O
BRAS
P
ASTORAIS
E
DOUTRINÁRIAS
DO
MUNDO
IBÉRICO
- L
IBRO
DEL
CONDE
L
UCANOR
-
Para citação e referência:
CARTA, Constance. Libro del conde Lucanor. In: TEODORO, Leandro Alves (Org.). O
ensino da fé cristã na Península Ibérica (séculos XIV e XV) . Banco de dados (Online). 2020. Disponível em:
<https://umahistoriadapeninsula.com/libro-del-conde-lucanor/>. Consulta em:
VERBETE
Personagem excepcional por muitas razões, Dom Juan Manuel (1282-1348) foi
possivelmente o nobre mais poderoso de seu tempo. Sobrinho do rei Alfonso X, o Sábio,
estava emparentado diretamente com as famílias que ocuparam o trono de Castela durante
vários séculos, assim como, por seus enlaces matrimoniais, com outras casas reais da
Península. Viveu em uma época política, militar, espiritual e economicamente agitada,
marcada por intrigas e conflitos; lutou contra os mouros e participou em uma das batalhas
mais importantes do último período da Reconquista, a do Salado. Sua ambição o levou a ser
não apenas testemunha, mas muitas vezes protagonista dos eventos cruciais da primeira
metade do século XIV. Habilidoso tanto com as armas como com as letras, em um momento
em que a nobreza ainda não costumava cultivar ambas, deixou-nos testemunho claro do alto
grau de consciência que animava seu trabalho como escritor. Orgulhoso de sua estatura
intelectual, fez o possível para deixar seu nome unido a suas criações, que chegaram a uma
quinzena.
De todas as obras que nos restam de Dom Juan Manuel, o Libro del conde Lucanor é,
sem dúvida, a que encontrou o êxito mais retumbante e duradouro. Não por acaso foi um dos
poucos livros medievais impressos no Século de Ouro: considerava-se seu autor como um
clássico pela perfeição de seu estilo e pela propriedade de sua língua, em uma época em que o
castelhano como língua literária estava ainda em (trans)formação. O Libro del conde Lucanor
é um dos textos mais importantes da literatura medieval. Ademais, abre a via para o conto
como forma narrativa breve moderna: mesmo quando o autor se insere em uma tradição bem
estabelecida, o faz de uma maneira altamente original e pessoal, portanto sua obra estabelece
um marco.
O Libro del conde Lucanor é perfeitamente coerente e unitário – apesar da aparente
heterogeneidade de suas partes –, fosse escrito de uma vez ou por etapas, porque seu
propósito é unitário: a salvação da alma. Dois personagens fictícios atravessam toda a obra:
um jovem conde chamado Lucanor e seu fiel conselheiro, Patrônio, homem com mais anos e
experiência. Todos os dados apontam para a extraordinária perfeição da estrutura interna da
como supratextual (pense na simbologia que assume a numeração de exempla e provérbios, por exemplo).
Dependendo de como seja visto, o Libro autoriza uma divisão em duas, em três ou em
cinco partes: em duas, se forem considerados os dois prólogos; em três, se o leitor se atém às
diferenças formais entres suas partes (os exemplos, os provérbios, o tratado de doutrina
cristã); em cinco, seguindo os «libros» que constam na obra (o dos enxiemplos, três de
proverbios, um de doctrina). O próprio autor explica, nos prólogos, que a primeira parte (os
50 + 1 exempla) está destinada aos «homens não muito letrados», enquanto a segunda (os 100
+ 50 + 30 proverbios) está destinada aos «homens de entendimento muito sutil», havendo
uma gradação interna, ademais, entre os três «livros» de provérbios: a maior brevidade, maior
dificuldade (oscuridad). Este afã de escuridão não é somente um recurso estilístico mas,
sobretudo, um recurso moral; sendo o saber una arma potente, é necessário complicar a forma
para que o conteúdo não seja mal interpretado pelos ignorantes. No entanto, a última parte da
obra, constituída por um tratado de doutrina cristã, está destinada a todos, pois tem um
propósito divulgativo mais geral: o autor estuda o homem, sua passagem pelo mundo e seu
destino direcionado a Deus, que vigia os atos e as vontades de todos. Assim, o Libro del
conde Lucanor combina ficção didática, provérbios e teoria religiosa em una gradação que
parte do plano terrestre da realidade humana para chegar à realidade espiritual: saber se
comportar no mundo, cumprir sua missão na terra, trabalhar bem e realizar as ações ditadas
por seuestado social pessoal, permite não apenas salvaguardar a honra e manter sua fazienda,
mas também ascender ao paraíso e salvar a alma.
Dom Juan Manuel, apesar de ter levado uma vida mundana e inclusive, em ocasiões,
violenta, era homem de grande devoção. Manteve vínculos muito estreitos com os frades da
ordem dos dominicanos, criada, junto com as outras ordens mendicantes, pouco mais de um
século antes, após o IV Concílio de Latrão (1215). Fundou para eles um monastério na
localidade de Peñafiel (próximo de Valladolid), onde o autor tinha um castelo que foi sua
residência favorita, presente de seu primo, padrinho e tutor, o rei Sancho IV, o Bravo. No
convento dos dominicanos de Peñafiel quiz ser enterrado e ali depositou o volume original de
suas obras completas (perdidas em um incêndio no século XVIII). Não há dúvidas de que no
monastério teve a seu alcance um ou outro manual de predicação, o ejemplario, como indica o
décimo quarto exemplo do Libro del conde Lucanor, intitulado «Do milagre que fez santo
principais canais de difusão de relatos breves na Idade Média, além de uma adequada
moralização; a influência do novo modelo homilético, baseado na inclusão de exempla nos
sermões, é patente em dom Juan Manuel. A obra manuelina une a esta tradição os relatos
chegados da Antiguidade (fábulas de Esopo) e do Oriente (prosa exemplar), assim como
relatos herdados de um passado histórico peninsular mais ou menos remoto (de Álvar Fãnez a
Saladino).
A influência do nobre castelhano nas letras será patente até o século XX, quando Jorge
Luis Borges retomará o exemplum XI « Do que aconteceu a um deão de Santiago com dom
Yllán, o grande mestre de Toledo», obra mestra da contística medieval, para criar outra obra
mestra da narrativa breve de todos os tempos, El brujo postergado.
Palavras-chave: : Dom Juan Manuel; narrativa breve; provérbios; doutrina; dominicanos.
Personaje excepcional por muchas razones, don Juan Manuel (1282-1348) fue
posiblemente el noble más poderoso de su tiempo. Sobrino del rey Alfonso X el Sabio, estaba
emparentado directamente con las familias que ocuparon el trono de Castilla durante varios
siglos, así como, por sus enlaces matrimoniales, con otras casas reales de la Península. Vivió
en una época política, militar, espiritual y económicamente agitada, marcada por intrigas y
conflictos; luchó contra los moros y participó en una de las batallas más importantes del
último periodo de la Reconquista, la del Salado. Su ambición lo llevó a ser no solo testigo,
sino a menudo protagonista de los eventos cruciales de la primera mitad del siglo XIV. Ducho
tanto en las armas como en las letras, en un momento en el que todavía la nobleza no solía
cultivar ambas, nos dejó testimonio claro del alto grado de consciencia que animaba su labor
como escritor. Orgulloso de su estatura intelectual, hizo lo posible para dejar su nombre unido
a sus creaciones, que alcanzan la quincena.
De todas las obras que nos quedan de don Juan Manuel, el Libro del conde Lucanor
es, sin lugar a dudas, la que encontró el éxito más rotundo y duradero. No por nada fue uno de
los pocos libros medievales que se imprimieron en el Siglo de Oro: se consideraba a su autor como a un clásico por la perfección de su estilo y por la propiedad de su lengua, en una época
en la que el castellano como lengua literaria estaba todavía en (trans)formación. El Libro del
conde Lucanor es uno de los textos más importantes de la literatura medieval. Además, abre
tradición bien establecida, lo hace de una manera altamente original y personal, por lo que su obra marca un hito.
El Libro del conde Lucanor es perfectamente coherente y unitario –a pesar de la
aparente heterogeneidad de sus partes–, haya sido escrito de una vez o por etapas, porque su
propósito es unitario: la salvación del alma. Dos personajes ficticios atraviesan toda la obra:
un joven conde llamado Lucanor y su fiel consejero, Patronio, hombre de más años y
experiencia. Todos los datos apuntan a la extraordinaria perfección de la estructura interna de
la obra, donde cada elemento ocupa el lugar que le corresponde, tanto desde el punto de vista
textual como supratextual (piénsese en la simbología que asume la númeración de exempla y
proverbios, por ejemplo).
Según como se le mire, el Libro autoriza una división en dos, en tres o en cinco partes:
en dos, si se consideran los dos prólogos; en tres, si el lector se atiene a las diferencias
formales entres sus partes (los ejemplos, los proverbios, el tratado de doctrina cristiana); en
cinco, siguiendo los «libros» de los que consta (el de los enxiemplos, tres de proverbios, uno
de doctrina). El propio autor explica, en los prólogos, que la primera parte (los 50 + 1
exempla) está destinada a «los omnes non muy letrados», mientras que la segunda (los 100 +
50 + 30 proverbios) está destinada a «los omnes de entendimiento muy sotil», habiendo una
gradación interna, además, entre los tres «libros» de proverbios: a mayor brevedad, mayor
dificultad (oscuridad). Este afán de oscuridad no es solamente un recurso estilístico sino, y
sobre todo, un recurso moral; siendo el saber una arma potente, hace falta complicar la forma
para que el contenido no sea malinterpretado por los ignorantes. Con todo, la última parte de
la obra, constituida por un tratado de doctrina cristiana, está destinada a todos, pues tiene un
propósito divulgativo más general: el autor estudia al hombre, su paso por el mundo y su
destino dirigido a Dios, quien vigila los actos y las voluntades de todos. Así, el Libro del
conde Lucanor combina ficción didáctica, proverbios y teoría religiosa en una gradación que
parte del plano terrenal de la realidad humana para llegar a la realidad espiritual: saber
comportarse en el mundo, cumplir su misión en la tierra, obrar bien y realizar las acciones
dictadas por su personal estado social, permite no solo salvaguardar la onra y mantener su
fazienda, sino también acceder al paraíso y salvar el alma.
Don Juan Manuel, a pesar de haber llevado una vida mundana e incluso, en ocasiones,
violenta, era hombre de gran devoción. Mantuvo vínculos muy estrechos con los frailes de la
antes, tras el IV Concilio de Letrán (1215). Fundó para ellos un monasterio en la localidad de
Peñafiel (cerca de Valladolid), donde el autor tenía un castillo que fue su residencia favorita,
regalo de su primo, padrino y tutor, el rey Sancho IV el Bravo. En el convento de los
dominicos de Peñafiel quiso ser enterrado y allí depositó el volumen original de sus obras
completas (perdido en un incendio del siglo XVIII). No caben dudas de que en el monasterio
tuvo a su alcance algún que otro manual de predicación, o ejemplario, como indica el
decimocuarto ejemplo del Libro del conde Lucanor, titulado «Del miraglo que fizo santo
Domingo cuando predicó sobre el logrero». La Iglesia, a través de la predicación, fue uno de
los principales canales de difusión de relatos breves en la Edad Media, amén de una adecuada
moralización; la influencia del nuevo modelo homilético, basado en la inclusión de exempla
en los sermones, es patente en don Juan Manuel. La obra manuelina une a esta tradición los
relatos llegados de la Antigüedad (fábulas de Esopo) y de Oriente (prosa ejemplar), así como
relatos heredados de un pasado histórico peninsular más o menos remoto (de Álvar Fãnez a
Saladino).
La influencia del noble castellano en las letras será patente hasta el siglo XX, cuando
Jorge Luis Borges retomará el exemplum XI « De lo que contesçió a un deán de Sanctiago con
don Yllán, el grand maestro de Toledo», obra maestra de la cuentística medieval, para crear
otra obra maestra de la narrativa breve de todos los tiempos, El brujo postergado.
Palabras clave: Don Juan Manuel; narrativa breve; proverbios; doctrina; dominicos.
Referências
ALVAR, Carlos; LUCÍA MEGÍAS, José Manuel. Diccionario Filológico de Literatura
Medieval Española. Textos y transmisión. Madrid: Castalia, 2002. p. 718-724.
DON JUAN MANUEL. El conde Lucanor o libro de los enxiemplos del conde Lucanor et de
Patronio. Ed. José Manuel Blecua, nota actualizadora de Fernando Gómez Redondo. Madrid: Castalia, 2000.
DON JUAN MANUEL. El conde Lucanor. Ed. Guillermo Serés con un estudio preliminar de
Germán Orduna. Barcelona: Crítica, 1994.
GÓMEZ REDONDO, Fernando.Historia de la prosa medieval castellana. Madrid: Cátedra,
1998. v. I. p. 1148-1183.
Constance Carta Université de Genève
Trecho traduzido e modernizado
Em nome de Deus: Amém
Entre muitas coisas estranhas e maravilhosas que nosso Senhor Deus fez, teve por bem fazer uma muito maravilhosa, isto é que, de todos os homens que existem no mundo, não há um que tenha a mesma cara que o outro, porque mesmo que todos os homens tenham as mesmas coisas nas caras, essas não são idênticas entre si. E colocou nas caras, que são tão pequenas, tão grande variedade; menor maravilha é que haja variedade nas vontades e nas intenções dos homens. E assim falarás que nenhum homem se assemelha de todo na vontade e na intenção com outro. E farei para ti alguns exemplos para que o entenda melhor.
Todos os que querem e desejam servir a Deus, querem a mesma coisa, mas não o servem todos da mesma maneira, porque uns lhe servem de uma maneira e outros de outra. Outrossim, os que servem aos senhores, todos o servem, mas não o servem da mesma maneira. E os que lavram e criam e trabalham e caçam e fazem todas as outras coisas, todos fazem-nas, mas não as entendem nem as fazem da mesma maneira. E assim, por este
exemplo, e por outros que seriam muito longos para dizer, podes entender que apesar de que todos os homens sejam homens e todos tenham vontades e intenções, que assim como pouco se assemelham pelas caras, tampouco se assemelham nas intenções e nas vontades; mas todos se assemelham no tanto que fazem e querem e aprendem melhor aquelas coisas que lhes satisfazem mais que as outras [...]
Autor: Dom Juan Manuel
Nome da obra: Libro del conde Lucanor Data: 1335
Local: Espanha