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Contos No Rádio: As Adaptações Literárias Para O Meio Radiofônico 1

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Academic year: 2021

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Contos No Rádio: As Adaptações Literárias Para O Meio Radiofônico1

Nayana Monteiro SIEBRA2 João Marcelo Nunes de SENA3 Ranniery Melo Barros de SOUZA4

Andrea PINHEIRO5

Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará

Resumo: O presente artigo trata da literatura como mote para a construção de enredos

de radiodramaturgia e como é feita adaptação de linguagens do meio escrito para o meio radiofônico. Como objeto de análise, utiliza-se o programa Contos no Rádio, veiculado pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro e pela Rádio MEC, ambas emissoras públicas. O programa traz interpretações dramatizadas de contos clássicos da literatura brasileira e universal.

Palavras-chave: Radioteatro, literatura, adaptação.

Introdução

O rádio como meio de comunicação de massa é marcado pela característica de ser o meio que mais rápido pode transmitir a informação. Isso acontece devido à possibilidade de divulgar os fatos no local exato dos acontecimentos. O rádio não exige muitos aparatos tecnológicos e com os transistores ele conseguiu se expandir para diversas áreas.

“O rádio foi o primeiro dos meios de comunicação de massa que deu imediatismo à notícia devido à possibilidade de divulgar os fatos no exato momento em que ocorrem. Permitiu que o Homem se sentisse participante de um mundo muito mais amplo do que aquele que estava ao alcance dos seus órgãos sensoriais: mediante uma ampliação da capacidade de ouvir, tornou-se possível saber o que está a acontecer em qualquer lugar do mundo” (Beltrão, 1968)

Com o rádio, veio também a propagação de outras formas de entretenimento, tais como a veiculação de músicas ou de programas. O rádio, com características como instantaneidade, mobilidade, oralidade e até mesmo autonomia, oferece possibilidades variadas para conquistar público diversificado, das mais distintas regiões.

Este artigo trata mais especificamente de um gênero de entretenimento do rádio: a radiodramaturgia. Quando o principal veículo de comunicação era o rádio, os

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Trabalho apresentado na Divisão Temática de Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – VI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Estudante do 6º semestre de Comunicação Social – Jornalismo da UFC 3

Estudante do 3º semestre de Comunicação Social – Jornalismo da UFC

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Estudante do 6º semestre de Comunicação Social – Jornalismo da UFC

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rádiodramas tiveram seu período áureo, sendo os programas mais esperados pelos ouvintes.

A radiodramaturgia consiste na atuação de peças teatrais através do meio radiofônico, o que logo atraiu um público cativo. Conforme afirma González (1985):

A transferência de diálogos e escritos teatrais para o rádio, constituiu, junto com os noticiários, a programação falada. O “teatro irradiado” foi um êxito. Se uma emissora desejava dar certo, devia contar com seu próprio radioteatro e seu consequente quadro de comédias. (GONZÁLEZ, 1985 apud. MEDITSCH e ZUCULOTO, 2008)

Centenas de radioteatros e radionovelas foram veiculadas pelas emissoras brasileiras. Muitas vezes recorreu-se à literatura para a construção dos enredos das peças. Desta forma, este artigo trata da forma como o rádio se apropriou das obras literárias para compor alguns de seus radiodramas. Para isso, será utilizado o programa Contos no Rádio, veiculado pela rádio Nacional do Rio de Janeiro e pela Rádio MEC, que produz radioteatros a partir de textos da literatura clássica.

Panorama da radiodramaturgia no brasil

Ao observar a função de entretenimento do rádio, encontra-se um gênero que se tornou muito popular, a radionovela. Para compreender um pouco o que é a radionovela, volta-se ao século XVII, onde começa a existir um novo gênero literário: o melodrama.

Quando o melodrama surgiu, na Itália, retratava um drama cantado. Na França, um século depois, o melodrama também se fez conhecido. Para Huppes (2000) “O melodrama é um gênero teatral que teve sua origem associada à ópera e à opereta popular, que junta texto e canção.”

Foi na França que o melodrama se tornou conhecido e popular da forma que se vê hoje. O melodrama seria a sucessão da tragédia e, de acordo com Thomasseau (2005), passa por três fases: “o melodrama clássico, que vigorou entre 1800 e 1823, o melodrama romântico, de 1823 a 1848 e, por fim, o melodrama diversificado, que vai de 1848 até o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914.”

O melodrama é caracterizado por enredos sentimentais, com um estilo romântico, podendo absorver as mudanças do contexto social da época que eram produzidos. É marcado por uma estrutura simples, com personagens de valores opostos. Geralmente o personagem „vilão‟ predomina na história, fazendo maldades, mas no fim ele é punido, como se fosse uma comprovação para a sociedade de que os bons costumes e a moral sempre vencem.

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O enredo do melodrama conta ainda com uma

“elasticidade na trama, na qual o traço principal é a surpresa iminente. A linha de progressão é aberta para incorporar novos desdobramentos em vez de configurar o desfecho e segui-lo em linha reta, para que o espectador tenha a possibilidade de ser despertado para novos episódios cheios de suspeita e inquietação, instigando seu interesse.” (CESÁRIO et al., 2006)

A temática predominante no melodrama é a reparação da injustiça e a realização amorosa. É comum as histórias terem um final feliz e uma mensagem moralizante, entretanto, este final feliz não é uma regra do melodrama.

No decorrer do século XIX, o gênero foi perdendo espaço para o drama de fundo histórico, mas no século XX, “o melodrama recupera seu espaço retomando o fôlego com o surgimento das modernas variedades de entretenimento. Os meios de comunicação de massa, em especial o cinema e a televisão, propiciaram-lhe um habitat estimulante.” (CESÁRIO et al., 2006)

Do melodrama surgiram outros formatos que valorizavam a temática sentimental e incluíam a surpresa. São exemplos destes o romance, o folhetim e a novela.

“O romance apresenta uma descrição longa das ações e sentimentos de personagens fictícios, numa transposição da vida para um plano artístico. Já o folhetim é o fragmento de um romance publicado em um jornal dia após dia, suscitando o interesse do leitor; ou um teatro móvel que vai buscar os espectadores em vez de esperá-los. A novela, por sua vez, como uma derivação do romance folhetim, pode ser definida como uma narração ordenada e completa de fatos humanos fictícios, mas verossímeis, geralmente apresentados em capítulos, escritos ou adaptados para apresentação seriada pelo rádio ou televisão.” (FERREIRA, 1984)

A novela surgiu ainda na Idade Média e retrata histórias mais ligadas ao cotidiano. Ela enfoca mais nas situações do que nos próprios personagens. A novela conta com cenas curtas, de fácil entendimento, com um enredo que se desenvolve ao longo dos capítulos, que pode ser desenrolado por um curto ou longo período de tempo, como afirma Cesário:

“O melodrama perpetuou-se na ficção literária e chegou à cultura de massa através dos meios eletrônicos, radionovela e telenovela, que possuíam e ainda possuem a estética romântica como pilar. (...) Hoje, as novelas de rádio e da televisão devem ser entendidas por todos, uma grande massa heterogênea da população, não se restringindo apenas ao grupo de intelectuais.” (CESÁRIO et al., 2006)

Os registros constam que a radionovela surgiu nos Estados Unidos, na década de 1930. Ela se baseou nos fragmentos dos romances que eram publicados nos jornais

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impressos diários e começou a ser veiculada nas rádios. “As novelas foram chamadas de soap-operas – óperas de sabão -, patrocinadas por empresas multinacionais de produtos de limpeza interessadas em conquistar as donas de casa.” (MEDEIROS,1998)

As radionovelas norte-americanas foram apresentadas de forma diferente dos textos veiculados nos jornais impressos. Eram apresentadas em forma de capítulos seriados, até o fim da história. A novela era marcada por um desenrolar de tramas paralelas e não tinha tempo determinado de duração

Já o estilo de radionovela difundido em toda a América Latina é um modelo oriundo de Cuba, pelo ano de 1934, que resgatou o folhetim para as ondas de rádio. “As emissoras locais irradiavam o embrião do gênero – estórias de aventuras de Chan Li Po, inspirados no detetive chino-americano Charlie San.” (MEDEIROS,1998)

A radionovela surgiu também como uma opção para suprir os anseios das donas de casa. Segundo Medeiros (1998), “pesquisas constataram que as mulheres queriam ouvir, enquanto faziam seus afazeres domésticos, programas mais voltados ao entretenimento em vez de educativos”. As radionovelas, para muitas mulheres, era a grande opção de divertimento, que substituía as limitações de outras atividades.

Foi a partir do reconhecimento do papel importante que a radionovela vinha adquirindo e do público que estava conquistando, que os produtores começaram a investir na contratação de atores, roteiristas e alugaram espaço nas rádios para a transmissão.

No Brasil, na década de 1930, chegaram peças radioteatralizadas, os radioteatros. Elas eram veiculadas na íntegra, com duração de aproximadamente uma hora ou eram divididas em partes, transmitidas por mais de um dia.

“O primeiro texto a ser veiculado foi “Os Miseráveis”, de Victor Hugo, interpretado em dois capítulos de meia hora pela Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro. Como conta Rafael Casé, a aceitação popular foi imediata, sendo criados quadros nessa emissora para acolherem os dramas (...). Depois disso a rádio não parou mais de atuar no ramo do radioteatro, experiência seguida por outros prefixos.” (MEDEIROS,1998)

A radionovela propriamente dita chegou ao Brasil em 1941, patrocinada pela fabricante de produtos de higiene Colgate-Palmolive. Estreou na Rádio Nacional Em busca da felicidade, um drama do cubano Leandro Blanco e traduzida por Gilberto Martins. “O produto enlatado começa a ser produzido no país, com um padrão preestabelecido, uma engrenagem já testada pelas multinacionais em outras partes do

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mundo: temática folhetinesca e melodramática, tendo como público alvo o universo feminino.” (MEDEIROS,1998)

As radionovelas eram veiculadas de duas as três vezes por semana e tinham duração média de 20 minutos. Apenas a partir da década de 1960, a transmissão passou a ser diária, por influência da televisão, que, naquela época, ia deslocando o público e o patrocínio do rádio para suas produções.

A adaptação de gêneros literários à estética radiofônica

O rádio é caracterizado pela linguagem simples que desperta a imaginação do ouvinte, e traz em seus textos elementos fundamentais para ser bem compreendido. O texto de rádio é escrito para ser falado, portanto tem que ser claro, objetivo e direto. Quem o ler deve ter em mente que o ouvinte só terá uma chance de compreender aquele texto, por isso ele precisa ser entendido de imediato. Não é recomendável utilizar no texto termos rebuscados, que façam o espectador confundir-se sobre o significado do que está ouvindo e acabar esquecendo-se de escutar o que é falado na sequência.

Prado (1989) fala que:

“expressar-se com clareza, portanto, requer simplicidade, exatidão, organização e acréscimos estimuladores. A simplicidade é alcançada por meio de frases curtas, pouco complexas; de palavras e termos conhecidos; da explicação da palavra técnica. Já a exatidão exige informação concisa, na qual cada palavra deve ser pensada. A organização, por sua vez, requer construção e continuidade das informações fáceis de mentalizar. Consequentemente, é fundamental estabelecer diferenças entre o essencial e o supérfluo; e o trabalho sonoplástico adequadamente correlacionado ao texto é indispensável, para proporcionar acréscimos estimuladores.” (PRADO, 1989)

Também é importante no fazer radiofônico o acréscimo de efeitos sonoros, além do trabalho com aspectos da fala. Qualquer pausa no rádio tem um significado. Dessa forma, ao se construir uma notícia, um texto ou uma história, a entonação, a fala, o modo de expressão, são elementos que vão fazer com que o ouvinte receba a mensagem de modo diferenciado. “Os efeitos sonoros da sonoplastia estimulam a fantasia: músicas e ruídos podem identificar personagens, desenhar lugares, criar situações. O som associado à fala faz com que o público consiga ver o que está sendo transmitido.” (CESÁRIO, et al., 2006)

A partir desses aspectos sobre a linguagem radiofônica, percebe-se que veiculação de textos originalmente literários, deve passar por um processo de adaptação. Afinal, diferentemente do que acontece no rádio, o leitor de um livro tem a

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oportunidade, se achar necessário, de reler algum trecho que não entendeu, ou mesmo parar a leitura para procurar o significado de uma palavra desconhecida.

Ao se tratar da linguagem radiofônica a partir das referências literárias, Camacho (2007) afirma que poucas formas artísticas estabeleceram entre si tantos intercâmbios como o rádio e a literatura.

Desde su nascimiento, la radio se convirtió rápidamente, por um lado, en um medio consumidor de obras teatrales y narrativas para ser adaptadas a su lenguaje sonoro y, por el otro, en un medio de expresión artística que propició el acercamiento de muchos creadores a la radio, gracias a las condiciones que el sonido ofrece como medio expressivo. (Camacho, 2007, p.18)

Dessa maneira, observa-se que o rádio sempre esteve ligado às artes literárias, portanto, o desafio de adaptar estes tipos de texto ao meio radiofônico é recorrente desde os primórdios do veículo6. Uma das mais criativas adaptações foi o caso da peça radiofônica “Guerra dos Mundos”, inspirada no livro homônimo de Orson Welles. No ano de 1930, nos Estados Unidos, Welles e o radialista Howard Koch transformaram o romance, que narra uma invasão extraterrestre, em uma espécie de radiorreportagem ficcional, transmitida ao vivo, com os depoimentos de falsos cientistas e autoridades políticas. O resultado foi que o público que só ligou o rádio no meio da transmissão entrou em pânico por achar que o fato narrado estava realmente acontecendo. Apenas aqueles que escutavam desde o começo sabiam que se tratava de ficção.

Tomando agora como análise a estética da radiodramaturgia brasileira, vê-se que o rádio no país inspirou-se principalmente no modelo cubano, pioneiro na produção de radionovelas. As histórias, de forte carga melodramática eram, a princípio, importadas de Cuba. Existia, porém, no Brasil, um grande preconceito em relação ao gênero radionovela, que era considerado um produto menor.

A situação brasileira não era diversa da apresentada em Cuba. Segundo Saint-Clair Lopes (speaker, ator, escritor, representante jurídico), a crítica era impiedosa com o rádio. O meio era caracterizado como popularesco, gerando um distanciamento da intelectualidade. Para solucionar este problema, “o rádio teve que criar seus próprios intelectuais”. Os escritores de radionovela sempre foram acusados de produzir subliteratura, de não contribuir para a elevação do nível cultural do país. (CALABRE, 2008)

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Os primeiros dramas transmitidos pela emissora BBC de Londres, em 16 de fevereiro de 1923, consistiam em três cenas de três obras de William Shakespeare. No dia 28 de maio do mesmo ano, a BBC lançou a primeira obra radiofônica completa de Shakespeare, Twelfth Night. Em quase todos esses casos não se tratava propriamente de adaptações, mas de suprimir ou cortar a obra literária. A primeira novela adaptada foi Westhard Ho!, de Charles Kingsley, em abril de 1925, seguida por Lord Jim, de Joseph Conrad, em fevereiro de 1927. (Camacho, 2007, p.45)

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Havia um grande empenho por parte dos escritores de rádio em contornar esse preconceito. Essa busca acontecia tanto pela melhora na qualidade dos textos, como nas tentativas de trazer para o rádio encenações da literatura brasileira clássica. Essas tentativas, porém, eram rechaçadas pelos patrocinadores das radionovelas. Lia Calabre (2008), narra a situação em que um dos autores que mais escreveram radionovelas no Brasil, Oduvaldo Vianna, tentou adaptar uma história de José de Alencar:

Ao propor o projeto para a emissora, o autor recebeu uma negativa e recorreu então a um estratagema para adaptar romances de domínio público. Terminou por escolher Senhora, de José de Alencar, para o qual ele inventou o título de Recordações de Amor. O resultado foi que: uma ou duas semanas depois começaram, por cartas e telefonemas, as indagações dos ouvintes: qual o nome verdadeiro do romance? Divulgado o verdadeiro nome, toda a edição de Senhora foi esgotada em poucos dias. Nesse momento chegou a ocorrer o interesse de editores na radiofonização de alguns romances, o que foi logo descartado pelos patrocinadores. Segundo Oduvaldo Vianna, a justificativa daqueles que financiavam as produções era a de que se: “O ouvinte queria saber o final da novela, adquiria o livro. E, sabendo o fim, continuaria a ouvi-la?”. (CALABRE, 2008)

Atualmente, porém, os produtores de dramaturgia, não só no rádio, mas também na televisão, possuem um pensamento diferente dos patrocinadores das antigas radionovelas. Muito pelo contrário, são incontáveis as adaptações de livros para a dramaturgia produzidas no Brasil. As mudanças estéticas do radioteatro brasileiro, desde o seu nascimento, até os dias atuais, trouxeram a literatura para mais perto do rádio. Um exemplo disso é o programa Contos no Rádio, cujo enredo é baseado em contos de renomados autores como Machado de Assis, Mário de Andrade e João do Rio. Na próxima seção deste artigo, analisar-se-á com maiores detalhes a estrutura do programa.

Análise do programa contos no rádio

O programa Contos no Rádio começou a ser veiculado no dia 25 de abril de 2011 e é produzido pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro e pela Rádio MEC, ambas afiliadas à Empresa Brasil de Comunicação7. O programa consiste na transmissão de peças radiofônicas adaptadas da literatura brasileira e universal. Entre os autores escolhidos estão Lima Barreto, João do Rio, Machado de Assis, Raul Pompéia, Mário

7

A Empresa Brasil de Comunicação – EBC foi criada para suprir uma lacuna no sistema brasileiro de radiodifusão, com o objetivo de implantar e gerir os canais públicos, aqueles que, por sua independência editorial, distinguem-se dos canais estatais ou governamentais.

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de Andrade e Alberto Moravia. O projeto faz parte das atividades do recém-criado Núcleo de Radiodramaturgia da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), originado em 2011.

Embora o núcleo de radiodramaturgia seja de criação recente, a Rádio Nacional já possui uma tradição relevante no gênero. A partir dos anos de 1940, a emissora veiculava folhetins cubanos traduzidos e adaptados, além de seriados, até formar seu cast de autores, entre eles Dias Gomes e Janete Clair8. A Rádio Mec também produz radiodramaturgia desde 1945, quando passou a transmitir o Radioteatro da Mocidade.

O Contos no Rádio é veiculado todas as segundas feiras na Rádio MEC, e nas quintas, na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Para a primeira temporada do programa, foram produzidas dez edições, cada uma com duração entre quinze e trinta minutos. Foram elas “O homem que sabia Javanês”, de Lima Barreto; “O Amante Ideal”, “A Parada Da Ilusão” e “O Homem Da Cabeça De Papelão”, de João do Rio; “Tiburi De Praça”, de Raul Pompeia; “O Peru De Natal”, de Mario de Andrade; “Dos Tratos De Amor”, inspirado em conto de Alberto Moravia; “D. Paula”, “A Carteira” e “O Espelho”, de Machado de Assis.

Para além de ser um radioteatro apenas pelo entretenimento, percebe-se que o Contos no Rádio possui a intenção de criar no ouvinte o estímulo à leitura. As dramatizações são feitas de forma empolgante, despertando em quem escuta o programa o desejo de continuar a escutar a peça para descobrir as resoluções das tramas.

Em todas as edições, há um esclarecimento prévio de que a peça a ser veiculada se trata da adaptação de um conto literário. É feita, inclusive, a apresentação de uma pequena biografia do autor do conto em questão, de cerca de um minuto, detalhando outras obras e fatos marcantes da sua vida. Dessa maneira, oferece-se ao ouvinte um pequeno panorama do período em que o texto foi escrito, o que o ajuda a compreender com mais clareza a construção da trama em destaque e acrescenta-se ainda a sua importância e influência na literatura contemporânea. Além disso, a citação de outras obras do autor torna-se uma referência para aquele ouvinte que deseja se aprofundar melhor no universo literário da obra escutada. Vale destacar também que a apresentação do autor é feita no começo e no final do programa, dando a oportunidade àqueles que só

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Com a ascensão da televisão no Brasil, Dias Gomes e Janete Clair deixaram de escrever para o rádio e começaram a se dedicar às telenovelas. Os dois autores foram responsáveis pela mudança estética na dramaturgia tanto radiofônica quanto televisiva no Brasil: Os dramalhões cubanos deram lugar a histórias mais próximas da realidade dos brasileiros.

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ligaram o rádio quando o programa já estava sendo veiculado, de também conhecer o autor e, posteriormente, procurar o conto em questão para lê-lo por completo.

A história é retratada a partir de um conjunto de narradores, que guiam a história, juntamente com os personagens, que representam as ações. Um aspecto de destaque em todas as peças é a presença de quatro narradores. Apesar do número incomum, todos eles representam um mesmo ponto de vista. As diferentes vozes dos narradores são intercaladas no decorrer das palavras frases, construindo uma única voz narrativa, como no exemplo a seguir, extraído da peça “Dos Tratos De Amor”, livremente adaptada do conto “A Casa De Praia Das Sextas-Feiras”, de Alberto Moravia:

(Narrador 1): - A mulher tem um amante... (Narradora 1): - E o marido sabe!

(Narrador 2): - Alugaram para o verão uma casa de praia. (Narradora 2): - A casa!

(Narradora 1): - Estefano, o marido... (Narrador 2): - Alugou por duas razões... (Narrador 1): - Uma...

(Narradora 2): - De trabalho... (Narradora 1): - E a outra... (Narrador 1): - Sentimental.

Tal organização confere uma dinamicidade maior à narrativa. O uso de múltiplas vozes desperta a atenção do ouvinte e impede um possível cansaço em escutar continuamente uma mesma voz.

Além disso, outro efeito inusitado utilizado é a interação entre os narradores e personagens. Há momentos em que os personagens interrompem as frases ditas pelo narrador, continuando-as, como no exemplo do mesmo conto, quando os narradores estão descrevendo a personagem Alina:

(Narrador): - Com a diferença que Alina trai o marido por que... (Alina): - Porque hora gosto de um homem, hora gosto de outro.

Um elemento comum à linguagem radiofônica, a repetição, também é bastante utilizada nas peças e auxilia no ambiente dramático construído pelos personagens, conferindo uma maior comicidade ao radioteatro. Na dramatização de “O Espelho”, de Machado de Assis, por exemplo, a repetição aparece numa conversa entre os personagens Jacobina e Dona Marcolina:

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(Jacobina): - E abraçava-me. Chamava-me também „meu alferes‟. (Dona Marcolina): - Meu alferes!

(Jacobina): - Achava-me um rapagão bonito. (Dona Marcolina): - Que rapagão bonito!

O ouvinte consegue ainda construir o ambiente imaginário da história graças aos efeitos sonoros. No conto “O Peru De Natal”, de Mario de Andrade, por exemplo, tão logo o personagem Juca anuncia a morte de seu pai, a marcha fúnebre9 começa a tocar ao fundo. Outros elementos como o tilintar de copos num brinde também estão presentes no conto. As próprias descrições das personagens são indicadores que auxiliam o imaginário do ouvinte na percepção dos elementos da história, como o personagem Juca afirma no mesmo conto: “Do peru, só no enterro dos ossos, no dia seguinte, é que mamãe com titia ainda provavam um naco de perna vago, escuro, perdido no arroz alvo.”

O Contos no Rádio pode ser considerado um bom exemplo de prática do que foi descrito nas seções iniciais deste artigo, trazendo ao ouvinte clássicos da literatura brasileira e universal de uma forma diferenciada, o radioteatro, que ainda mostra a sua força de apreensão do público.

Considerações finais

O radioteatro, apesar de não ter mais o destaque que possuía nos anos de ouro do rádio, ainda é uma ferramenta de entretenimento bastante eficiente. Hoje o radiodrama aparece de forma mais tímida nas programações das rádios brasileiras, mas enissoras como a Rádio Nacional do Rio de Janeiro e a Rádio MEC ainda persistem na produção do gênero, dando ao público mais uma alternativa de utilização do rádio.

Uma das estratégias utilizadas pelos radioteatros atualmente é a adaptação de obras originárias da literatura. Mas essa tradução exige cuidados especiais, uma vez que cada suporte midiático possui suas características e regras específicas de veiculação das mensagens. Tomando-se a máxima de Marshall Mcluhann, “o meio é a mensagem”, tem-se que o rádio, por ser um veículo de comunicação cuja base é puramente o som, deve ter o cuidado de se fazer entender apenas por meio deste instrumento. Da mesma forma, a mensagem transcrita em um livro deve passar por um tratamento típico do meio que a suporta.

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A música em questão refere-se ao terceiro movimento da sonata nº 2 para piano em si bemol menor, op. 35, de Frédéric François Chopin, popularmente a mais reconhecida marcha fúnebre.

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Assim sendo, constata-se que o programa Contos no Rádio, analisado por este artigo, cumpre com eficiência a função a que se destina: criar uma situação radiodramática a partir da obra literária. Soma-se a isso, a percepção de um viés educativo no que concerne ao estímulo à leitura de contos cujas autorias são de escritores clássicos da literatura brasileira e universal.

Referências bibliográficas

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CALABRE, Lia. González e a fábrica de lágrimas das radionovelas cubanas. In: MEDITSCH, Eduardo; ZUCULOTO, Valci (Org.). Teorias do Rádio: textos e

contextos Volume II. Florianópolis: Insular, 2008. 384 p.

CAMACHO, Lidia. El radioarte: Un género sin froteras. México: Trillas, 2007. 189 p.

CESÁRIO, Danilo Vieira. et al. Radionovela: A magia do passado encantando o

presente. Fortaleza: LCR, 2006. 200 p.

GONZÁLEZ, Reynaldo. O pranto no rádio: remédio infalível? In: MEDITSCH, Eduardo; ZUCULOTO, Valci (Org.). Teorias do Rádio: textos e contextos Volume II. Florianópolis: Insular, 2008. 384 p.

HUPPES, Ivete. Melodrama: o gênero e sua permanência. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000.

MEDEIROS, Ricardo. Dramas no rádio: A radionovela em Florianópolis nas

décadas de 50 e 60. Florianópolis: Insular, 1998. 112 p.

Referências

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