que se tratava de um homem atrevido e que já teria praticado vários delitos, muito mais do que todos os outros juntos e era muito velhaco. Que ainda que o levassem daquela maneira, não estavam seguros e temiam que pudesse fugir.

Entende Polaino-Orts que o caso de Ginés de Pesamonte se trata de um dos primeiros e mais claros exemplos do Direito Penal do Inimigo e resume o ponto central desse fenômeno criminal, a saber, a erosão da segurança cognitiva dos cidadãos – pessoas de direito – na vigência da norma, em razão da conduta de um sujeito – o inimigo.19

Em dias atuais, temos como exemplo o ordenamento jurídico ale-mão que já possui expressamente textos legais com traços do Direito Penal do Inimigo, sendo recentemente aprovada a Lei de Segurança do Tráfego Aéreo, que tem como finalidade a proteção do espaço aéreo alemão, evitando especialmente sequestros de aviões, atos de sabotagem e ataques terroristas.

Há no ordenamento espanhol leis com traços expressos do Direito Penal do Inimigo desde 1995, na aprovação do Código Penal, quando cinco leis orgânicas foram introduzidas. Houve também traços do Direito Penal do Inimigo na reforma de 2002. Destaca-se, ainda, a Reforma Penal de 2003, que trata do combate ao terrorismo, do cumprimento íntegro e 19 POLAINO-ORTS, Miguel. Op. cit., p. 21.

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efetivo das penas por parte dos terroristas, da segurança do cidadão e da violência intrafamiliar.

Especificamente em relação à legislação espanhola que trata da violên-cia intrafamiliar, pode-se verificar nítida semelhança com nossa chamada “Lei Maria da Penha”, pois aquela prevê o imediato afastamento do infrator do seio da família, proibição de se comunicar com a vítima e com outras pessoas da família, de se aproximar deles e de residir no mesmo lugar.

Influência do Direito Penal do Inimigo pode ser verificada no or-denamento jurídico peruano e colombiano. Nesses dois países há doutri-nadores que possuem obras que tratam das reflexões do alemão Günther Jakobs.

Nos Estados Unidos da América há o Direito Penal Imigratório, alta-mente rígido e repressivo, mas com uma roupagem de legislação voltada para a garantia da seguridade nacional e da paz social.

No Brasil, como visto, ainda que não seja tratada a norma como produto de um Direito chamado de Penal do Inimigo, temos visíveis influ-ências das reflexões de Jakobs, quando nosso legislador produziu a nossa conhecida “Lei do Abate”, que permite a derrubada de aviões de narcotra-ficantes que invadam o espaço aéreo brasileiro. É como a lei alemã citada em linhas anteriores.

Temos a novel legislação brasileira que trata do enrijecimento contra indivíduos que praticam a violência doméstica, a conhecida “Lei Maria da Penha”. Consoante normativas que seguem o Direito Penal do Inimigo, o indivíduo que pratica violência doméstica não é um inimigo da sociedade, mas é um inimigo de toda uma família, e, contra este, o Estado deve ter uma legislação rígida e efetiva. Assim é na Espanha a específica legislação contra a violência intrafamiliar.

Verifica-se que existem legislações penais atuais que se enquadram no fenômeno do Direito Penal do Inimigo, devendo ser destacado que foram aprovadas em Estados Sociais e Democráticos de Direito, que não possuem regimes considerados injustos, autoritários ou ditatoriais.

CONCLUSÃO

Conforme acima traçado, embora vários juristas apresentem um posi-cionamento crítico em relação às reflexões de Jakobs acerca do Direito Penal do Inimigo, este afirma ser compatível a convivência de uma normatização

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mais severa com uma mais branda, sempre com garantias ao indivíduo. Diz o alemão que vários doutrinadores escreveram sobre o assunto e vários países democráticos do mundo seguiram instituindo o Direito Penal do Inimigo, sem que houvesse nenhum questionamento acerca da legitimidade, ou se a medida era adequada, proporcional e justa.20

Da obra de Günther Jakobs é evidente que se pode verificar falhas com necessidade de reformulações, mas que é possível resgatar aspectos positivos.

Imperioso é o reconhecimento de que não é possível em nossa épo-ca conceber a existência de uma sociedade que comporte uma dualidade de ordenamentos jurídicos, mas fica claro ser possível termos um orde-namento com normatização rígida para o enfrentamento dos crimes mais graves e organizados, tanto que vários são os países do mundo que já ado-taram linhas do Direito Penal do Inimigo em seus ordenamentos jurídicos. Com a elevação da criminalidade em todos os países do mundo, os cidadãos clamam por uma medida mais severa por parte do Estado, com o objetivo de se eliminar a violência, de modo que uma legislação mais rígida e severa é medida que se impõe, todavia, em hipótese alguma é compreensível um Estado tratar o infrator como um inimigo ou um irracional, afinal é um ser humano e, por mais grave que seja sua conduta, não é crível a atuação de um Estado com intolerância em relação a uma pessoa, que perde de vis-ta normativas internacionais de direitos humanos, faz uso de procedimentos sem garantias processuais e penais, pois somente é possível uma legislação penal que esteja em harmonia com a Constituição do Estado, porque for-ma diversa seria dilacerar a estrutura de um Estado Democrático de Direito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CANCIO MELIÁ, Manuel. In: JAKOBS, Günter; CANCIO MELIA, Manuel. Direito

Penal do Inimigo, Noções e Críticas. Organização e tradução: André Luis Callegari e

Nereu José Giacomolli. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

POLAINO-ORTS, Miguel. Derecho Penal del Enemigo – Desmitificación de um

con-cepto. Córdoba: Editorial Mediterrânea, 2006.

SÁNCHEZ, Jesús-Maria. Expansão do Direito Penal – Aspectos da política criminal

nas sociedades pós-industriais. Tradução da 2ª edição espanhola. São Paulo:

Revis-ta dos Tribunais, 2002.

Referências

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