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GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

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(1)

r ...•

I

Revolta da Vacina;

O

povo contra Oswaldo Cruz.

Ano

2 /

13

R$ 6,80

novembro

2004

UMA PUBLICAÇÃO EDITADA PELA BIBLIOTECA NACIONAL

(2)
(3)

izinhos e parceiros comerciais no Merco-,ul, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai foram protagonistas do mais sangrento conflito do continente. Ao longo de seis ~e 1864 e 1870, aproximadamente 130 mil orreram nos quatro países. À exceção da

-a.

que chegou a cobrar impostos sobre os '":toSenviados para as tropas aliadas, as na-..idas sofreram conseqüências econômicas

Brasil enterrou nos campos de b~talha um

total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos de orçamento imperial, resultando num déficit pú-blico que se arrastaria pelos vinte anos seguintes. Nas próximas páginas, Nossa História leva o leitor de vol-ta à guerra que devastou o Cone Sul, mostrando as origens do conflito, a extrema brutalidade das bata-lhas, a polêmica participação de negros e mulheres, a visão dos livros e, em especial, o olhar de especiali$-tas dos países envolvidos sobre uma guerra que mar-cou dali em diante a história de um continente.

Combate naval do RiachueJo. pintura de De Martino feita em 1870, exposta no Museu Histórico Nacional do Rio de janeiro

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izinhos e parceiros comerciais no Merco-sul, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai foram protagonistas do mais sangrento conflito do continente. Ao longo de seis

ElOS, entre 1864 e 1870, aproximadamente 130 mil • ~5soas morreram nos quatro países. À exceção da _crgentina, que chegou a cobrar impostos sobre os __primentos enviados para as tropas aliadas, as na-~ões envolvidas sofreram conseqüências econômicas .l~ozes. O Brasil enterrou nos campos dégltalha um

total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos de orçamento imperial, resultando num déficit pú-blico que se arrastaria pelos vinte anos seguintes. Nas próximas páginas, Nossa História leva o leitor de vol-ta à guerra que devastou o Cone Sul, mostrando as origens do conflito, a extrema brutalidade das bata-lhas, a polêmica participação de negros e mulheres, a visão dos livros e, em especial, o olhar de especiali\-tas dos países envolvidos sobre uma guerra que mar'!"" cou dali em diante a história de um continente.

Combate naval do Riachuelo, pintura de De Martino feita em 1870. exposta no Museu Históríco Nacional do Rio de

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.ú....V.RM.ILRO 2004

18

~

Francisco Doratioto

Nova

luz

sobre a

Guerra

do

Paraguai

Estudos recentes mostram que as origens do conflito

podem também estar no processo de consolidação

dos Estados Nacionais no Rio da Prata} contrariando

a idéia

de que a guerra foi uma resposta

à

ação da Inglaterra

Solano López em lirografia de 1870: tradicionalmente visto como o líder de uma nação desenvolvida, o ditador paraguaio era animado pela sede de poder

Buenos Aires em uma pintura da primeira metade do século XIX, pouco antes da unificação do país sob a República Argentina: a consolidação dos Estados Nacionais na região está na raiz da Guerra do Paraguai

rada por Francisco Solano López, governante auto-ritário mas preocupado com o bem-estar do seu po-vo. Nada mais distante da realidade. O Paraguai ti-nha uma economia agrícola, atrasada; nela havia escravidão africana, embora di-minuta, e López era movido apenas pela lógica de todos os ditadores, a

de se manter no poder. Outro mi-to que caiu por terra foi a supos-ta rivalidade do Paraguai com os ingleses. Vai contra a lógica his-tórica responsabilizar o imperia-lismo inglês pelo desencadear da guerra. Na realidade, o governo paraguaio mantinha boas relações com a Inglaterra, onde, desde o final dos anos 1850, contratou técnicos, com a finalidade de modernizar suas ins-talações militares. Era, sim, o Império do Brasil que tinha atritos com a Inglaterra, com a qual rompeu relações diplomáticas em maio de 1863. Elas somente foram restabelecidas, após recuo do

51

partir da década de 1970, ganhou espaço a interpretação de que o imperialismo inglês foi a causa da Guerra do Paraguai, deflagrada em dezembro de 1864. Segundo essa vertente, o trono bri-tânico teria utilizado o Império do Brasil e a Argentina para destruir um suposto modelo de desenvolvimen-to paraguaio, industrializante, au-tônomo, que não se submetia aos mandos e desmandos da potência de então. Estudos desenvolvidos a partir da década de 1980, porém, revelam um panorama bastante distinto. As origens do conflito, mostram eles, se encontram no pro-cesso de construção e consolidação dos Estados Nacionais no Rio. da Prata e não nas pressões externas dos ingleses. Os avanços historiográficos mostram também como o quadro po-lítico que se desenhara às vésperas da Guerra do Paraguai aproximou ideologicamente, pela primeira vez na História, o Brasil e a Argentina.

A interpretação imperialista apresentava a socie-dade paraguaia do pré-guerra como avançada,

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lide-19

NOVEMBRO 2004

'N

11"

Area litigiosa entre

Argentina e Paraguai

Area litigiosa entre Brasil e Paraguai Atuais fronteiras entre os países Máxima extensão do controle paraguaio

#

Batalha

~ Avanço das tropas

paraguaias

BRASIL

URUGUAI BOLlVIA

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• Miranda

Chaco ~ ~NIOaqUe

Território declarado

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argentino pelo Tratado

da Tríplice Aliança

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PARAGUAI ~ Cerro Corá

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Montevidéu ~' BuenosAires.~ •

colorado, de oposição a Berro, se organizasse militar-mente na capital argentina e invadisse, em março de 1863, o Uruguai, iniciando uma guerra civil.

Frente a essa situação, o presidente Berro buscou criar um novo equilíbrio de forças no Prata, com o

estabelecimento do eixo Montevidéu-Assunção, ao qual poderiam se associar as províncias argentinas dissidentes do governo central. Chefes políticos des-tas, principalmente Justo José Urquiza, governador ::mo britânico, em setembro de 1865, meses após

~,jo do conflito.

~ busca de modernizar o Paraguai, Solano Ló--- -",ntou ampliar a inserção do país no comércio

-~acional, exportando produtos primários para -~r as libras esterlinas que viabilizariam seu proje-Para tanto, necessitava de um porto marítimo, _e não podia ser o de Buenos Aires, antiga capital

rual, inclusive do Paraguai. Isso porque os gover--·-tes argentinos resistiam em conceder facilidades --31erciais à nação vizinha. Restava como

alternati--'..para a ampliação do comércio exterior, o porto de .• antevidéu, no Uruguai.

.-\.situação política no Uruguai é particularmente portante para entender o desencadear da Guerra do ?araguai. Em 1861, o presidente uruguaio Bernardo 3crro, do partido blanco, se recusou a renovar com o 3rasil o Tratado de Comércio e Navegação, assinado

;':;n 1851. Com essa medida, reduziu a dependência do :"-ruguai em relação ao Império brasileiro. Ao mesmo -empo, instituiu um imposto sobre as exportações de gado em pé para o Rio Grande do Sul, atingindo os i.:lteresses de estancieiros gaúchos, com propriedades :10 país. Por outro lado, o cenário político do Rio da Prata ganhou um novo Estado Nacional em 1862, com o surgimento da República Argentina. A nação nasce 50b a liderança da burguesia de Buenos Aires, tendo Bartolomeu Mitre como presidente. A primeira tare-ia de Mitre era consolidar a República. Mas, para is-o, precisava neutralizar a oposição federalista, prin-cipalmente das províncias de Corrientes e Entre Rios, impedindo-as de contar com qualquer tipo de apoio externo. 'tlas, porem, com autor'1zaçào 00 governo uruguaio, utilizavam o porto de Montevidéu para eu comércio, escapando do controle alfandegário de Buenos Aires. Mitre permitiu, então, que o partido lte auto-Iseu po-aguai ti-Ida; nela bora di-) apenas ldores, a utro mi-a supos-i com os gica his- imperia-adear da governo relações ie o final técnicos, suas ms-pério do lm a qual de 1863. recuo do •• r

j

•_~militarFevereiroIniciada mobilizaçãono Paraguai.

~

-•.-

.

25 de maio O Império do Brasil rompe relações diplomáticas com a Grã-Bretanha.

6de setembro

Paraguai alerta Mitre

que o apoio argentino a

Flores tem efeito

"desastroso" sobre os

interesses paraguaios.

~ 19 de março

Venâncio Flores,junto com outros colorado5, inicia

"" rebelião contra o governo

\Q do uruguaio Bernardo ~

.

Berro, do Partido Blanco.

'

torna~seo primeiro

presidente d': República Argentina após sua unificação.

~ 10 de setembro

Fr~clsco~Solano López

assume o governo paraguaio após a morte do pai, Carlos Antonio López.

.---'

.

(7)

13 de abril

Após Mirre não

permitira passagem de tropas paraguaias por território argentino para invasão d~ R~ Grande do Sul, López declara guerra à Argentina .

~ 2 á4 de janeiro

I Forças paraguaias ocupam Miranda, Dourados, ~ Nioaque e Corumbá, no ~ Mato Grosso.

~

Para piorar o quadro de tensão no Rio da Prata, Souza Neto, representando os fazendeiros gaúchos instalados no Uruguai, se apresentou às

autorida-des do Rio de Janeiro para denun-ciar como "abusos" as medidas poli-ciais tomadas por autoridades uru-guaias contra cidadãos brasileiros que apoiavam oscolorados. A essa al-tura, o mandato presidencial de Berro já havia terminado, em março de 1864. A chefia do Executivo uruguaio, porém, continuava nas mãos do partido blanco, com Atanásio Cruz Aguirre. Souza Neto não fez por menos: solicitou a intervenção do Império no Uruguai. Foram três as razões do governo brasileiro para ceder às pressões dos fazendeiros do Sul. Primeiro, para não ser acusado de omisso. Depois, porque queria evitar que a Argentina colhesse, sozi-nha, os frutos de uma vitória colorada. E, por fim, pa-ra desviar a atenção popular de problemas internos.

Desenhava-se uma nova realidade no Rio da Prata, para a qual, após décadas de desencontros, conver-giam os interesses do Império do Brasil e da Argen-tina. Para ambos interessava a vitória doscolorados e havia, pela primeira vez, no liberalismo, identidade ideológica entre os governos brasileiro e argentino. Bartolomeu Mitre era favorável à livre navegação bra-sileira dos rios platinas, de vital importância para a in-tegridade territorial do Império, já que a província do Mato Grosso, isolada por terra, mantinha contato com o Rio de Janeiro por meio dos rios Paraguai e Paraná. Além disso, como primeiro presidente da Argentina, interessava a Mitre a estabilidade política regional, que certamente contribuiria para a consolidação da Repú-blica. Foi por isso que ele trabalhou para que seu país

r

28 de dezembro

Forças paraguaias tomam o Fone Coimbra, no Mato Grosso.

12 de novembro

Solano López ordena a apreensão, próxima a Assunção, do vapor brasileiro Marquês de

Olinda,que levava o novo presidente da província de Mato 'Grosso.

12 de outubro Depois do rompimento do governo b/anca de Aguirre com o Império e do governo paraguaio avisar que uma intervenção militar do

Império no Uruguai seria

"atentatória ao equilíbrio dos Estados do Prata", tropas brasileiras

entram no Uruguai.

de Entre Rios, mantinham, por sua vez, estreitas relações com Solano López. Foi apostando na consolidação desse novo eixo político que o presidente uruguaio enviou Octávio Lápido, do partido blanco, a Assunção, on- , de deveria oficializar uma aliança com o Paraguai. Embora o acordo não tenha sido selado, o governo pa-raguaio passou a apoiar o presidente do Uruguai. Por duas vezes, em setem-bro e em dezemsetem-bro de 1863, Solano López advertiu Mitre sobre o apoio argen-tino - que era real- ao general Venâncio Flores, líder da rebelião colorada, de oposição a Berro. Em ambas as ocasiões, o governo argentino negou a acu-sação, dizendo-se neutro. Mas na segunda negativa, em fevereiro de 1864, Mitre, para repelir as veladas ameaças paraguaias, acrescentou que a Argentina poderia adotar outra postura, insinuando o fim da neutralidade e, portanto, o apoio aberto a Flores.

~ 4de agosto

Após àenúncias de Souza em de que o governo

b/anm no Uruguai

desrespei:2va direitos dos fazendeIroS gaÚchos ali instalados, governo . brasileiro :~:>õe ultimo.tum ao ..:r-., sobpenade-~ . militar do Impe"'C..I

o

apoio do presidente argentino Bartolomeu Mirre (abaixo, reunido com o seu estado-maior em Tuiuti) ao líder da oposição uruguaia Venâncio Flores (ao lado) motivou ameaças do governo paraguaio em 1863

GENERAL D. BARTHOLOMt MITRECOM SEO ESTADO A1AIOR... 1869 :NOVJi·'\'1.BRO 2004

20

(8)

io no Rio ltando os ados no mtorida-a denun-idas poli-ldes uru-'fasileiros A essa al-de Berro , de 1864. ), porém, mco,com o fez por pério no brasileiro do Sul. ). Depois, ~sse, SOZl-,r fim, pa-nternos. Ida Prata, 5, conver-ia Argen-%rados e dentidade argentino. ~açãobra- paraam-wíncia do ntato com e Paraná. i\rgentina, :ional, que Ida Repú-le seu país

e o Brasil substituíssem a rivalidade pela cooperação. Assim, em abril de 1864, ao assumir a representação diplomática argentina no Rio de Janeiro, José Mármol trazia instruções do chanceler de seu país, Rufino de Elizalde, para "associar com o Brasil os in-teresses" do governo de Buenos Aires. Essa aliança não se estabeleceu de imediato, sendo construída' gradativamente, nos meses seguintes, como resposta aos problemas comuns dos dois países no Prata.

Paraguai e Uruguai de um lado. Brasil e Argentina de outro. Estava armado o contexto geopolítico no qual se desenrolaria a Guerra do Paraguai, deixando claro o peso dos problemas internos do Rio da Prata no desencadear do conflito. Nesse contexto, o Impé-rio enviou, em abril de 1864, o conselheiro José Antônio Saraiva como ministro plenipotenciário em missão especial ao Uruguai, acompanhado por na-vios de guerra comandados pelo vice-almirante Ta-mandaré. Oobjetivo declarado da missão era o de proteger os direitos dos brasileiros residentes no país. Mas, na realidade, o que se desenhava era a pre-paração para uma intervenção militar.

No Uruguai, Saraiva se convenceu de que poderia tentar a via da negociação para afastar do governo uruguaio ministros b/ancas que se opunham aos interesses brasileiros, substituindo-os por políticos c%rados. Acordo nesse sen-tido foi assinado em Puntas deI Rosário, em 18 de junho de 1864, com repre-sentantes desses dois partidos, por Saraiva, juntamente com o chanceler argentino Rufino de Elizalde e o re-presentante britânico em Buenos Aires, Edward Thornton, pois a conti-nuidade da guerra civil prejudicava o comércio inglês.

21_NOV.h.M ..BRO2004

D. Pedro II em Porto Alegre com farda de general, em 1865. No ano anterior, antes do início da guerra, o Império enviou ao Uruguai o conselheiro Saraiva (abaixo: em litografia de 1853) para intervir em um conflito, motivo alegado pelo Paraguai para a ação militar contra o Brasil , de abril iÓsMitre não rmitira ssagem de Ipas paraguaias Ir território ~entinopara rasàodo Rio anded; 5;71, pezdeelara erra à Argentina. ~ l°de maio

~rg,entina, Brasile Uruguai assinam o Tratado da Tríplice Aliança, contra o governo de Solano López.

11 dejunho

Batalha do Riachuelo, na qual a esquadra imperial

destrói a marinha

paraguaia.

16 de abril

Tropas aliadas iniciam

invasão ao Paraguai com

o objetivo de tomar Humaitá, epicentro do sistema defensivo paragu~o.

22 de setembro

Aliados atacam posição fortificada paraguaia de

Curupaiti e sofrem a maior

derrota da guerra. paralisando seu avanço por

cerca de um ano.

Março e maio

Quatro mil soldados

brasileiros morrem em

epidemia de cólera que se

alastrou entre os aliados.

Em maio a epidemia

(9)

com o exército paraguaio pelo Rio Grande do Sul, que foi invadido em junho de 1865.

O que López não esperava é que o novo presiden-te do Uruguai, Tomás Villalba - sucessor de Aguirre - fosse ceder às pressões de dentro e de fora do país. Com o apoio do governo da Argentina, o ex-chanceler conservador do Império, José Maria da Silva Para-nhos, novo enviado do governo imperial em missão especial ao Prata, conseguiu obter a rendição da capi-tal uruguaia e selar, em 20 de fevereiro, o Protocolo de Paz de Villa Unión. Atendendo aos interesses de Brasil e Argentina, um colarado - o general Venâncio Flores - chegava ao poder. Em uma ação que seria fatal para os seus objetivos militares no Prata, Solano López invadiu, em 13 de abril de 1865, a província de Corrientes. Sonhava ser recebido pelos federalistas argentinos como um libertador. Mas tudo o que conseguiu foi permitir que o presidente Mitre formalizasse um acordo com o Império do Brasil, o que, em outras circunstâncias, teria levado a um levante popular no interior argentino, que era antibrasileiro. Em maio de 1865, foi assinado o Tratado da Tríplice Aliança, entre Argentina, Brasil e Uruguai. Entre outras medidas, o documento de-terminava que a guerra somente terminaria com a saída de Solano López do poder. Estabelecia, também, o desmantelamento das fortalezas paraguaias que impediam a livre navega-ção pelos rios do Prata e definia as frontei-ras do Paraguai com o Bfrontei-rasil e a Argentina, cabendo a esses os territórios em litígio. Pouco depois, em novembro de 1865, Rufino de Elizalde escreveu a José

Frustrou-se o projeto visionário de substituir a rivalidade argentino-brasileira pela cooperação

Esse documento, porém, foi rejeitado pelo presi-dente Aguirre. Foi então que Saraiva apresentou um ultimatum exigindo a punição dos funcionários uru-guaios supostamente responsáveis por agressões a bra-sileiros. Outra recusa, advertia ele, teria como resposta a ação militar do Império contra o Uruguai. O Para-guai protestou contra a eventual ocupação territorial de seu aliado. Mas em 12 de setembro, tropas brasilei-ras cruzaram a fronteira do Uruguai e, no mês seguin-te, o vice-almirante Tamandaré

assi-nou o Acordo de Santa Lúcia com o ge-neral Venâncio Flores, finalmente es-tabelecendo a cooperação militar en-tre os colarados e as forças brasileiras.

Solano López respondeu, em no-vembro, a essa iniciativa do Império, mandando aprisionar o vapor brasi-leiro Marquês de Olinda. No mês se-guinte, ordenou a invasão do Mato Grosso, ocupando o território em

disputa com o Brasil. O ditador estava informado, por espiões, que essa província estava indefesa, bem como sobre a fraqueza militar do Império. Planejava, após garantir a sua retaguarda, derrotar as forças bra-sileiras que ali se encontravam, passando, para tanto,

NüVoÓ-M_BAO 2004

22

o

jornal paraguaio fi

Centine/a ironiza autoridades brasileiras, vistas como macacos "em conferência secreta". Da direita para a esq uerda, o marechal Polidoro, o Imperador e o visconde de Tamandaré. Este último assinou o acordo de cooperação militar com os c%rados uruguaios em outubro de 1864

2S de julho er.:r~em HUmait3. ~ 14 de agosto Emcarta aolTÚlÚslro

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Guerra, CalCas ~:: -do corc-:o O

~ 27 de dezembro Àvista do exéráto

aliado. 5o'ano lópez

5>".•••.

~ 10 de janeiroITropasbrasileiras comandadas por. Hermesda Fonseca ocupam Assunção. que estava deserta.

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(10)

: do Sul, )residen-: Aguirre i do país. :hanceler lva Para-n missão ) da capi-fevereiro, a Unión. ~ Brasil e ) general iOpoder. 'atal para 00 Prata, 3 de abril )rrientes. deralistas idor. Mas ,residente lpério do ia levado ), que era sinado o na, Brasil nento de-lana com ;tabelecia, fortalezas e navega-IS frantei-úgentina, ~mlitígio. mbra de veu a José

_-"ntônio Saraiva que se iniciava, entre a Argentina e Brasil, uma aliança "que lançará profundas raízes ?ara o bem de nossos países e de nossos vizinhos". ?ara Elizalde, vencido o Paraguai, deveriam ser assi-nados novos acordos entre os dois países, com o ob-:etivo "de fazermos uma aliança perpétua, baseada na justiça e na razão, que há de ser abençoada por nossos filhos".

Vale destacar o importante papel que a diploma-ia imperdiploma-ial teve durante a Guerra do Paraguai. No plano militar, garantiu, na Europa, o fornecimento de armamento. No plano político, conteve a tentati-va dos Estados Unidos de intermediarem uma paz que seria favorável a Solano López. Os diplomatas brasileiros não obtiveram sucesso, porém, quer no Velho Continente, quer na América, em neutralizar a simpatia de intelectuais e políticos pelo Paraguai. A grande frustração fica por conta da vitória da ala conservadora na definição das relações entre Brasil e Argentina no pós-guerra. Ocupada Assun-ção por tropas brasileiras, em janeiro de 1869, o Partido Conservador, que retomara ao poder no

Império em agosto do ano anterior, retomou sua tradicional política de contenção da influência ar-gentina no Rio da Prata. Por outra lado, Domingo Faustino Sarmiento, um inimigo da aliança com o Brasil, foi eleito presidente da Argentina.

A diplomacia imperial passou então a trabalhar pa-ra gapa-rantir que, terminada a guerpa-ra - o que ocorreu com a morte de Solano López em 1870 -, o Paraguai permanecesse independente e não perdesse todo o ter-ritório do Chaco para a Argentina, como determinava o Tratado da Tríplice Aliança. As relações brasileiro-ar-gentinas se tornaram tensas, principalmente em 1872, quando o Império assinou o acordo de paz em separa-do com o Paraguai, o que era proibisepara-do pelo Tratasepara-do. Frustrou-se, assim, o projeto visionário de Mitre, Sa-raiva e Elizalde e alguns outros políticos de substituir a rivalidade argentino-brasileira pela cooperação. m

FRANCISCO DORATIOTO é professor /10 Curso de Relações

Internacionais da Universidade Católica de Brasília e autor de

Maldita Guerra; nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:

Companhia das Letras, 2002.

t:M B RO 2004

Para saber mais

IZECKSOHN, Vitoe O

cerne da discórdia; a Guerra do Paraguai e o

núcleo profissional do

Exército. Rio de Janeiro:

E-papers, 2002.

MEN EZES, Alfredo da Mota. Guerra do Paraguai; como construímos o conflíto.

São Paulo: Contexto; Cuiabá: Editora da UFMT, 1998.

TORAL, André. Imagens

em desordem; a iconografía da Guerra do ParaguQ/ (1864-1870). São Paulo: Humanltas, 2001. No alto da página: Bandeira do Brasil tremulando no palácio de López em Assunção, tomado pelas tropas imperiais

em1869

~ 25 de novembro Jurada a OCo

~.

pri~

~ 20 de junho Governo provisório do raraguai aceita os termos do Tratado da Tríplice Aliança.

-."

1° de março

Solano lópez é alcançado pelas tropas brasileiras em Cerro Corá, ferido com uma lança pelo cabo Francisco lacerda e morto com um tiro de fuzil.

r2 de junho

ovisconde do Rio Branco e o chanceler argentino autorizam aorganiz~ç~~ I de um governo provlsono paraguaio.

Q

••••• CIO

~

23 de março Depois de concedida a demissão do cargo de comandante-em-chefe a Caxias, o imperador lhe concede o único titulo de duque do Império. No dia seguinte o conde O'Eu é nomeado comandante ,das forças brasileiras no

raraguai, mesmo contra sua vontade.

sfde;fevereiro

~P6sdesmaiar em missa

na catedral de Assunção, Caxias parte para o Rio de Janeir.o, onde chega

IànÔnimo, sem nenhuma recepção . lejaneiro >asbrasileiras ,andadas por, "es da Fonseca pam Assunção, estava deserta.

(11)

Geografia, logística e tecnologia. Três fatores combinados

explicam por que a guerra foi particularmente

sangrenta

e se estendeu por seis longos anos

o Bonalume Neto

esafio

ca

~.

ce

2004

24

,

Trlp

olhando-se fotos aéreas ou imagens de satélite. A re-gião quente e úmida facilitava o alastramento de doenças. Uma epidemia de cólera em 1866-1867 atrasou em muito as operações militares da aliança. A geografia afetava diretamente a logística, isto é, a arte de suprir os exércitos com o necessário para o combate eficaz, basicamente comida, uniformes, ar-mas e munições. Mas o teatro de operações era dis-tante do Brasil e as tropas, equipamentos e supri-mentos precisavam ser transportados primeiro por via marítima e depois fluvial. As operações militares ocorriam assim em torno do rio, e demoravam.

A tecnologia também contribuiu para definir a guerra. A revolução industrial do século XIX criou ar-mamentos com maior poder de fogo e fatais, além de inovações que facilitaram a logística - como navios a vapor e ferrovias - ou as comunicações (no caso, o te-légrafo). Apesar de as armas serem modernas, nem

SI1

inda hoje a região dos combates no

sul do Paraguai é de difícil acesso. Não há boas estradas e a navegação fluvial permanece o modo mais seguro de se chegar em alguns locais do conflito. Naquela época, o rio Paraguai era o grande caminho para se chegar ao país. E o terreno, em grande parte pantanoso, so-mado ao desconhecimento sobre o território inimi-go, dificultava a ação dos aliados brasileiros, argen-tinos e uruguaios. Como o Paraguai vivia em isola-mento, e mesmo os vizinhos o conheciam pouco, os invasores não contavam nem com mapas eficientes e o ataque era feito, literalmente, de forma tateante. Comuns no sul daquele país, os terrenos alagadi-ços (ou esteros) eram os procurados pelos para-guaios como linhas de defesa: perto desses fossos naturais atacar era ainda mais difícil. Até hoje é pos-sível ver o traçado das antigas trincheiras na região

Exército do Paraguai dispara contra as tropas da Tríplice Aliança em 1866, em detalhe do óleo Trinchera de Curupaytí, de Cándido López. No ano seguinte, as forças paraguaias já estavam isoladas, forçadas ao improviso, como a construção do canhão

fiCristiano (página ao

lado) com os sinos das igrejas de Assunção. A arma de guerra se encontra hoje no Rio de Janeiro

(12)

25

1-004-lópez mandou seus generais atacarem os aliados. Travou-se então em Tuiuti, em 24 de maio de 1866, a maior batalha campal da América latina

Para saber mais

CERQUEIRA, Oionísio.

Reminiscências da

cam-panha do Paraguai. Rio

de Janeiro: Biblioreca do Exérciw, 1980. CARDOZO, Efraím

Breve Historia Dei

Paraguay. Buenos Aires:

Ediwrial Universitaria, 1965.

BURTON, Richard F.

Cartas dos campos de

batalha do Paraguai. Rio

de Janeiro: Biblioreca do Exérciro, 1997.

FRAGOSO, Augusro Tasso.História da guerra entre a tríplice aliança e

oParagua/. (Cinco

volu-mes). Rio de Janeiro: Biblioreca do Exérciro, 1956.

Universiry of Texas ar Ausrin, 1979. WILLlAMS, John Hoyr.

The R/se And Fali Of The

Paraguayan Republic,

1800-1870. USA: The

Filme

Sylvio Back. AGuerra do

Brasil.Globo Vídeo,

1987.

Os paraguaios avançaram em vanas frentes -uma estratégia temerária, pois dividia as forças dis-poníveis. Em dezembro de 1864 começa a invasão do Mato Grosso. Outra coluna de tropas entra na Argentina em março de 1865 e captura, em abril, a cidade de Corrientes. Uma terceira coluna vai para o Rio Grande do Sul, tomando Uruguaiana em 5 de agosto de 1865. Nessa primeira fase da guerra acon-tece uma das batalhas mais decisivas do contlito: em um trecho do rio Paraná, ao sul de Corrientes, a es-quadra paraguaia perde a Batalha Naval do Ria-chuelo, em 11de junho de 1865. Apesar de a guerra ter prosseguido mais cinco anos, pode-se dizer que ela foi definida então. Com o controle brasileiro do rio, o Paraguai ficou bloqueado e sem possibilidade de receber armas e auxílio do exterior.

ão demorou muito para que os principais avan-ços paraguaios fossem contidos. De setembro a no-vembro de 1865, a contra-ofensiva aliada obrigou as forças paraguaias a se retirarem ao longo do rio Paraná. Parte de Mato Grosso continuou sob a ocupação dos paraguaios, indicando a dificuldade de acesso à região por terra (uma das rei-vindicações brasileiras no Tratado da Tríplice Aliança era justamente ter o acesso tluviallivre até Mato Grosso). Em maio e junho de1867, uma expe-dição militar brasileira em Mato Grosso fracassou, fato conhecido co-mo a Retirada da Laguna.

Como não se conquista uma guer-ra apenas na defensiva, López mandou seus geneguer-rais atacarem os aliados quando eles ainda estavam se ins-talando em território paraguaio. Travou-se então em Tuiuti, em 24de maio de 1866, a maior batalha cam-pal da América Latina. Os paraguaios tentaram um ataque-surpresa, mas faltou coordenação entre as di-versas colunas. Os números ainda geram debates, mas aparentemente 23 mil paraguaios atacaram 35 mil aliados - há autores no Paraguai que falam em "52 mil" aliados. Os paraguaios teriam perdido 12 mil ho-mens, dos quais 6 mil mortos. Esta batalha tem parti-cular importância para a mística

interna do Exército brasileiro, pois nela atuaram destacada-mente três combatentes que de-pois se tornariam patronos de

ar-mas: Manuel Luís Osório, da cavalaria; Antônio Sampaio, morto então, da infan-taria; e Emílio Luís Mallet, da artilharia. os militares, dos dois lados do contlito,

sa---mo aproveitar todo o seu potencial. Ou, pior subestimavam seu efeito em formações densas êados avançando lado a lado em sólidas linhas. - Guerra Civil Americana (1861-1865) entram

a pela primeira vez navios couraçados com --- de ferro, movidos a vapor e com canhões ca-~~S de disparar granadas explosivas, bem mais .':'::'rososque os do começo do século. O avanço rio Paraguai foi possível somente após a enco-pela Marinha brasileira de navios couraça-modernos, alguns dos quais construídos no ~nal de Marinha do Rio de Janeiro.

_. guerra pode ser dividida em quatro períodos. rimeiro, a ofensiva paraguaia em 1865, até ser ___lida pelos aliados. Segue-se a invasão do

territó-;-,araguaio em abril de 1866, e a luta concentra-em um pequeno trecho do país devido ao blo-_elO provocado pela Fortaleza de Humaitá. A ter-':::.rafase, de mais movimento,

acon-~-e após a queda de Humaitá em " até a tomada de Assunção, em 9. E a campanha final de guerri--a que só termina com a morte de

ano López em 1870.

O primeiro ato de guerra ocorreu

12de novembro de 1864, quando ':inpez, em represália à intervenção do ~rasil na guerra civil uruguaia, manda

,:'risionar o navio a vapor brasileiro

•. farquês de Olinda, assim que este par-de Assunção. Os paraguaios

ini-.:laIT1 então sua ofensiva, amparados em forças arma-numericamente superiores às dos países vizinhos. _ião há consenso entre os historiadores sobre o núme-de combatentes, núme-de perdas, e mesmo da população ':os países. O Exército do Paraguai no início da guerra Leriaentre 28 mil e57 mil homens (mais reservas de

:::>mil a 28 mil homens). O Exército do Império

bra-'leiro em 1863 contava com cerca de 16mil soldados ::'oficiais. Os argentinos, com25 mil a 30 mil homens, ::nas apenas a metade poderia ser usada externamente o resto era mantido de prontidão para impedir

revol-separatistas internas). E o Uruguai com 5mil com-atentes. Obviamente, o potencial de mobilização mi-;.tar da Tríplice Aliança era bem maior: o Brasil com ~:>milhões de habitantes, a Argentina com 1,5milhão e o Uruguai com perto de300 mil. Há autores da épo-ca que estimaram a população paraguaia em até 1 mi-ão de pessoas, mas pesquisas modernas apontam u.m número bem menor, 400 mil.

télite. A re-lmento de 1866-1867 da aliança. ;tica, isto é, ário para o formes, ar-5es era dis-os e supn-melro por es militares

I

ravam. Ia definir a IX criou ar-~is, além de o navIOSa

(13)

SQ\'E\IBRO 2004

26

Acampamento Br/ilzdeiro

nu Ilill :!~ti,' SI'I.·udlrll de' I~lili.

t\litlc cl(,:Il'fLl)(~\-oJ 111\ S'llItllH\. ~t(H.d"'hL\ 'lt~·jllJ

{~.~ ·L~, OE CURUPAITY ATAQUE Baltria"

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~ i!ll 111I. ~ \11 I~ iJI I~

TENENTf-CORONEl AUC\J<;TO FRANCI<;CO CURt;PAIT"( hS68

Esquema do ataque à fortaleza paraguaía de Curupaiti, onde a Tríplice Aliança sofreu sua maior derrota, em setembro de 1866.É

possivel notar a formação das tropas (em blocos maciços), o posicionamento dos canhões paraguaios, a presença dos couraçados e o terreno pantanoso, que dificultou a movimentação militar

(14)

27

x

'-Ilt,

ç

_ Ias o avanço pelo rio também era difícil devido fortificações paraguaias, e foi em frente à de "::..::rupaitique os aliados tiveram seu maior revés, ~ setembro de 1866, com perto de 4 mil baixas, ~-Lre mortos e feridos. Navios também corriam .:-'a\'es riscos e não só de canhões atirando à quei--:;!-roupa - o novíssimo couraçado Rio de Janeiro -:mdou diante das baterias paraguaias, em Curuzu,

bater em uma mina explosiva.

Essa necessidade vital de dominar o rio Paraguai

=--

clara quando se vê o esforço da Marinha em se _.:;uipar com navios modernos. Os couraçados

bra--eiros estavam entre os mais modernos navios de =_erra da época, embora fossem de dimensões mais

iaptadas ao combate em rios do que em oceanos. - ram comprados oito no exterior e nove construídos

-o

Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro. O principal obstáculo era a Fortaleza de Humaitá, mada em uma curva do rio, que selava "hermetica-::::ente" a passagem fluvial, segundo o hidrógrafo - ::!JlcêsAmedée Ernest Mouchez, que estivera no

10-.=:':':antes da guerra. Para passar ali, só mesmo navios ::.cndados com grossas chapas de ferro. Como trin-'--eiras e pântanos barravam o acesso por terra,

ape--.2S em 5 de agosto de 1868 os aliados ocuparam -:::maitá, depois que a Marinha do Brasil empregou uraçados e o exército aliado iniciou uma "marcha

-=-e danco", isto é, ultrapassou a fortaleza pelo leste.

L.-ma das clássicas fotos da guerra mostra, em ::illIlaitá, a bateria de canhões protegidos por casa---Ias conhecidas como "Londres". E mesmo

bate-".25 não cobertas por pedra eram poderosas, pois a ~roteção de terra tinha a vantagem de absorver o ti--~ dos canhões, seja reduzindo o efeito das

explo--5

ou impedindo que as granadas estourassem. ;="c fator, combinado com a pouca familiaridade :.=muitos artilheiros brasileiros com as espoletas :"" novas granadas, fez com que muitas não explo-.::-- 'm e fossem pegas pelos paraguaios para

arre-_5sar contra seus antigos proprietários.

=...ogono começo da guerra, o argentino

Bartolo--=:1

.\Iitre foi escolhido comandante-em-chefe das :-.:asaliadas, mas a escolha desagradou os militares ::-asileiros, eternamente desconfiados da Argentina.

- .;::1 o aumento dos problemas internos da

Argen-:. e a gradual preponderância das tropas brasileiras 'guerra, Mitre é substituído por um brasileiro, o

quês Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de . , que em 13 de janeiro de'1868 assume o co--'-cio aliado. Quebrada a dura noz que era Humaitá,

~dos puderam prosseguir. Em dezembro de 1868,

BATE. CADÃVERES PARAGUAIOS. 1866

Caxias vence os paraguaios na série de batalhas co-nhecida como a "dezembrada"; Itororó, Avaí, Lomas Valentinas e Angostura. Caxias, aliás, teve participa-ção fundamental na guerra, não só como estrategis-ta e tático, mas estrategis-também na reorganização e treina-mento do Exército brasileiro, que passou de uma força desmoralizada (inclusive pelo alto índice de doenças) a uma máquina de guerra eficaz. E não fal-tou coragem pessoal ao futuro patrono do Exército, notadamente no episódio do arroio Itororó, quan-do se arriscou àfrente das tropas e conseguiu, pelo seu exemplo, reanimá-Ias até a vitória.

López consegue escapar do cerco em Lomas Valentinas - um caso polêmico, pois há quem afirme que Caxias teria facilitado sua fuga por conta de contatos mútuos na maçonaria -, e vai se refugiar na cordilheira, ao leste de Assunção. No mês seguinte, janeiro de 1869, Caxias ocupa Assunção, considera a guerra terminada, se retira do teatro de operações, e é substituído pelo genro do imperador, o conde D'Eu.

O último grande conflito ocorre em agosto de 1869, conhecido como Batalha de Acosta Nu ou Batalha de Campo Grande. Só em 10 de março de 1870, depois de uma longa caçada, López foi morto em Cerro Corá pelos brasileiros. O resultado da lou-cura de López foi trágico para o Paraguai. Estudos feitos por Thomas L. Whigham, da Universidade da Geórgia (EUA), e Barbara Potthast, da Universidade de Bielefeld (Alemanha), com base em documentos inéditos de um censo populacional feito em 1870, indicam que 70% da população do país morreram na guerra, principalmente de fome e de doenças. m

RICARDO BONALUME NETO éjornalista, repórter da Folha

de S. Paulo.

Cadáveres fotografados em Tuiuti, em 1866, após a maior batalha campal da América Latina. Estima-se que 70% da população paraguaia tenha morri do

durante a guerra, a

maioria por causa de doenças e fome

(15)

vergonhosos e que altamente depõem contra nosso Exército': Em sua opinião estes fatos se deviam à in-trodução do elemento servil nas fileiras, com "seus maléficos resultados por meio dos exemplos imorais, e de todo contrários àdisciplina e subordinação, dados constantemente por homens que não compreendem o que é pátria, sociedade e família, e que se consideram

é

m carta confidencial ao ministro dos

Negócios da Guerra, datada de 13 de de-zembro de 1869, o marquês de Caxias, co-mandante-em-chefe das forças militares brasileiras no Paraguai, depois de louvar feitos de bra-vura praticados pela tropa brasileira e por seus oficiais, lamentava ter que relatar que assistira a "muitos atos

Para os estrangeiros, o Brasil tinha um exército de

escravos, o que estava longe de representar a verdade

0.200+_28

~

Ricardo Salles

Negros guerreiros

Membros do 24° Corpo de Voluntários da Pátria da Bahia, formado exclusivamente de soldados e oficiais negros, mas não escravos: os zuavos. Detalhe do quadro Vista do interior da fortaleza de Curuzu tomada de montante, 20 de setembro de 1866, de Cándido lópez

(16)

~2_004

brasileiro foi

29

Combatentes fotografados após o conflito, entre os quais o cabo Francisco Lacerda, ou "Chico Diabo" (de pé, terceiro da esquerda para a direita), que teria matado Solano López: a presença de negros e mulatos do lado como escravos interpretada de forma preconceituosa, considerando todos EXCURSÃO AOPARAGUAI

Ia data, 3.897, ou 5,49% do total, eram libertos. O Re-latório, entretanto, assumia que o mapa era incomple-to por falta de dados de algumas províncias e que o número de libertos deveria ser maior. Entretanto, não há por que acreditar que este número tenha sido supe-rior a 10% do contingente enviado ao Paraguai. Dife-rentes investigações sobre o assunto, examinando do-cumentação de recrutamento em províncias que mais enviaram soldados para a guerra, como Rio Grande do Sul, Bahia e Rio de Janeiro, confirmam esta afirma-ção. Mais ainda, sabemos pelas atas de reuniões do Conselho de Estado, reali-zadas na virada dos anos de 1866 para 1867, que foi considerada e, em segui-da, descartada a alternativa de se liber-tarem escravos em massa para atender às necessidades da guerra. Segundo a maioria dos conselheiros, a medida se-ria de difícil execução, muito onerosa aos cofres do Estado, já que os donos dos cativos teriam que ser indeniza-dos, e poderia vir a colocar em perigo a ordem pública. Por tudo isso, o Conselho recomen-dou que a libertação de cativos para a guerra fosse rea-lizada de forma controlada.

E é exatamente neste ponto que o "Mapa" forne-ce elementos para se desfazer um segundo equívoco: o de que escravos foram libertados para substituir seus senhores nas fileiras. Os 3.897 libertos arrolados no "Mapa" estão divididos em cinco categorias: da Nação (267); da Casa imperial (67); dos Conventos (95); da Conta do governo (1.806); Gratuitos (753) e Substitutos (889). Escravos da Nação eram os

afri-compravam escravos

para irem

à

guerra

em seus lugares Para evitar a

convocação, pessoas

remediadas pagavam

substitutos ou

ainda escravos que apenas mudaram de senhor ...". Caxias se referia aos libertos, isto é, escravos recém-li-Jertados por seus senhores, no caso com a finalidade de servir no Exército em campanha no Paraguai.

A participação de libertos na Guerra do Paraguai é

mIl dos assuntos mais falados e mais deturpados de nossa história. Depois de um longo período em que :oi simplesmente ignorada, a partir dos anos 70do sé-;:ulo XX, sua presença na guerra passou a ganhar

gran-e dgran-estaqugran-e. Ngran-esta época, consolidou-sgran-e uma imaggran-em o exército imperial como composto majoritariamen-êe por negros escravos, libertados para fazer a guerra

e seus senhores. Estes, diante da convocação militar, ~eriam optado por enviar seus cativos para a guerra. ?or um lado, o silêncio e mesmo acobertamento da _>articipação de libertos na guerra realizados pela me-:nória oficial, sobretudo militar, com seus heróis e mo-:cIumentos grandiosos. Por outro, baseada em teste-;nunhos preconceituosos e racistas de paraguaios, ar-5entinos, europeus e mesmo de brasileiros, a crítica iácil e sensacionalista de uma versão alternativa que 5ê contenta em ridicularizar a nossa história, sempre . ta como farsa. Duas versões opostas, mas que .:onduzem a um mesmo resultado cruel: um povo 5êm história, ou com uma história envergonhada.

Logo de início, um primeiro equívoco desta memó-:ia perversa a ser desfeito: como a grande maioria dos soldados brasileiros era composta por negros e mes-:icos, portanto eram todos escravos.

:::na relação simplificada que esconde .:::n enorme preconceito, ainda pre-5-.."J1teno senso comum e em inúmeros ::=:rtoshistoriográficos, que equiparam :::egros a escravos. Em 1867, no auge

a guerra e do recrutamento, os escra-"os eram 12,4% da população, en-0lanto que negros e mestiços livres re-:cresentavam 52,5% deste total. Assim, não há por que assumir, como fizeram ?araguaios, argentinos e testemunhas

=strangeiras, que os soldados brasileiros, por serem em _a maioria negros, eram escravos. E os cativos liber---dos para compor as fileiras do Exército que tanto in-:omodavam Caxias? Não seriam uma comprovação

c:_ tese de que escravos libertos por seus senhores

--mporiam a maioria da tropa que fez a guerra? Um "Mapa dos libertos que têm assentado praça .:.zsdeo começo da guerra': realizado em abril de 1868, ~e consta doRelatório da Repartição dos Negócios da

:;~a,

pode lançar alguma luz sobre o assunto. Dos -~.9-!3 indivíduos enviados para o Paraguai até aque-:Ta nosso am à in-om "seus 1lll0ralS, e ão,dados eendemo nsideram

(17)

cio e angariar algum prestígio a seus donos por seu ato patriótico de contribuição ao esforço de guerra. Prestígio que também buscavam os senhores que ofereciam seus escravos como Voluntários da Pátria, sem requerer qualquer contrapartida financeira, co-mo podeco-mos observar na rubrica dos Gratuitos.

Éna categoria dos Substitutos, pouco menos de um quarto do total, que podemos encontrar os escra-vos libertados para fazerem a guerra de seus senhores. Esta rubrica continha claramente o caso dos indiví-duos que, convocados para a guerra, enviaram um substituto em seu lugar, prática comum na época, no Brasil e em outros países. Não era raro pagar um in-divíduo livre como substituto para o serviço militar, inclusive e talvez principalmente nos períodos de guerra. Na sociedade escravista brasileira, poderia ser mais barato comprar um escravo para este fim, ainda que os documentos também revelem o caso de subs-titutos pagos.Éduvidoso, no entanto, que os que as-sim agiram fossem filhos de fazendeiros, como quer o senso comum, querendo escapar de suas obrigações militares. Famílias ricas dispunham de meios mate-riais e de prestígio social mais do que suficientes para evitar que seus filhos fossem à guerra como simples recrutas. O mais provável é que se tratasse de pessoas pobres e remediadas, muitas delas pequenos proprie-tários de escravos, que não tiveram outro recurso pa-ra evitar a ida aos campos de batalha.

Finalmente, houve um número indeterminado de escravos fugidos que se engajaram como homens livres, buscando, assim, se assegurar de que não se-riam reconduzidos ao cativeiro, já que, uma vez aceitos pelo Exército, o governo não permitia sua re-escravização. Mesmo que tivesse que indenizar seus antigos senhores.

A verdade é que o esforço de guerra foi imenso. Entre 150 e 200 mil homens foram mobilizados, um em cada vinte homens, se levarmos em conta somen-te aqueles em condições de alistamento, isto é, entre

15 e 39 anos de idade. Em relação àpopulação cati-va, um em cada grupo de cem escravos do país foi alistado, se estimarmos em 10% das tropas o núme-ro de libertos enviados para a guerra. As conseqüên-cias sociais deste fato ainda não foram de todo anali-sadas pelos historiadores, principalmente quando consideramos que o recrutamento, além daqueles es-cravos que foram libertos especificamente para a guerra, incidiu fortemente sobre os habitantes mais pobres, em sua maior parte negros e mestiços, mui-tos dos quais também libermui-tos, que mantinham rela-ções sociais as mais diversas com a população cativa.

~~

,-canos trazidos ilegalmente para o país depois da proibÍ<;:ão do tráfico internacional de escravos em

1850 e apreendidos pelo governo, que os mantinha-e a smantinha-eus dmantinha-escmantinha-endmantinha-entmantinha-es - sob sua custódia. Formal-mente livres, na prática eram o que a própria desig-nação deixava transparecer, escravos da Nação. Tra-balhavam em obras públicas, eram alugados a parti-culares e, em 1867, prestaram seu último serviço à Nação, indo morrer e matar no Paraguai. Escravos dos conventos pertenciam a estas instituições, for-malmente subordinados ao Estado imperial, e que libertaram seus cativos para a guerra. A categoria Conta do governo, com a maior parcela de libertos enviados para a guerra, representava os escravos li-bertados por seus donos mediante indenização, par-te em dinheiro, parpar-te em títulos públicos.

Libertar escravos fujões, insubmissos ou doentes (ainda que as autoridades militares devessem recusar recrutas sem boas condições físicas) para a guerra mediante indenização, mesmo que parcialmente em títulos públicos, poderia representar um bom

negó----

----....

REVISTA SEMANA fLW5TRADA. RIODE JANEIRO, 11/11/1866

No alto, escravo é libertado e enviado para a frente de batalha no Paraguai: a medida dava prestígio social ao seu ex-senhor. No outro desenho da Semana lI/u5trada, casal de negros do Rio de Janeiro se apresentando para lutar inspirados no patriotismo dos zuavos baianos BR-O 2004- 3

o

(18)

or seu ~erra. es que Pátria, xa, ca-as. nas de 5 escra-nhares. indiví-am um laca, na wn m-militar, ldas de leria ser n, ainda de subs-que as-a quer as-a I . _ ngaçaes I )s mate-tes para simples ~pessaas prapne-:ursa pa-rminada

I

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ças, mUl-ham rela-çãa cativa. .~ VILOf

Izeebol'rl

Recrutas da pátria

Icó, Ceará, 1866. A multidãa cerca a delegacia. Entre eles, pequenas agricultares, funcianá-rias públicos e autoridades lacais, incluinda a Juiz de Paz e um subdelegada. Exigem a "Iiber-taçãa" de um maradar da vila que havia sida "capturada para recruta". Pauco tempa depais,

ata-..:am a prédia, matam dais saldadas, ferem o chefe de polícia, libertam a recruta e desfilam em triunfa pelas ruas. u d'Alha, Pernambuco, 1867. Um grupa de mais de duzentas hamens armadas .ocupa a cadeia pública, libertan-da 31 recrutas e ta libertan-das as demais presas que ali se achavam. Em ambas as casas as recrutalibertan-das haviam silibertan-da aprisia-"adas para serem enviadas aa Exército, cam a intuito de servir na Guerra da Paraguai.

Recrutar para a Exército fai sempre um problema na Brasil imperial. Durante bÇ>aparte da sécula XIX,farças Ia· cais e um sistema de isenções legais impediam a alistamento. O pequena Exército imperial centrava sua açãa sabre aqueles que nãa contavam cam nenhuma proteçãa: desacupadas, migrantes, criminasas, órfãas e desempregadas.

Mas a ataque aa territória brasileiro sem prévia declaraçãa de guerra gerou muita indignaçãa e um farte senti-"1enta de patriatisma. Para aproveitar a espantânea mabilizaçãa popular em torna da alistamenta, um decreto

mperial, em 7 de janeiro de 1865, cria as corpas de Valuntárias da Pátria, coma parte de uma estratégia para tor-ar a Exército um espaça aceitável ptor-ara brasileiros de todas as classes. A perspectiva de uma guerra curta mativtor-ara a maiaria das valuntárias, além das pramessas de terras, empregas públicos e pensões.

Cam a prolangamenta da luta e as muitas dificuldades, a estada de espírito fai mudanda. O principal faca de con-itos acanteceu com a designaçãa de Guardas Nacianais para a Exército.Ser membro da Guarda Nacianal ainda era, "a década de 1860, um símbala de status e uma das melhares desculpas para escapar aa recrutamento. Além dissa, a :>resrígiode chefes lacais era assaciada àproteçãa que poderiam proparcianar. Aa transferir corpas da Guarda paraa

/ront externa e subardiná-Ias aa Exército,a governa imperial interferia diretamente na autoridade desses hamens. Cam a participaçãa de três segmentas distintas - Voluntárias da Pátria, Exércita de linha e Guardas Nacianais esignadas -, a situaçãa militar se tornau favarável aa Impéria a partir de 1868. Par essa épaca, a libertaçãa de es-cravas para a alistamenta, com indenização aas danas, já se tornara uma palítica .oficial,e durante as últimas três anas da guerra cerca de 10 mil libertas preencheram as fileiras na Exército. A crise estava encerrada, mas a tema ::lermaneceria em debate até a aprovaçãa da alistamento .obrigatória em 1916.

~ ') R IZEC KSO H Néprofessor de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de O cerne da discórdia. A

-Juerra da PaTaguai e a núclea prafissianal da Exércita. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.

"O Pader Maderadar fazenda seleçãa de farçadas para metamarfaseá-Ias e defensares da pátria charge publicada no semanário Bahla lllustradaemsete de 1867: recruta militar era caso polícia

(19)

meiro dever cívico de cidadãos do Império: a defesa da pátria. A sociedade passara por uma experiência única de mobilização de recursos materiais, mas 'principalmente humanos e ideológicos que abalaria

sua estrutura social hierarquizada e traria conse-qüências diretas para a crise da escravidão e do Im- ~ pério, abrindo caminho para o movimento abolicio-nista que tomou conta dos corações e mentes de es-cravos, libertos e pessoas livres na década de 1880.

Éesta memória da guerra, que não deixou ape-nas vestígios estáticos nos nomes de logradouros públicos em nossas cidades, no bronze frio dos mo-numentos ou mesmo nas referências em obras de li-teratura e teatro, que é importante resgatar. Uma memória viva, sofrida e vivida, que se perpetuou em cantigas folclóricas, em ditos populares, como os recolhidos por Manoel Querino, ele mesmo um negro recrutado para a guerra e que, mais tarde, se tornou grande folclorista:

Sou soldado da Pátria aguerrida muito embora nascido na paz nasci livre, qual águia no ninho ser escravo outra vez, não me aprazoCI

RI CARD o SALLES é professor na Universidade Estadual do Rio

de Janeiro (UERJ) e na Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro (Uni-Rio) e autor de Guerra do Paraguai. Memórias e

imagens. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2003.

A guerra equiparou todos - ex-escravos libertos, es-cravos fugitivos, substitutos pagos, recrutas do Exér-cito e da Guarda Nacional, brancos, negros e mesti-ços pobres, jovens patriotas de classe média e de fa-mílias abastadas - como Voluntários da Pátria.

O Rio Grande do Sul foi a província que mais combatentes mandou para o Paraguai, 34 mil solda-dos, 17% de sua população masculina. Localizada em área fronteiriça, contava com uma estrutura militar, baseada na organização de corpos da Guarda Nacio-nal, mais permanente. Por isso o número de Volun-tários da Pátria foi relativamente pequeno, 3.200 sol-dados. A Bahia enviou pouco mais de 15 mil solda-dos, em torno de 2% de sua população masculina, um percentual semelhante à média nacional. Nove mil deles eram Voluntários da Pátria, majoritaria-mente negros e mestiços, sendo os libertos algo em torno de 10% do contingente mobilizado. A Corte, coração político e cultural do Império, enviou 11.461 soldados, ou 8% de sua população masculi-na. Destes, 2.482 eram libertos, 22% do total!

Depois da guerra, a sociedade imperial escravista não seria mais a mesma. O governo tivera que con-tar pesadamente com o concurso de setores sociais antes excluídos da cidadania restrita: negros e mesti-ços livres e mesmo com uma parcela simbólica e so-cialmente significativa de escravos. Já então libertos e, mais importante e inusitado, cumprindo o pri-SOUSA, Jorge Prata de.

Escravidão ou morte. Os escravos brasileiros na Guerra do Paraguai. Rio

de Janeiro: Mauadl ADESA, 1996. IZECKSOHN, Viwr. O cerne da discórdia. A Guerra do Paraguai e o núcleo profissional do Exército. Rio de Janeiro:

E-papers, 2002. NOY.E.M:BRO 2004 3.2 KRAAY. Hendrick. "Escravidão, cidadania e serviço militar na mobilização brasileira para a Guerra do Paraguai': in Estudos Afro-Asiáticos, n.33, setem bro de 1998.

Para saber mais

No alto: Voluntários da Pátria retomam do Paraguai e são recebidos com festa em 1870, no traço inconfundível de Angelo Agostini. Após o esforço de guerra, homens pobres e

ex-escravos tiveram uma nova inserção na sociedade brasileira

(20)

do viajante hoje, erguido à margem da Rodovia Avia-dores deI Chaco que vai do aeroporto internacional até Assunção, rende homenagem àquelas mulheres.

Entre as pessoas que abandonaram Assunção em 1868 estavam minha tataravó Teresa Silva, seus filhos menores e vários parentes próximos. Em 1870, ao final da guerra, a família se encontrava em Espadín, perto da Cordilheira de Mbaracaju, onde havia chegado de-pois de uma difícil marcha de centenas de quilômetros na qual morreram vários de seus membros. Um dos sobreviventes era o meu bisavô Vicente Lamas, então com nove anos, que sua mãe mantinha entre as meni-nas (vestido como uma delas), para que não fosse le-vado para o Exército, que recrutava meninos ainda m 1868, temendo a ocupação de Assunção

pela esquadra brasileira, o marechal Fran-cisco Solano López ordenou o abandono da cidade. Anciãos, mulheres e crianças de pouca idade tiveram que deixar seus lares - homens e adolescentes já tinham ido para o Exército. A ordem não constituía um fato insólito durante a guerra, já que numerosas localidades foram abandonadas por ordem do marechal para impedir que servissem de alo-jamento ou de ponto de apoio para o inimigo. Assim, milhares de mulheres se transformaram emresidentas,

ou seja, seguiam a família acompanhando a marcha do Exército paraguaio, em condições muito precárias. O monumento aias residentas, que chama a atenção

OV.aM"",O 2004

34

Num texto exclusivo para

Nossa História}

escritor paraguaio conta

o drama de sua própria família sob a tirania de Solano López

r:;::y

Guido

Rodríguez

Alcalá

Recordações familiares

à

sombra

de lópez

Família paraguaia fotografada durante o período da guerra. Diferente da memória oficial do país, os relatos familiares revelam uma população

(21)

35 N.OV.EM.-B-RU 20,04

conta

z

~odoviaAvia-internacional mulheres. i\ssunção em ia, seus filhos

1870, ao final spadín, perto 1chegado de-e quilômde-etros bros. Um dos Lamas, então :ntre as meni-: não fosse le-leninos ainda

enores, num esforço desesperado para aumentar xus escassos efetivos. Já no final da guerra, o Exército ?<liaguaio era constituído de poucas centenas de va-:i>esmal armados, com insuficiente formação militar, ~ muitos dos improvisados soldados eram crianças.

A historiografia patriótica exaltou essas mulheres e aleninos e, se as tradições familiares valem alguma coisa, posso dizer que aquelas heroínas e heróis infan-. não pareciam sentir-se à vontade no papel que lhes :oi destinado para a posteridade; ainda que fosse con-"eniente expressar o contrário para evitar castigos se-'·eríssimos. Num ato público (dos muitos organiza-dos durante a disputa), minha antepassada Teresa

Sil-va pronunciou um discurso afirmando que "depois de perder o marido e seus irmãos no campo de bata-:ha, oferecia à pátria a única coisa que lhe restava: suas ·óias". A oradora passou para a história oficial como um exemplo de patriotismo, porém tenho provas de que não estava dizendo o que pensava. Mais tarde, na intimidade, dizia d. Teresa a seus filhos sobre a Batalha de Tuiuti, em maio de 1866: "Para o inimigo, aquilo foi como um concurso de tiro ao alvo".Esta é a yersão que chegou através de várias gerações.

De acordo com a tradição familiar, vi a Batalha de Tuiuti como a matança de soldados paraguaios que marchavam para a derrota atravessando pântanos, quando a pólvora então se umedecia, para atacar um inimigo superior em número, armamento, e em

po-sição mais vantajosa. Leituras posteriores de aná-lises militares me confirmaram o essencial da versão daquela anciã que não conheci. Ainda' que a história rigorosa não possa confirmar todo o conteúdo da informação oral. Co-mo na seguinte anedota em que o mare-chal López diz, em 1868, à minha antepas-sada: "Comadre, espero-a para tomar um trago em Santa Cruz". Isto confirmaria os rumores de que López pensou em fugir pa-ra a Bolívia quando se viu perdido. Incorpo-rados àhistória escrita, esses boatos não foram provados, porém indicam que muitos de seus contemporâneos estimavam pouco o marechal do século XIX, declarado herói máximo no século XX.

As dúvidas de d. Teresa a respeito da capacidade, valor e humanidade de Solano López representavam uma opinião mais generalizada do que certa historio-grafia posterior pretendia. Em 1865, o cônsul francês no Paraguai relatava a seu governo, por exemplo, que as mulheres do mercado de Assunção tinham realiza-do uma manifestação de protesto contra uma guerra que matava todos os seus homens. Os informes de au-toridades policiais paraguaias também registravam inúmeras mulheres encarceradas por afirmar que a guerra estava perdida. Os poucos testemunhos escri-tos por residentas denunciam o que hoje chamaría-mos de violações dos direitos humanos.

Teresa Lamas. avó do autor e neta de

residenta. Seu pai teve

que se disfarçar de menina para escapar ao recrutamento, que não poupava crianças do sexo masculino, como pode ser visto na charge daSemana

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Nascido após o segundo casamento de d. Dolores, Juan Emiliano O'Leary maldisse o "tirano López" em seus escritos juvenis, mas depois o exaltou tanto a ponto de se converter em seu "reivindicador" por ex-celência. As razões? O dinheiro oferecido por Enri-que Solano López, de acordo com as explicações ofe-recidas pela família. Deixando de lado a má vontade familiar, o fato é que, em 1883, Enrique Solano López, filho do marechal e de Elisa Lynch, voltou da Europa (onde havia estado durante a guerra e na dé-cada seguinte) com o propósito de reclamar os bens familiares confiscados pelo governo paraguaio. Segundo o historiador norte-americano Harris Gaylor Warren, tratava-se de uma fortuna, pois os López possuíam a metade do país. As estimativas exatas são impossíveis de se dizer, mas as de Warren não se afastam muito da verdade, pois, ao final de 1869, o marechal López doou a Elisa Alicia Lynch 3.317.500 hectares de terras ao norte do rio Apa, no atual território brasileiro do Mato Grosso; 5,7 mi-lhões de hectares ao sul do rio Apa, no Paraguai; e 400 mil hectares na província argentina de Formosa. A reclamação do herdeiro chegou aos tribunais dos três países e foi rechaçada pelos tribunais paraguaios em 1888, pelos brasileiros em 1902 e pelos argentinos em 1920. De qualquer forma, a campa-nha de reabilitação histórica empreen-dida em conjunto com a reclamação judicial seguiu adiante e teve êxito.

Naquela altura, remando contra a corrente anti-López, O'Leary iniciou a partir de 1900 uma campanha de exal-tação, sem nenhum fundamento his-tórico, mas com muitos recursos retó-ricos. O "reivindicador" insistia que o patriotismo era uma questão mera-mente afetiva, como o amor à mãe -"Não é possível que o filho tenha direito de discutir a honra de sua mãe" -, e que patriota e "Lopista" eram sinônimos. Transformou-se assim num dos expoentes do chamado revisionismo histórico do Rio da Prata, que no juízo negativo de Jorge Luis Borges (1899-1986) consiste em revisar a história em busca do tirano favorito, que pode ser o tirano argentino Rosas ou qualquer outro.

O terreno ainda não era propício para o revisio-nismo, mas a situação mudou radicalmente por causa da guerra com a Bolívia (1932-1935), que conferiu ao Exército paraguaio um poder político enorme até a queda de Stroessner, em 1989. A força armada buscava uma justificativa ideológica e a

Na intimidade, dizia

d. Teresa a seus filhos sobre a Batalha de Tuiuti, em maio de 1866: "Para o inimigo, aquilo foi como um concurso de tiro ao alvo"

Não vi, porém me disseram e acredito, que outro parente meu, Juan Emiliano O'Leary (1879-1969), chamado depois o "Reivindicador'; esteve no meu ba-tismo, o que é plausível. Ele era primo de minha avó paterna Teresa Lamas - neta daquela Teresa Silva que caminhou desde Assunção até Mbaracaju como resi-denta - e grande amigo de meu avô materno. A mãe de O'Leary, Dolores Urdapilleta, também percorreu esse caminho, porém em

circunstân-cias mais difíceis, pois ela não era

re-sidenta, mas destinada (enviada), ou seja, pertencia a família proscrita po-liticamente. Esse tipo de situação acontecia porque no Paraguai até 1870 estavam em vigor as Leis de "Sete Partidas'; leis espanholas do sé-culo XlII. Como no direito medieval existia a responsabilidade penal cole-tiva, o erro de uma pessoa compro-metia toda a sua família, sem

distin-ção de sexo ou de idade. D. Dolores, por seu parentes-co parentes-com réus polítiparentes-cos, passou a ser destinada, que equi-valia a "traidora': Aplicadas regularmente no Paraguai, as Leis das "Sete Partidas" prescreviam a tortura, a pe-na de morte, o confisco de bens e o desterro por mo-tivos políticos. O delito de d. Urpadilleta foi ter sido esposa do juiz Bernardo Jovellanos, que se negou a proferir uma sentença de acordo com as ordens de López, o que lhe valeu o cárcere onde morreu de do-ença e maus-tratos. D. Dolores também pertencia à fa-mília Urdapilleta, na qual havia vários "réus traidores da Pátria'; segundo a terminologia oficial. Por isso, ela foi "enviada" a diferentes lugares do país e viu morrer vários de seus filhos com Jovellanos.

ACERVO PARTICULAR NOVl.MBRO 2004

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A xilogravura publicada no jornal paraguaio Cabichuí em 1867 mostra mulheres acompanhando as tropas do país. Ao contrário do que diz a hístoríografia tradicional, elas foram forçadas a seguir para o combate

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Para saber mais

ALCALÁ,Cuido Rodríguez.Cabal/era,

Pono Alegre: Ediwria Tchê', 1994. ___ oResidentas, destinadas y traidoras. Assunção: RP Ediciones, 1987. ___ oIdeologia autoritária. Assunção: RP Ediciones, 1987. No alto, o Panteâo Nacional dos HerÓIS, para onde o coronel Rafael Franco, golplsta e de tendência fascista. mandou trasladar os resws mortais de lopez: em 1936. Tentava-se apagar a memóna das famílias paragualas forçadas a se d como as da fotu"

San Pedra a durante o c

rano sob o mesmo teto, apesar das restrições de or-dem religiosa - López não podia repousar em terre-no consagrado porque, em vida, havia fuzilado de-zenas de sacerdotes além do bispo Palácios, ato pe-lo qual acabou excomungado. Mas a Igreja não quis atrito com o Exército e aceitou a explicação de um intelectual católico: não existia possibilidade de que os ossos trazidos de Cerro Corá, onde estavam nu-ma tumba anôninu-ma desde 1870, fossem os do exco-mungado, não sendo, assim, violada a lei canônica.

O "Iopismo" como dogma de governo se impôs no Paraguai como conseqüência do militarismo e da difusão de idéias fascistas, em meados da década de 1930. Por volta de 1960, ganhou legitimidade de-vido a um erro da teoria da dependência, que viu no marechal López um herói antiimperialista. Feliz-mente, novos historiadores, como Francisco Dora-tio to, nos permitem ter uma visão mais exata do conflito e do ditador paraguaio. m

GUIDO RoDR ÍG UEZ ALCALÁ é escritor,formado em Direito

em Assunção, e Literatura e Ciências Políticas nos Estados Unidos.

-obriu convenientemente no militarismo de _eary, fortalecido pelas idéias de ultramar

(espe-ente da Alemanha e da Itália). Pouco depois de . ada a guerra com a Bolívia, em 17 de feverei-de 1936, o coronel Rafael Franco feverei-deu o golpe feverei-de o que o manteria por um ano no poder. Franco foi cruel mas não deixava claro se queria ser so-'sta ou fascista: por um lado, propunha a

refor-agrária; por outro, manifestava sua admiração enhor Hitler, um dos valores mais puros da Eu-:'a contemporânea".

~a natural que, em 10de março desse mesmo Franco fizesse trasladar ao Panteão Nacional Heróis os restos mortais de Francisco Solano - ?ez, proclamado por decreto herói máximo. Era mral, também, que a cerimônia fosse presidida --r O'Leary, que ainda conheceria uma glória =:uor: alo de março de 1955, na praça adjacente à

::- Panteão dos Heróis, o general Stroessner manda-erguer a estátua do "reivindicador" O'Leary, que ....:;.ehavia solicitado esse monumento.

Para retomar às questões familiares, direi que -'quele 10de março de 1936, junto a O'Leary, esta-_ presente no Panteão sua prima, Teresa Lamas, ~eta de uma residenta, e que não estava ali para ren-::.er homenagem a López, pois dele havia formado ..::::Iapéssima opinião ouvindo os relatos de sua avó. ~ representava as mulheres católicas, já que o Pan---=0 Nacional dos Heróis era também o local do .atório da Virgem, propósito para o qual foi ini-. da sua construçãoini-. Como o Paraguai era um país .:ztólico e o povo reclamava que não se podia usar o ~plo para sepultura de um excomungado, Franco

.:--idiu dar um "jeitinho", deixando a Virgem e o ti-d. Dolores,

López"em ou tanto a ar" por ex-, por Enri-cações ofe-ná vontade lue Solano I,voltou da na e na dé-nar os bens paragualO. mo Harris ma, pOlS os estimativas 5de Warren ao final de icia Lynch rio Apa, no 5S0; 5,7 mi-Paraguai; e He Formosa. ribunais dos t . paragualos ISargentinos na, a campa-~a

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Referências

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