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GENÉTICA
DO CÂNCER
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GENÉTICA
DO CÂNCER
CONTEÚDO: NATHALIA LESTARD
CURADORIA: FABRÍCIO MONTALVÃO
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SUMÁRIO
DEFINIÇÃO ... 4
CLASSIFICAÇÃO ... 4
ORIGEM ... 5
CLASSIFICAÇÃO DOS GENES ... 7
CLASSIFICAÇÃO DOS GENES ... 12
BASES GENÉTICAS ... 12
BASES GENÉTICAS II ... 14
AS BASES GENÉTICAS III ... 17
AS BASES GENÉTICAS IV ... 19
TRATAMENTOS ... 19
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DEFINIÇÃO
O corpo humano apresenta controles finos que envolvem os processos de sinalização e divisão celular, e de morte celular progra-mada. As células são programadas a man-ter o equilíbrio do organismo todo de forma que, se for necessário, algumas delas po-dem entrar em apoptose em prol deste equilíbrio.
Quando há um crescimento anormal e pro-liferação fora de controle, resulta no que chamamos de tumor ou neoplasia (que significa nova formação).
Tumores podem ser classificados como
benignos ou malignos. Chama-se de
be-nigno o tumor formado por células neoplá-sicas que não apresentam capacidade de invasão. Já os tumores malignos são
aqueles que adquirem a capacidade de invadir tecidos vizinhos (metástase). Nes-tes casos passamos a chamar o tumor de
câncer.
CLASSIFICAÇÃO
Os tumores frequentemente são classifica-dos baseaclassifica-dos no tecido, na célula de ori-gem e na malignidade. Um adenoma, por exemplo, é um tumor epitelial benigno com uma estrutura do tipo glandular, e o tipo de tumor maligno correspondente é um ade-nocarcinoma. Sarcomas são os tumores derivados do tecido conectivo ou de célu-las musculares. Carcinomas são os tumo-res de origem epitelial.
Dessa forma a nomenclatura deles muitas vezes estão associados a três pontos, con-forme exemplificado na tabela abaixo.
Tecido de origem Benigno Maligno
Tecido Conjuntivo
(Mesenquimal) Osteoma Osteosarcoma Tecido Muscular Estriado
(Mesenquimal) Rabdomioma Rabdomisarcoma Estratificado Pavimentoso
(Epitelial) Papiloma de célula escamosa Carcinoma de célula escamosa Glândula ou ducto
(Epitelial) Adenoma Adenocarcinoma Tabela 1- Exemplo de nomenclatura de tumores com os sufixos
5 Uma outra forma de classificação, é que
eles sejam nomeados de acordo com a mu-tação que tornaram as células do tumor cancerosas.
ORIGEM
O câncer é uma doença genética. Diversas evidências têm mostrado que a maioria dos cânceres se originam de uma única cé-lula anormal, chamada de cécé-lula primor-dial.
Essa primeira célula sofre uma mutação que é herdada pelas próximas gerações celulares que surgirem a partir dessa. Es-sas células filhas ainda sofrem outras
mu-tações somáticas, que vão se acumulando
e determinando crescimento e divisão de maneira aberrante.
Tais mutações são chamadas de somáti-cas pois elas ocorrem no soma, ou células do corpo, e não na linhagem germinativa. Tais mutações podem ocorrer devido a
re-arranjos cromossômicos, os quais podem
ser divididos em:
Deleção – em que há, ao menos, uma parte
do cromossomo perdida.
Duplicação- em que há, ao menos, uma
parte do cromossomo que é duplicada.
Inversão - em que há, ao menos, uma parte
do cromossomo que tem o seu sentido in-vertido.
Inserção – quando em um determinado
cromossomo há a inserção de material ge-nético oriundo de outro cromossomo.
Translocação- quando dois cromossomos
trocam partes das suas sequências gené-ticas entre si.
A figura 1 abaixo traz uma representação gráfica desses rearranjos.
Figura 1 - Rearranjos cromossômicos https://mun-
6 Além dos rearranjos podem ocorrer
muta-ções devido a mudanças na sequência
de bases nitrogenadas que formam o
DNA ou podem ocorrer alterações
epige-néticas.
Alterações epigenéticas são modificações
na cromatina que alteram a expressão
gê-nica sem que seja alterada a sequência de
bases nitrogenadas do DNA. Mas são es-táveis o suficiente para serem
transmiti-das através da mitose. Isso é possível pois
através de processos de metilação e
ace-tilação do próprio DNA ou das histonas, é
possível tornar uma região do DNA mais acessível (eucromatina) ou menos acessí-vel (heterocromatina) à maquinaria de transcrição.
Uma mutação única não é suficiente para
transformar uma célula normal em tumo-ral. No processo de tumorigênese uma cé-lula sofre uma mutação, se prolifera até que alguma célula filha dessa célula sofre outra mutação e segue proliferando. Uma determinada geração de célula-filha ela já terá acumulado algumas mutações e assim adquirido algumas características impor-tantes para o desenvolvimento tumoral. Esse processo é chamado de evolução
clo-nal e está representado na figura 2 a
se-guir. Na imagem, a partir do momento que essa célula assume características
invasi-vas ela se torna maligna e é capaz de
invadir outras células, como representado em vermelho.
Figura 2 – Evolução clonal e etapa inicial da me-tástase. Biologia Molecular da Célula, 6 ed. São
Paulo: Artmed,2017.Cap 20,1091-1143p.
Fatores que causam modificações genéti-cas tendem a resultar no desenvolvimento de câncer. Assim, o potencial
carcinogê-nico de um agente pode estar relacionado
com a produção de alterações na sequên-cia de DNA. Essa relação é bastante clara no caso de duas classes de agentes exter-nos: (1) carcinógenos químicos (que costu-mam causar uma alteração pontual locali-zada na sequência de nucleotídeos) e (2) radiação, como os raios X (que
7 caracteristicamente causam quebras
cro-mossômicas e translocações), ou luz ultra-violeta (UV) (que causa alterações especí-ficas nas bases do DNA). Tabagismo e al-coolismo, são exemplos de carcinógenos. Pessoas que herdam um defeito genético em um dos diversos mecanismos de
re-paro ao DNA, fazendo suas células
acu-mularem mutações em uma taxa elevada e por isso possuem um grande risco de de-senvolver câncer. Um exemplo são os por-tadores da doença xeroderma
pigmen-toso, que têm defeitos nos sistemas
celu-lares de reparo de danos ao DNA induzi-dos por luz UV e estão sujeitas a uma
inci-dência de câncer de pele extremamente aumentada.
CLASSIFICAÇÃO DOS GENES
Os genes críticos para o câncer são agru-pados em duas classes mais abrangentes:oncogenes e genes supressores de tu-mor. Acredita-se que cerca de 90% de
to-dos os genes de câncer sejam oncogenes dominantes e que cerca de 10% de todos os genes responsáveis pelo câncer sejam genes supressores de tumor.
Proto-oncogenes são genes que estão
presentes em células normais e têm ação estimulatória do crescimento e
prolifera-ção celular. No entanto quando são hipe-rativados, dão origem aos oncogenes.
A mutação em uma única cópia de um
proto-oncogene é capaz de transformá-lo
em um oncogene quando resultam em
efeito dominante sob determinada
carac-terística. Por isso basta uma mutação nesse gene para que haja aumento na
ati-vidade do seu produto.
Por outro lado, os genes supressores de
tumor são aqueles em que a mutação
re-sulta na diminuição da atividade dos seus produtos. Eles costumam ter caráter
re-cessivo e por isso precisam que ocorra
mais de uma mutação.
Em ambos os casos, as mutações podem levar a ao desenvolvimento tumoral direta (mediante proliferação celular quando esta não deveria ocorrer) ou indiretamente (quando gera modificações que podem acelerar ocorrência de outras mudanças que estimulam o crescimento tumoral, por exemplo).
Os efeitos das mutações decorrentes de
oncogenes ou genes supressores de tu-mor podem ser semelhantes para a
carci-nogênese, a superprodução de um sinal
para proliferação, por exemplo, pode re-sultar de ambos os tipos de mutação.
A busca por causas genéticas para o cân-cer humano começou com pistas que vie-ram de estudos com vírus. Alguns vírus são capazes de gerar tumores quando in-fectam células humanas.
8 Uma das primeiras viroses animais
corre-lacionadas com o câncer foi descoberta há mais de 100 anos em galinhas, quando foi identificado o vírus do sarcoma de Rous. Este é um retrovírus, ou seja, o seu genoma de RNA é transcrito no DNA por um pro-cesso de transcrição reversa. O DNA é in-serido no genoma celular, onde pode per-sistir e ser transmitido para gerações celu-lares subsequentes (processo integrativo similar, hoje sabe-se, ao que acontece com o HIV).
No caso do vírus do sarcoma de Rous, viu-se que ele carreava uma porção de DNA desnecessária para sobrevivência ou re-produção dele. O gene v-Src, tinha sido adquirido de forma acidental pelo retroví-rus a partir do genoma de uma célula hos-pedeira previamente infectada e que tinha
sofrido mutações no processo para se tornar um oncogene.
Observou-se que este gene era similar, mas não idêntico, ao gene – c-Src – que foi descoberto no genoma normal de verte-brados. Este achado rendeu Prêmio Nobel e abriu portas para uma série de outras descobertas.
A partir disso, pesquisadores buscaram di-retamente por oncogenes no genoma de células cancerosas humanas. Eles fizeram isso procurando por fragmentos de DNA de células cancerosas que poderiam gerar
proliferação descontrolada quando intro-duzidas em linhagens celulares não cance-rosas. Após uma série de experimentos desse, observou-se a formação de colônias de células com proliferação anormal na placa de cultura. Essas células apresenta-ram um fenótipo transformado, crescendo mais do que as células não modificadas e agrupando-se em camadas.
Como o experimento era realizado em cé-lulas de camundongos foi possível isolar os fragmentos de DNA que apresentavam marcadores de sua origem humana e as-sim foi identificada a versão humana do
oncogene v-Ras, já conhecido de tumores
de ratos.
O novo oncogene descoberto era clara-mente proveniente de uma mutação de um gene humano normal, um gene da
fa-mília de proto-oncogenes chamada Ras.
Os oncogenes Ras humanos contêm
mu-tações pontuais que criam uma hiperativi-dade nas proteínas Ras que não podem ser desligadas mesmo pela hidrólise do
GTP ligado em GDP. Apenas uma cópia das duas existentes do gene precisa ser
alterada para o efeito ser produzido, por
isso diz-se que o efeito é dominante. Em quase 30% de todos os cânceres hu-manos, um ou mais dos três membros da família Ras humana estão mutados. Os
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genes Ras estão entre os mais importan-tes de todos os genes críticos para ocân-cer.
Outros exemplos de proto-oncogenes são: o gene Myc (codifica proteína de mesmo nome) e o gene associado ao
re-ceptor de EGF (fator de crescimento
epi-dermal). Myc é uma proteína que regula a
expressão de outros genes que estão
re-lacionados a crescimento e divisão
celu-lar. Dessa forma, produzir grandes
quanti-dades de RNA mensageiro dessa proteína
favorece a proliferação celular exacerbada. Já o gene associado ao receptor de EGF viu-se que algumas vezes pode sofrer
mu-tação que permite que o receptor formado
a partir dele seja ativado mesmo na ausên-cia do seu ligante (EGF), o que por fim
tam-bém resulta na estimulação ao cresci-mento e divisão celular.
Na figura a seguir estão alguns dos even-tos que podem levar um proto-oncogene a se transformar em oncogene.
Figura 3- Principais acidentes que dão origem a um oncogene. (1) Deleção ou mutação pontual na sequência que codifica a proteína resultando numa isoforma dela superativa. (2) Mutação na sequência que regula a trans-crição de determinado gene de forma que apesar da proteína ser normal ele acaba sendo superproduzida. (3) Amplificação da própria sequência que codifica a proteína assim a cada transcrição mais proteínas do que o normal é produzida. (4) Translocação de sequências reguladoras de genes que são mais ativos ou fusão a genes que são mais transcritos e consequentemente esses rearranjos resultam na superprodução de determi-nada proteína. Biologia Molecular da Célula, 6 ed. São Paulo: Artmed,2017.Cap 20,1091-1143p.
Apesar de não ser uma doença infecciosa, hoje já se conhece alguns vírus e bactérias que podem favorecer o desenvolvimento
de câncer humano, como é o caso do HPV
(câncer do colo de útero) e da Heliobacter pylori (câncer de estômago).
10 Já o primeiro gene supressor de tumor foi
descoberto através da observação de um câncer humano raro, o retinoblastoma. Este câncer pode ter origem hereditária ou não, sendo este último ainda mais difícil de ocorrer.
Raymond White e Webster Cavenne mos-traram que no cariótipo de indivíduos com esse câncer, grandes segmentos do cro-mossomo 13 estavam ausentes nas célu-las dos seus tumores. Posteriormente, foi isolado o gene supressor de tumor a partir desses segmentos, visto que este gene Rb (retinoblastoma) estava ausente tanto na
forma hereditária quanto na não heredi-tária.
Nos indivíduos que sofrem da forma
here-ditária da doença, há uma deleção ou uma mutação que leva à perda da função em uma das cópias do gene Rb, em cada uma
das células somáticas. Mas notou-se que
isso não era determinante para a tumori-gênese. Para que ocorresse essa
conver-são era necessária a perda da cópia do
gene Rb normal na mesma celula. Devido
a mutação somática nas células da retina, é possível ver que essas células apresen-tam defeito em ambas as cópias do gene, enquanto as outras células do corpo só apresentam uma. Nesses casos é comum que ambos os olhos sejam afetados pela doença.
Ao contrário, em pacientes com a forma
não hereditária da doença, as células
so-máticas não cancerosas não mostram de-feito algum em qualquer das cópias do Rb, ao passo que as células cancerosas têm ambas as cópias defeituosas. Esses retino-blastomas não hereditários são mais raros
porque, para que ambas as cópias do gene
Rb tenham defeito, é preciso que ocorram
duas mutações somáticas coincidentes em uma única linhagem de células da re-tina. Nesses casos é comum que somente
um dos olhos seja afetado pela doença.
Figura 4- Mutações necessárias ao desenvolvimento do retinoblastoma. Biologia Molecular da Célula, 6 ed. São Paulo: Artmed,2017.Cap 20,1091-1143p.
11 Através da observação do retinoblastoma
Alfred Knudson propôs que o câncer é
re-sultado de um processo que requer várias mutações que ocorrem em diversas eta-pas. No entanto, se uma ou mais das
mu-tações necessárias for herdada, são neces-sárias menos mutações adicionais para produzir o câncer e esse tenderá a se per-petuar nas famílias. A ideia de Knudson foi chamada de “hipótese dos dois eventos” porque, para o retinoblastoma, são neces-sárias apenas duas mutações para causar o tumor. Porém, hoje já sabemos que para a grande maioria dos cânceres estão
envolvidas mais de duas mutações na transformação de células normais em célu-las cancerosas.
Dessa forma foi visto que para alguns ge-nes a inativação completa deles, ou seja,
das duas cópias, propicia o desenvolvi-mento de um câncer. A este grupo de
ge-nes chamou-se de gege-nes supressores de
tumor, os quais podem surgir de diferentes
combinações de infortúnios que eliminem ou danifiquem ambas as cópias de um gene, conforme diagramado na figura abaixo.
Figura 5- Vias de supressão de cópia de gene Rb em indivíduos com falha hereditária. Se ocorrerem dois desses eventos sobre um mesmo gene em indivíduos sem alteração hereditária prévia, também
é possível o desenvolvimento de um câncer. Biologia Molecular da Célula, 6 ed. São Paulo: Artmed,2017.Cap 20,1091-1143p
12 As alterações epigenéticas fornecem
ou-tro caminho importante para inativar
per-manentemente um gene supressor. O
gene pode ser empacotado na heterocro-matina, e/ou o nucleotídeo C na sequência CG do seu promotor pode ser metilado de maneira herdável. Tais mecanismos
po-dem silenciar de modo irreversível o gene em uma célula e em sua prole.
CLASSIFICAÇÃO DOS GENES
As mutações que ocorrem nas células can-cerosas também podem ser classificadas quanto a sua essencialidade para o pro-cesso de transformação das células nor-mais em células cancerosas. Dessa forma elas serão categorizadas comoconduto-ras ou passageiconduto-ras. Mutações condutoconduto-ras
são aquelas que resultam na aquisição de
características que são fundamentais
para o desenvolvimento do câncer, por isso
são encontradas repetidamente nos
mesmos genes em indivíduos diferentes que possuem o mesmo tipo de câncer. Por outro lado, as mutações passageiras são aquelas que ocorrem nas mesmas cé-lulas que aconteceram as mutações con-dutoras, mas são irrelevantes para o de-senvolvimento da doença, só acontecendo
devido à grande instabilidade gênica que
é vista em células cancerosas, não confe-rem nenhuma característica essencial a essa transformação celular, por isso
ocor-rem de forma aleatória e raramente as
mutações passageiras serão vistas nos mesmos genes em indivíduos distintos que tenham o mesmo tipo de câncer.
BASES GENÉTICAS
Em 2000 Weinberg e Hanahan, descreve-ram o que seriam as seis características
essenciais que uma célula teria que
adqui-rir para se tornar cancerosa, conforme pode ser visto na figura abaixo.
13 O aumento da proliferação celular junto a
evasão do processo de morte celular, são
as principais características de uma célula cancerosa.
A proliferação celular não é simplesmente uma questão de progredir através das
etapas do ciclo celular, ela também requer crescimento da célula. Para isso, a célula
precisa sustentar sinais pró proliferativos e evadir-se dos sinais que inibem a supres-são do crescimento e da divisupres-são celular. A via de sinalização intracelular
fosfoino-sitídeo 3-cinase (PI 3-cinase)/Akt/mTOR)
é crítica para o controle do crescimento ce-lular e vários sinais extracece-lulares ativam essa via normalmente. Contudo, em célu-las cancerosas a via é ativada por
muta-ções fazendo com que a célula cresça
mesmo na ausência dos sinais.
A ativação anormal resultante da proteína-cinase Akt e mTOR, que geralmente ocorre precocemente, não apenas estimula a
sín-tese proteica, mas também eleva tanto a captação de glicose quanto a produção de acetil- -CoA no citosol necessárias para a síntese de lipídeos. Os cânceres
conse-guem ativar essa via de diferentes formas. Além das mutações nos receptores,
ele-vados níveis de insulina na circulação
po-dem ter um efeito semelhante de
supera-tivação dessa via. Acredita-se que por isso
seja visto um risco maior de
desenvolvimento de câncer em pacientes com diabetes tipo II e os obesos.
Apesar da célula normal possuir um
meca-nismo de detecção da superestimulação proliferativa induzida pela proteína Myc,
esta tem seu gene frequentemente
mu-tado na evolução do processo de geração
das células cancerosas. Assim as células
não conseguem detectar que está
rece-bendo estímulo excessivo, e não
interrom-pem a progressão através do ciclo como
esperado.
Além desse, outro sistema de inibição do
supercrescimento encontra-se alterado
que é a inibição por densidade. Diferente-mente das células normais, as canceríge-nas não têm sua proliferação inibida ao atingir a confluência, ou seja, quando cres-cem até o ponto de tocarem umas as ou-tras. Apesar de confluentes, as células tu-morais são capazes de crescer umas sobre as outras formando camadas.
O processo de morte celular programada,
apoptose, também é comprometida. Para
isso algumas estratégias são assumidas pela célula como é o caso da mutação da
proteína p53. Consequentemente, além
da apoptose, as vias de reparo a dano ao
DNA são afetadas, já que a via p53 se
comporta como um tipo de radar ao detec-tar a presença de uma vasta gama de con-dições perigosas. Quando alguma é
14 detectada, essa proteína desencadeia
me-didas apropriadas – parada temporária ou permanente do ciclo celular (senescência) ou suicídio por apoptose. Como as células cancerosas são células que sofreram da-nos, sua sobrevivência e proliferação de-pendem da inativação da via p53. Caso a via da p53 esteja ativa, elas terão sua evo-lução interrompida ou morrerão.
Todavia, embora haja essa evasão do pro-cesso de morte celular programada isso não significa que não haja morte de células no tumor. No interior do tumor muitas
cé-lulas morrem por necrose, devido ao
inte-rior da massa tumoral ser mais hipóxico e menos vascularizado. O tumor continua
crescendo porque a taxa de geração de novas células é maior do que a taxa de morte celular.
BASES GENÉTICAS II
Outra característica da carcinogênese é a capacidade de induzir a formação de
no-vos vasos sanguíneos para irrigar a massa
tumoral. Esse processo é chamado de
an-giogênese.
Esse é um processo normal que ocorre de-vido a estimulação por fatores de cresci-mento e outras proteínas codificadas por genes cuja expressão é cuidadosamente
regulada nas células normais. Porém, nas células tumorais, os genes que codificam
essas proteínas são superexpressos em
comparação com as células normais, como por exemplo o gene do VEGF (fator de
crescimento endotelial vascular).
Tam-bém se observa nessas células que os
ini-bidores dos fatores que promovem a an-giogênese podem estar inativados ou su-bexpressos.
Através desse processo o tumor consegue
obter mais nutrientes e eliminar os restos metabólicos oriundos das suas atividades
celulares e assim manter mais células
can-cerígenas vivas e crescer cada vez mais.
Inclusive essa pode ser uma estratégia de
tratamentos, a utilização de bloqueadores de moléculas pró angiogênicas. Já
exis-tem fármacos que agem sobre esse pro-cesso.
Na figura 6 vemos que uma outra caracte-rística que as células cancerígenas adqui-rem é a capacidade ilimitada de replicação celular, ou seja, não entram em
senescên-cia celular. Tal fato está relacionado
tam-bém com alterações na regulação dos
te-lômeros dessas células.
As células normais possuem um número limitado de vezes que podem se dividir. Esse processo está relacionado a
senes-cência celular replicativa que depende di-retamente do tamanho do telômero de
uma célula, que por sua vez depende da atividade de uma proteína chamada de
15 Nas células germinativas e nas células
-tronco, a telomerase replica constante-mente as extremidades dos cromossomos, mantendo os telômeros, mas essa enzima não é expressa na maioria das células so-máticas. Todavia, muitas células tumorais apresentam mutações nas sequências
que regulam a expressão do gene da te-lomerase permitindo que a enzima seja
ex-pressa e com isso a célula se torne capaz de se dividir de forma ilimitada. Mas ainda há mais estudos sendo realizados para es-clarecer melhor essa correlação da telome-rase com a célula tumoral.
Já a metástase é a capacidade dessas cé-lulas mutadas de se deslocar para outros locais do corpo, se instalarem e estabele-cerem tumores secundários. Esse
pro-cesso é dividido em três etapas:
Invasão Tecidual – momento em que as
células ultrapassam o confinamento no te-cido original e alcançam tete-cidos imediata-mente subjacentes.
Migração – quando as células tumorais
vi-ajam pela corrente sanguínea corporal ou pela linfa e alcançam sítios distantes do original
Colonização- as chegar no novo sítio
es-sas células devem ser capazes, de mesmo estando em sítio diferente e estando sob
condições ambientais distintas, de se esta-belecer, sobreviver e se multiplicar. A ocorrência dessas etapas são conse-quência de mutações que atingem
com-ponentes da matriz extracelular, do cito-esqueleto e moléculas de adesão. Como
exemplo temos o gene paladina, que dá origem a proteína de mesmo nome e esta está envolvida na arquitetura do
citoes-queleto da célula, ao servir de arcabouço
para a ligação de outras proteínas neces-sárias à manutenção do formato, do movi-mento e da diferenciação celular. Mutação nesse gene afeta diretamente a
mobili-dade da célula e favorece a migração.
Além desse, também já foi observado em alguns cânceres, como carcinomas de mama e estômago, que a caderina E, pro-teína relacionada a adesão célula a célula, teve seu gene identificado como gene
su-pressor de tumor e a perda dele é
impor-tante para a etapa de invasão tecidual. A etapa de migração também é favorecida pelo processo de angiogênese, pois os
no-vos vasos que são formados são frágeis e
favorecem a entrada dessas células. A
fase que tem sido descrita como a mais desafiadora da metástase é a coloniza-ção. Muitas células até conseguem chegar
a sítios distantes, mas não conseguem
so-breviver ou não conseguem se proliferar no novo sítio.
16
Figura 7- As etapas da metástase correlacionada ao nível de dificuldade associado a cada uma. Biologia Molecular da Célula, 6 ed. São Paulo: Artmed,2017.Cap 20,1091-1143p.
Além de todas as formas de controle da
expressão gênica que influenciam no
pro-cesso de carcinogênese e já foram descri-tos anteriormente, vê-se também, nesse processo de transformação celular, a parti-cipação dos micro-RNAs(miRNAs). Eles são uma classe de pequenas moléculas de RNA que pareiam com sequências com-plementares de mRNA.
Em condições normais, os genes que codi-ficam os miRNAs são transcritos em pre-cursores maiores, chamados miRNA pri-mário (primiRNA). Como pode ser visto na
figura 8, o primiRNA é clivado em uma ou mais moléculas de RNA menores com uma estrutura em grampo de cabelo. A enzima que corta RNA de fita dupla chama-se Di-cer e ela se liga a essa estrutura de grampo de cabelo e remove a alça terminal. Uma das fitas de miRNA é incorporada ao RISC (complexo silenciador induzido por RNA), a outra fita é liberada e degradada. O RISC se fixa a uma sequência complementar no mRNA, e inibe a tradução desse ou o leva
17
Figura 8 - Formação do miRNA.
Contudo, muitas células tumorais exibem
redução disseminada na expressão de
muitos miRNAs. Estes normalmente con-trolam a expressão dos proto-oncogenes. Portanto, quando miRNAs têm sua ação reduzida permitem a expressão em níveis
elevados dos oncogenes.
Contudo, os estudos têm sugerido que os miRNAs são importantes nos estágios mais avançados do progresso dos tumores não para o início, inclusive vários miRNAs
estão envolvidos no processo de metás-tase.
AS BASES GENÉTICAS III
Em 2011, o mesmo grupo de pesquisa que descreveu as 6 características que estão representadas na figura 6, identificou mais
4 marcas essenciais no processo da carci-nogênese, como pode ser visto na figura
18
Figura 9- Características essenciais a transformação da célula normal a célula cancerígena recentemente descritas. D Hanahan , R A Weinberg, 2011.
Células tumorais mesmo sob oferta
nor-mal de oxigênio (normóxia) tendem a
au-mentar a taxa de realização de glicólise e
a taxa de incorporação de glicose.
Outra característica importante associada as células que formam o câncer é a
insta-bilidade genética. A ocorrência de
muta-ções vai tornando a célula cada vez mais
propensa a adquirir novas mutações.
Dessa forma, além das mutações em pro-cessos críticos (mutações condutoras) como proliferação e morte celular, essa instabilidade deixa as células tumorais mais sujeitas ao surgimento de mutações
que não são cruciais a carcinogênese, mas sim uma consequência dela (as mutações passageiras).
Assim, ao longo do tempo o câncer vai evoluindo, suas células vão acumulando
mutações as quais vão conferindo
carac-terísticas novas à doença e podem levar
ao aumento da malignidade dela.
Os tecidos de maior atividade metabólica são os que apresentam maior
probabili-dade de ocorrência de mutação e assim de geração de tumor, por isso o câncer de
co-lorretal e de pele são um dos mais inciden-tes.
19
AS BASES GENÉTICAS IV
Foi descrito que o microambiente tumoral
é imunossupressor, sendo assim ele faz
com que o sistema imunológico não mate suas células.
As células tumorais expressam na sua membrana peptídeos oriundos de
proteí-nas alteradas que são reconhecidas pelo
complexo MHC e em geral ativam as
célu-las T. No entanto, essas célucélu-las
canceríge-nas podem expressar proteícanceríge-nas em sua superfície que se ligam a receptores
inibi-tórios nas células T ativadas e com isso so-brevivem.
Curiosamente, parece que a estimulação do sistema imune pode ser interessante ao tumor. A ativação do sistema imunológico parece ajudar na migração das células
malignas pelo corpo ajudando no processo
de metástase. Por isso, acredita-se que a necrose que ocorre na massa tumoral tam-bém pode auxiliar na dispersão do tumor pelo corpo.
O estroma, ou seja, a matriz extracelular sobre o qual o tumor se desenvolve, não é
inerte. Pelo contrário, oferece uma intera-ção complexa com o tumor e tem partici-pação importante para a sobrevivência e proliferação das células tumorais. Assim
como ele emite sinalização para as células tumorais, ele também recebe sinalização delas e sofre modificações em resposta a
essa comunicação.
Um dos desafios encontrados pela célula que sofre metástase é sobreviver no novo
microambiente, pois dependendo da
sina-lização e da constituição daquele estroma o desenvolvimento daquele tumor ali pode ser impedido. Por isso, a colonização é a etapa mais desafiadora, do ponto de vista do tumor, na metástase.
TRATAMENTOS
As estratégias de tratamento para o câncer também têm evoluído. Além, da
aborda-gem clássica, quimioterapia, radioterapia e das cirurgias, novas formas de combater
esse crescimento desordenado já foi des-crito e outras seguem sendo estudadas. Visando o sucesso, as terapias anticâncer tendem a atuar sob as habilidades
con-quistadas por essas células em
decorrên-cia das mutações que elas vão acumu-lando. Como pode ser visto abaixo. Na fi-gura 10 há classes de fármacos baseados em cada uma das 10 marcas do câncer já descritas.
20
Figura 10- Classes de fármacos associadas a cada uma das características essenciais do câncer já descritas. D Hanahan , R A Weinberg, 2011.
Entre as estratégias de tratamento já dis-poníveis cabe ressaltar algumas terapias
gênicas.
A terapia gênica tem como uma das pro-postas a utilização da técnica de CRISPR que permite edições no DNA celular. No cenário cancerígeno tem sido utilizado para que as células deixem de expressar
oncogenes ou para reativar genes supres-sores de tumor. O objetivo é eliminar as
habilidades conquistadas pelas células transformadas e tornar possível a reversão
do quadro. Ao combinar essa técnica com a das CAR-T cells busca-se desabilitar o tumor da evasão do sistema imune ao in-troduzir nas células T coletadas do próprio paciente sequência de proteínas superex-pressas ou específicas do tumor do mesmo, para que o seu sistema imune possa reconhecer e assim promover a edi-ção através do sistema CRISPR.
Outra abordagem é intervir a nível da
mo-dulação da expressão gênica. Sendo
21 de agentes epigenéticos que visam atuar
sobre enzimas chamadas de metiltransfe-rases, retirando a metilação que resulta no
silenciamento de genes supressores de tumor. Outa abordagem é o uso de inibi-dores de desacetilases que tem se
obser-vado que leva ao relaxamento da
croma-tina e os torna sensíveis a intercalantes de DNA. A literatura também traz como alvos
desses inibidores, as histonas, gene da
p53 e genes de vias de transdução de si-nais intracelulares, dessa maneira esses fármacos também agem tornando tais ge-nes acessíveis a transcrição, levando a
cé-lula a parada nos checkpoints (G1 e G2/M) e possibilitando a ocorrência de apoptose. Utilizar essas drogas epigenéticas combi-nadas com as tradicionais podem potenci-alizar o efeito dessas. Acredita-se também que essa modulação epigenética possa
restaurar a sensibilidade de tumores resistentes às drogas tradicionais e
rever-ter o quadro quimioressistente adquirido pelo tumor.
Um ponto importante para o sucesso des-sas estratégias é a correta indicação que
deve estar associada a avaliação do perfil
molecular do tumor.
Na tentativa de evitar recaídas da doença, tem sido proposta a terapia combinada, isto é, usar diferentes estratégias de uma
só vez ao invés de ir utilizando uma a uma
progressivamente. O objetivo é diminuir a
pressão seletiva que é promovida sobre as
células tumorais ao escolher um fármaco, que mata um grande número de células, mas deixa sobreviver as resistentes.
Hoje já se tem um arsenal terapêutico am-plo, mas para criar uma abordagem de
te-rapia combinada eficiente é preciso ter
atenção a três pontos: identificar as
múl-tiplas peculiaridades das células cancero-sas que surgem das mutações que vão
transformando as células normais em tu-morais, produzir fármacos (ou outros
tra-tamentos) que sejam direcionados a es-sas vulnerabilidades (como alguns que já
se tem, vide figura 10) e considerar o perfil
molecular presente nas células cancerosas de cada paciente. Dessa maneira
acredita-se acredita-ser capaz de aumentar a taxa de cura
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@jalekoacademicos Jaleko Acadêmicos @grupoJaleko
REFERÊNCIAS
Genética Básica – Genética Molecular – Câncer (Professora Nathalia Les-tard). Jaleko Acadêmicos. Disponível em: < https://www.jaleko.com.br>. J. Briant,D , H. Lindsay, A. McNew . Câncer. In: Alberts B., Johnson A., Lewis J.,Morgan D.,Raff M.,Roberts K.,Walter P., Wilson J.,Hunt T. Biologia
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