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ESTABELECIMENTO DE EQUIVALÊNCIAS EM TERMINOLOGIA MULTILÍNGÜE NO CAMPO DA ASTRONOMIA

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ESTABELECIMENTO DE EQUIVALÊNCIAS EM

TERMINOLOGIA MULTILÍNGÜE NO CAMPO DA ASTRONOMIA

Ana Maria Ribeiro de Jesus – USP Profª. Drª. Ieda Maria Alves – USP

0 Introdução

É cada vez maior a freqüência com que os dicionários e vocabulários bilíngües ou multilíngües são elaborados e difundidos na pesquisa terminológica. Nossa pesquisa de Doutorado, financiada pela FAPESP (processo nº. 2006/04256-6) e intitulada “Vocabulário trilíngüe de Astronomia: tratamento da neologia e variação”, tem como um dos objetivos a busca de equivalentes em francês e em inglês de um conjunto terminológico da área da Astronomia, partindo de termos em português levantados no início do projeto. Relataremos, no presente texto, algumas considerações sobre os graus de equivalência terminológicas aplicados ao nosso corpus em português e em inglês, dessa área do saber.

1. Terminologia multilíngüe

Com a evolução dos sistemas de comunicação, as informações devem ser processadas em vários idiomas de forma veloz, quase que instantânea, o que produz cada vez mais uma demanda por dicionários e glossários bilíngües especializados. Terminólogos e tradutores empenham-se em realizar esse trabalho. Uma pesquisa dessa natureza, que envolve duas (ou mais) línguas, situa-se no campo da Terminologia bilíngüe (Aubert, 1996) ou Terminologia comparada (Rondeau, 1984).

Dubuc distingue equivalência de correspondência. Para esse autor, termos de línguas diferentes são equivalentes se “possuem uma identidade completa de sentido e de uso no interior de um mesmo domínio de aplicação” e são correspondentes quando “o termo da língua de partida (LP) recobre apenas parcialmente o campo de significação do termo da língua de chegada (LC) e vice-versa ou, ainda, quando um dos termos se situa em um nível de língua diferente de seu homólogo da outra língua” (Dubuc, 1985, p. 55). No âmbito deste trabalho, empregaremos equivalência para nos referirmos ao “processo” ou “fenômeno” de implicação recíproca entre os termos, e equivalente para nos referirmos ao termo que é o resultado desse processo1.

2.1. Terminologia e Tradução

Toda tradução de textos técnicos conduz obrigatoriamente a uma pesquisa terminológica. Na prática tradutória cotidiana, muitos tradutores devem realizar, eles próprios, suas pesquisas terminológicas, devem familiarizar-se com a terminologia do texto de partida antes de se empenhar na tradução e isso só é feito de maneira eficaz se dispuserem de ferramentas terminológicas adequadas e souberem servir-se delas. Os tradutores, dispondo de um acesso simples e rápido a uma terminologia segura, podem aumentar consideravelmente a qualidade de seu trabalho.

De modo geral, todos os dicionários terminológicos bilíngües e multilíngües desempenham papel relevante nesse tipo de atividade, devendo, portanto, ser fonte confiável de pesquisa. Terminologia e Tradução são campos distintos, mas trabalham em cooperação. Aubert (1996) lembra que a relação entre Tradução e Terminologia, não é, contudo, tão simples, direta e unidirecional, uma vez que a Tradução é tão antiga quanto os primeiros contatos entre povos de línguas distintas, enquanto a Terminologia, “entendida como estudo descritivo e sistematizador dos vocábulos das línguas de especialidade, constitui área de estudos relativamente recente e a produção de materiais

1 De acordo com Rodrigues (2000), “a noção de equivalência nos estudos de tradução pressupõe a preservação

de conteúdos ou de valores, apesar da mudança de contexto, de espaço e de tempo” (p. 201). Nos estudos terminológicos, entretanto, o termo equivalência é bem aceito, no sentido proposto por Dubuc, sem que seja desconsiderado o contexto e a possibilidade de variação da unidade terminológica em LC.

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terminológicos, particularmente em forma bilíngüe, é ainda, em muitos domínios, apenas incipiente” (Aubert, 1996, p. 14). Mesmo datando de 1996, acreditamos que a afirmação de Aubert se aplique aos dias atuais.

É necessário atentar para o fato de que o princípio básico que norteia a pesquisa terminológica bilíngüe ou multilíngüe é que “fazer terminologia não é fazer tradução” (Cabré, 1993, p. 246). Fazer terminologia, para Cabré, não se resume em traduzir as formas de uma língua para outra baseando-se em algumas denominações pretendidamente equivalentes, mas colher as denominações que os usuários da língua de chegada efetivamente empregam para se referirem a um determinado conceito e, em último caso, propor alternativas de denominação a situações mal resolvidas pelos especialistas do domínio.

2.2. A metodologia da pesquisa terminológica bi- e multilíngüe

O estabelecimento rigoroso de equivalências em LC deve basear-se em trabalhos (documentação) similares aos empregados no estabelecimento da nomenclatura em LP. A busca dos equivalentes não pode prescindir de documentos especializados monolíngües em ambos os idiomas, principalmente no que concerne aos contextos.

É preciso que, antes de o terminólogo concluir que dois termos são equivalentes, proceda a uma análise do conteúdo semântico desses em cada língua. A comparação dos contextos nos quais esses termos se realizam permite a identificação de ganchos terminológicos, isto é, de “descritores comuns nos contextos citados em uma ficha terminológica bilíngüe e que atestam a analogia dos conceitos em uma outra língua” (Dubuc, 1985, p. 57). A presença de ganchos terminológicos é, segundo o autor, necessária à plena validade de uma ficha terminológica bilíngüe.

A correspondência formal das unidades terminológicas – principalmente nas línguas neolatinas – não deve ser obrigatoriamente considerada como um gancho terminológico, embora constitua uma pista. Deve-se atentar, principalmente, para o contexto e a identidade (total ou parcial) dos conceitos e usos.

Uma investigação terminológica é totalmente multilíngüe se, para cada língua que abrange, são seguidos todos os passos de uma investigação monolíngüe, ou seja, o trabalho bilíngüe ou multilíngüe consiste em aplicar, para cada língua, o mesmo procedimento que sucintamente consta de: inventário dos recursos terminográficos, busca da documentação apropriada, sistematização de termos em fichas etc. (Alpízar-Castillo, 1995, p. 54).

Aplicar a mesma metodologia da pesquisa temática para cada língua em jogo dentro de um projeto leva, no entanto, bastante tempo, o que pode causar certa defasagem quando da publicação do trabalho. Nesse sentido, é importante uma busca de abordagens alternativas, complementares à primeira que, de acordo com Aubert (1996) “gerassem, em tempo mais curto, bases de dados utilizáveis no contexto bilíngüe. Tal base poderia ser constituída a partir dos materiais lexicográficos já existentes sob forma de dicionários especializados monolíngües ou bilíngües” (Aubert, 1996, p. 126).

Essa proposta valida a pesquisa de equivalentes em obras lexicográficas ou terminográficas bilíngües ou monolíngües. Assim, a busca de equivalentes em uma LC dar-se-ia tendo como ponto de partida uma nomenclatura preestabelecida. Esse procedimento é o mais adotado nos projetos multilíngües e também é considerado como absolutamente normal por centros especializados em tradução, como o Grupo de Trabalho Terminologia e Documentação, da Conferência dos Serviços de Tradução dos Estados membros da Europa Ocidental - CST, com sede na Suíça. O CST recomenda que os seguintes passos metodológicos na pesquisa multilíngüe sejam adotados:

1. definição precisa dos conceitos na língua de partida, para isso a pesquisa sistemática pura constitui um excelente método;

2. identificar as denominações nas línguas de chegada, apoiando-se em uma documentação original. (CST, 1990, p. 13).

O CST aconselha, portanto, que se estabeleça o já referido sistema conceptual em LP e, a partir deste, proceda-se à busca dos equivalentes em LC, com o auxílio de material originalmente escrito na própria LC. Esse percurso metodológico está sendo seguido em nossa pesquisa com termos da área da Astronomia.

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2.3. Problemas de equivalência em dicionários bi- e multilíngües

Nem sempre as obras lexicográficas ou terminográficas bi- ou multilíngües apresentam a qualidade necessária para garantir a segurança dos resultados da pesquisa de equivalentes por parte dos tradutores ou dos usuários do dicionário, mesmo em domínios altamente especializados e controlados por normas internacionais. As deficiências podem se dar nos três componentes estruturais dessas obras: macroestrutura (organização estrutural geral do repertório), microestrutura (organização dos dados contidos no verbete) e sistema de remissivas.

Pode ocorrer, por exemplo, que um dicionário bilíngüe atribua, a um termo em LP, apenas um equivalente em LC, mas este pareça não se inserir logicamente no contexto. Ou ainda, um dicionário bilíngüe atribua, para um termo em LP, vários equivalentes em LC, mas o contexto não permita escolher nenhum deles com clareza absoluta (Jammal, 1999, p. 229). Nesses casos, é necessário, de acordo com Jammal (1999), recorrer a dicionários monolíngües ou, na falta desses, a manuais ou revistas monolíngües e encontrar contextos que esclareçam a questão e, em seguida, comparar os campos semânticos dos termos em LP e em LC para se assegurar de sua equivalência.

Outros possíveis problemas dos dicionários bi- ou multilíngües são apresentados por Lerat (1995, p. 96). O autor afirma que esses dicionários têm horror ao vazio, ou seja, quando não encontrado um equivalente, tendem ao preenchimento, às “soluções lexicográficas”, mesmo em detrimento da precisão do equivalente terminológico proposto.

Esse aspecto é de extrema relevância e consideramos que esse “preenchimento” não deva ocorrer, uma vez que os equivalentes apresentados em uma obra terminográfica devem ser os termos efetivamente utilizados no mesmo contexto da língua de chegada pelos especialistas da área. Assim, não existindo, melhor seria indicar tal inexistência.

O uso de “equivalências relativas” diante da impossibilidade de se encontrar um equivalente de uso real em LC é, a nosso ver, questionável. Consideramos que esse tipo de procedimento acaba sendo o mesmo que “preencher lacunas”, o que pode colocar em risco a confiabilidade da obra terminográfica. Esses equivalentes “relativos” são dubitáveis, na medida em que podem induzir a erros ou a imprecisões. No caso de um dicionário especializado em uma área médica, por exemplo, a falta de precisão pode acarretar conseqüências danosas.

2.4. Graus de equivalência

Durante nossa pesquisa sobre o subconjunto terminológico da Astronomia, percebemos diferenças nas equivalências de termos nos idiomas estudados. Essas diferenças podem ser explicadas pela visão de mundo e interpretação de cada comunidade sociocultural. Segundo Szende (1996, p. 111-2), essas diferenças ocorrem devido ao recorte que cada língua dá à realidade extralingüística: “longe de serem nomenclaturas distintas, as línguas são, sobretudo, redes de significação que organizam de maneiras diferentes o mundo experimentado”. Essas diferenças se dão também inter-língua. Um exemplo é o caso da Astronomia que, em inúmeros casos, vive a situação em que autoridades na matéria classificam corpos celestes de modo diferente e, muito freqüentemente, designam-nos com uma terminologia própria, chegando a criar neologismos. Essa realidade monolíngüe acarreta problemas em pesquisa bi- ou multilíngües, uma vez que, ao se processar uma pesquisa de equivalentes em outro idioma, essas idiossincrasias de autores não encontrarão exato equivalente lingüístico.

As diferenças de equivalências são estudadas, dentre outros terminólogos, por Dubuc (1985), Felber (1987) e Alpízar-Castillo (1995) que elaboram, em suas pesquisas, esquemas que demonstram os diversos graus de equivalência entre termos de duas línguas em confronto e chegam a resultados semelhantes, os quais passaremos a demonstrar.

Dubuc relata a possibilidade de ocorrência de três situações fundamentais: a. equivalência (total);

b. correspondência;

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A

B

A

Esses três casos podem ser visualizados no esquema abaixo:

Figura 1: Graus de equivalência segundo Dubuc.

O primeiro conjunto ilustra dois termos equivalentes, ou seja, um termo recobre totalmente o campo de significação do outro; o segundo ilustra dois termos correspondentes, isto é, um termo recobre parcialmente o campo de significação do outro; o terceiro ilustra dois termos em que não há nenhuma relação de equivalência.

Felber é o único dentre os três autores em questão que inclui, em sua proposta de classificação, o grau de superioridade. Entendemos que, por essa razão, o autor acrescentou uma pequena explicação apenas no que concerne a esse grau no quadro cuja configuração é a que segue:

Conceitos A e B Comparação Extensão

1. Equivalência exata dos conceitos A = B A = a1, a2, a3 ... B = b1, b2, b3 ... a1 = b1 a2 = b2 a3 = b3 A B 2. Intersecção A Ç B A = a1, a2, a3, a4 ... B = b1, b2, b3, b4 ... a1 = b1 a2 = b2 a3 ¹ b3 a4 ¹ b4 3. Superioridade A Ì B A = a1, a2, a3 ... B = b1, b2, b3, b4 ...

A extensão de A é maior que a de B. A possui, conseqüentemente, menos características. a1 = b1 a2 = b2 a3 = b3 b4 a4 = falta A B

4. Não-equivalência dos conceitos A ¹ B A = a1, a2, a3 ...

B = b1, b2, b3 ...

a1 ¹ b1 a2 ¹ b2 a3 ¹ b3

Figura 2: Graus de equivalência segundo Felber.

No esquema acima, a1, a2, a3 são as características do conceito A, pertencente à LP, e b1, b2, b3 são as características conceito B, pertencente à LC.

Para Alpízar-Castillo (1995), as equivalências entre um termo em LP e outro em LC encontram-se em um “diapasão de probabilidades que vai desde o total recobrimento do conteúdo do termo da LP por um da língua LC até a total falta de equivalências, passando por uma variada gama de recobrimentos parciais” (Alpízar-Castillo, 1995, p. 101). Essa observação pode ser ilustrada na seguinte figura:

B

A

A/B

B

A

B

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A/B ---- A B ---- A B

Figura 3: Graus de equivalência segundo Alpízar-Castillo

O primeiro quadro acima representa a situação de total recobrimento do conteúdo do termo da LP por um termo da LC; no segundo quadro, Alpízar-Castillo demonstra o recobrimento parcial do conteúdo, constituindo esse conjunto, como se refere o autor, as “variadas gamas de recobrimentos parciais”; o último quadro configura a total falta de equivalência.

Contrastando os três autores, teremos:

Dubuc Felber Alpízar-Castillo

equivalentes equivalência exata dos conceitos total recobrimento do conteúdo intersecção correspondentes superioridade recobrimento parcial do conteúdo

vazio de equivalência não-equivalência dos conceitos

total falta de equivalência

O fato de apenas Felber discorrer sobre o grau de superioridade das equivalências não significa que os outros dois autores não tenham verificado, em seus estudos, o referido caso, mas é provável que o tenham incluído na segunda classificação, isto é, “correspondentes” para Dubuc e “recobrimento parcial do conteúdo” para Alpízar-Castillo.

2.4.1. Equivalência total

Com base no acima exposto, podemos depreender que, segundo Dubuc, para identificarmos dois termos como sendo equivalentes “perfeitos” deve-se observar:

a. se há identidade conceptual entre os termos; b. se estes se situam no mesmo nível de língua; c. se há identidade de uso.

Assim, dá-se equivalência total quando a relação mantida entre dois termos de línguas diferentes atende aos três critérios acima mencionados, ou seja, os termos possuem mesmo conteúdo conceptual, pertencem ao mesmo nível de língua e apresentam o mesmo uso por parte dos especialistas nos dois idiomas confrontados.

Em um artigo sobre o assunto, Barros e Silva (2004) demonstram que é possível, em alguns termos do domínio da Dermatologia, ocorrer equivalência total e acreditam que esse fenômeno ocorra “devido, sobretudo, ao fato de a Dermatologia ser uma área de especialidade em que se busca sempre padronizar as formas lingüísticas para que sejam reconhecidas internacionalmente” (Barros; Silva, 2004). Observamos também este fenômeno na área da Astronomia. Este tópico, entretanto, é polêmico e muito debatido nos estudos de Terminologia bilíngüe. Como exemplo, tomemos o par de equivalências Nuvem de Oort em português e Oort cloud em inglês:

P

or

tu

gu

ês

Esses corpos formariam uma vasta nuvem circundando o Sistema Solar, em órbitas com afélios a uma distância de ≈ 50 000 UA do Sol: a "Nuvem de Oort". Haveria ≈ 100 bilhões de núcleos cometários nessa nuvem. Eventualmente, a interação gravitacional com uma estrela próxima perturbaria a órbita de algum cometa, fazendo com que ele fosse lançado para as partes mais internas do sistema solar. (Oliveira Fº; Saraiva, 2005).

In

gl

ês

Most comets are thought to reside in the Oort cloud, a vast "reservoir" of cometary material, tens of thousands of astronomical units across, completely surrounding the Sun. A very small fraction of comets happen to have highly elliptical orbits that bring them into the inner solar system. (Chaisson; McMillan, 2005).

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Notamos que os ganchos terminológicos presentes tanto na definição em português quanto em inglês são claros e muito semelhantes:

Português Inglês

vasta nuvem circundando o Sistema Solar vast "reservoir" (…) completely surrounding the Sun

Haveria ≈ 100 bilhões de núcleos cometários nessa nuvem.

tens of thousands of astronomical units across

perturbaria a órbita de algum cometa, fazendo com que ele fosse lançado para as partes mais internas do sistema solar

highly elliptical orbits that bring them into the inner solar system

No que tange ao nível de língua, deve-se verificar se o corpus da pesquisa compõe-se de obras de mesma natureza e nível de língua nos dois idiomas comparados. Essa constatação deve ocorrer tanto intralíngua quanto interlínguas. Nosso corpus em português constituiu-se de dois importantes Tratados de Astronomia escritos pelas maiores autoridades na matéria. Como fontes em inglês, utilizamos também obras renomadas na área. Visto que tanto as obras em português quanto as em inglês foram escritas por importantes especialistas na área e estes empregam uma linguagem científica, podemos afirmar que os termos foram extraídos de textos que se situam em um mesmo nível de língua. Isso não significa, porém, que todos os termos sinônimos (de um ponto de vista intralíngua) pertençam ao mesmo nível de língua.

No que concerne ao uso, nuvem de Oort e Oort cloud são os termos mais freqüentemente utilizados pelos especialistas em Astronomia em ambas as línguas, constituindo, em todas as obras analisadas, os termos principais dos capítulos dos tratados de Astronomia consultados. Assim, notamos que esses pares terminológicos apresentam equivalência quanto ao conteúdo conceptual, ao nível de língua e ao uso. Nesse sentido, podemos dizer que são equivalentes totais.

2.4.2. Intersecção

Esse é um caso corrente em pesquisas terminológicas bi- e multilíngües, estudado também por Corbeil (1999, p. 79). Nesse segundo grau de equivalência (A ∩ B), um termo da LP apresenta apenas alguns traços semânticos em comum com o termo da LC, ao mesmo tempo que apresentam traços que os tornam distintos um do outro.

Esse fenômeno ocorre com freqüência. Szende (1996), por exemplo, acredita que, com exceção de alguns termos técnicos ou científicos de uso muito restrito a determinado domínio, “a grande maioria dos signos de duas línguas não é equivalente (total); eles podem designar duas realidades múltiplas e geralmente bem diferentes” (Szende, 1996 p. 115).

Apesar disso, a questão da intersecção não repousa na identificação de ganchos terminológicos “parciais”, porque em ambas as línguas a doença (o referente) é a mesma, mas os tratados e dicionários podem dispor de modo diferente esses traços, podem apresentá-los detalhadamente ou ainda omiti-los, ou seja, em uma obra, uma doença dispõe de características que não estão descritas em outra, e vice-versa. Essa situação não significa, porém, que os termos estejam em relação de intersecção: esse grau de equivalência é observado pelas diferenças de uso e de nível de língua das várias unidades terminológicas que designam o conceito em questão. Como exemplo, podemos citar:

Português Inglês

estrela cadente

meteor

matéria escura

missing mass

ponte de Einstein-Rosen

wormhole

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Na superioridade conceptual, estudada por Felber, encontra-se, em LC, apenas um termo genérico para designar o conceito que, em LP, é designado por mais de uma unidade terminológica específica ou vice-versa. Nesse sentido, a árvore conceptual do domínio estudado é uma ferramenta de extrema importância no momento de se determinar os termos equivalentes, pois, uma vez que se tem um sistema conceptual estruturado em LP, os equivalentes apresentam essa organização como referencial. O conteúdo conceptual das unidades lingüísticas dispostas nos diferentes níveis desse sistema segue uma orientação que vai do genérico para o específico, sendo que os hiperônimos possuem uma maior extensão semântica, mas uma menor compreensão. Essa situação ocorre inversamente com relação aos hipônimos. A questão é explicada da seguinte maneira por John Lyons:

A extensão de um termo concerne a uma classe de entidades às quais se aplica ou refere um termo; sua compreensão é o conjunto dos atributos que caracterizam toda entidade à qual o termo pode ser aplicado. A extensão e a compreensão são inversamente proporcionais uma à outra, no sentido de que quanto maior a extensão de um termo, mais sua compreensão é restrita e vice-versa. (Lyons, 1970, p. 347).

Em outras palavras, quanto mais específico for um termo, mas detalhados serão seus traços conceptuais, e, do contrário, se o termo for mais genérico, terá uma maior extensão, pois englobará vários termos específicos, mas seus traços conceptuais serão mais gerais, por isso apresentará uma menor compreensão.

Quando se trabalha com termos organizados em uma árvore conceptual, como é o caso de nossa pesquisa, esse tipo de relação é notado em inúmeros termos. Vejamos os seguintes exemplos:

Símbolo de classificação

Português Inglês

4.3.

tipo espectral

spectral class

4.3.1

supergigante azul

blue supergiant 4.3.2.

supergigante vermelha

red supergiant 4.3.3.

gigante azul

blue giant 4.3.4.

gigante vermelha

red giant 4.3.5.

anã vermelha

red dwarf

4.3.6.

anã marrom

brown dwarf

Em português e em inglês os termos se comportam de modo semelhante no que diz respeito à árvore conceptual. Observando os símbolos de classificação, podemos deduzir que os termos tipo espectral e spectral class, por serem o gênero próximo (hiperônimos) dos outros três termos nas duas línguas, possuem maior extensão, englobando os três conceitos mais específicos. Os hipônimos bem como seus equivalentes em francês, estão em relação de superioridade com tipo espectral e spectral class, porque possuem alguns traços conceptuais a mais, apresentando, portanto, maior compreensão e menor extensão.

Essa superioridade intralínguas está presente na quase totalidade (se não na totalidade) de nosso sistema conceptual, em ambos os idiomas, uma vez que a terminologia de nossa pesquisa é organizada hierarquicamente. Notamos também, em alguns termos, o grau de superioridade interlínguas (equivalência por superioridade, de acordo com Felber).

2.4.4. Não-equivalência

Para boa parte dos terminólogos, tal como dentro de um sistema lingüístico qualquer acontece com a sinonímia, as equivalências absolutas e perfeitas são pouco prováveis entre duas línguas, principalmente se forem considerados os níveis semântico, pragmático e ideológico.

Casos de ausência de equivalentes em língua de chegada são, portanto, muito freqüentes. Alpízar-Castillo (1995) atribui a fatores extralingüísticos os casos em que o conceito não existe em alguma das línguas confrontadas, alegando tratar-se de realidades muito divergentes nas duas línguas, que ocorrem

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“a partir dos profundos e complexos laços existentes entre estrutura da língua e visão de mundo” (Alpízar-Castillo, 1995, p. 57).

Esses casos geralmente ocorrem, na área da Astronomia, com objetos recém-descobertos (no caso de corpos celestes) ou recém-criados (no caso de instrumentação astronômica). Há ainda casos em que os especialistas não encontraram uma tradução considerada adequada a um termo da LP. Na maioria das vezes, recorre-se a empréstimos para a denominação de termos em LC, como é o caso dos termos red shift e

early tipe star.

2. Considerações finais

A indicação de equivalentes em uma obra terminográfica bilíngüe ou multilíngüe exige extremo cuidado: não basta que os termos sejam fonética e morfologicamente parecidos em língua de partida e em língua de chegada, mas é necessário que haja equivalência entre os conceitos, que os termos indicados como equivalentes pertençam ao mesmo nível de língua e apresentem os mesmos usos.

Nosso trabalho de busca de equivalentes está sendo auxiliado por duas bases de dados terminológicos e textuais, bem como pela ficha eletrônica trilíngüe, o que une os conhecimentos sobre Terminologia aos pertencentes ao domínio da Informática. Verificamos que os graus de equivalência apresentados por Felber, Dubuc e Alpízar-Castillo aplicam-se na terminologia da Astronomia. Em nossa pesquisa, ainda em andamento, estamos observando e relatando esses fenômenos a fim de contribuir com os estudos terminológicos multilíngües e com pesquisas futuras.

Referências

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AUBERT, F. H. Introdução à metodologia da pesquisa terminológica bilíngüe. São Paulo: Humanitas, 1996.

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CORBEIL, J.-C. Le plurilinguisme terminologique. In: Terminología y modelos culturales. Barcelona: IULA, 1999.

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Referências

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