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A imperdoável cegueira ideológica de Eric Hobsbawm

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Academic year: 2021

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A imperdoável cegueira ideológica de Eric Hobsbawm

O historiador Eric Hobsbawm ( Roland Schlager/EFE)

Maior historiador esquerdista de língua inglesa, Eric Hobsbawn, morto na

última segunda-feira, aos 95 anos, foi um idiota moral. Essa é a verdade

incômoda que os necrológios, publicados em profusão, quase sempre fizeram questão de ignorar. Marxista irredutível, Hobsbawm chegou a defender o indefensável: numa entrevista que chocou leitores, críticos e colegas, alegou que o assassinato de milhões orquestrado por Stalin na União Soviética teria valido a pena se dele tivesse resultado uma "genuína sociedade comunista". Hobsbawn foi de fato um historiador talentoso. Nunca fez doutrinação rasteira em suas obras. Mas o talento de historiador, é forçoso dizer, ficará para sempre manchado pela cegueira com que ele se agarrou a uma posição ideológica insustentável.

Essa posição lança sombras sobre uma de suas obras mais famosas, A Era

dos Extremos, livro de 1994 que, depois da trilogia sobre o século XIX

composta pelos livros A Era das Revoluções,A Era do Capital e A Era dos

Impérios, lançados entre 1962 e 1987, se dedica a investigar a história do

século XX – quando Hitler matou milhões em seus campos de concentração e os regimes comunistas empreenderam os seus próprios extermínios.

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Hobsbawm se abstém de condenar os crimes soviéticos, embora o faça, com toda a ênfase, com relação aos nazistas.

Outro eminente historiador de origem britânica, Tony Judt (1948-2010), professor de história da New York University que fez uma longa resenha do livro de memórias de Hobsbawm, Tempos Interessantes, advertia já em 2008 que o colega ficaria marcado por sua posição política. “Ele pagará um preço: ser lembrado não como ‘o’ historiador, mas como o historiador comunista”, disse em entrevista ao jornal The New York Times. Em texto publicado pela revista The New Criterion, o escritor David Pryce-Jones também apontou o prejuízo da ligação de Hobsbawm com o pensamento marxista. “A devoção ao comunismo destruiu o historiador como um pensador ou um intérprete de fatos.”

O entusiasmo com a revolução bolchevique, aliás, não foi a única fonte de tropeços morais para Hobsbawm. A conflituosa relação com as raízes judaicas – seu sobrenome deriva de Hobsbaum, modificado por um erro de grafia – o levou a apoiar o nacionalismo palestino e, ao mesmo tempo, a negar igual tratamento a Israel.

Biografia – A história pessoal de Hobsbawm ajuda a entender sua adesão ao

marxismo. Nascido no ano da Revolução Russa, 1917, em Alexandria, no Egito, ele se mudou na infância para Viena, terra natal materna, onde perdeu ainda adolescente tanto a mãe quanto o pai, um fracassado negociante inglês que permitiu a ele ter desde cedo o passaporte britânico. Criado por parentes em Berlim na época em que Hitler ascendia ao poder, ele viu no comunismo uma contrapartida ao nazismo.

Da Alemanha, Hobsbawn seguiu para a Inglaterra. Durante a guerra, serviu numa unidade de sapeadores quase que inteiramente formada por soldados de origem operária - e daí viria, mais que a simpatia, uma espécie de identificação com aquela que, segundo Marx, era a classe revolucionária. Ele estudou em Cambridge, e se filiou ao Partido Comunista, ao qual se aferraria por anos. Nem mesmo após a denúncia das atrocidades stalinistas feita por Nikita

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Khrushchov em 1956, quando diversos intelectuais romperam com o comunismo, ele deixou o partido.

Hobsbawm só desistiu de defender com unhas e dentes o sistema após a queda do Muro de Berlim, em 1989. “Eu não queria romper com a tradição que era a minha vida e com o que eu pensava quando me envolvi com ela. Ainda acho que era uma grande causa, a causa da emancipação da humanidade. Talvez nós tenhamos ido pelo caminho errado, talvez tenhamos montado o cavalo errado, mas você tem de permanecer na corrida, caso contrário, a vida não vale a pena ser vivida”, disse ele ao The New York Times, em 2003, em uma das poucas declarações em que admitia as falhas do comunismo – porém, sem dar o braço verdadeiramente a torcer.

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RESPOSTA À REVISTA VEJA

Eric Hobsbawm: um dos maiores intelectuais do século XX

Na última segunda-feira, dia 1 de outubro, faleceu o historiador inglês Eric Hobsbawm. Intelectual marxista, foi responsável por vasta obra a respeito da formação do capitalismo, do nascimento da classe operária, das culturas do mundo contemporâneo, bem como das perspectivas para o pensamento de esquerda no século XXI. Hobsbawm, com uma obra dotada de rigor, criatividade e profundo conhecimento empírico dos temas que tratava, formou gerações de intelectuais. Ao lado de E. P. Thompson e Christopher Hill liderou a geração de historiadores marxistas ingleses que superaram o doutrinarismo e a ortodoxia dominantes quando do apogeu do stalinismo. Deu voz aos homens e mulheres que sequer sabiam escrever. Que sequer imaginavam que, em suas greves, motins ou mesmo festas que organizavam, estavam a fazer História. Entendeu assim, o cotidiano e as estratégias de vida daqueles milhares que viveram as agruras do desenvolvimento capitalista. Mas Hobsbawm não foi apenas um "acadêmico", no sentido de reduzir sua ação aos limites da sala de aula ou da pesquisa documental. Fiel à tradição do "intelectual" como divulgador de opiniões, desde Émile Zola, Hobsbawm defendeu teses, assinou manifestos e escolheu um lado. Empenhou-se desta forma por um mundo que considerava mais justo, mais democrático e mais humano. Claro está que, autor de obra tão diversa, nem sempre se concordará com suas afirmações, suas teses ou perspectivas de futuro. Esse é o desiderato de todo homem formulador de ideias. Como disse Hegel, a importância de um homem deve ser medida pela importância por ele adquirida no tempo em que viveu. E não há duvidas que, eivado de contradições, Hobsbawm é um dos homens mais importantes do século XX.

Eis que, no entanto, a Revista Veja reduz o historiador à condição de "idiota moral" (cf. o texto "A imperdoável cegueira ideológica da Hobsbawm", publicado emwww.veja.abril.com.br). Trata-se de um julgamento barato e despropositado a respeito de um dos maiores intelectuais do século

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XX. Veja desconsidera a contradição que é inerente aos homens. E se esquece do compromisso de Hobsbawm com a democracia, inclusive quando da queda dos regimes soviéticos, de sua preocupação com a paz e com o pluralismo. A Associação Nacional de História (ANPUH-Brasil) repudia veementemente o tratamento desrespeitoso, irresponsável e, sim, ideológico, deste cada vez mais desacreditado veículo de informação. O tratamento desrespeitoso é dado logo no início do texto "historiador esquerdista", dito de forma pejorativa e completamente destituído de conteúdo. E é assim em toda a "análise" acerca do falecido historiador. Nós, historiadores, sabemos que os homens são lembrados com suas contradições, seus erros e seus acertos. Seguramente Hobsbawm será, inclusive, criticado por muitos de nós. E defendido por outros tantos. E ainda existirão aqueles que o verão como exemplo de um tempo dotado de ambiguidades, de certezas e dúvidas que se entrelaçam. Como historiador e como cidadão do mundo. Talvez Veja, tão empobrecida em sua análise, imagine o mundo separado em coerências absolutas: o bem e o mal. E se assim for, poderá ser ela, Veja, lembrada como de fato é: medíocre, pequena e mal intencionada.

São Paulo, 05 de outubro de 2012

Diretoria da Associação Nacional de História

ANPUH-Brasil, Gestão 2011-2013

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