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INFECÇÃO VIH E IMIGRAÇÃO EM PORTUGAL

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Academic year: 2021

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INFECÇÃO VIH E IMIGRAÇÃO EM PORTUGAL

Domitília Faria – Assistente Hospitalar de Medicina Interna – Hospital do Barlavento Algarvio Helena Ferreira – Assistente Graduada de Saúde Pública – Comissão Distrital de Luta Contra a Sida/ARS do Algarve

INTRODUÇÃO

Uma vez que o tema central deste 3º Congresso Virtual é “O Mundo Lusófono e a infecção VIH/SIDA”, pareceu-nos importante abordar a perspectiva das comunidades imigrantes neste contexto, pois é hoje universalmente reconhecida a sua vulnerabilidade a esta infecção.

Não devemos esquecer que, se hoje se pode falar num “Mundo Lusófono”, é porque, no passado, existiram portugueses que um dia partiram “…da Ocidental praia Lusitana...”, por motivos sociais, económicos, políticos ou tão sómente por um instinto básico de sobrevivência, em busca de melhores condições de vida.

Nós portugueses, emigrantes de outrora e num passado ainda bem recente, temos responsabilidades acrescidas no acolhimento daqueles que agora procuram o nosso país, movidos, na grande maioria dos casos, por esse mesmo instinto que leva o Ser Humano a não se deixar abater pela adversidade e a lutar por uma vida melhor.

IMIGRAÇÃO E SIDA

A imigração é actualmente um dos fenómenos mais significativos com que se confrontam as sociedades industrializadas. As causas para este fenómeno são múltiplas, salientando-se entre elas:

- problemas crónicos de subdesenvolvimento em muitos países africanos, asiáticos e sul-americanos

- a queda dos regimes comunistas na Europa de Leste e desmembramento da antiga URSS com consequentes alterações socioeconómicas

- as guerras e conflitos étnicos, nos Balcãs, em África, no Médio Oriente, apenas para exemplificar algumas das regiões do mundo afectadas, pois muitas outras compartilham os mesmos problemas

Em 2002 a UNAIDS estima em 150 milhões o número de imigrantes que vivem e trabalham fora do seu país de origem e cerca de 2 a 4 milhões de pessoas emigram todos os anos.

A motivação fundamental que leva as pessoas a abandonar o seu país prende-se com as maiores oportunidades de emprego e possibilidade de melhoria económica, os reencontros familiares e a fuga à pobreza, à guerra, às violações dos direitos humanos e às perseguições políticas e “limpezas” étnicas.

A relação das migrações humanas com a infecção VIH é complexa e dependente de vários factores, assumindo características diferentes consoante as situações geográficas e populações em estudo. Será incorrecto assumir que os imigrantes têm maior probabilidade de ser infectados no país de origem. A exposição ao VIH pode ocorrer em qualquer das etapas do

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processo migratório – país de origem, locais de trânsito, destino ou retorno à origem.

No entanto, a quebra de laços familiares, a falta de recursos económicos, o isolamento e a marginalização, a dificuldade no acesso aos Cuidados de Saúde, são factores comuns , que, acrescidos de barreiras linguísticas e culturais, tornam as comunidades imigrantes particularmente vulneráveis a esta infecção, no país de acolhimento.

Esta vulnerabilidade tem vindo a ser assinalada pela UNAIDS que considera uma prioridade a garantia do acesso à informaçao e aos Cuidados de Saúde destas populações, em igualdade de condições com os nacionais do país em que se encontram. É também considerada uma prioridade no Plano de Acção da Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA para o corrente triénio 2001/2003.

“Nos países desenvolvidos há evidência de que o VIH se está a mudar para as comunidades mais pobres e desfavorecidas, com as mulheres em particular risco de infecção” UNAIDS 2001

“Dados epidemiológicos europeus mostram que a proporção de novos casos de SIDA em migrantes está a aumentar.

… evidência proveniente da Bélgica, França e Reino Unido mostra que as populações migrantes tendem a procurar quer o teste do VIH quer o tratamento, mais tardiamente do que a restante população.” UNAIDS 2002 “Viver à margem da sociedade, com fraco conhecimento da linguagem e em contiguidade com meios carenciados e criminalidade, expõe os imigrantes a riscos diferentes da população local. Nestas situações o VIH/SIDA , a Toxicodependência, as Doenças Sexualmente Transmissíveis e outros flagelos como a Tuberculose, encontram terreno socioeconómico e comportamental para crescer e desenvolver-se…

…Deste modo torna-se evidente que o problema da infecção VIH/SIDA nos imigrantes é extremamente importante, assim com a monitorização das condições dos serviços que lidam com estes problemas. De facto acções preventivas, aconselhamento, acesso facilitado aos testes, à terapêutica antiretroviral e monitorização dessa terapêutica, devem adaptar-se às necessidades dos imigrantes e às suas particulares condições de vida

… o nosso objectivo é protegê-los e, simultâneamente, protegendo-os a eles, estamos a proteger-nos a todos nós”

Giovanni Rezza

AIDS and Mobility Project Final report 2000-2001

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SITUAÇÃO EM PORTUGAL

Portugal, tradicional país de emigrantes, tornou-se, após a revolução de 25 de Abril de 1974, um destino procurado por grande número de trabalhadores provenientes dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP). Mais recentemente assiste-se a um fluxo cada vez maior de trabalhadores que chegam dos países do Leste Europeu (Fig.1 e Fig.2).

Em 1999, 79% dos pedidos de autorização de permanência foram de jovens com menos de 35 anos. Na população estrangeira residente em Portugal em 31/12/01, 43,7% são mulheres. Lisboa, Faro e Setúbal são os distritos de residência escolhidos em três quartos dos casos (Fig.1).

Fig.1 - Stock de Residentes Estrangeiros em Portugal em 31/12/2000 por País de Origem e Residência (T = 208 198)

( Fonte: Serviço de Estrangeiros e Fronteiras – Ministério da Administração Interna ) 27% 2% 48% 13% 10% EU Eur.Leste África Brasil Outros 55% 13% 10% 6% 16% Lisboa Faro Setúbal Porto Outros 56% 16% 19% 9% Eur. Leste África Brasil Outros

Fig.2 - Autorizações de Permanência 01/01/01 a !7/01/02 por País de Origem (T = 131 010 )

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Os estrangeiros representam 10% do total de casos notificados de Infecção VIH/SIDA em Portugal até 30/06/02, não parecendo ter havido variações significativas ao longo das duas décadas em estudo (Fig.3). Os africanos representam 84% dos casos notificados em estrangeiros e destes, apenas 8% não pertencem aos PALOP (Fig.4 e Fig.5). Os imigrantes do Leste Europeu não têm ainda expressão significativa nos casos notificados – 8 casos até agora.

Fig.3 - Casos notificados Infecção VIH / SIDA em Portugal até 30/06/2002 (T = 20 975) 82% 10% 8% Portug. Estrang. Desc. 0 2000 4000 6000 8000 83 - 93 94 - 2002 Estrang. Portug. 84% 0% 7% 3% 6% África Leste Brasil Outros Europa 24% 28% 30% 7%3% 8% Angola C.Verde Guiné Mocamb. S.Tomé Outros

Fig.4 - Estrangeiros em Portugal com Infecção VIH / SIDA (T = 2040) Distribuição por País de origem

Fig 5 – Africanos em Portugal com Infecção VIH / SIDA (T = 1697) Distribuição por País de origem

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Como residimos e trabalhamos no Algarve, que é uma região de elevada incidência de infecção VIH no nosso país, procurámos recolher alguma informação sobre a situação no nosso distrito. Verificamos que embora os africanos constituam apenas 27% dos estrangeiros residentes legalizados, eles representam 70% dos casos de infecção VIH/SIDA notificados no distrito de Faro, testemunhando a elevada incidência desta infecção na comunidade africana (Fig.6 e Fig.7). Por outro lado também verificámos que, analisados os números a nível nacional global, não parece haver diferenças entre nacionais e estrangeiros em relação ao estadio à data da notificação – 49% em estadio SIDA; no Algarve este valor baixa para 28,2%, mas se

analisarmos separadamente a população africana, verificamos que 51% apresentava critérios de SIDA, o que aponta para um diagnóstico tardio nesta população(Fig.8).

Fig.8 – Distribuição por Estadio à data da notificação (2002)

60% 27% 9% 3%1% Europa África Américas Ásia Outras 18% 70% 12% Europa África Américas

Fig.6 – População Estrangeira residente no Algarve

por País de Origem em 31/12/01 (T = 31343)

Fig.7 – Infecção VIH/SIDA no Algarve em Estrangeiros em 30/09/02 (T = 104) 0% 20% 40% 60% 80% 100% Portu g. Estra ng. Afric anos PORTUGAL 0% 20% 40% 60% 80% 100% Portu g. Estra ng. Afric anos ALGARVE SIDA CRS PA

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A infecção VIH em imigrantes no Algarve, parece continuar com uma tendencia sempre crescente pois num estudo recente que efectuámos no Hospital do Barlavento Algarvio, em que analisámos as características epidemiológicas dos novos casos diagnosticados neste Hospital, nos últimos 3 anos, encontrámos, em 112 novos casos, 27% de imigrantes.

As situações de clandestinidade, cujos números desconhecemos mas que são uma realidade, e as dificuldades no acesso aos Cuidados de Saúde que é feito sobretudo através das Urgências e em situação de doença, muitas vezes grave, contribuem para esta situação.

A Constituição da República Portuguesa garante às populações móveis os mesmos direitos que os cidadãos portugueses, de acordo com o princípio de equiparação de direitos entre cidadãos nacionais e estrangeiros.

A legislação portuguesa procurou adaptar-se a esta nova realidade migratória, através da Lei nº134/99 de 28 de Agosto, que “…tem por objecto prevenir e proibir as discriminações no exercício de direitos por motivos baseados na raça, cor, nacionalidade ou origem étnica”. Esta Lei foi regulamentada pelo Decreto Lei nº111/2000 de 4 de Julho e o Despacho nº25360/2001 de 12 de Dezembro veio regulamentar o acesso aos Cuidados de Saúde por estas populações “…é relevante que os meios de saúde existentes sejam disponibilizados a todos os que deles necessitam, na exacta medida das suas necessidades subjectivamente concretizadas, independentemente das suas condições económicas, socais e culturais.”

Em teoria esta legislação permite a assistência gratuita, em igualdade de condições com os nacionais, a todos os cidadãos estrangeiros com infecção VIH a residir no nosso país, mesmo se em situação de ilegalidade – na prática a situação é mais complicada, nomeadamente para os imigrantes clandestinos, que desconhecem os seus direitos e temem recorrer a Serviços Oficiais por medo de deportação. Por outro lado aguardam-se alterações à lei que regulamenta a concessão de Autorizações de Residência a estrangeiros, que concerteza irão ter implicações no actual panorama da imigração em Portugal.

COMENTÁRIOS FINAIS

O fluxo migratório em Portugal aumentou e modificou-se nos últimos anos coexistindo actualmente comunidades com características epidemiológicas e socioculturais distintas, das quais se destacam:

– uma comunidade africana mais antiga, com características culturais que dificultam a adesão à prevenção, a ser infectada em Portugal por via sexual mas também pela utilização de drogas endovenosas, já com os problemas inerentes a uma 2ª geração mal adaptada, em paralelo com imigração africana mais recente, muitas vezes clandestina e não dominando a língua portuguesa, que poderá já chegar infectada do país de origem e que só recorre aos Serviços de Saúde em situação de doença incapacitante ou gravidez, por dificuldade no acesso ou receio de deportação

– uma comunidade muito recente da Europa de Leste, também muitas vezes não legalizada e com dificuldade ou receio de recorrer aos Cuidados de Saúde, ainda não infectada ou com infecção recente não sintomática e não diagnosticada, pouco informada sobre a infecção VIH

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no nosso país, com dificuldade na comunicação pelo desconhecimento da língua portuguesa, constituída na sua maioria por jovens adultos saudáveis em elevado risco de contaminação por via sexual

A prevenção de novas infecções e diagnóstico precoce das já existentes, nas comunidades imigrantes, deve ter em conta esta diversidade, sendo necessário a participação e colaboração activa dos seus membros nas estratégias a implementar.

“A SIDA prospera na exclusão; em contrapartida, incluir pessoas vulneráveis em todas as respostas disponíveis, é um meio de aumentar a resistência global da sociedade à epidemia …

As intervenções e programas mais eficazes são aqueles que são talhados para as realidades e necessidades específicas das pessoas a que se destinam” UNAIDS 2002

Agradecimentos

Agradecemos à Dra.Teresa Paixão,do Centro de Vigilância Epidemiológica de Doenças Transmissíveis (CVEDT), e à Dra.Carla Martingo, da Comissão de Luta Contra a SIDA a colaboração prestada na cedência dos dados que lhes solicitámos

BIBLIOGRAFIA

1. Infecção VIH/SIDA – A situação em Portugal em 30/06/02

Estudo dos casos de SIDA,CRS e PA com residência no distrito de Faro em 30/09/02

CVEDT – Instituto Nacional de Saúde

2. Report on the global HIV/AIDS epidemic – UNAIDS 2002

3. Aids and Mobility Project – Final Report 2000/2001 – Commission of the European Communities

SITES DE CONSULTA

www.cnlcs.pt– Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA

www.acime.gov.pt– Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas www.unaids.org– Programa das Nações Unidas contra a SIDA (ONUSIDA)

Referências

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